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As 150 mil pessoas que foram para um país em guerra à procura de uma vida melhor

Milhares de pessoas tentam todos os anos entrar no Iémen — um país em guerra em situação de pobreza persistente — em busca de oportunidades de trabalho. Em 2018, ali chegaram mais “migrantes irregulares” do que os que atravessaram o Mediterrâneo em direção à Europa

Imagine-se um país com quase 30 milhões de habitantes onde, em cada 100, 74 vive dependente de ajuda humanitária, 60 corre o risco de passar fome, 57 não tem acesso a água potável e 53 sobrevive sem serviços de saúde. Esse país está tomado por uma guerra civil e a sua população exposta ao pior surto de cólera em todo o mundo. Ainda assim, a cada ano que passa, milhares de pessoas arriscam a vida para entrarem nesse país em busca… ‘de uma vida melhor’.

É o que se passa no Iémen, um dos países mais pobres do mundo e, atualmente, palco de uma grande tragédia humana — a “maior crise de dimensão humanitária em todo o mundo”, nas palavras do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. Em 2018, estima-se que tenham entrado naquele país à volta de 150 mil pessoas em situação irregular — uma média de mais de 400 pessoas por dia —, a esmagadora maioria das quais por razões económicas.

Esta realidade torna-se mais chocante quando se constata que esse número é superior à quantidade de “migrantes irregulares” que, no mesmo período, cruzaram o Mar Mediterrâneo para tentar entrar na rica Europa. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM) — liderada desde 1 de outubro passado pelo português António Vitorino —, no ano passado (até 19 de dezembro) tinham entrado no Velho Continente, por mar, 113.145 pessoas.

No Iémen, “os migrantes citam uma miríade de razões para as suas deslocações, incluindo perspetivas económicas limitadas, instabilidade política e degradação ambiental nos países de origem”, explica ao Expresso Angela Wells, do gabinete de Informação Pública da OIM. “A grande maioria quer chegar à Arábia Saudita [contígua ao Iémen], onde espera encontrar oportunidades de trabalho.”

São oriundos da Etiópia, numa percentagem superior a 90%, sendo os restantes sobretudo somalis. Para chegar ao Iémen, percorrem a chamada Rota Oriental, que os leva, inicialmente, por percursos terrestres no Djibuti, muito usados por contrabandistas, e depois a bordo de embarcações através do Golfo de Aden. Em menor número, alguns lançam-se a partir da costa da Somália.

“Desde o início de 2014, o Projeto de Migrantes Desaparecidos da OIM registou mais de 700 mortes no Golfo de Aden”, diz Angela Wells.

Enquanto, em 2018, o número de “migrantes irregulares” a entrar na Europa diminuiu comparativamente ao ano anterior, no Iémen aumentou em 50%. “Esta é uma das rotas migratórias mais jovens do mundo”, acrescenta a responsável da OIM. “Estima-se que 20% dos migrantes sejam menores — muitos deles desacompanhados —, inconscientes ou incapazes de compreender a gravidade do conflito no Iémen.”

Quem se lança rumo ao desconhecido, correndo riscos de vida, age motivado por histórias de outros que partiram e ‘conseguiram’. Esses passaram a enviar dinheiro para as famílias, nos países de origem, que aproveitaram para construir uma casa nova, melhorar a educação das crianças ou regenerar as propriedades agrícolas degradadas por anos de seca.

Mas chegados ao Iémen, os perigos espreitam a cada esquina. “Os mais graves decorrem da violência do conflito, de uma drástica insegurança alimentar e de epidemias de doenças infecciosas”, refere Angela Wells. “O estatuto irregular dos migrantes também aumenta a sua vulnerabilidade à exploração laboral e ao tráfico de pessoas e expõem-nos a abusos por parte de contrabandistas e de traficantes nas rotas do Corno de África.” Longas caminhadas, dias a fio, em rotas áridas e desertas, originam também casos de desidratação e várias doenças.

No terreno — no Iémen e nos países de trânsito —, organizações humanitárias vão disponibilizando abrigos e prestando cuidados para atenuar o sofrimento. A OIM, em particular, ajuda migrantes que, face às adversidades, queiram regressar aos países de origem.

Em finais de novembro passado, a organização reiniciou o transporte aéreo de repatriamento voluntário, levando 418 etíopes (121 dos quais menores) para casa. Os voos estavam suspensos desde 2015, devido ao conflito, que se tornou uma “guerra por procuração” entre os pesos pesados do Médio Oriente: os rebeldes huthis são apoiados pelo Irão (xiita) e as forças leais ao Presidente deposto, Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, beneficiam dos bombardeamentos aéreos efetuados pela vizinha Arábia Saudita (sunita).

A 13 de dezembro passado, na sequência do “caso Khashoggi”, o Senado dos Estados Unidos aprovou o fim do apoio militar à Arábia Saudita no Iémen. Mesmo assim, a aviação saudita continua a bombardear.

(Foto: Na cidade costeira de Obock, no Djibuti, migrantes aguardam, à sombra, que traficantes organizem a sua viagem até ao Iémen OLIVIA HEADON / IOM)

Artigo publicado no Expresso Diário, a 17 de janeiro de 2019, e republicado no “Expresso Online”, a 19 de janeiro seguinte. Pode ser consultado aqui e aqui

Caravana da pobreza segue imparável rumo aos Estados Unidos

Milhares de migrantes oriundos da América Central seguem a pé e à boleia na direção dos Estados Unidos. Donald Trump está disposto a enviar 15 mil soldados para a fronteira para conter a “invasão estrangeira”. O Presidente transformou a caravana dos migrantes um dos principais assuntos da campanha para as eleições para o Congresso desta terça-feira e, num comício, elogiou o “lindo arame farpado” colocado junto à fronteira com o México

Fizeram-se à estrada a 12 de outubro para fugir à pobreza, ao desemprego, à violência dos gangues e à instabilidade política. Partiram da cidade de San Pedro Sula, nas Honduras, e pelo caminho foram ganhando a companhia de muitos outros que, como eles, aspiram por uma vida melhor. São, sobretudo, hondurenhos, mas também cidadãos da Guatemala, de El Salvador e da Nicarágua.

Há quase um mês que milhares de pessoas, divididas agora em três grandes grupos, seguem a pé e à boleia através da América Central com pouco mais do que a roupa do corpo. Na mente, têm um só objetivo: chegar aos Estados Unidos e aí começar uma nova vida.

No último domingo, o grupo que segue na dianteira entrou na Cidade do México, que dista cerca de 800 quilómetros do ponto de fronteira mais próximo do Texas. Para trás, outro grupo seguia ao longo da chamada “estrada da morte”, na direção da cidade de Cordoba, no estado de Veracruz.

O número total de migrantes que integra esta caravana é difícil de determinar, já que este longo cordão humano está constantemente a perder gente — que, vencida pelo cansaço, decide regressar a casa — e a ganhar novos participantes, convictos de que pouco ou nada têm a perder e que partir em caravana é mais seguro do que tentar imigrar com a “ajuda” de traficantes, a quem há que pagar dinheiro que não têm.

Caravana chega aos EUA… através da campanha eleitoral

Na sexta-feira passada, um grupo oriundo de El Salvador, com mais de 1000 pessoas, lançou-se às águas do Rio Suchiate, que serve de fronteira entre o México e a Guatemala. Inicialmente, tentaram fazer o percurso através de uma ponte, mas mudaram de planos quando as autoridades mexicanas exigiram passaportes e vistos e começaram a processar as entradas em grupos de 50 pessoas.

Por pressão norte-americana, o México tem tentado refrear o avanço da caravana, oferecendo documentos de identificação temporários e trabalho a quem pedir asilo nos estados de Chiapas e Oaxaca. No sábado, as autoridades mexicanas informaram que já tinham em mãos 2800 pedidos de asilo e que cerca de 1100 pessoas já tinham sido deportadas.

A maioria dos migrantes quer, porém, seguir caminho rumo a um confronto inevitável com um país sem portas abertas para os receber. “O México está a tentar. Eles estão a tentar mas nós somos diferentes, temos os nossos militares junto à fronteira”, congratulou-se Donald Trump, num comício em Montana. “E reparei em todo aquele lindo arame farpado que estava a ser colocado. O arame farpado, quando usado corretamente, pode ser uma vista bonita.”

Empenhado nas eleições desta terça-feira — nas quais os republicanos batalham por manter o controlo do Congresso —, o Presidente americano tornou o assunto um dos principais temas de campanha. Trump diz estar disposto a mobilizar para a fronteira até 15 mil soldados, para impedir a “invasão estrangeira ilegal” — numa operação que poderá custar 220 milhões de dólares (193 milhões de euros) —, ainda que uma avaliação do Pentágono tenha concluído que a caravana não constitui qualquer ameaça à segurança dos Estados Unidos.

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Migrantes de El Salvador atravessam o Rio Suchiate, que serve de fronteira entre a Guatemala e o México CARLOS ALONZO / AFP / GETTY IMAGES
Uma família hondurenha escala uma floresta após ter atravessado o Rio Lempa, entre as Honduras e a Guatemala JORGE CABRERA / REUTERS
Caminhando pelo asfalto a superfície é menos acidentada, mas o trânsito torna-se um perigo CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Com muitos quilómetros nas pernas, boleias são sempre bem vindas, ainda que em condições desumanas PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
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Caminha-se dia e noite, sempre para norte, na direção dos Estados Unidos PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Ao longo do caminho, os migrantes vão encontrando locais de descanso montados para os apoiar, como estas tendas no espaço da Feira Internacional Mesoamericana, em Tapachula, México PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Pausa para comer e dormir, num pavilhão desportivo em Arriaga, México CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Migrantes dormem numa praça pública de Tecun Uman, Guatemala CARLOS GARCIA RAWLINS  REUTERS
Passeios da cidade mexicana de Mapastepec transformados em colchões PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Ponte cheia de gente à espera de cruzar a fronteira entre a Guatemala e o México PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
Corpos exaustos, indiferentes ao desconforto provocado pelas pedras e pelos carris UESLEI MARCELINO / REUTERS
Um plástico protege da chuva, durante a pausa da noite PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
 
Fé e esperança num novo dia de marcha e numa nova vida nos Estados Unidos CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Enquanto isso, junto à fronteira com o México, militares norte-americanos desfiam rolos de “lindo arame farpado”, como disse Donald Trump DELCIA LOPEZ / REUTERS
O percurso não se faz sem obstáculos. Este portão na fronteira entre a Guatemala e o México veio abaixo PEDRO PARDO / AFP / GETTY IMAGES
A polícia guatemalteca ficou para trás. Segue-se “o confronto” com as forças mexicanas JOHN MOORE / GETTY IMAGES
JOHN MOORE / REUTERS
UESLEI MARCELINO / REUTERS
Agentes da Marinha mexicana patrulham o Rio Suchiate, na fronteira com a Guatemala EDGARD GARRIDO / REUTERS
O hondurenho Luis Acosta segura com toda a força a sua filha Angel, de cinco anos, enquanto atravessam o Rio Suchiate ADREES LATIF / REUTERS
Num ribeiro de Pijijiapan (México), a hondurenha Dari aproveita para dar um banho à sua pequena Rose ADREES LATIF / REUTERS
Durante uma paragem na cidade mexicana de Metapa, alguns migrantes refrescam-se e lavam as roupas CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Em muitas povoações, como em Huixtla (foto), no México, os locais preparam comida quente para os migrantes ADREES LATIF / REUTERS
Noutros locais, como no caso deste grupo de homens em Tecun Uman (Guatemala), a refeição é a possível CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Um homem descasca um ananás, num acampamento improvisado em Isla, México HANNAH MCKAY / REUTERS
“Obrigado México por abrirem os vossos corações”, agradece este hondurenho ORLANDO SIERRA / AFP / GETTY IMAGES
Chegado ao México, o hondurenho Norlan, de 18 anos, estará convencido de que já falta pouco para viver o sonho americano EDGARD GARRIDO / REUTERS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 6 de novembro de 2018. Pode ser consultado aqui

Que tal olhar para os factos?

Manchete da edição do jornal “Daily News”, de 27 de fevereiro de 1993

Terá sido verdadeiramente tempestuoso um telefonema esta semana entre Donald Trump e o primeiro-ministro da Austrália, Malcolm Turnbull, cujo tema central foi a denúncia unilateral de um acordo do tempo de Obama nos termos do qual os EUA aceitavam receber imigrantes detidos naquele país. A sua política de acolhimento é restritiva mas havia o compromisso de Washington acolher 1250 refugiados, alojados em ilhas do Pacífico, pagos pela Austrália.

Tal como sucedera com Merkel ou a NATO, os excessos verbais do novo Presidente terão indisposto mais um velho aliado do país, a Austrália. A retórica de Trump confunde “refugiados” com “imigrantes ilegais” ou “imigrantes” com “terroristas” quando, invocando a segurança nacional, proibiu a entrada de nacionais de sete países: Irão e Iraque (que integravam o “eixo do mal” de George W. Bush), Síria, Somália, Sudão, Líbia e Iémen.

“A proibição não é justificável por motivos de segurança nacional”, diz ao Expresso Alex Nowrasteh, investigador do Cato Institute (Washington D.C.) e autor da análise “Terrorismo e Imigração”. “Houve zero ataques terroristas mortíferos em solo americano realizados por cidadãos desses países.”

A Administração Trump recordou que foi Obama quem identificou os “países preocupantes” para efeitos de visto, ainda que as estatísticas dificultem a compreensão dos rótulos. Nowrasteh apurou que 98,6% dos americanos mortos em ataques de estrangeiros, em 1975/2015, morreram no 11 de Setembro. A Arábia Saudita, pátria da maioria dos piratas do ar, não foi proscrita.

Infografia de Sofia Miguel Rosa. Textos de Cristina Peres

1975-2015

3024
norte-americanos foram mortos em território dos Estados Unidos em ataques terroristas realizados por estrangeiros: 98,6% deles no 11 de Setembro

154
estrangeiros mataram cidadãos americanos em ataques terroristas nos EUA: 54 tinham residência permanente no país, 34 eram turistas e 20 refugiados

0
é o número de terroristas nacionais dos sete países banidos pela Administração Trump que tenham vitimado cidadãos norte-americanos em território dos Estados Unidos

OS MAIS MORTÍFEROS ATAQUES ESTRANGEIROS

11 DE SETEMBRO (2001)
Dos 19 piratas nos quatro aviões, 15 eram sauditas, dois emiratis, um egípcio e um libanês. Matam 2983 pessoas

SAN BERNARDINO (2015)
Um casal mata 14 a tiro num centro social. Ele, de origem paquistanesa, nasceu nos EUA, e ela, que tinha residência permanente, no Paquistão

WORLD TRADE CENTER (1993)
A detonação de um camião no estacionamento faz seis mortos. Os sete atacantes são do Kuwait, Egito, Cisjordânia (Palestina), Iraque e Jordânia

CHATTANOOGA (2015)
Um kuwaitiano imigrado nos EUA desde 1996 abre fogo num quartel do Tennessee. Mata cinco militares

MARATONA DE BOSTON (2013)
Duas bombas junto à meta matam três. Foram deixadas por dois irmãos nascidos na URSS e no Quirguistão

EUROPA REAGE

Reino Unido Ainda não tem data, mas a possível visita de Donald Trump ao país este ano está a incendiar os ânimos. No dia 20, o Parlamento debaterá o assunto em exclusivo, na sequência de duas petições a que já aderiram mais de dois milhões de pessoas. Uma pretende impedir que Trump seja recebido com honras de Estado pela rainha. A outra, da iniciativa de uma menina de 13 anos, é favorável à visita de Estado do Presidente dos EUA.

União Europeia Na sombra do decreto anti-imigração de Trump, os países membros da UE reuniram-se ontem, em Malta, para discutir os fluxos migratórios, nomeadamente através da Líbia. Desde o encerramento da chamada rota dos Balcãs que a pressão migratória se intensificou com origem no Norte de África. Estima-se que 90% dos novos imigrantes chegados à Europa venham através da Líbia e Itália).

ONTEM E HOJE

“Dai-me os vossos fatigados, os vossos pobres. As vossas massas amontoadas que anseiam por respirar em liberdade. O refugo infeliz da vossa costa apinhada. Enviai-me esses sem-abrigo, assolados pela tormenta”
Excerto do poema “O Novo Colosso”, de Emma Lazarus (1849-1887), gravado no pedestal da Estátua da Liberdade

“Se terroristas tentarem atacar os EUA, provavelmente não usarão passaportes de países em conflito. Estas medidas devem ser retiradas”
António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas

Artigo publicado no Expresso, a 4 de fevereiro de 2017

Banidos por Trump afinal não matam

As estatísticas contrariam o Presidente dos EUA. Desde 1975, nenhum norte-americano foi morto nos Estados Unidos por um terrorista dos sete países visados pelo seu polémico decreto

O Presidente dos Estados Unidos justificou a suspensão por 90 dias da emissão de vistos a nacionais de sete países de maioria muçulmana com a necessidade de reforçar a segurança nacional reduzindo a ameaça terrorista. A convicção de Donald Trump é, porém, contrariada pelas estatísticas.

Um relatório do CATO Institute divulgado a 13 de setembro de 2016 — quando Trump ainda lutava pela nomeação republicana às presidenciais —, alerta para o facto de, entre 1975 e 2015, o número de cidadãos norte-americanos mortos em território dos EUA por nacionais de Iraque, Irão, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen — os sete países visados pela decisão de Trump — ser… zero.

Entre 1975 e 2015, nos Estados Unidos, foram assassinadas 3024 pessoas às mãos de “terroristas estrangeiros que entraram no país, como imigrantes ou turistas” — 98.6% dos quais no 11 de Setembro.

Porém, nenhum dos países de que eram naturais os terroristas a bordo dos quatro aviões suicidas foi alvo de restrições por parte da Administração Trump: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Líbano.

RELACIONADO: Que tal olhar para os factos?

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 31 de janeiro de 2017. Pode ser consultado aqui

Mais um muro na Europa para travar os migrantes

Após a construção de uma vedação na fronteira da Hungria com a Croácia e o encerramento da fronteira entre os dois países, Eslovénia e Áustria tornaram-se zonas de trânsito procuradas por milhares de migrantes que sonham com a chegada à Alemanha. Confrontada com esta pressão migratória, Viena quer levantar “barreiras técnicas e sólidas” para controlar o fluxo

Depois da Hungria, é a vez da Áustria. O Governo austríaco tem planos para construir uma barreira junto à fronteira com a Eslovénia, assediada nos últimos dias por milhares de migrantes que querem prosseguir viagem até ao Norte da Europa. Durante uma visita à localidade fronteiriça austríaca de Spielfeld, a ministra do Interior defendeu a necessidade de “medidas especiais de construção” para reforçar a fronteira.

“A situação é especialmente dinâmica aqui, disse Johanna Mikl-Leitner. “Temos tido entre 3000 e 8000 pessoas a atravessar a fronteira [todos os dias]. Mas temos de nos preparar para [um cenário de] 12.000.”

A governante austríaca não apresentou calendário nem orçamento para o projeto. Um documento governamental entretanto divulgado fala apenas de “barreiras técnicas e sólidas ao longo de vários quilómetros”.

Esta quarta-feira, em entrevista à televisão pública Oe1, a ministra procurou justificar a polémica medida: “Trata-se de assegurar uma entrada no país de forma ordeira e controlada, e não do encerramento da fronteira”. Johanna Mikl-Leitner alertou para a proximidade do inverno, que pode originar uma escalada das situações de risco se os migrantes forem obrigados a esperar durante horas sob temperaturas gélidas.

“Sabemos que nos últimos dias e semanas, grupos de migrantes têm ficado mais impacientes, agressivos e emotivos. Se grupos de pessoas começarem a empurrar, com crianças e mulheres apanhadas no meio, serão necessárias medidas estáveis e massivas.”

A um passo da Alemanha

A cidade austríaca de Spielfeld, que a ministra visitou na terça-feira, dista menos de um quilómetro da cidade eslovena de Sentilj. As duas localidades fronteiriças situam-se no coração do mais recente corredor procurado por milhares de migrantes que buscam o “el dorado europeu”.

Esta nova rota foi desbravada após a Hungria ter encerrado a sua fronteira sul com a Croácia, no passado dia 16. Vindos do leste, os migrantes tentam agora atravessar a Eslovénia e depois a Áustria, ambos já no espaço Schengen. Chegados à Áustria, estará a um passo da tão desejada Alemanha.

Segundo as autoridades eslovenas, só nos últimos dez dias, chegaram ao país (de dois milhões de habitantes) à volta de 86.500 pessoas. Na terça-feira, 14.500 encontravam-se ainda em território esloveno; os restantes já terão entrado na Áustria.

Como foi decidido na Cimeira extraordinária sobre a Rota Migratória dos Balcãs Ocidentais, realizada em Bruxelas, no domingo passado, a Eslovénia recebeu, esta terça-feira, os primeiros cinco (todos alemães) de 400 guardas que irão reforçar o controlo da fronteira.

O encontro reuniu chefes de Estado ou de Governo de Albânia, Alemanha, Áustria, Bulgária, Croácia, Eslovénia, Grécia, Hungria, Macedónia, Roménia e Sérvia. Foi também decretado o reforço do dispositivo Frontex junto à fronteira entre a Eslovénia e a Croácia.

Relação azeda entre Berlim e Viena

Enquanto tentava justificar a nova barreira decidida por Viena, a ministra austríaca do Interior criticou também a política migratória de porta aberta da chanceler Angela Merkel. “Sinais dados aos migrantes têm consequências e nós estamos a senti-las.”

A pressão migratória está a azedar a relação entre os dois países vizinhos. Se a Áustria critica as opções do Governo da Alemanha, esta aponta o dedo à falta de informação e de coordenação demonstrada pelas autoridades austríacas.

Só durante o fim de semana, chegaram à Baviera cerca de 15.000 candidatos a asilo vindos da Áustria. Horst Seehofer, primeiro-ministro bávaro, acusou a Áustria de encaminhar migrantes na direção daquela região do sul da Alemanha. “Não podemos nem devemos comportarmo-nos assim uns com os outros”, disse em entrevista ao jornal regional “Passauer Neue Presse”. A atitude austríaca, acrescentou, “está a prejudicar as relações de vizinhança”.

Na terça-feira, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, criticou a lentidão com que os Estados membros da UE estão a responder à pior crise migratória na Europa desde a II Guerra Mundial. “Estão a agir lentamente quando deviam estar a correr”, criticou.

Diante do Parlamento Europeu, Juncker alertou para a urgência na obtenção de mais fundos e mais especialistas para fazer face à dramática situação. “A Turquia precisa de pelo menos 3000 milhões de euros para tentar combater esta crise e nós temos, no nosso orçamento, à volta de 200 milhões de euros”, disse. “Os Estados membros têm de assumir mais responsabilidade e disponibilizar um financiamento mais considerável.”

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), este ano já entraram na Europa mais de 700 mil pessoas, em fuga à guerra e à pobreza em países do Médio Oriente, África e Ásia.

IMAGEM PAWEL WOZNIAK / WIKIMEDIA COMMONS

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 28 de outubro de 2015. Pode ser consultado aqui