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Noite infeliz em Belém

As festividades foram canceladas na cidade onde Jesus nasceu. “Não podemos celebrar quando o nosso povo está a ser morto”

O presépio da Igreja Evangélica Luterana da Natividade de Belém lembra as crianças mortas em Gaza MAJA HITI / GETTY IMAGES

O little town of Bethlehem
How still we see thee lie
Above thy deep and dreamless sleep
The silent stars go by

Ó pequena cidade de Belém
Tão quieta te encontramos
Sobre o teu sono profundo e sem sonho
Passam as estrelas silenciosas

Este clássico das canções de Natal, que anima a época há mais de 100 anos, descreve uma localidade idílica que em tudo contrasta com a realidade presente da cidade onde, segundo a tradição cristã, Jesus Cristo nasceu. Belém fica no território palestiniano da Cisjordânia, ocupado por Israel há mais de 50 anos. Devido à guerra na Faixa de Gaza, as festividades foram canceladas. “Não foi difícil tomarmos a decisão”, diz ao Expresso o presidente da Câmara de Belém, Hanna Hanania. “Não podemos celebrar o Natal enquanto o nosso povo está a ser morto. E também a Cisjordânia está sob bloqueio militar.”

Não é a primeira vez que a conflitualidade afeta as celebrações natalícias em Belém, “mas não desta maneira”, diz o autarca. “Esta é a situação mais difícil por que o povo palestiniano já passou. Durante a pandemia, ainda tivemos algumas festividades virtuais e acendemos a árvore de Natal [na Praça da Manjedoura, contígua à Igreja da Natividade], numa cerimónia para um número limitado de pessoas. Desta vez, cancelámos tudo. Nunca enfrentámos uma guerra destas, testemunhamos crimes de guerra todos os dias, a maioria dos mortos são crianças. Como podemos festejar?”

Em Belém, apenas se mantêm as cerimónias religiosas dos vários ritos cristãos — a 25 de dezembro (para os católicos), 7 de janeiro (ortodoxos) e 19 do mesmo mês (arménios). Na Igreja Evangélica Luterana da Natividade de Belém, o presépio é um amontoado de pedras sobre o qual está deitado um menino Jesus envolto num keffiyeh, o tradicional lenço palestiniano. A instalação recorda as crianças de Gaza que ficaram sem teto ou pereceram sob escombros.

“O Natal é, por excelência, uma história palestiniana, muito ligada ao que se passa hoje em Gaza”, diz ao Expresso o reverendo evangélico luterano Mitri Raheb, a partir de Belém. “Essa história fala da sagrada família, que tem de deixar Nazaré, no norte da Palestina, por decreto imperial, para ir para Belém, no sul — como aconteceu com o nosso povo em Gaza. Fala de Herodes, um ocupante sanguinário que tentou matar todas as crianças de Belém — em Gaza já foram mortas mais de 8000 crianças. Jesus nasce numa manjedoura porque não tem outro lugar — é o que está a acontecer a 50 mil mulheres grávidas em Gaza, que têm os seus filhos em tendas. E fala sobre o anjo que canta ‘glória a Deus nas alturas’, que significa glória ao Todo-Poderoso — e não aos poderosos. Hoje, Jesus é, na verdade, uma das pessoas em Gaza. Se alguém quiser vê-lo, é lá que ele está.”

Belém é visita indispensável para qualquer cristão que rume à Terra Santa no encalço dos passos de Jesus. É ali que se localiza a Igreja da Natividade, construída no século IV sobre a gruta onde os cristãos acreditam que José e Maria descansaram e Jesus nasceu. Outros destinos obrigatórios são Nazaré (no norte de Israel) e Jerusalém, que palestinianos e israelitas querem para capital dos seus Estados.

Ao longo do ano, Belém recebe entre milhão e meio e dois milhões de visitantes. “No Natal, o turismo internacional cai, porque as pessoas celebram com as suas famílias. Já o turismo local aumenta”, explica o autarca. “Na Páscoa, a maioria dos turistas é do mundo árabe, desde logo do Egito”, onde há dez milhões de cristãos (coptas).

“O Natal é, por excelência, uma história palestiniana, ligada ao que se passa em Gaza”, diz o reverendo evangélico luterano Mitri Raheb

Por estes dias, “não há um turista na cidade, estamos encerrados”, diz ao Expresso Joey Canavati, diretor do Alexander Hotel, a 800 metros da Igreja da Natividade. “Não podemos reabrir enquanto durar a guerra. As fronteiras e os checkpoints estão encerrados. Todos os 78 hotéis da cidade estão de portas fechadas.”

Um dos mais famosos é o provocador Walled Off Hotel, do misterioso artista britânico Banksy, com vistas sobre o muro de betão que separa Israel da Cisjordânia. “Devido aos grandes desenvolvimentos na região, optámos, com pesar, por encerrar o hotel, por enquanto”, lê-se num aviso publicado no seu site, a 12 de outubro, cinco dias após o ataque do Hamas a Israel, que espoletou bombardeamentos e uma invasão terrestre a Gaza.

Cristãos já não são a maioria

“A economia de Belém depende do sector do turismo”, diz o autarca. “Mal começou a agressão israelita, o motor económico parou.” Hanania estima que a população da cidade ronde as 33 mil pessoas. Apesar da centralidade de Belém no cristianismo, os cristãos não vão além de 20 a 25% da população. “O número de cristãos está a diminuir”, diz Mitri Raheb. “A cada dois, três anos, há uma guerra. As pessoas querem ter vida decente e em liberdade. Muitas emigram.”

Por decreto do líder histórico dos palestinianos, Yasser Arafat — a que o atual Presidente, Mahmud Abbas, deu continuidade —, o autarca de Belém é sempre cristão. No cargo desde abril de 2022, Hanania, cristão ortodoxo grego de 44 anos, explica o processo. Eleito por voto popular, “o Conselho Municipal tem 15 membros, que incluem presidente e vice-presidente. Oito devem ser cristãos e sete muçulmanos, e deve haver três mulheres. Se o presidente é ortodoxo grego, o vice é católico, e vice-versa. Este decreto surgiu para preservar o caráter da cidade. Além de Belém, isto acontece em mais nove cidades da Cisjordânia.” Uma delas é Ramallah, o centro administrativo.

Jerusalém à distância

Como qualquer outro palestiniano da Cisjordânia ou da Faixa de Gaza, o presidente da Câmara de Belém precisa de autorização das autoridades israelitas para ir a Jerusalém, por exemplo. Essa burocracia vale também para o reverendo Raheb, destacado teólogo de 61 anos, fundador e presidente da Universidade Dar al-Kalima (Belém) e vencedor do Prémio Olof Palme em 2015. “Desde 2000, não estou autorizado a ir a Jerusalém no meu carro, só posso ir de transportes públicos.” Todas as autorizações estão agora canceladas.

Quer o autarca quer o pastor testemunham uma boa relação, em Belém, entre a minoria cristã e a maioria muçulmana. “Somos o mesmo povo. Estamos unidos e lutamos contra a ocupação israelita”, diz Hanania. “Na nossa universidade, três quartos dos estudantes são muçulmanos”, destaca Raheb. Já a relação com os judeus é inexistente. “Temos o muro e não podemos entrar em Israel sem autorização”, continua o reverendo. E “há 22 colonatos judeus em redor de Belém que ocupam 86% das nossas terras”. No de Gilo vivem 40 mil pessoas.

Os entraves à circulação e a expansão dos colonatos inviabilizam, cada vez mais, a contiguidade entre Belém e Jerusalém, que distam menos de 10 quilómetros. A dificuldade de acederem à cidade onde fica o Santo Sepulcro priva os cristãos de viverem na plenitude os principais pilares da sua fé: o nascimento e a ressurreição de Cristo.

Nascido em Belém, de onde só saiu para estudar na Alemanha, o pastor Raheb qualifica assim a tragédia de Gaza: “é o pior momento da nossa história e da minha vida. Vivemos um genocídio, a comunidade internacional apoia e muitas igrejas estão em silêncio”. “Alguns cristãos sionistas apoiam Israel porque querem ver chegar o fim dos tempos. Acham que antes de Jesus voltar, haverá uma grande guerra e querem apressar essa segunda vinda. As igrejas alemãs ficam caladas devido ao Holocausto.”

Informação deste texto foi incluída no artigo “De Gaza à Ucrânia, passando por Itália: presépios de todo o mundo desunidos em tempos de guerra”, de Tiago Soares, publicado no “Expresso Online”, a 24 de dezembro de 2023. Pode ser lido aqui

Artigo publicado no “Expresso”, a 22 de dezembro de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui

Ainda faltam uns dias, mas o Pai Natal já anda por aí

Dezembro é mês de Natal e, de ano para ano, a época começa a assinalar-se cada vez mais cedo. Este ano não é exceção. Desde o início do mês, o Pai Natal tem sido visto nos cantos do mundo. Em protestos sociais e ambientais, a dar cor às fotos dos turistas, na promoção de eventos comerciais ou simplesmente a distribuir boa disposição

Um mergulhador vestido de Pai Natal promove um evento num aquário de Seul, na Coreia do Sul KIM HONG-JI / REUTERS
O ator norte-americano Bill Myers distribui presentes às crianças que vivem num acampamento em Matamoros, no México, enquanto esperam por asilo nos Estados Unidos VERONICA CARDENAS / REUTERS
Na cidade palestiniana de Belém, onde segundo a tradição cristão nasceu Jesus Cristo, um Pai Natal dá cor às fotos dos turistas MUSSA QAWASMA / REUTERS
Durante uma pausa na campanha eleitoral no Reino Unido, para participar num jogo de futebol, o primeiro-ministro Boris Johnson foi saudado pelo Pai Natal TOBY MELVILLE / GETTY IMAGES
Numa visita à Bolsa de Valores de Nova Iorque, em dia de sessão especial LUCAS JACKSON / REUTERS
Olhos nos olhos com a polícia de choque de Bordéus, solidário com os franceses que estão em greve contra a reforma do sistema de pensões proposta pelo Governo NICOLAS TUCAT / AFP / GETTY IMAGES
Quando é preciso, pega em armas e vai à luta, como neste protesto em Santiago do Chile IVAN ALVARADO / REUTERS
“Viejito Pascuero”, como também é chamado o Pai Natal no Chile, “lembra-te de mim, queremos o Piñera fora do país”, pede este manifestante. Sebastián Piñera é o Presidente chileno JOSE SAAVEDRA / REUTERS
Num país esmagadoramente muçulmano como é o Iraque, o Pai Natal também tem lugar nos protestos antigovernamentais AHMAD AL-RUBAYE / AFP / GETTY IMAGES
“Sejam bons!” para o planeta. É a leitura que se faz do cartaz exibido por este ativista do movimento ambientalista radical Extinction Rebellion, durante um protesto em Londres HENRY NICHOLLS / REUTERS
Um tratador invulgar alimenta os animais (e anima as fotografias), no aquário do Rio de Janeiro, no Brasil IAN CHEIBUB / REUTERS
Distribuindo “dá cá mais cinco” pelos espectadores do jogo da NBA entre os Brooklyn Nets e os Denver Nuggets, em Nova Iorque REUTERS
No feminino, num bar de Filadélfia, nos Estados Unidos MARK MAKELA / REUTERS
Motivo de inspiração de três apoiantes do Borússia de Dortmund, durante uma partida de futebol para o campeonato alemão INA FASSBENDER / AFP / GETTY IMAGES
Na pele de um militante do Partido Conservador britânico, à espera do resultado das eleições legislativas, num evento em Londres HANNAH MCKAY / REUTERS
Descontraidamente por aí ALEX BURSTOW / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de dezembro de 2019. Pode ser consultado aqui