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Seis explosões em 12 dias. Quem anda a tramar o regime dos ayatollahs?

Uma sucessão de explosões e incêndios, uma das quais numa das mais importantes centrais nucleares iranianas, desencadeou a especulação: meros acidentes ou atos de sabotagem?

1 Que tem acontecido de estranho no Irão?

E0m menos de duas semanas, várias explosões e incêndios geraram a impressão de que a República Islâmica estava ‘sob ataque’. Os incidentes começaram a 26 de junho, quando foi registada uma explosão no complexo de produção de mísseis de Khojir, a leste da capital. No mesmo dia, a cidade de Shiraz ficou às escuras após problemas na central elétrica. No seguinte dia 30, uma fuga de gás seguida de explosão matou 19 pessoas numa clínica médica a norte de Teerão. A 2 de julho, a tensão subiu a pique quando uma explosão atingiu a central nuclear de Natanz, estrutura crucial para o programa nuclear do país. No dia 4, um incêndio deflagrou numa central elétrica em Ahvaz (sudoeste do país), área predominantemente árabe sunita (o Irão é persa xiita) com um histórico de dissidência e violência contra o regime. Em seguida, dia 7, uma explosão atingiu uma fábrica em Kahrizak, sul de Teerão, provocando dois mortos e três feridos. Tudo aconteceu numa altura em que a economia iraniana está muito debilitada, em virtude das sanções internacionais, e a sociedade cada vez mais fustigada pelas dificuldades económicas e pela pandemia de covid-19, que já infetou mais de 250 mil pessoas e matou mais de 12 mil.

2 Há alguma suspeita de sabotagem?

Enquanto alguns incidentes parecem resultar de negligência ou manutenção deficiente de infraestruturas (num país que se ressente cada vez mais das sanções internacionais), um caso concreto parece ter sido obra de profissionais — a explosão na central de Natanz, principal complexo de enriquecimento de urânio no Irão, 250 quilómetros a sul de Teerão. Com franqueza surpreendente, o regime admitiu uma falha na segurança naquela que é uma das instalações mais sensíveis do país e um dos sítios que estão sob vigilância da Agência Internacional de Energia Atómica. Segundo Teerão, a explosão resultou de uma bomba potente colocada no interior das instalações. A explosão provocou “danos significativos” em laboratórios subterrâneos destinados à montagem e testagem de centrifugadoras recém-desenvolvidas (que aceleram o processo de fabrico de uma bomba atómica). “É possível que este incidente vá abrandar o desenvolvimento e a expansão de centrifugadoras avançadas”, admitiu Behrouz Kamalvandi, porta-voz da Organização de Energia Atómica do Irão. “Havia equipamentos sofisticados e dispositivos de medição de precisão que foram destruídos ou danificados.”

3 Quem está por detrás do ataque em Natanz?

Uma resposta possível pode ser encontrada nas entrelinhas de algumas reações ao que tem acontecido no Irão, nomeadamente em Israel, a única potência nuclear do Médio Oriente. Num encontro com jornalistas, o ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou: “Temos uma política de longo prazo… não permitir que o Irão tenha capacidade nuclear”, disse Gabi Ashkenazi. “Este regime, com esse tipo de capacidade, constitui uma ameaça existencial para Israel. Nós tomamos medidas, é melhor não falar delas.” Aos microfones da rádio Kan, sem negar o envolvimento de Israel no caso de Natanz, também o ministro da Defesa contribuiu para a intriga. “Nem todos os incidentes que acontecem no Irão estão necessariamente relacionados connosco”, disse Benjamin Gantz. Israel segue de muito perto o que se passa no Irão e, em 2018, a Mossad levou a cabo uma operação no centro de Teerão que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu considerou “uma grande conquista dos serviços secretos”. De um armazém em ruínas foi roubada meia tonelada de informação secreta sobre o programa nuclear iraniano, incluindo 110 mil documentos (em papel ou gravados em CD), vídeos e fotografias.

4 O programa nuclear já tinha sido sabotado?

Sim, especialmente nos anos que antecederam a assinatura, em 2015, do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano. Na altura uma campanha de ataques sistemáticos atribuída aos serviços secretos dos Estados Unidos (CIA) e em especial de Israel (Mossad) contribuiu para atrasar o desenvolvimento do programa. Essa campanha desenvolveu-se em múltiplas frentes: ações de sabotagem junto de instalações nucleares e de produção de mísseis; assassínio à bomba, a tiro ou por envenenamento de cinco cientistas especializados na área do nuclear, entre 2007 e 2015; guerra cibernética com recurso ao vírus Stuxnet — que se crê tenha sido desenvolvido a mando de norte-americanos e israelitas — para infetar e danificar computadores e enganar as redes de compras iranianas, levando-as a adquirir equipamentos defeituosos. Em 2010, o alvo deste vírus foi precisamente a central nuclear de Natanz, onde milhares de centrifugadoras foram então inutilizadas. Os ciberataques são uma das frentes desta guerra secreta que envolve o Irão e quem quer destruir o seu programa nuclear. Em abril deste ano, o regime de Teerão tentou atingir a rede de abastecimento de água de Israel com uma operação desse tipo.

5 O programa nuclear do Irão é um alvo. Porquê?

Porque apesar de o Irão garantir que quer energia nuclear para aplicá-la em fins civis e pacíficos, na comunidade internacional suspeita-se que o programa tenha natureza militar. A 14 de julho de 2015, com Barack Obama na Casa Branca, seis potências internacionais — EUA, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha — assinaram com o Irão um acordo que submete o programa nuclear a vigilância internacional mediante o gradual levantamento das sanções. O acordo mereceu a oposição de pesos-pesados do Médio Oriente: Israel (que o considera uma ameaça existencial) e Arábia Saudita (arquirrival do Irão). A 8 de maio de 2018, pressionado por estes aliados, Donald Trump ordenou a retirada unilateral dos EUA do acordo e a reintrodução das sanções como estratégia de “máxima pressão” sobre Teerão. O Irão manteve-se no acordo mas foi relaxando o seu cumprimento, começando a enriquecer mais urânio do que a quantidade permitida e a desenvolver centrifugadoras mais sofisticadas. A sua paciência está assente na esperança de que as eleições de novembro nos EUA mudem o inquilino da Casa Branca.

(IMAGEM CBS)

Artigo publicado no “Expresso”, a 11 de julho de 2020. Pode ser consultado aqui

Tensão vai levar à guerra?

O acordo sobre o programa iraniano está por um fio, desgastado pelas sanções americanas e por jogos de guerra psicológica

INFOGRAFIA Jaime Figueiredo

A pergunta foi feita há treze anos, mas é possível que recebesse a mesma resposta se fosse colocada hoje. O inquilino da Casa Branca era então George W. Bush, os Estados Unidos tinham mais de 100 mil militares a ocupar o Iraque e uma desconfiança indisfarçável em relação ao Irão, inscrito por Washington no “eixo do mal” dos patrocinadores do terrorismo.

Em Lisboa, o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger dava uma conferência sobre “Perspetivas e desafios das crises mundiais”. No fim, o Expresso perguntou-lhe se considerava realista aplicar ao Irão a estratégia que os EUA tinham em curso no Iraque. “A ocupação militar do Irão seria um pesadelo”, respondeu.

Treze anos depois, a República Islâmica continua a temer uma intervenção militar norte-americana e Washington a alimentar esse cenário. O coronel Peter Mansoor, ex-número dois do general David Petraeus durante a Guerra do Iraque, garante ao Expresso que os EUA continuarão a pressionar o Irão, até porque “as sanções têm resultado”, depauperando a economia iraniana, algo que Washington considera “uma potencial alavanca para uma mudança de regime”.

Esta semana os EUA fizeram acompanhar a sua retórica punitiva por um reforço do dispositivo militar na zona do Golfo, após um conjunto de atos de sabotagem contra aliados seus terem feito soar os alarmes (ver infografia). “Não nos testem”, advertiu o embaixador iraniano no Reino Unido, Hamid Baeidinejad, considerando esse ‘mostrar de dentes’ “um jogo muito perigoso, ao tentar arrastar o Irão para uma guerra desnecessária”. “Julgo que parte disto é teatro por parte dos EUA”, referiu o diplomata. “Eles, ou pelo menos o Presidente Trump, não quererão envolver-se num confronto militar com o Irão que sairia muito caro aos EUA e à região.”

A asfixia das sanções

As águas do Golfo Pérsico têm estado especialmente revoltas desde que, a 8 de maio de 2018, de forma unilateral, Trump retirou os EUA do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, assinado pela Administração Obama, em 2015.

A 8 de abril passado, como que confirmando a existência de um roteiro visando o confronto com o regime dos ayatollahs, o Presidente dos EUA subiu a fasquia do confronto com o Irão como nunca antes um antecessor fizera. Trump rotulou os Guardas da Revolução, uma força de elite iraniana, de “organização terrorista estrangeira”. O Irão respondeu no mesmo dia, identificando qualquer militar norte-americano em missão na região como um alvo potencial.

Um mês depois, os iranianos mostraram que também eles têm um roteiro de resposta. Hassan Rouhani — o Presidente que tem sido o rosto
moderado do regime religioso e que, neste contexto, começa a soar como um conservador — anunciou a suspensão de duas obrigações decorrentes do acordo nuclear, relativas ao enriquecimento de urânio e às reservas de água pesada. E endossou a responsabilidade pela sobrevivência do acordo aos restantes signatários — Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha —, apresentando um ultimato de 60 dias para que tomem medidas práticas para aliviar o efeito das sanções, que visam punir também países terceiros que se atrevam, nomeadamente, a importar petróleo do Irão. Teerão continua a operar dentro dos parâmetros do acordo, mas começa a dar sinais em sentido contrário.

Resistir ao bullying

“Este ‘ultimato’ deve de ser interpretado como a vontade do Irão em manter o acordo vivo”, defende ao Expresso a cientista política Ghoncheh Tazmini. “Os EUA sabem que o Irão, com os seus sólidos parceiros regionais, com os seus próximos e forças substitutas, é à prova de bala. E enquanto o Irão tiver consciência de que estas são meras provocações psicológicas e bluffs, vai querer manter o acordo vivo. Mas também precisa de dar um sinal aos signatários que restam de que têm de demonstrar assertividade na pressão sobre os EUA, para mitigar o seu comportamento.”

A 31 de janeiro, Reino Unido, França e Alemanha anunciaram a criação do Instrumento de Apoio às Trocas Comerciais (Instex), um canal alternativo de pagamentos para proteger as transações com o Irão das sanções americanas. O projeto tem tido dificuldades operacionais, em particular face à necessidade de uma “estrutura espelho” do lado iraniano. “O Irão já demonstrou boa vontade ao permanecer no acordo um ano [após os EUA saírem] e ao cumprir”, continua a iraniana. “Mais tempo sem reciprocidade é sinal de que o Irão está a sucumbir à arbitrariedade e ao bullying.”

Para já, o Irão opta por responder à “pressão máxima” dos EUA com “medidas de retaliação mínimas”. “Para a narrativa da Administração Trump dará imenso jeito se o Irão radicalizar a sua posição e voltar a falar no ‘Grande Satã’”, diz ao Expresso Germano Almeida, especialista em política americana. “Mas, depois do modo como a Administração Trump tratou o Irão nos últimos dois anos, a intenção iraniana de sair do acordo será uma consequência e não a causa da hostilidade americana”, acrescenta. “A política de Trump em relação ao Irão aumenta a ameaça nuclear iraniana, em vez de a diminuir.”

À espera de outra Casa Branca

Hassan Rouhani, forte defensor do acordo, tentará também jogar com o tempo. A 3 de novembro de 2020, já falta menos de ano e meio, haverá eleições presidenciais nos EUA que poderão resultar num Presidente que não se chame Trump. Na corrida para tentar a reeleição, o magnata ainda não conseguiu averbar um êxito duradouro na frente internacional. A “amizade” com o norte-coreano Kim Jong-un tarda em trazer a paz definitiva à Península Coreana e, na Venezuela, a operação de substituição de Nicolás Maduro por Juan Guaidó está transformada num embaraço.

“A comparação com o caso da Coreia do Norte ajuda-nos a perceber o absurdo da posição de Trump em relação à questão nuclear”, acrescenta Germano Almeida. “Com Kim deu todas as hipóteses e benefícios da dúvida, apesar da repetição de sinais de que o regime de Pyongyang continua a não ser de confiar; com o Irão, exagerou na ameaça e não reconheceu as provas de cumprimento que Teerão deu enquanto Obama esteve na Casa Branca.” E, com isso, pôs os tambores da guerra a rufar no Médio Oriente.

DESCODIFICADOR

Quem apoia quem neste barril de pólvora

Sempre que EUA e Irão entram em choque, toda a região é arrastada para o problema. Em 40 anos de vida da República Islâmica, o Golfo já foi palco de três guerras

1. Porque se volta a falar de guerra na região do Golfo?
Desde que os EUA e a República Islâmica do Irão cortaram relações diplomáticas, em 1980, as margens do Golfo Pérsico viram rebentar três conflitos: a guerra Irão-Iraque (1980-88), a do Golfo (1990-91) e a invasão do Iraque (2003). A tensão atual decorre de um conjunto de atos de sabotagem detetados esta semana (ver infografia). Ao Expresso, fonte do Pentágono disse que “muito provavelmente” os drones usados contra petroleiros e outros alvos nos arredores de Riade “transportavam mísseis com tecnologia iraniana”.

2. Que planos de ataque tem a Administração Trump?
Segunda-feira, “The New York Times” divulgou uma reunião entre o secretário da Defesa em exercício e o conselheiro de Segurança Nacional John Bolton sobre um plano de envio de 120 mil militares para o Golfo. Trump rotulou o artigo de “falso” e disse que em caso de intervenção o número de tropas seria muito maior. A Casa Branca partilhou com a Suíça (que representa os seus interesses no Irão) um número de telefone direto para a eventualidade de os iranianos quererem dialogar. “Gostava que me ligassem”, disse Trump.

3. Há alguma manobra militar em curso?
A chegada à região do Golfo, esta semana, de uma frota de guerra comandada pelo porta-aviões “USS Abraham Lincoln” soou a preparativo para a guerra. O coronel Peter Mansoor, veterano da Guerra do Iraque, explicou ao Expresso que o reforço do contingente não prova um aumento de tensão. Em causa estão meios frequentemente deslocados para uma região onde os EUA têm bases militares e têm estado envolvidos em guerras sucessivas (como Iraque e Afeganistão). “Não é um reforço em massa. É uma mensagem”, disse Mansoor.

4. Que aliados tem o Irão no Médio Oriente?
Quarta-feira, os EUA ordenaram o encerramento parcial da sua embaixada em Bagdade, temendo ataques de milícias xiitas pró-Irão. A alteração de poder no Iraque após a guerra de 2003 colocou este país de maioria xiita na órbita do Irão, o gigante xiita do Médio Oriente. Teerão também tem ascendente sobre o regime alauita na Síria e sobre dois grupos armados com grande potencial desestabilizador: o Hezbollah libanês (ameaça quotidiana para Israel) e os houthis, no Iémen, que resistem há quatro anos a uma ofensiva saudita.

5. Quem está ao lado dos Estados Unidos?
De frente para o Irão, a Arábia Saudita é um aliado inevitável, desde logo pela rivalidade histórica que personifica (é uma monarquia árabe sunita) com o gigante iraniano (república persa xiita). O outro grande apoio dos EUA é Israel, que, não estando no centro da contenda, é uma omnipresença na conflitualidade do Médio Oriente. “Estamos unidos no desejo de parar a agressão iraniana”, disse esta semana o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. “Derrotaremos a frente americano-sionista”, respondeu Amir Hatami, ministro da Defesa do Irão.

Textos escritos com Ricardo Lourenço, correspondente nos Estados Unidos.

Artigo publicado no “Expresso”, a 18 de maio de 2019

Coreia do Norte terá entre 20 e 60 bombas nucleares

A estimativa foi avançada por um ministro sul-coreano, durante um debate parlamentar. Seul diz, porém, não reconhecer a Coreia do Norte como um Estado nuclear, pelo que o processo de desnuclearização da Península é para continuar

Pela primeira vez, a Coreia do Sul concretizou, em público, a possível dimensão do arsenal nuclear da Coreia do Norte. Na segunda-feira, durante um debate parlamentar, o ministro sul-coreano para a Unificação afirmou que Pyongyang possuirá entre 20 e 60 bombas.

Cho Myoung-gyon atribuiu a origem da informação aos serviços secretos da Coreia do Sul. A revelação poderá ter sido acidental, já que, esta terça-feira, Seul apressou-se a esclarecer que as palavras do ministro não significam que a Coreia do Sul reconheça e aceite a Coreia do Norte como um Estado nuclear.

A desnuclearização da Península Coreana tem sido o principal dossiê em cima da mesa de conversações entre as duas Coreias (que já realizaram três cimeiras presidenciais este ano) e entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos (que estão a preparar a segunda cimeira entre Kim Jong-un e Donald Trump).

EUA e Rússia têm mais de 1000

Se, ao longo dos anos, o arsenal nuclear norte-coreano tem sido alvo de grande secretismo, dado o isolamento do país, o mesmo se passa relativamente à quantidade de armas nucleares em posse das restantes potências nucleares, de que só existem estimativas.

Segundo a Federação dos Cientistas Americanos (FAS), numa informação atualizada em junho deste ano, os Estados Unidos terão até 1750 bombas e a Rússia até 1600. Segue-se, a grande distância, a França com um máximo de 300, a China com 280 e o Reino Unido com 280.

No capítulo das potências nucleares que não subscreveram o Tratado de Não Proliferação Nuclear (em vigor desde 1970), o Paquistão terá até 150 ogivas nucleares, a Índia 140 e Israel 80. Em relação à Coreia do Norte, a FAS atribui-lhe 15 bombas, aquém do número avançado pelo Governo sul-coreano.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de outubro de 2018. Pode ser consultado aqui

À espera da guilhotina de Donald Trump

Enquanto Teerão não negociar um novo acordo sobre o programa nuclear, os EUA vão “bombardear” o país com sanções. O primeiro grande pacote entra em vigor para a semana

IMAGEM KHAMENEI.IR

A temperatura está alta em Teerão. Não apenas aquela que os termómetros acusam — e que, por estes dias, na capital iraniana, tem-se mantido constante à volta dos 40 graus Celsius —, mas também a dos corredores políticos. As sanções contra o Irão reintroduzidas por Donald Trump, após retirar os Estados Unidos do acordo internacional sobre o programa nuclear do Irão (JCPOA), a 8 de maio, estão a levar os sectores mais conservadores da República Islâmica a questionar a utilidade do diálogo com o Ocidente, e com isso a pressionar o regime no sentido de uma rutura.

Na próxima segunda-feira, 90 dias após Washington ter “saltado fora” do JCPOA exigindo a negociação de um novo acordo, entra em vigor o primeiro grande pacote de sanções. Entre os bens penalizados estão o ouro e os metais preciosos, grafite, carvão e aço, “software” industrial, tapetes e alimentos made in Iran. Os EUA vão também punir a compra de dólares por parte de Teerão.

Mais 90 dias depois, a 4 de novembro — a dois dias das importantes eleições intercalares nos EUA, em que estarão em causa os 435 lugares na Câmara dos Representantes e 35 dos 100 senadores —, a guilhotina norte-americana voltará a cair, dessa vez sobre o estratégico sector petrolífero iraniano.

França pede permissão aos EUA

Cada período de 90 dias visa dar tempo às empresas que tenham negócios com o Irão para que encerrem essas atividades e procurem alternativas. Em causa estão não apenas sociedades norte-americanas mas toda e qualquer empresa estrangeira que tenha uma relação comercial com o Irão e que, se não acatar a ordem de Trump, poderá sofrer retaliações por parte de Washington.

A Turquia já fez saber que não irá obedecer aos ditames dos EUA (ver texto ao lado). E a União Europeia — que está ao lado do Irão nos esforços para garantir a sobrevivência do acordo nuclear de 2015 — tenta cerrar fileiras em torno das empresas europeias que queiram investir no Irão. A 16 de julho, o Conselho Europeu atualizou o chamado “estatuto de bloqueio” que neutraliza os efeitos das sanções americanas sobre as empresas da UE.

Na prática, tudo é, porém, sempre mais complicado de concretizar. “Tenho esperança que os EUA nos autorizem a entregar ao Irão os [aviões] ATR. Há oito previstos para serem entregues antes de 6 de agosto”, dizia, na quarta-feira, Bruno Le Maire, ministro das Finanças de França.

Ingerência iraniana é cara

Dentro de portas, a degradação económica é um sintoma crescente nas casas da classe média. Nos últimos seis meses, o rial desvalorizou 120% e, esta semana, deu mais um trambolhão: no mercado não oficial, para comprar um dólar havia que desembolsar 111.500 rials.

A 25 de junho, em protesto contra a subida dos preços, o Grande Bazar de Teerão, por tradição um barómetro da (in)satisfação popular em relação à economia do país, fechou portas em greve. Esta semana, o centro do desagrado em relação ao custo de vida foi a cidade histórica de Isfahan (centro), com milhares de comerciantes, agricultores e camionistas a substituírem o dia de trabalho por um dia de protesto.

“Não a Gaza, não ao Líbano, a minha vida pelo Irão”, escutou-se em Isfahan. O slogan visa diretamente a política externa da República — e o sonho do ayatollah Khomeini de exportar a Revolução —, que muito pesa no erário público. Hoje, o Irão está presente e atuante em vários países vizinhos, alguns deles em situação de conflito: no Líbano (através do Hezbollah), na Síria (ao lado da Rússia, em defesa do Presidente Bashar al-Assad), no Iraque (onde a guerra desencadeada por George W. Bush catapultou a maioria xiita para o poder), na Palestina (contra Israel, através do apoio a grupos como o Hamas e a Jihad Islâmica), no Iémen (municiando os rebeldes huthis contra o poder reconhecido internacionalmente, aliado da rival Arábia Saudita).

Essa teia de influências confere trunfos a Teerão que pode usar em contextos de aperto, como o atual. A três meses de ver as suas exportações de petróleo sofrerem um duro golpe (por causa das sanções previstas para novembro), Hassan Rohani levantou o véu sobre uma possível retaliação. “A República Islâmica nunca procurou tensões na região e não quer problemas nas grandes vias navegáveis, mas não vai abdicar facilmente do seu direito de exportar petróleo”, alertou, na terça-feira.

Implícito nas palavras do Presidente do Irão está a possibilidade de o país encerrar o Estreito de Ormuz — por onde passa cerca de 30% do petróleo mundial transportado por via marítima — e, com isso, lançar o caos no trânsito de petroleiros pelo Golfo Pérsico. “O Irão tem sido, desde sempre, o garante da segurança desse Estreito. Não brinque com o fogo, você vai arrepender-se”, acrescentou, dirigindo-se a Trump.

Batalha naval

No dia seguinte, uma batalha naval começava a ganhar forma no Médio Oriente com a entrada “no debate” do primeiro-ministro de Israel. “Se o Irão tentar bloquear o Estreito de Bab al-Mandeb, estou certo de que será confrontado por uma coligação internacional determinada em impedi-lo”, alertou Benjamin Netanyahu. “E essa coligação incluirá todos os ramos militares de Israel.”

Com apenas 29 quilómetros de largura — entre o Iémen e o Corno de África (Djibuti e Eritreia) —, este outro estreito liga o Mar Vermelho ao Golfo de Áden e é a principal rota marítima entre o Médio Oriente e a Europa. O “fantasma” do Irão sobre esta via decorre de ataques huthis (aliados do Irão), na semana passada, contra um petroleiro e um navio de guerra sauditas, que levaram Riade a suspender o envio de remessas de petróleo através daquela via — em 2016, foram escoados por ali 4,8 milhões de barris de crude diariamente.

BATALHA VERBAL

“A América devia saber que a paz com o Irão é a mãe de todas as pazes. E a guerra com o Irão é a mãe de todas as guerras”
Hassan Rohani, Presidente do Irão, a 22 de julho

“Não volte a ameaçar os EUA ou sofrerá consequências como poucos sofreram”
Donald Trump, Presidente dos EUA, a 23 de julho

“Com certeza que me encontraria com o Irão se o quisessem”
Donald Trump, Presidente dos EUA, a 30 de julho

“Sr. Trump, o Irão não é a Coreia do Norte”
General Mohammad Ali Jafari, Comandante da Guarda Revolucionária iraniana, a 31 de julho

Artigo publicado no Expresso, a 4 de agosto de 2018, e republicado no “Expresso Online”, no mesmo dia. Pode ser consultado aqui

Irão dispara em várias frentes para evitar asfixia económica. Vêm aí as sanções dos EUA

As novas sanções ao Irão decretadas por Washington após Donald Trump retirar os EUA do acordo sobre o nuclear iraniano estão a três semanas de começar a produzir efeitos. Teerão tenta contrariá-las através da diplomacia e dos tribunais

O Irão está numa corrida contra o tempo. A 6 de agosto, entra em vigor o primeiro lote de sanções anunciadas pelos Estados Unidos após a retirada do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, anunciada por Donald Trump em maio. Um segundo pacote está previsto para entrar em vigor a 4 de novembro, dois dias antes das eleições intercalares nos Estados Unidos.

Na segunda-feira, o Irão apresentou uma queixa no Tribunal Internacional de Justiça contra os Estados Unidos visando responsabilizar Washington “pela reintrodução ilegal de sanções unilaterais”, anunciou, no Twitter, o ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, um dos artífices do acordo de 2015.

As novas sanções dos EUA visam sobretudo os sectores energético, petroquímico e financeiro. A agência Reuters estima esta terça-feira que, até ao final do ano, as exportações de petróleo iraniano possam cair “em dois terços” devido ao efeito das sanções.

Exportações de crude em queda

A Índia é o mais recente “campo de batalha” entre EUA e Irão. Temendo retaliações por parte dos Estados Unidos sobre as empresas nacionais que negoceiam com Teerão, a Índia — que é o segundo maior importador de petróleo iraniano, a seguir à China — está a reduzir a sua dependência energética em relação ao Irão.

Em junho, as importações de crude iraniano caíram 16%, de 705 mil barris por dia para cerca de 593 mil.

Esta segunda-feira, Abbas Araqchi, vice-ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, foi à Índia pela segunda vez desde maio. “Não há dúvidas que todos os países que estão a cooperar com o Irão estão determinados em salvar o acordo [sobre o nuclear], e tentam encontrar formas de garantir os benefícios do Irão no quadro do acordo. Esse facto revela o isolamento dos EUA”, afirmou Araqchi à agência iraniana IRNA.

Na semana passada, em Bruxelas, na conferência de imprensa após a cimeira da NATO, Donald Trump abordou o assunto: “Eu sei que [os iranianos] estão a ter muitos problemas e que a economia deles está a colapsar. Em determinado momento, eles irão telefonar-me e dizer: ‘Vamos fazer um acordo’ e faremos um acordo. Eles estão a sofrer muito agora”.

Em junho, greves motivadas pela acentuada desvalorização do rial iraniano encerraram o Grande Bazar de Teerão. E em frente ao Parlamento, protestos contra o enfraquecimento da economia levaram à intervenção da polícia.

UE firme ao lado do Irão

Esta segunda-feira, a União Europeia reafirmou o seu apoio ao acordo sobre o nuclear iraniano, dando cobertura às empresas europeias a operar em solo iraniano.

“Hoje, o Conselho [Europeu] aprovou a atualização do anexo do Estatuto de Bloqueio sobre o acordo nuclear com o Irão”, afirmou a chefe da diplomacia da UE, Federica Mogherini, no fim da reunião dos 28 ministros dos Negócios Estrangeiros.

Segundo a legislação europeia, “o Estatuto de Bloqueio proíbe as empresas da UE de cumprir os efeitos extraterritoriais das sanções dos EUA, permite às empresas a obtenção de indemnizações decorrentes de tais sanções junto da pessoa causadora dos prejuízos, e anula o efeito na UE de quaisquer decisões judiciais estrangeiras que se baseiem nelas”.

Concluiu Mogherini: “Continuaremos a fazer tudo o que pudermos para tentar impedir que este acordo seja desmantelado porque acreditamos que as consequências disso seriam catastróficas para todos”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de julho de 2018. Pode ser consultado aqui