Os Estados Unidos querem fazer alterações ao acordo sobre o programa nuclear iraniano. O Irão não aceita. E Israel deita achas na fogueira

Há uma data no horizonte a criar nervosismo na comunidade internacional — 12 de maio. Foi esse o dia limite dado pelo Presidente dos EUA para que sejam corrigidas “falhas” no acordo internacional sobre o programa nuclear do Irão. Depois, Donald Trump decidirá se Washington continua vinculado e a renunciar a sanções a Teerão ou se abandona o compromisso. “Se os EUA se retirarem, o acordo fica efetivamente morto, já que o Irão não está disposto a renegociar”, comenta ao Expresso Ghoncheh Tazmini, investigadora na Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS), da Universidade de Londres. “O JCPOA [sigla que identifica o acordo] é um documento vinculativo. Legalmente, os EUA não podem revogar um acordo multinacional que assinaram. Se o abandonarem unilateralmente, o Irão vai reagir e retirar-se.”
Para Trump, o JCPOA fica aquém em três domínios: não inclui o programa iraniano de mísseis balísticos, não detalha os termos das inspeções internacionais a instalações suspeitas e não prevê a necessidade de estender algumas limitações ao programa para lá dos prazos estipulados.
Diplomacia não compensa
“Uma saída dos EUA não levará a uma crise imediata. Porém, é provável que o Irão lentamente reinicie o seu programa nuclear civil, atualmente parado ou limitado pelo acordo”, diz a investigadora iraniana. E “pode optar por retirar-se do Tratado de Não-Proliferação [de Armas Nucleares], provocando uma corrida às armas na região”.
O eventual fim do acordo terá também consequências ao nível das sensibilidades políticas dominantes no seio da República Islâmica. Um afastamento dos EUA irá beneficiar os críticos do diálogo com o Ocidente. “Os iranianos vão interpretar qualquer violação do JCPOA como um indicador de que a diplomacia com a América não compensa”, alerta Ghoncheh Tazmini. “A linha dura irá ganhar terreno e os pragmáticos e reformistas terão dificuldades em defender negociações.”
Aliados do Irão na luta pela sobrevivência do acordo, os europeus têm-se coordenado na tentativa de demover Trump de decisões radicais. Na semana passada, o Presidente francês discursou no Congresso dos EUA: “Temos de garantir estabilidade e respeitar a soberania das nações, incluindo a do Irão, que representa uma grande civilização. Não vamos repetir erros do passado na região”, disse Emmanuel Macron. “Há um quadro legal chamado JCPOA para controlar a atividade nuclear do Irão. Assinámo-lo por iniciativa dos EUA. Assinámo-lo ambos, EUA e França. Não podemos dizer que devemos livrar-nos dele tão facilmente.” Esta semana, foi a vez de a chanceler alemã, Angela Merkel, rumar à Casa Branca para enfatizar a utilidade do acordo.
Inversamente, Israel parece empenhado em empurrar Trump para o confronto. Na segunda-feira, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pegou no microfone e protagonizou uma apresentação multimédia, no Ministério da Defesa, revelando “provas concludentes” de que “o Irão mentiu”. A União Europeia refutou as alegações de Telavive (com dados anteriores a 2015) dizendo não provarem violações ao acordo.
“Aliados dos EUA, como Israel e Arábia Saudita, irão apelar a uma ação militar contra o Irão”, diz Ghoncheh Tazmini, que a considera “impossível”.
“Um confronto militar com o Irão levará a uma dizimação regional, já que o Irão tem substitutos e próximos espalhados estrategicamente pela região” — apoia os regimes do Iraque e da Síria, os hutis no Iémen e o Hezbollah no Líbano ou onde quer que a milícia xiita esteja… Esta semana, Marrocos cortou relações com o Irão, acusando-o e ao Hezbollah de treinarem e armarem a Frente Polisário, que luta pela independência do Sara Ocidental.
Em guerra desde sempre
“A política de segurança do Irão é determinada pelo facto de o país estar em estado de guerra desde que se tornou uma República Islâmica — a longa e sangrenta guerra Irão-Iraque, ameaças perpétuas de mudança de regime, sanções…”, conclui a investigadora. Isso expôs o país à perceção de que “enfrenta uma ameaça existencial desde a sua criação. O Irão está bem preparado. Os EUA sabem que uma ação militar não é opção, por isso tentam obter mais concessões, pressionando para que alterações ao acordo possam restringir a influência, a única forma de limitar a projeção de poder do Irão.”
CONTEXTO
Acordo
O Irão aceita colocar o seu programa nuclear sob vigilância internacional em troca do fim das sanções
Signatários
Além do Irão, assinam o acordo EUA, Reino Unido, Rússia, França, China e Alemanha
Data
O Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA) foi assinado em Viena a 14 de julho de 2015
Duração
As restrições são levantadas de forma faseada até 2031
Artigo publicado no “Expresso”, a 5 de maio de 2018




