Depois do incêndio que consumiu, durante a noite, parte do campo de refugiados de Moria, na ilha de grega de Lesbos, o dia amanheceu sob o espectro da destruição. Muitos refugiados e migrantes que ali viviam regressaram ao campo para tentar recuperar pertences que escaparam às chamas e procurar água
A esperança de encontrar algum pertence intacto ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSDe regresso ao campo, agora destruído, para encher recipientes com água ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSPara trás fica um local onde era difícil viver. Pela frente, a incerteza ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSDesorientação entre os destroços daquilo que até agora era a sua casa ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSUma mulher foge do fogo com a roupa do corpo e com aquilo que as mãos conseguem transportar ELIAS MARCOU / REUTERSRefugiados no campo de Moria ANTHI PAZIANOU / AFP / GETTY IMAGESDe dia, ainda eram visíveis colunas de fumo do fogo que deflagrou às primeiras horas da madrugada ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSSalva do fogo, uma família cedeu ao cansaço, num parque de estacionamento ELIAS MARCOU / REUTERSHabitantes do campo de Moria lavam-se junto aos abrigos destruídos pelas chamas ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSApós uma noite de verdadeiro terror, o drama não terminou com o raiar do dia ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSDe muletas e com máscara de proteção, este homem observa as chamas antes de sair do campo MANOLIS LAGOUTARIS / AFP / GETTY IMAGESAo deus-dará entre destroços e ruínas ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSVidas sem futuro à vista, comum a várias gerações ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSDevastação a perder de vista, no campo para refugiados e migrantes de Moria ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSSem pouso, esta família dorme na berma de uma estrada ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSDe máscara colocada, para se proteger de um drama paralelo ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSCrianças observam à distância a destruição do local a que chamavam “casa” ANGELOS TZORTZINIS / AFP / GETTY IMAGESApesar da dimensão, o incêndio não provocou qualquer vítima mortal ELIAS MARCOU / REUTERSSem ter para onde ir, esperam sentados num passeio junto a uma estrada STRATIS BALASKAS / EPA
Parte do olival junto ao campo também foi consumido pelas chamas ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERS
Uma criança leva nos braços pertences que sobreviveram ao fogo ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERSSem explicações para o que a rodeia, esta criança tem ao seu cuidado dois garrafões da imprescindível água ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERS
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de setembro de 2020. Pode ser consultado aqui
A descoberta de 58 chineses mortos no contentor de um camião em Dover (depois de um odisseia de quatro meses) chocou o Mundo e «aqueceu» o debate da imigração ilegal para a Europa. No 10º aniversário da Convenção Schengen
Alertados para a presença de um camião «suspeito», dois funcionários do porto de Dover (Sul de Inglaterra) tentaram, no domingo à noite, que a abordagem fosse tão natural quanto possível.
Habituados às situações mais insólitas, nunca lhes ocorreu, porém, estarem prestes a testemunhar a mais macabra das cenas de horror. Após abrirem as portas de um camião-frigorífico de matrícula holandesa, e abrirem caminho por entre o pequeno carregamento de caixas de tomate, que «disfarçava» a entrada do contentor, depararam com uma pilha de 58 cadáveres.
Os criminosos não deixaram impressões digitais, mas as autoridades policiais não param de apontar o dedo às mafias chinesas, «donas e senhoras» de um dos negócios mais rentáveis deste final de milénio — o tráfico de imigrantes ilegais para a Europa.
Calcula-se que esta trágica odisseia tenha começado em Fevereiro, na província chinesa de Fujian. Agentes locais das mafias da emigração ilegal terão aliciado as vítimas, com o «Eldorado europeu» no horizonte (ver texto nesta página).
Durante uma semana, estes clandestinos terão viajado de comboio até Moscovo, onde terão apanhado outro comboio até Praga. Da República Checa terão passado «a salto», pela montanha, para a Alemanha — entrando, assim, no espaço Schengen —, onde foram albergados junto de familiares ou células das mafias.
Supõe-se que este seja o grupo de chineses que, em Abril, foi encontrado em Bornem e Puurs — duas aldeias belgas, a sul de Antuérpia. Expulsos do país, foram metidos num comboio com destino a Antuérpia. Mas não foram escoltados, pelo que rapidamente se lhes perdeu o rasto.
Entregues a si próprios, os ilegais passaram, desde então, a constituir uma tentação para quem quer que fizesse da ganância o lema de vida. Já com os chineses em mira, Arjen van der Spek, um engenheiro holandês de 24 anos, acabado de sair de uma prisão espanhola, onde cumprira pena por traficar haxixe de Marrocos, criou — três dias antes da tragédia de Dover… — uma companhia de transportes com o seu nome e sediada em Roterdão.
De seguida, preocupou-se em encher um camião com a maior quantidade possível de «cabeças» — no caso, 60 pessoas, todas com menos de 30 anos, entre as quais quatro mulheres — e entregou o volante a Perry Wacker, um holandês de 32 anos, com algumas incursões no roubo de cargas.
A primeira etapa seria feita por terra, até ao porto de Zeebrugge (Norte da Bélgica); a segunda de «ferry» até Dover, a antecâmara da «terra prometida».
Um «descuido»
Mas ainda em Zeebrugge, um «descuido» tinha levantado suspeitas: o pagamento à P&O Stena Line — a transportadora marítima que assegura a rota Dover-Zeebrugge — fora feito em dinheiro, o que não era habitual.
A suspeita atraiu as atenções e novo alerta foi dado: a Van der Spek era uma empresa totalmente desconhecida. Quando, às 19h30 de domingo, o «ferry» partiu para Dover, já aí era disfarçadamente aguardado.
As quatro horas de travessia do canal da Mancha poderão ter sido fatais. Esse dia tinha sido o mais quente do ano, em Inglaterra, com o mercúrio a ultrapassar os 30ºC. Dentro do contentor, hermeticamente fechado e com o sistema de refrigeração desligado — dada a escassez de carga transportada —, o calor terá superado os 50ºC, levando à morte, por asfixia, de 58 clandestinos.
Os dois sobreviventes são agora preciosos para os 60 agentes ingleses que, juntamente com belgas e holandeses, tentam desmontar a teia criminosa.
Três pessoas detidas
O condutor, o pai deste e o dono do camião foram já detidos. O primeiro incorre numa multa de 120 mil libras (cerca de 38 mil contos) — 2 mil libras (cerca de 636 contos) por cada ilegal transportado — e já respondeu ontem em tribunal por homicídio involuntário.
Ao fim de quatro meses, os malogrados imigrantes chineses chegaram finalmente ao destino — mas mortos. «A imigração é uma guerra. Brevemente, será necessário erigir um monumento ao ‘imigrante desconhecido’», comentou «L´Unità», o diário italiano ligado aos democratas de esquerda.
Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de junho de 2000
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.