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Os barcos da ilusão

Perseguidos em Myanmar ou refugiados no Bangladesh, pagam a traficantes para que os tirem dali

Rezuwan não teve a coragem da irmã. Abandonada pelo marido e com duas filhas a seu cargo, Hatamonesa pagou 100 mil tacas bengalis (€900) a um traficante para que a metesse num barco e a resgatasse da vida difícil no campo de refugiados de Kutupalong, no Bangladesh.

A 25 de novembro de 2022, Hatamonesa e uma filha de cinco anos estavam entre os cerca de 180 ocupantes de uma embarcação, maioritariamente rohingyas, que zarpou da zona de Teknaf. Para trás deixou a filha mais velha, entregue ao cuidado de familiares que não ousaram seguir com ela.

Foi o caso do irmão Rezuwan, de 25 anos, casado e pai de uma bebé de um ano. “É muito perigoso. Aqueles barcos são impróprios para navegar e os traficantes tentam meter mais e mais pessoas lá dentro para ganharem mais dinheiro”, conta ao Expresso. “É como jogar à moeda: se tivermos sorte, sobrevivemos, se não tivermos…”

Do campo foi acompanhando a odisseia da irmã. “Dias após terem partido, o homem do barco disse ao traficante, através de um telefone satélite, que o motor tinha parado. De início não nos disseram nada e tentaram resolver o problema. Mas quando a situação se descontrolou, falaram connosco para pedirmos ajuda à comunidade internacional. Para ser sincero, não acreditei neles. Nem imaginava que tivessem um telefone satélite. Pensei que era apenas uma artimanha para extorquirem mais dinheiro às famílias.” Acabou por chegar à fala com o barqueiro e inteirou-se da real situação do barco.

Um mês à deriva

O plano da irmã era chegar à Indonésia e depois seguir para a Malásia ou outra “terra humanitária, onde a filha pudesse ir à escola e depois à universidade e ela própria tivesse uma vida diferente”. Assim que tivesse condições, tentaria que a filha mais velha se lhes juntasse.

Tudo foi posto em causa depois de o barco ter ficado à deriva entre a baía de Bengala e o mar de Andamão. A angústia durou mais de um mês, sem que nenhum país à volta respondesse à urgência e abrisse as fronteiras.

JAIME FIGUEIREDO

Em águas tailandesas, alguns atiraram-se à água na esperança de serem resgatados por pescadores ou pela Marinha. Depois, a corrente levou o barco para águas indianas, onde, por fim, desembarcaram, a 26 de dezembro, na zona de Aceh, na ponta norte da ilha de Samatra. Não sobreviveram à odisseia 26 pessoas. Desde então, Rezuwan vai tendo notícias da irmã de longe a longe, através de telefonemas de três minutos facilitados pela ONU.

O desespero em que vive esta minoria muçulmana — que no seu país, Myanmar, é perseguida e no Bangladesh, para onde fugiu, vive em campos de refugiados — leva os rohingyas a recorrerem aos barcos como tentativa de fuga para uma vida mais segura e digna.

“Em Myanmar dizem que sou bengali, no Bangladesh sou rohingya. Não sou reconhecido por nenhum país. Vou para onde?”

Em 2022, segundo a ONU, 3545 rohingyas lançaram-se ao mar em 39 embarcações — mais 360% do que no ano anterior. Desembarcaram 3040, morreram ou desapareceram 348 e, no final do ano, havia ainda 157 no mar. Quase 45% dos embarcados eram mulheres e crianças.

Este fenómeno encerra uma ironia: 32% dos barcos foram intercetados em Myanmar (e os ocupantes presos, incluindo crianças). A Malásia acolheu 25%, a Indonésia 24%, 10% dos barcos voltaram ao Bangladesh, 5% foram para a Tailândia e 3% para o Sri Lanka.

Um povo sem cidadania

A perspetiva de terem futuro nestes países é uma ilusão. Sem reconhecimento legal, este povo não tem passaporte que lhe permita emigrar. “Em Myanmar dizem que sou bengali, no Bangladesh sou rohingya. Não sou reconhecido por estes países. Aliás, por nenhum. Vou para onde, então?”

Rezuwan chegou ao campo em 2017, fugido à repressão ordenada pela junta militar contra o seu povo. Em duas semanas, cerca de 700 mil rohingyas cruzaram a fronteira com o Bangladesh, triplicando a população de refugiados na região de Cox’s Bazar (Sueste). Até lá, foram três dias a pé, com seis familiares, incluindo a mãe e um irmão com deficiência. Hoje vivem todos numa estrutura coberta por um toldo, com paredes de bambu e chão em cimento.

Passados cinco anos, a situação provisória dos rohingyas é cada vez mais definitiva. “Somos um milhão nos campos, mas só uns cinco mil trabalham para organizações não governamentais a troco de 100 dólares [€94]. Não tenho trabalho profissional. Ganho algum a ajudar jornalistas.”

Muitos rohingyas vão nos barcos tentar arranjar trabalho e tirar as famílias da miséria, fugindo a uma situação cada vez mais explosiva. “Tornámo-nos um fardo para o Bangladesh, a maioria não nos quer aqui muito mais tempo. Não veem avanços a nível do repatriamento. E há falta de interesse pelo nosso problema. Somos muito poucos. Está a fazer-se tarde. O meu avô morreu sem ver a sua identidade reconhecida, o meu pai também.”

Rezuwan acha que não vai escapar ao mesmo fado, mas não se deixa derrotar. Calcorreou os campos durante dois anos e recolheu contos populares rohingyas da boca dos mais velhos. Traduziu-os e publicou o livro “Rohingya Folktales: Stories from Arakan”, garantia de que aquele património sobreviverá ao desaparecimento de sucessivas gerações de contadores de histórias e à inexistência legal do seu povo.

(FOTO Um barco que transportou refugiados rohingyas permanece ancorado no Mar de Andamão depois do desembarque dos ocupantes numa praia em Aceh, na Indonésia, a 8 de janeiro de 2023 KENZIE EAGAN / UNHCR)

Artigo publicado no “Expresso”, a 3 de março de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui

Esquecidos e assimilados à força, tibetanos já só querem autonomia

Ofuscado pela agitação em Hong Kong, a tensão em Taiwan e o drama dos uigures, o Tibete continua a ser uma pedra no sapato de Pequim

A escala de Mingyur Paldon no aeroporto de Lisboa, a 3 de janeiro passado, devia ter durado só uma hora, mas prolongou-se por quase um dia inteiro. Em trânsito entre os Estados Unidos, onde estuda Relações Internacionais e Desenvolvimento Humano no Connecticut College, e a Bélgica, onde ia fazer um semestre, esta tibetana, de 22 anos, viu a viagem interrompida quando, a caminho da ligação, foi intercetada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Foi interrogada após cinco horas de espera e percebeu que havia desconfianças em relação ao documento com que viajava: um “certificado de identidade” emitido pelo Governo da Índia para refugiados tibetanos. Parecido com um passaporte amarelo, tem ao centro o capitel do Leão de Ashoka, emblema nacional da Índia. Mingyur — que nasceu no Tibete e chegou à Índia aos dois anos — usou-o sem problemas no Reino Unido e nos Estados Unidos. Em Portugal não foi aceite.

No aeroporto, “foram muito ignorantes sobre um conjunto de coisas”, afirma ao Expresso. “Disseram que eu devia ter uma cidadania, de alguma forma, e perguntaram se não tinha passaporte chinês. Expliquei que não é possível, porque sou refugiada. Deixaram-me ir, mas recusaram-se a carimbar o meu passaporte. Fizeram-no no cartão de embarque.” Após pernoitar num hotel perto do aeroporto, deixou o país às 7h20 do dia 4.

Antes morto do que preso

Desde o início do ano, já morreram três tibetanos imolados pelo fogo. Tsewang Norbu, cantor de 25 anos a quem chamam “o Justin Bieber tibetano”, sacrificou-se em frente ao Palácio Potala, em Lassa. Em Ngaba, um homem de 81 anos imolou-se junto a um posto da polícia. Em junho, em Kanlho, um monge morreu ao lado de uma foto do Dalai Lama, o líder espiritual tibetano.

Perante tibetanos que se imolam pelo fogo, o Governo chinês fica impotente. Não sobra ninguém para punir

Desde 2009, foram já 161 os tibetanos a recorrer a esta forma extrema de protesto. “Nos anos 80 havia manifestações quase todos os meses, que o Governo chinês tratou de controlar e eliminar. Quem participasse ia preso, era torturado e via as famílias sofrer. Com práticas coercivas de controlo, intimidavam comunidades inteiras. Por vezes, não apenas a família, mas todo o bairro era punido”, recorda ao Expresso Tsering Shakya, da Universidade de British Columbia, em Vancôver (Canadá).

A experiência de Mingyur em Portugal é apenas um exemplo das dificuldades que enfrentam os estimados 150 mil tibetanos da diáspora. Nada comparável, porém, ao quotidiano de desespero e frustração de mais de seis milhões, que vivem, desde 1950, sob ocupação chinesa, no planalto tibetano: dois milhões na Região Autónoma, quatro milhões noutras regiões chinesas.

“A maioria dos presos só saía em liberdade quando estava prestes a morrer. Os tibetanos começaram a perceber que ser preso significava morrer e que imolarem-se não requeria qualquer organização, apenas que fossem a uma praça e ateassem fogo ao corpo. Não sobraria ninguém para ser punido e o Governo ficaria impotente”, continua o tibetano, nascido em Lassa em 1959. “Negar o poder de torturar é poderoso.”

Mal atendeu a videochamada do Expresso, o professor agarrou no livro que andava a ler e mostrou-o para a câmara. “É sobre os jesuítas portugueses no Tibete. Estavam em Goa, na Índia, e foram para o Oeste do Tibete. Foram muito importantes de 1582 até cerca de 1700. Mas o Papa mandou que se retirassem e deixassem o Tibete para os confucianos. Foi um grande erro.”

JAIME FIGUEIREDO

As armas de Pequim

Desde 1984 que a China tem em vigor uma lei da autonomia regional pela qual formalizou a atribuição de autonomia às suas minorias. Desde que Xi Jinping é Presidente (2013), no entanto, a situação do Tibete “piorou muito”, conta ao Expresso Tsering Tsomo, diretora-executiva do Centro Tibetano para os Direitos Humanos e Democracia, com sede em Dharamshala, na Índia. “O Governo chinês está a aplicar ativamente uma política de assimilação cultural forçada.” O professor Shakya fala de “colonização mental do Tibete”.

Cerca de 800 mil crianças vivem em internatos coloniais e recebem uma educação altamente politizada

A autoridade chinesa exerce-se prioritariamente no sector educativo. Na escola, ensina-se desde tenra idade que o Tibete faz parte da China e que o hino nacional que devem saudar é a “Marcha dos Voluntários”. Tudo é explicado em chinês, sendo o tibetano ensinado como língua estrangeira.

Um relatório recente do Tibet Action Institute expõe “uma vasta rede de internatos coloniais no Tibete, onde os estudantes vivem separados das suas famílias e são sujeitos a uma educação altamente politizada, essencialmente em chinês”. Afeta pelo menos 800 mil crianças, dos 6 aos 18 anos.

O que querem os tibetanos?

Desde que, na década de 80, Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama, teorizou o “Caminho do Meio” — que consagra a interpretação budista da vida quotidiana e rejeita posições extremas — que as aspirações políticas tibetanas ficaram claras. A posição oficial do Governo tibetano no exílio (em Dharamshala, no Norte da Índia, para onde o Dalai Lama fugiu em 1959, após uma revolta tibetana esmagada pelos chineses) é de apelo à autonomia, não à independência.

‘Um país, dois sistemas’ não seduziu Taiwan e não funciona em Hong Kong. Porque haveria o Tibete de aceitar?

Nascida na Índia, Tsering Tsomo, de 45 anos, nunca foi ao Tibete. “É preciso uma autorização das autoridades chinesas. Trabalho na área dos direitos humanos, é impossível. Sei que estou sob vigilância.” Podia obter cidadania indiana com facilidade, mas prefere manter o estatuto de refugiada e lutar pelo sonho nacional. “Apelamos a uma verdadeira autonomia, não só na Região Autónoma como em todas as áreas tibetanas. Devem beneficiar e exercer poderes de autogoverno.”

O quarto problema

Quando o Dalai Lama propôs o “Caminho do Meio” aos tibetanos, a China ofereceu a Hong Kong, Macau e Taiwan a fórmula “um país, dois sistemas”. “Não seduziu Taiwan e não está a funcionar em Hong Kong. Porque é que o Tibete haveria de aceitar algo semelhante?”, questiona Shakya. Se o Tibete já foi o principal fantasma a perseguir Pequim fora de portas, hoje três outros problemas absorvem a atenção mediática: a repressão à minoria uigur (muçulmana) em Xinjiang, o silenciamento do movimento pró-democracia em Hong Kong e a tensa coexistência com a China nacionalista (Taiwan).

A China está a ficar mais descarada. Pode fazer o que quer e a comunidade internacional nada faz

“O Tibete foi relegado para quarto lugar”, apesar de ter sido “o primeiro assunto que chamou a atenção da comunidade internacional para quão implacável e brutal é o regime comunista chinês”, diz a ativista Tsering. “Foi o primeiro aviso, mas tudo continuou na mesma. E outros problemas surgiram. Todo este acumular de questões mostra como a China está a ficar mais descarada, pensando que pode fazer o que quer e que a comunidade internacional não faz nada. O Tibete devia ser um alerta para que mais nenhum assunto fosse adicionado à lista.”

(IMAGEM Bandeira do Tibete WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso”, a 29 de julho de 2022. Pode ser consultado aqui

Um país fragmentado

Líbano é um país que se espraia sensivelmente pelo território de dois Algarves. Ali vivem apertadas múltiplas confissões religiosas que, desde a independência do país (1943), convivem em função de uma fórmula original de partilha de poder: o Presidente do país é sempre um cristão maronita, o primeiro-ministro um sunita e o presidente do Parlamento um xiita.

Este sistema, definido quando a maioria da população era cristã (já não é o caso), foi reafirmado após a guerra civil, pelo Acordo de Taif. Poupou o país a mais disputas sangrentas, mas criou uma elite de clãs poderosos que se perpetuam no poder, no governo ou na oposição, aliados ou de costas voltadas e, não raras vezes, se anula com recurso a atentados. São exemplos os Gemayel (maronitas), os Hariri (sunitas), os Jumblatt (drusos)… E também o movimento xiita Hezbollah, considerado um Estado dentro do Estado.

Esta classe política sectária, apoiada no clientelismo e na corrupção, age em função dos interesses de quem a apoia e não do povo como um todo. Para uma população com média de idades abaixo dos 30 anos, esta é uma realidade intolerável. Mais ainda quando dela resulta uma governação negligente, desmascarada por casos como a explosão no porto de Beirute.

NÚMEROS

128

deputados compõem o Parlamento, 64 cristãos e 64 muçulmanos. Cada bancada religiosa subdivide-se em diferentes fações

6,8

milhões de pessoas vivem no Líbano: 1,5 milhões são refugiados sírios e quase 500 mil palestinianos. Na diáspora vivem mais de 15 milhões

45 ANOS SEM PAZ E VULNERÁVEL AOS VIZINHOS

1975-1990
Guerra civil Opõe diferentes fações político-religiosas e arrasta Síria, Israel e a OLP. Morrem 120 mil pessoas

1976-2005
Ocupação síria Após a guerra civil, forças sírias ficam no Líbano. A retirada é precipitada pela morte do primeiro–ministro, Rafiq Hariri, num atentado com 1000 kg de TNT e pelos protestos populares que se lhe seguem (Revolução dos Cedros)

1982-2000
Ocupação israelita No mesmo ano em que Israel invade o Líbano (que abrigava a liderança palestiniana), o Hezbollah emerge como movimento de resistência no sul do país. Após anos de escaramuças fronteiriças, em 2006 ambos travam uma guerra de 34 dias. A tensão continua até aos dias de hoje

2012- (…)
Guerra na Síria O Líbano está exposto pela participação do Hezbollah em defesa do regime de Assad e pelos refugiados que acolhe

(IMAGEM Bandeira do Líbano em erosão RAWPIXEL)

Artigo publicado no “Expresso”, a 15 de agosto de 2020. Pode ser consultado aqui

Uigures pedem à justiça internacional que investigue possível “genocídio demográfico” na China

Membros exilados desta minoria muçulmana chinesa enviaram ao Tribunal Penal Internacional provas de genocídio e crimes contra a Humanidade, cometidos pelas autoridades chinesas na província de Xinjiang. Querem que o TPI abra uma investigação, como fez em novembro passado em relação a outra minoria muçulmana perseguida: os rohingya

Dois grupos de ativistas uigures no exílio fizeram chegar ao Tribunal Penal Internacional (TPI) um conjunto de provas de genocídio e crimes contra a Humanidade cometidos na província chinesa de Xinjiang contra a minoria muçulmana do país.

Segundo o diário britânico “The Guardian”, os queixosos alegam que milhares de uigures foram deportados ilegalmente do Tajiquistão e do Camboja para Xinjiang, onde foram presos, torturados e sujeitos a medidas forçadas de controlo de natalidade.

No final de junho, uma investigação da agência noticiosa Associated Press (AP) denunciou a existência de “medidas draconianas” por parte das autoridades de Pequim, visando “reduzir as taxas de natalidade entre uigures e outras minorias, no âmbito de uma ampla campanha para conter a sua população muçulmana”.

UMA ESPÉCIE DE “GENOCÍDIO DEMOGRÁFICO”

A investigação da AP — feita com base em estatísticas governamentais, documentos oficiais e entrevistas a 30 ex-detidos e a um antigo responsável por um campo de detenção — apurou que as autoridades chinesas obrigam as mulheres uigures a testes de gravidez, forçam a colocação de dispositivos intrauterinos, submetem-nas a métodos de esterilização e obrigam-nas até a abortar.

“A campanha que decorre desde há quatro anos na distante região ocidental de Xinjiang está a conduzir àquilo que alguns peritos qualificam como uma espécie de ‘genocídio demográfico’”, escreveu a AP, motivando um alerta da organização de direitos humanos Amnistia Internacional.

Com esta iniciativa junto do TPI, os uigures tentam, em última instância, implicar o próprio Presidente Xi Jinping no planeamento e condução de uma campanha generalizada e sistemática de violação dos seus direitos humanos.

O processo foi desencadeado, esta segunda-feira, por advogados com sede em Londres. Foi motivado por um precedente recente. A 14 de novembro de 2019, os juízes do TPI aprovaram a realização de “uma investigação à situação [dos rohingya] no Bangladesh e Myanmar”.

OPORTUNIDADE NÃO PODE SER DESPERDIÇADA

Num caso e noutro, nem a China nem Myanmar — os dois regimes acusados de perseguir uigures e rohingya, respetivamente — são países signatários do TPI. Mas como alguns crimes aconteceram fora dos seus territórios — no Tajiquistão e no Camboja (contra os uigures) e no Bangladesh (sobre os rohingya) —, os advogados acreditam que o TPI tem competência para apreciar o caso.

“Durante muito tempo assumiu-se que nada poderia ser feito por parte do TPI. Agora há um caminho legal claro para que se faça justiça aos milhões de uigures que alegadamente são perseguidos pelas autoridades chinesas. Esta oportunidade não pode ser desperdiçada”, afirmou Rodney Dixon, um dos advogados envolvidos no processo dos uigures, citado por “The Guardian”.

Xinjiang fica no noroeste da China e faz fronteira com sete países, maioritariamente muçulmanos: Mongólia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Afeganistão, Paquistão e Índia. Ali vivem cerca de 25 milhões de pessoas, entre as quais cerca de um milhão de uigures, que Pequim mantém sob forte vigilância e sujeitos a experiências de engenharia social.

(FOTO Uma máscara de protesto icónica entre a minoria uigur: a mão da China cala um rosto pintado com a bandeira uigur AHVAL)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de julho de 2020. Pode ser consultado aqui