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“Instabilidade no Norte de África já tem impacto nos fluxos migratórios para a Europa”, e para a costa algarvia

A instabilidade na Tunísia, a ausência de Estado na Líbia e a tensão militar entre Marrocos e Argélia podem alimentar fluxos migratórios na direção da Península Ibérica. Ao Expresso, o diretor do programa para o Norte de África do International Crisis Group diz que “um aumento vertiginoso da imigração ilegal para Portugal não é provável para já”, mas… esta terça-feira o tema será discutido numa conferência organizada pelo Observatório do Mundo islâmico, em Lisboa

Nos últimos anos, o Mediterrâneo tornou-se um cemitério para migrantes desesperados que arriscam a vida (e em muitos casos perdem-na) em frágeis embarcações para tentar chegar às costas da Europa. Um fluxo migratório tem-se feito sentir com maior intensidade junto às fronteiras da Europa de Leste, com milhares de pessoas escondidas em florestas (onde já existem campas de migrantes que morreram ao frio) à espera de oportunidade para pôr o pé em território da União Europeia.

De forma mais discreta e menos numerosa, há cada vez mais embarcações provenientes do continente africano a lançarem-se na direção da Península Ibérica e a chegarem à costa algarvia.

“Por enquanto, o número de tentativas para chegar ao Algarve é limitado. Não é possível falar numa verdadeira rota de imigração ilegal a partir de Marrocos. Portugal já recebeu cerca de 100 migrantes provenientes de Marrocos dessa forma e parece haver um ligeiro aumento este ano comparado com 2020”, diz ao Expresso Riccardo Fabiani, diretor do programa para o Norte de África do International Crisis Group.

“Ao longo deste ano, já foi possível observar um aumento (comparativamente a 2020) de embarcações provenientes de Marrocos para Espanha. Vale a pena lembrar também que a rota do Mediterrâneo Ocidental é a segunda mais importante, depois da rota entre Líbia/Tunisia e Itália.”

Maioria dos migrantes é magrebina

Uma constatação importante para se perceber e conseguir prever a evolução deste fenómeno prende-se com o facto de a maioria dos migrantes que usam a rota do Mediterrâneo Ocidental ser magrebina. “Isso revela que a situação política e económica no Norte de África está a piorar e que esta instabilidade já tem impacto na população e nos fluxos migratórios para a Europa”, explica Fabiani, que esta terça-feira irá desenvolver o tema na conferência “Norte de África: tensões e conflitos”, organizada pelo Observatório do Mundo Islâmico e realizada na Biblioteca Arquiteto Cosmelli Sant´Anna, em Lisboa (18h30), com transmissão online aqui.

“Há várias explicações para este fenómeno. Em primeiro, a situação económica no Norte de África é cada dia mais difícil, especialmente por causa da covid-19 mas também porque a esses países falta um modelo de desenvolvimento capaz de oferecer um número suficiente de empregos, sobretudo para os jovens”, desenvolve o investigador do International Crisis Group. “Em segundo, nos últimos anos, a promessa de abertura política e democracia desapareceu.”

  • TUNÍSIA: Dez anos após o movimento da Primavera Árabe, o país onde tudo começou continua sem consolidar a sua democracia e sem conseguir estabilidade. Invocando a urgência em combater a corrupção, em julho passado, o Presidente Kaïs Saïed dissolveu o Parlamento e concentrou em si os principais poderes do Estado. “A maioria da população está desiludida com a democracia, que não produziu os efeitos esperados de desenvolvimento económico e de combate à corrupção”, comenta Fabiani.
  • LÍBIA: É outro país que ainda não encontrou o seu rumo após a queda do ditador Muammar Kadhafi, há dez anos. Duas autoridades políticas disputam o poder, condenando a sociedade a uma ausência de perspetivas que se arrasta. “Assistimos a um impasse político devido às divisões crescentes entre as fações líbias relativamente às eleições [legislativas e presidenciais] previstas para 24 de dezembro”, neste país rico em petróleo.
  • MARROCOS: Em novembro de 2020, a Frente Polisário pôs termo a um cessar-fogo que durava há dez anos e retomou a luta armada contra Marrocos em nome da autodeterminação do território do Sara Ocidental. Este conflito contamina a relação entre Marrocos e a vizinha Argélia (que abriga milhares de refugiados sarauís). “Estas tensões militares entre Marrocos e a Frente Polisário e um risco cada dia maior de uma guerra entre Argélia e Marrocos podem alimentar nova vaga migratória”, alerta Fabiani.

“Embora um aumento vertiginoso da imigração ilegal para Portugal não seja provável para já, há uma hipótese de a desestabilização do Norte de África poder levar mais pessoas a tentar chegar a Espanha e a Portugal, e tornar a gestão da imigração ilegal nessa região muito mais complicada do ponto de vista político e logístico”, alerta Fabiani.

A estratégia de Portugal

A chegada ao Algarve de embarcações com migrantes marroquinos levou Portugal, em agosto do ano passado, a encetar conversações com Marrocos com vista à criação de uma rede de migração legal, dada a necessidade de Portugal relativamente a mão de obra estrangeira para determinadas atividades.

“O Governo português parece apostar numa estratégia preventiva face ao risco de um aumento da imigração ilegal e negocia com Marrocos um acordo para permitir a imigração legal deste país para Portugal. Parece-me uma estratégia inteligente mas também um sinal de que o problema da imigração clandestina poderia se tornar mais perigoso nos próximos anos.”

Com os migrantes a procurarem rotas alternativas para tentarem para chegar à Europa, a abordagem da União Europeia mantém-se a mesma de sempre: desembolsar milhões para conter o problema na margem sul do Mar Mediterrâneo. “A estratégia nunca mudou: a UE continua a apoiar os Estados ‘tampão’ do Norte de África para gerir os fluxos provenientes da África subsariana e para monitorizar o litoral e assim impedir tentativas de travessia para a Europa”, conclui Fabiani.

“Trata-se de uma estratégia focada na segurança e no controlo das fronteiras e que não presta muita atenção aos outros fatores por detrás deste fenómeno, como o desemprego, a instabilidade, as alterações climáticas e a falta de desenvolvimento económico.”

(FOTO Refugiados tentam atravessar o Mediterrâneo num insuflável, desde a costa da Turquia até à ilha grega de Lesbos MSTYSLAV CHERNOV / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui

Publicação do Livro/Blogue Maghreb/Machrek amanhã!

Caros/as Amigos/as,

os textos do blogue serão publicados em livro amanhã. Os mesmos continuarão online, sendo que a novidade são caixas com comentários adicionais e algumas correcções.

Convido-vos a estarem presentes amanhã, pelas 18.30h, na Sociedade de Geografia de Lisboa, às Portas de Stº Antão (Edifício do Coliseu dos Recreios, porta discreta à esquerda e com placa!). O Turismo de Marrocos e o ILAC (Instítuto Luso-Árabe para a Cooperação), decidiram associar-se ao evento, sendo que o mesmo será brindado com música marroquina ao vivo e chá de menta. Tâmaras frescas de Errachidia, também serão servidas, num patrocínio exclusivo de Fanou Adjana Souag. Conto com a vossa Gula e com o vosso click Facebook AQUI!

A partir de hoje e até à próxima 6ª-feira, pode ouvir a minha playlist na TSF, entre as 13h e as 14h.

Deixo-vos aqui os agradecimentos publicados no livro, com um forte abraço de Boas Festas a Todos/as:

Um primeiro agradecimento à Margarida Mota do Expresso, primeira responsável por ter conseguido chegar até aqui, já que foi pela sua mão que entrei na redacção do Expresso, me sentei frente ao Miguel Cadete, apresentei a ideia, o qual de imediato chamou a Maria Romero, que por sua vez colocou o Blogue online em apenas 5 minutos! Nunca tive manhã tão produtiva e a Maria nunca imaginou que fosse passar a trabalhar com tamanho infoexcluído. Grato pela ajuda e paciência, tanto ao Miguel Cadete, como à Maria Romero. Ainda no Expresso, um forte abraço ao Miguel Martins, actualmente na CMTV, o qual talvez tenha sido o primeiro a sugerir a publicação dos textos no papel. Forte abraço também ao Henrique Monteiro e ao Rui Cardoso, sempre com tempo para ouvirem as minhas ideias e projectos.

Nunca foi minha intenção fazer do Maghreb/Machrek “o blogue do Raúl” e, por isso mesmo, tenho convidado outros politólogos e arabistas a publicarem neste espaço, que se quer, sobretudo, feito por gente no terreno e cujos relatos e análises são feitos na 1ª pessoa. Impossível publicar os textos destes/as Amigos/as, já que só isso daria outro livro! No entanto não poderei deixar de agradecer os importantes contributos de: Abdessamad Abouchadi “Tunísia, Islamistas e a Primavera Árabe” e “A Bússula Turca”; Júlio de Magalhães “Novos incidentes na Tunísia”, “A Nova Tunísia” e “Os Amigos da Síria”; Selin Turkes “Algo está a acontecer na Turquia”; Milena Calvário Raposo “Ramadão em Sana’a, Iémen”; Eva Oliveira “Israel/Palestina: Quais os resultados de um Processo de Paz last minute?” e demais comentários aos textos sobre a Palestina.

Quero também aproveitar para agradecer a todos aqueles que me têm ajudado a divulgar o Blogue e o meu trabalho, nomeadamente ao João Janes da TSF, sempre disponivel para animar as madrugadas da “Telefonia Sem Fios” com uma estória por mim sugerida, ou na antecipação de algo que certamente será notícia nesse novo dia que ainda dorme.

Na SIC, impossível não referir e agradecer a confiança em mim depositada pelo Martim Cabral e pelo António José Teixeira, mas também pela Ana Lourenço, Augusto Madureira, Marta Atalaya, João Moleira, Cândida Pinto, Alberto Jorge, Anabela Neves, Joana Garcia, Liliana Gomes, Gabriela Neto, Ana Geraldes, Graça Costa Pereira, Sofia Pinto Coelho, Miguel Veiga e pelas Senhoras da Recepção que me tratam sempre na palminha da mão!

Ainda na TSF, forte abraço de agradecimento ao Pedro Pinheiro, João Paulo Baltazar, Ana Sofia Calaça, Guilhermina Sousa, Sandra Pires, Claúdia Arsénio, Ana Freitas, Nuno Amaral, Rui Tukayana, Sofia Santos, Nuno Domingues, Luísa Godinho, João Félix Pereira Andreia Nogueira, a “Patanisca Atómica”, que entretanto decidiu rumar até Jakarta.

Aos demais e nunca de mais:

Tiago Dias (LUSA); Paulo Pinto Mascarenhas (CM); Ricardo Alexandre, Alice Vilaça, José Manuel Rosendo e Luís Nascimento (Antena 1); Ana Guedes (VOA); Roger Sevrin Bruland (NRK); Neidy Teixeira Ribeiro, Liliana Henriques, Adriano do Vale Salgueiro, Lígia Anjos e Miguel Martins (RFI); Rui Neumann (PNN); Lumena Raposo, Abel Coelho Dias e Patrícia Viegas (DN); Luís Manuel Fonseca (FP-Edição Lusófona), Adriana Niemeyer (Globo TV News) e José Mussuaili (NFM), um forte abraço de agradecimento, na esperança de não me ter esquecido de ninguém!

Da Embaixada do Marrocos, darouri/obrigatório agradecer ao Nuno Roby Amorim, por tudo, mas sobretudo pela patuscada e pela gargalhada, que é o que ambos sabemos fazer melhor. Abraço também à equipa da Maghreb Arab Press (MAP) em Lisboa, a “LUSA marroquina”, constituida pelo Driss Lamrini e pela Nadia El Rhzaoui, curiosamente oriundos de Temara, o nosso Município nos arredores de Rabat. Uma vénia à Srª Embaixadora Karima Benyaich ao Turismo do Marrocos e ao ILAC (Instítuto Luso-Árabe para a Cooperação), que se associaram da melhor forma ao lançamento deste livro, fazendo os presentes degustarem o chá de menta ao som de música marroquina tocada ao vivo.

Faço também questão de isolar o nome e a pessoa da Margarida Santos Lopes, que dispensa qualquer apresentação, pelo acompanhamento que me tem dado à distância, sempre atenta aos textos, às gralhas, ao estilo e ao conteúdo, bem como sempre com sugestões valiosas. Grato por tudo, incluindo os puxões de orelhas que me dás, sempre que me vês passar o red line estabelecido pela “Polícia das Virtudes e dos Bons Costumes do Facebook”.

Forte agradecimento ao acompanhamento, incentivo e condições de trabalho que os Professores Armando Marques GuedesCristina Montalvão Sarmento e que o Observatório Político me têm proporcionado, ao Embaixador António Tânger Corrêa por ter aceite escrever o posfácio, aos Professores José Manuel Anes e Heitor Barras Romana pelas simpáticas palavras impressas na contra-capa, à Professora Maria do Céu Pinto que nunca se esquece de me convidar para as conferências que organiza, ao Intagrist El Ansari, especialista no e do Sahel e também ao Paulo Noguês, à Elsa Páscoa e à Elsa Gil Sobral da Diário de Bordo, que “estão dirigindo toda esta batota”, parafraseando o Mestre Vinícius no “Samba da Benção” e sem os quais nada disto seria possível.

Fico também sempre de coração cheio a cada comentário efectuado pelos leitores/as no online, os quais proporcionam por vezes um aprofundar do debate e ainda outros debates e mais ideias para novos textos. Grato a todos/as.

Impossível descrever o entusiasmo com que sou sempre recebido em casa a cada regresso, pela minha Mãe e pelo meu Pai, pelo meu Irmão Bruno, pelos meus Filhos Miguel e Frederico e pelos meus Amigos Paulinho MaradonaZé Luís, Zé Pranchas, Luís Vira-Mosca, João Cupido, Jorge Bana, Paulo Durão, Mário Henriques e demais malta lá da Praceta e do Café da D. Ondina.

Por último, um beijo nos lábios da Fanou, que desde o Dia 1 me tem dado tudo e de forma incondicional, como o Amor se quer. Vamos escrever muitos livros, ter muitos filhos e plantar muitas árvores. Oxalá!

Aos leitores,

o exercício de leitura proposto é o de prestarem atenção às datas dos textos, bem como de saltarem de tema em tema ao sabor dos gostos e prioridades de cada um, já que não há obrigatóriamente uma continuidade entre os mesmos. Por essa razão foram acrescentados comentários aos textos originais, os quais pretendem contextualizar o leitor perante a evolução dos acontecimentos relativamente ao assunto abordado, bem como corrigir erros entretanto detectados. Neste sentido, esta publicação poderá servir como uma espécie de guia de consulta, a utilizar sempre que surjam dúvidas sobre determinado tema, enquadrando-o de forma a perceber o lastro percorrido até ao momento da pesquisa.

O livro que tem entre-mãos não se trata dum trabalho académico, nem a isso tem pretensão. Por isso mesmo, os textos não foram alterados, continuando aliás disponiveis para consulta gratuita no sítio do Expresso, em www.expresso.pt/maghreb. Aí, poderá encontrar ainda outros textos que não estão aqui reproduzidos, por mera opção pessoal.

Um blogue é um blogue e nada mais do que isso. Por isso mesmo, também não é aqui apresentado qualquer tipo de bibliografia. As minhas fontes são o que viajo, vejo, oiço, leio, converso e interpreto do Mundo à minha volta.

Foi também uma opção consciente publicar não respeitando o Novo Acordo Ortográfico. Não porque seja contra o mesmo, que até nem sou, mas porque acho que durante esse debate se perdeu uma excelente oportunidade para levar à prática aquilo que fica sempre bem dizer em público e depois nunca se cumpre. Refiro-me ao “Todos Diferentes, Todos Iguais”. Por outro lado, como sei que não vou vender no Brasil, não me dei a esse trabalho. Quando chegar a esse patamar, que espero em breve, cederei, como qualquer bom chefe-de-família, a este capricho.

Nouakchott, 1º de Outubro do Ano da Graça de 2013.

P.S. E já que estou na Mauritânia, um forte abraço de agradecimento ao Dimas Santos que me proporcionou uma aventura de 5 dias no camião do peixe, desde Rabat até Nouakchott, bem como à Isabel Fiadeiro (visita obrigatória a www.zeinart.com) e ao António Araújo, o “Feitor” do Parque Nacional do Banc d’Arguin, a “nossa” Arguim, que entre casa, comida, dinheiro e roupa lavada, me proporcionaram tudo incondicionalmente, sem perguntarem nem como nem porquê. Da mesma forma que o Jorge Tavares nunca se esquece de mim a cada domingo, em Rabat, e me convida para me sentar à sua mesa e o Lucas e o Zé Manel arranjam sempre espaço no carro para uma boleia de e para o Marrocos. O meu sucesso só é possível graças a Todos/as Aqueles/as que me levam ao colo e me permitem voar. Pagarei tudo com bacalhau! Palavra de Pelintra.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de dezembro de 2013. Pode ser consultado aqui

Magrebe lança-se no nuclear

Nos últimos dois anos, pelo menos 13 países do Médio Oriente anunciaram planos nucleares. A proliferação está às portas de Portugal

O “Átomo Sorridente” criado pela organização Nuclear Power? Yes please

A perspectiva de um Irão nuclear não deixa o mundo árabe indiferente. Segundo um relatório do International Institute for Strategic Studies (IISS), de Londres, entre Fevereiro de 2006 e Janeiro de 2007, pelo menos 13 países do Médio Oriente anunciaram novos projectos ou recuperaram planos antigos para se dotarem de capacidade nuclear. No Magrebe, Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia foram contaminados por esta súbita aspiração.

A escassez de recursos hídricos e o interesse económico em reservar para exportação uma parte considerável da produção nacional de petróleo e gás são duas das razões que ‘empurram’ os países do Norte de África para a opção nuclear. Na próxima segunda-feira, em Lisboa, a conferência ‘O Mediterrâneo, o Norte de África e a ameaça nuclear’ discutirá este fenómeno às portas de Portugal. O ex-director-geral da Agência Internacional de Energia Atómica Hans Blix marcará presença no Instituto de Estudos Superiores Militares e falará do impacto regional e internacional dos programas nucleares mediterrânicos.

Segundo o relatório do IISS, a Argélia é o caso que suscita mais receios. Possui dos programas nucleares mais avançados do mundo árabe e é um país onde a Al-Qaeda está particularmente activa. “A sua situação pode ser comparada à do Paquistão: um Estado islâmico dominado por militares com um sério problema com o terrorismo, que goza de boas relações com os EUA, recebeu assistência nuclear da China e tem ligações próximas ao Irão”.

Ameaça ou oportunidade?

Vizinho da Argélia, com quem vive uma animosidade latente, Marrocos também está na corrida ao nuclear. Se tudo correr como previsto, em 2017, Rabat terá o seu primeiro reactor, em Sidi Boulbra. O consumo de electricidade cresce 8% ao ano e o país não tem grandes reservas de petróleo.

Na conferência no Instituto de Estudos Superiores Militares, Francisco Galamas apresentará a perspectiva lusa. “Portugal deve precaver-se contra as prováveis ameaças e aproveitar possíveis oportunidades. As ameaças podem ser definidas a nível do terrorismo e de acidentes nas centrais nucleares. Por outro lado, caso a ligação entre as redes eléctricas europeias e as do Norte de África se concretizar, poderemos beneficiar da energia eléctrica produzida nesta região”, afirmou ao “Expresso”.

À semelhança da Argélia, também a Líbia assinou com a França, em 2007, acordos de cooperação nuclear. Khadafi renunciou à produção de armas nucleares, mas persegue o nuclear para fins civis, designadamente para dessalinizar água do mar.

Na Tunísia, o processo está embrionário, ao nível de estudos preliminares para a construção de um reactor. Como refere o relatório do IISS, “novos projectos sustentados de reactores no Médio Oriente estão, pelo menos, a 10, 15 anos de distância da sua realização”. O efeito-dominó é já, porém, uma realidade.

Artigo publicado no Expresso, a 15 de novembro de 2008

Portugal ruma a Sul

O nosso país está cada vez mais presente no Norte de África. Mas os povos continuam de costas voltadas. No Magrebe, conhece-se o futebol português e pouco mais

Os portugueses não hesitam em ir de férias a Marrocos ou à Tunísia, sabem que a Líbia tem um Presidente um pouco excêntrico e que foi por causa de um ataque terrorista na Mauritânia que o Lisboa-Dakar foi cancelado. E partilham do fascínio universal de, um dia, avistarem as Pirâmides de Gizé. No Estreito de Gibraltar, escassos 14,4 quilómetros de mar impedem que o Sul da Europa e o Norte de África se toquem. Mas, nas duas margens do Mediterrâneo, a imagem que os povos projectam do ‘outro’ permanece refém de estereótipos e de ideias feitas.

Amanhã e segunda-feira, decorre em Argel a II Cimeira Luso-Argelina. Em paralelo, será inaugurada a Feira Internacional de Argel que em 2007 recebeu mais de 1,5 milhões de visitantes e que, este ano, tem como convidado de honra Portugal. “Sempre tivemos uma relação excelente do ponto de vista político e diplomático. A Argélia desempenhou um papel muito importante na formação da nossa revolução”, recorda o embaixador português em Argel, Luís de Almeida Sampaio. “Aquilo que não existia, como agora, era o aprofundamento da dimensão económica”, diz.

Cerca de metade do gás natural consumido pelos portugueses é importado da Argélia. Por força dessa dependência energética, a balança comercial é altamente deficitária para Portugal, mas, aos poucos, empresas portuguesas vão cunhando a paisagem local. Foi à Parque Expo, por exemplo, que foi adjudicada a elaboração do Plano Director do Reordenamento Urbano de Argel, até 2010.

Geograficamente, Argel está mais próxima de Lisboa do que Paris ou Bruxelas — uma constatação ainda mais válida para Rabat. “Neste momento, há mais de 130 PME portuguesas em Marrocos, que dão trabalho a 30 mil pessoas”, refere o embaixador em Rabat, João Rosa Lã. Um dos logotipos de Marrocos no estrangeiro, o Hotel La Mamounia (Marraquexe), está a ser recuperado pela empresa Casais, de Braga.

Hoje, 58% do total de exportações portuguesas para o Norte de África vão para Marrocos e 90% do mercado das parabólicas é português. “Estamos dependentes da situação que se viver no Magrebe. Se houver um surto terrorista ou problemas relacionados com a imigração clandestina, Portugal e Espanha serão os primeiros a sofrer”, alerta Rosa Lã.

Na corrida das empresas lusas ao mercado magrebino, o Egipto — ficou claramente para trás. Ainda assim, a Cimpor, por exemplo, controla 10% do mercado do cimento. É o mais longínquo dos países da orla Sul e tem uma vocação diferente do ponto de vista geopolítico — é um palco, por excelência, do diálogo israelo-árabe. “Uma das funções da embaixada é seguir os trabalhos da Liga Árabe. Em 2007, Portugal assinou um Memorando de Entendimento com a organização que nos permite assistir às reuniões. Poucos países da União Europeia têm-no”, refere Paulo Martins Santos, cônsul no Cairo.

A funcionar há pouco mais de um ano, a embaixada em Tripoli já constatou o potencial de um país com dimensão para ‘engolir’ a Península Ibérica. Só no primeiro trimestre de 2008, foram assinados contratos que rondam os 1000 milhões de euros. Mas para o diplomata Rui Lopes Aleixo, “a nossa imagem não pode ser só a das empresas que chegam aqui. Há que mostrar a cultura portuguesa e aquilo que somos capazes de fazer noutros domínios”, diz. Recentemente, três investigadores das Universidades de Coimbra, Porto e do Centro de Mértola visitaram a Líbia e receberam luz-verde das autoridades para apresentarem um projecto de elaboração do mapa arqueológico do país.

No término das conversas que o “Expresso” manteve com representantes de quatro das cinco missões diplomáticas portuguesas no Norte de África, é impossível iludir o forte contributo do futebol na imagem que os povos do Sul têm dos portugueses. No Cairo, Manuel José, que treina o Al-Ahly — um clube com 50 milhões de adeptos… — é um ídolo. Já em Argel, é o embaixador Almeida Sampaio que não passa despercebido na rua… “As cores de um dos principais clubes de Argel — o Mouloudia — são o verde e o vermelho. Quando fico parado no trânsito, os miúdos vêm dar beijos à flâmula (pequena bandeira) que tenho no carro. Apanho banhos de multidão por causa das nossas cores”.

O que nos une

Durante a ocupação islâmica da Península Ibérica, entre os séculos VIII e XV, o território recebeu o nome de Al-Andalus. Situado em Granada, o palácio de Alhambra é o expoente máximo desse legado. Mas mais do que um património comum, hoje, os países da Península partilham com a orla árabe fóruns de diálogo que visam a aproximação entre as margens do Mediterrâneo: o Diálogo 5+5 (os cinco países da UMA, da Mauritânia à Líbia, e cinco do Sul da Europa) e o Processo de Barcelona da União Europeia (37 membros). A União para o Mediterrâneo, de Nicolas Sarkozy, será a próxima ‘ponte’ sobre o ‘Mare Nostrum’.

MAURITÂNIA
Aprendeu a falar português a bordo dos barcos de pesca luso-mauritanos, ao largo do Sara. Hoje, Yussuf, um mauritano de 37 anos imigrado há oito em Portugal, tem no português a sua língua de trabalho, num posto de combustível de Portimão. “Integrei-me bem. Há pessoas que não gostam de imigrantes, mas não ligo”. Nas férias, vai à Mauritânia de carro. “O trajecto é fácil, há sempre estrada até lá”, durante 4000 quilómetros.

MARROCOS
Quando chegou a Portugal há nove anos, para fazer investigação, Omar, de 35 anos, teve de fazer “uma grande ginástica” para evitar a carne de porco e “adaptar-se à comida portuguesa”. Hoje, este professor de Estudos Árabes diz apreciar “a capacidade de desenrascar” dos portugueses. E critica a “falta de pontualidade e o ‘deixa andar’”, atitudes, confessa, também marroquinas.

ARGÉLIA
Em Portugal há 24 anos, Farida tem um sonho: “Criar uma associação de amizade luso-argelina. Temos uma história comum que deve ser publicada”, diz esta consultora internacional na área alimentar, de 58 anos. “Temos uma geração de casamentos mistos. O que vai ser feito dela? Não há uma escola de língua árabe, não temos onde praticar e mostrar a nossa cultura”. Preocupa-a o futuro do neto luso-argelino.

TUNÍSIA
A vida de Amel deu uma volta de 180 graus desde que chegou a Portugal, há 10 anos. Então, seguira o marido até um novo posto profissional; hoje, administra o Santarém Hotel e gere o operador turístico ‘Beauty Village’. “Gostamos muito do país, não é muito diferente da Tunísia, desde logo no clima. E o contacto entre as pessoas é muito caloroso”.

LÍBIA
O bigode escuro faz Saud, muitas vezes, passar na rua por português. Nascido há 48 anos, a 60 quilómetros de Tripoli, veio para Portugal como bolseiro e por cá ficou. “Gostei do país e da forma como fui tratado”. As duas filhas apreciam ir à Líbia de férias, mas “falam pouca coisa” de árabe. Gostava que os portugueses fossem “mais ambiciosos” e que “não dramatizassem tanto”. Faz de tudo um pouco na embaixada líbia. E torce pelo Sporting.

EGIPTO
“Nós, orientais, acreditamos muito no destino”, diz Badr. E o destino quis que este egípcio de 46 anos viesse a Portugal há 12 estudar a língua de Camões. “Gosto de fado e conheço todas as casas no Bairro Alto. É um tipo de música muito próxima da música árabe. Fala de pátria, saudade e amor”. Se dependesse de si, os portugueses não seriam tão passivos: “Recentemente, no Egipto, aumentou o preço do pão e houve logo protestos”.

Artigo publicado no Expresso, a 7 de junho de 2008