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“As posições da Europa encorajam Netanyahu”

Nabil Ahmad Abuznaid, embaixador palestiniano em Portugal, diz que haverá eleições dentro de seis meses

O recente reconhecimento do Estado de Israel por parte de dois países árabes abanou os palestinianos. Nas redes sociais, muitos disseram-se traídos pela decisão de Emirados Árabes Unidos e Bahrain. Nos corredores políticos, a brecha que fragilizou a unidade árabe em torno da causa palestiniana motivou as autoridades da Cisjordânia e da Faixa de Gaza a reorganizarem a casa.

“A Fatah, o Hamas e as outras fações políticas palestinia­nas concordaram em realizar eleições”, disse ao Expresso o embaixador da Palestina em Portugal, Nabil Ahmad Abuznaid, à margem de uma conferência que proferiu na Faculdade de Letras do Porto. “Primeiro serão as legislativas, depois as presidenciais e a seguir eleições para o Conselho Nacional”, o órgão legislativo da Organização de Libertação da Palestina (OLP).

A concretizarem-se — “dentro de seis meses”, aponta —, serão as primeiras em quase 15 anos. “Receamos que Israel não permita, mas estamos determinados em realizá-las”, diz. “Já sofremos muito tempo com a falta de união, mas agora está a haver um entendimento comum de que temos de combater a ocupação e não continuar a pensar que é um problema contra os judeus.”

Esta reação palestiniana ocorre perante a perspetiva de que mais países árabes normalizem a sua relação diplomática com Israel. O Sudão, que está na iminência de sair da lista de países terroristas dos Estados Unidos, pode ser o próximo. E as negociações com Omã também estão bem encaminhadas.

Que esperar de Joe Biden?

Com os EUA solidamente ao lado de Israel e perante a possibilidade de mudar o inquilino da Casa Branca, Nabil Ahmad Abuznaid, que já serviu na missão palestiniana em Washington, diz que “quem quer que venha a seguir a Donald Trump será melhor” para os palestinianos. “Estive com Joe Biden muitas vezes. É um bom homem, mas não é um lutador que vá mudar o Médio Oriente. Não irá fazer regressar a embaixada americana a Telavive, mas abrirá um consulado palestiniano em Jerusalém Oriental, reabrirá a missão palestiniana em Washington que Trump fechou e irá libertar alguns dos fundos para a UNRWA [a agência da ONU para os refugiados palestinianos] e algumas organizações internacionais. Não creio que possa exercer grande pressão sobre Israel. Mas se Trump sair, consigo ver Benjamin Netanyahu [o primeiro-ministro israelita] enfraquecido.”

Da União Europeia, o embaixador diz não esperar muito. “Os europeus apoiam os palestinianos, denunciam as políticas israelitas”, mas “Netanyahu não os leva a sério”. “Se a Europa proceder ao reconhecimento da Palestina estará a cumprir a sua posição sobre a solução de dois Estados. Mas enquanto não o fizer, as suas posições só encorajarão Netanyahu. Se a Europa disser que a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental são terras palestinianas, Netanyahu hesitará antes de as anexar.”

Em Lisboa desde 2017, questiona-se sobre a posição portuguesa. “O Parlamento, que representa a nação, disse [em 2014] que era hora de reconhecer a Palestina, mas o Governo diz que ainda não é o momento certo. Qual é o momento certo? Já conheço a resposta: é necessária uma posição europeia à qual Portugal possa aderir. É uma desculpa. Basta haver um país que não queira reconhecer e não há decisão europeia.”

(FOTO RUI DUARTE SILVA)

Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

Plano de anexação é machadada final no sonho palestiniano

Israel quer partes da Cisjordânia. Palestinianos e israelitas dizem ao Expresso como travar esse plano

INFOGRAFIA DE SOFIA MIGUEL ROSA


Desde que Israel declarou a independência, em 1948, não passou uma década sem que se envolvesse em conflito com os vizinhos árabes. Às guerras israelo-árabes sucederam-se duas intifadas palestinianas e, mais recentemente, três ofensivas na Faixa de Gaza. Mas naquela que parece ser a disputa mais insolúvel do mundo — a questão da Palestina —, as principais armas não são as balas, antes as pessoas e as terras que ocupam.

Em 1917, quando o Governo britânico prometeu ao povo judeu um “lar nacional” (Declaração Balfour), os judeus eram 10% da população da Palestina e detinham 2% das terras. Hoje, há sensivelmente tantos judeus como árabes na Palestina histórica, mas os primeiros controlam 85% do território.

Em breve, a luta pela terra pode abrir novo capítulo. Desde quarta-feira, 1 de julho, o Governo de Israel tem carta branca para anexar formalmente 30% do território palestiniano que, na prática, já ocupa. Estão em causa áreas de colonatos e o vale do Jordão. O plano foi uma promessa eleitoral in extremis do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu após dois atos eleitorais inconclusivos que mergulharam Israel num impasse político durante mais de um ano.

Reconhecimento e sanções

A concretizar-se, será o prego final no caixão da fórmula “dois Estados para dois povos”, que a comunidade internacional mantém como solução para o conflito. A Palestina ficará condenada a ser um rendilhado de territórios não contíguos onde só por magia será possível erguer um Estado viável.

Num artigo recente no jornal britânico “The Guardian”, o historiador israelita Avi Shlaim, professor emérito na Universidade de Oxford (Reino Unido), apelou ao reconhecimento internacional da Palestina. O perito explica ao Expresso porque o fez: “Os palestinianos têm direito à autodeterminação. Quase todos os governos ocidentais apoiam a solução de dois Estados, mas não reconhecem a Palestina. Não tem lógica. Israel não será dissuadido de prosseguir com a anexação com meras expressões de reprovação. É necessário ameaçar com sanções. A União Europeia tem uma influência real, mas, infelizmente, está dividida e torna-se impotente.”

Tal como aconteceu quando a Administração Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel (2017) e a soberania israelita sobre os Montes Golã (2019), este plano desencadeou as habituais condenações standard. A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michele Bachelet, foi das mais inconformadas. “A anexação é ilegal. Ponto. Qualquer anexação. Seja de 30% da Cisjordânia, seja de 5%”, disse esta semana. “As ondas de choque da anexação durarão décadas e serão extremamente prejudiciais para Israel e palestinianos, mas ainda há tempo para reverter a decisão.”

No passado, várias ilegalidades israelitas à luz do direito internacional — construção de colonatos, do muro de separação, apropriação de terras, transferência forçada de populações — suscitaram reações de condenação violentas. Mas nenhuma dissuadiu Israel de continuar com o projeto de colonização.

Ocupação é lucrativa

“O reconhecimento da Palestina é importante, mas não é suficiente. Sem a responsabilização de Israel, não é possível resolver a situação”, diz ao Expresso a palestiniana Nour Odeh, de 42 anos. “A ocupação é economicamente lucrativa e não tem custos políticos. Se a anexação também não tiver custos, por que razão há de Israel preocupar-se com declarações de condenação? Se os israelitas sentirem que as ações do seu Governo têm custos para si, este caminho perigoso pode ser revertido e poderá surgir uma oportunidade credível para acabar com a ocupação.”

A anexação não engolirá as terras por igual. Estima-se que vá criar 43 enclaves, encurralando 106 mil palestinianos

Nos últimos 20 anos, Nour tem observado a erosão do sonho palestiniano de diferentes ângulos. Entre 2006 e 2011 foi correspondente da televisão Al-Jazeera em Ramallah e em 2012-13 foi porta-voz do Governo palestiniano. A experiência permite-lhe sugerir com facilidade medidas que podem travar Israel. “Os países podem rejeitar vistos a colonos, impor restrições e responsabilizar quem lucra com os colonatos, parar a cooperação militar com Israel. E, com ou sem anexação, devem proibir a comercialização de produtos dos colonatos.”

Esta semana, nos Estados Unidos, surgiu um esboço de reação musculada. Quatro congressistas enviaram uma carta ao secretário de Estado, Mike Pompeo, apelando ao corte ou à suspensão da ajuda anual de 3800 milhões de dólares a Israel (3400 milhões de euros).

Se o plano de Netanyahu for avante, será a primeira anexação de território palestiniano desde 1967, quando Israel conquistou e anexou unilateralmente Jerusalém Oriental, a parte árabe da cidade santa para judeus, cristãos e muçulmanos, que israelitas e palestinianos querem para capital. Na prática, Israel estenderá o seu ordenamento jurídico civil a terras que já ocupa e onde agora aplica leis militares.

Enclaves palestinianos

A anexação não engolirá todas as terras visadas por igual. Estima-se que sejam criados 43 enclaves palestinianos, encurralando 106 mil pessoas. “Israel vai tentar forçar as pessoas a saírem desses enclaves”, diz ao Expresso Aviv Tatarski, da ONG israelita Ir Amim. “As consequências serão devastadoras para os próprios e para as populações de Belém ou Ramallah. Dificilmente haverá um palestiniano que não seja afetado pela anexação. O quotidiano dos palestinianos das áreas A e B [sob controlo da Autoridade Palestiniana] depende muito do acesso às áreas envolvidas nesta anexação.” O vale do Jordão, por exemplo, é a zona agrícola fértil da Cisjordânia.

A Ir Amim é uma organização que observa a situação em Jerusalém Oriental, que leva mais de 50 anos em matéria de ocupação. Anexada em 1967, tem vindo a perder população árabe, graças a uma política de construção de casas “só para judeus” e demolição de casas árabes com base em artifícios administrativos. “As políticas de Israel em Jerusalém Oriental tornam claros os riscos da anexação que está a ser planeada”, avisa Tatarsky. “Israel foi claro: não tenciona conceder estatuto de residência aos palestinianos envolvidos na anexação. Sem isso, não terão liberdade de movimentos e ficarão em risco de se sentir desenraizados. Israel poderá usar todos os pretextos burocráticos para empurrar essa população para fora.”

Issa Amro vive numa das principais linhas da frente da ocupação. Hebron — que está fora do plano de anexação — é a única cidade palestiniana com colonos no centro (800, protegidos por 1500 soldados). Ali árabes e judeus vivem em regime de apartheid.

Desde 2016 que este ativista da resistência não-violenta, de 40 anos, está a ser julgado num tribunal militar israelita por, entre outros, “protestos ilegais”. Não tem dúvida que a anexação trará “mais apartheid e segregação”, diz ao Expresso. “Eles vão roubar mais terras e vão forçar a comunidade internacional a reconhecer os colonatos ilegais, ao anunciar que fazem parte de Israel.”

FRONTEIRA MÓVEL

1947 — O Plano de Partilha do mandato britânico da Palestina é aprovado na ONU. Os judeus ficam com 55% e os árabes com 42%. Jerusalém fica sob administração internacional

1967 — Na Guerra dos Seis Dias, Israel conquista a Cisjordânia e Jerusalém Oriental (à Jordânia), a Faixa de Gaza e a Península do Sinai (ao Egito) e os Montes Golã (à Síria). Jerusalém Oriental é anexada a seguir

1979 — Israel devolve a Península do Sinai ao Egito, no âmbito do Tratado de Paz bilateral

1981 — Israel anexa os Montes Golã

1993 — Nos Acordos de Oslo, os palestinianos abdicam da exigência de 78% do território da Palestina em troca de um Estado independente

2005 — Israel retira unilateralmente da Faixa de Gaza, que fica para a Autoridade Palestiniana

Artigo publicado no “Expresso”, a 4 de julho de 2020. Pode ser consultado aqui

Sérgio Godinho, Massive Attack e mais 238 artistas unem-se num apelo ao fim do bloqueio à Faixa de Gaza

A existência de casos de covid-19 na Faixa de Gaza motivou 240 artistas a publicar uma carta aberta. “O bloqueio de Israel impede a entrada de medicamentos e material médico, pessoal e ajuda humanitária fundamental”, alertam. “A pressão internacional é urgentemente necessária para tornar a vida em Gaza viável e digna”

A pandemia que tomou o planeta de assalto levou um pouco daquilo que é ‘a normalidade de Gaza’ aos quatro cantos do mundo: cidades confinadas, restrição de movimentos, encerramento de fronteiras, desemprego em alta, colapso económico, ansiedade, medo e incerteza em relação ao futuro.

Na origem da situação estão a ocupação israelita (1967-2005) e o bloqueio fronteiriço que dura desde 2007 – quando o grupo islamita Hamas tomou de assalto o poder –, com consequências dramáticas para quem lá vive: o desemprego entre os jovens ronda os 60% e mais de 80% da população vive dependente da ajuda internacional.

A isto se somam três guerras desencadeadas por Israel (2008/2009, 2012 e 2014) e agora a pandemia de covid-19, a que Gaza também não escapa, apesar do isolamento. Desde 21 de março foram contabilizados 20 casos positivos.

“Os relatos dos primeiros casos de coronavírus na densamente povoada Gaza são profundamente perturbadores”, alertam 240 artistas, portugueses e estrangeiros, numa carta aberta divulgada na quarta-feira. “O bloqueio de Israel impede a entrada de medicamentos e material médico, pessoal e ajuda humanitária fundamental. A pressão internacional é urgentemente necessária para tornar a vida em Gaza viável e digna. O cerco de Israel deve acabar.”

Entre os signatários portugueses estão o músico Sérgio Godinho, o rapper Chullage, a escritora Patrícia Portela, a pintora Teresa Cabral, o dramaturgo Tiago Rodrigues e o coreógrafo Rafael Alvarez.

Os subscritores internacionais incluem os músicos Peter Gabriel e Roger Waters, a banda Massive Attack, o compositor Brian Eno, a ativista Naomi Klein, o escritor Irvine Welsh e o ator Viggo Mortensen.

Ameaça mortal na maior prisão ao ar livre

“Bem antes da crise em curso, os hospitais de Gaza já estavam no ponto de rutura devido à falta de recursos essenciais negados pelo cerco israelita. O seu sistema de saúde não conseguiu dar resposta aos milhares de ferimentos por bala, obrigando a muitas amputações.”

A carta não se limita a expor a fragilidade de Gaza e do seu sistema de saúde. Vai mais longe e apela a um embargo militar internacional a Israel, “até que este país cumpra todas as suas obrigações à luz do direito internacional”.

“As epidemias (e pandemias) são desproporcionalmente violentas para as populações atormentadas pela pobreza, ocupação militar, discriminação e opressão institucionalizada”, alertam. “Com a pandemia, os quase dois milhões de habitantes de Gaza, predominantemente refugiados, enfrentam uma ameaça mortal na maior prisão ao ar livre do mundo.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

Bancos israelitas fazem negócio às custas da ocupação

Os bancos israelitas são cúmplices da ocupação da Palestina. Financiando projetos de construção, concedendo empréstimos ou simplesmente abrindo balcões — aos quais a população palestiniana não pode aceder — contribuem para perpetuar uma situação ilegal e discriminatória. Um relatório da Human Rights Watch, divulgado esta terça-feira, põe o dedo na ferida

Judeus usam o multibanco, fora de uma agência bancária no colonato de Modi’in Ilit, Cisjordânia HUMAN RIGHTS WATCH

O que de ilegal pode ter uma caixa multibanco num aglomerado populacional? Tudo, se o terminal pertencer a um banco israelita e a povoação em causa for um colonato judeu no território palestiniano da Cisjordânia. Ao abrigo do direito internacional, os colonatos são ilegais, pelo que o financiamento de projetos de construção, a concessão de empréstimos a autoridades locais ou a abertura de agências bancárias nos colonatos tornam os bancos israelitas cúmplices de crimes de guerra.

“Fazer negócios com ou nos colonatos contribui para graves violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário”, defende ao Expresso Sari Bashi, diretora do programa da Human Rights Watch (HRW) para Israel e a Palestina. “Infelizmente, as empresas não podem mitigar esses abusos, porque eles são inerentes aos colonatos”, que se desenvolvem em terras confiscadas ilegalmente e em condições de discriminação.

Esta terça-feira, a HRW divulgou o Relatório “Bankrolling abuse: Israeli banks in West Bank settlements” no qual defende que os maiores bancos de Israel fornecem serviços que “apoiam e ajudam a manter e a expandir os colonatos na Cisjordânia”.

“Os serviços prestados nos colonatos são intrinsecamente discriminatórios, porque os palestinianos da Cisjordânia não podem entrar nos colonatos, exceto se forem trabalhadores e tiverem licenças especiais”, explica Sari Bashi. “Por isso, os palestinianos não podem obter hipotecas para comprar casas nos colonatos — porque não podem aceder às terras dos colonatos. Não podem usar os multibancos nos colonatos — porque não podem lá entrar. Não desfrutam dos empréstimos dos bancos aos colonatos para a construção de piscinas e centros recreativos — porque o acesso a essas instalações está-lhes vedado.”

Os bancos israelitas defendem-se alegando estarem obrigados pela lei do Estado. A HRW contesta, dizendo que os bancos podiam cessar muitas das suas operações nos colonatos sem consequências legais adversas. “Contrariamente ao que dizem os bancos israelitas, eles não estão obrigados à maioria dos serviços que prestam nos colonatos”, diz Sari Bashi, que antes de trabalhar na HRW cofundou o grupo israelita de direitos humanos Gisha — Centro Legal para a Liberdade de Movimento. “Para cumprir as suas responsabilidades ao nível dos direitos humanos, os bancos deveriam cessar as suas atividades nos colonatos.”

Num relatório publicado em setembro, a HRW já tinha feito um levantamento das atividades bancárias nos colonatos. “É um mapeamento muito parcial, porque os sete grandes bancos contactados recusaram-se a divulgar publicamente o âmbito e a extensão das suas operações nos colonatos”, diz Sari Bashi. “Esse levantamento sugere que os serviços são prestados mediante oportunidades de negócios.”

Por exemplo, os bancos optam por estabelecer balcões em colonatos grandes, onde potencialmente têm mais clientes. Concorrem entre si na concessão de empréstimos às autoridades locais. E escolhem os projetos de construção que querem “acompanhar”. “Os bancos fazem negócios, mas na opinião da HRW essas decisões são contrárias às suas responsabilidades relativas aos direitos humanos” — que constam dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, adotados pelas Nações Unidas em 2011.

Segundo a HRW, quatro grandes bancos israelitas — Bank Hapoalim, Bank Leumi, Bank Discount e Mizrahi Tefahot — subscreveram o Pacto Global da ONU, uma iniciativa que encoraja as empresas a adotarem políticas sustentáveis e de responsabilidade social e que inclui um compromisso no sentido do respeito pelos direitos humanos proclamados internacionalmente. “Cada banco publica um relatório anual sobre responsabilidade social empresarial”, lê-se no documento da HRW. Porém, “nenhum deles, nas edições de 2016, as mais recentes, aborda especificamente atividades nos colonatos israelitas”.

O relatório divulgado esta terça-feira concretiza a cumplicidade entre bancos e ocupação. Na aldeia palestiniana de Azzun, atravessada pelo chamado “muro da Cisjordânia”, o Leumi é parceiro num projeto de construção de cinco novos edifícios no colonato de Alfei Menashe, que cresceu em terras que anteriormente pertenciam à aldeia.

Noutro caso, o Mizrahi Tefahot “acompanha” dois novos projetos residenciais, nos arredores da aldeia palestiniana de Mas-ha, num total de 251 casas. Basicamente, estes planos expandem o colonato de Elkana na direção de Mas-ha, restringindo o acesso dos palestinianos às terras e forçando a deslocalização de populações.

“A transferência, por parte do ocupante [Israel], de membros da sua população civil para o território ocupado [Cisjordânia] e a deportação ou transferência de membros da população do território são crimes de guerra”, conclui o relatório. “As atividades dos bancos financiam um passo perigoso” desse processo. Ao viabilizarem a expansão dos colonatos, facilitam a transferência ilegal de população.

Artigo publicado no Expresso Diário, a 29 de maio de 2018 e republicado no “Expresso Diário” no dia seguinte. Pode ser consultado aqui e aqui

Presença cristã na Terra Santa ameaçada por política “discriminatória” de Israel

O município de Jerusalém quer taxar propriedades eclesiásticas, até agora isentas. Em protesto, líderes de várias igrejas cristãs fecharam o Santo Sepulcro, em protesto contra o que consideram ser “uma tentativa de enfraquecimento da presença cristã em Jerusalém”

Um dos locais mais sagrados para os cristãos de todo o mundo está de porta fechada a peregrinos, turistas e público em geral por tempo indeterminado. No domingo, em frente à pesada porta de madeira do Santo Sepulcro, na Cidade Velha de Jerusalém, os líderes das três maiores comunidades cristãs representadas no seu interior justificaram a medida com a necessidade de protestarem contra a política “discriminatória” de Israel, que atenta contra a presença cristã na Terra Santa.

No centro da polémica está uma decisão do município de Jerusalém que acaba com a isenção do pagamento do imposto municipal relativo a propriedades eclesiásticas. “Há uma dívida acumulada ao longo de anos. Fizemos o que faríamos com qualquer outro cidadão”, defendeu o presidente da Câmara, esclarecendo que a medida visa apenas propriedades comerciais detidas pelas igrejas (como hotéis) e não terrenos onde existam locais de culto. “Se não está satisfeita, a Igreja está convidada a recorrer ao tribunal. Estou surpreendido que não o tenham feito”, disse Nir Barkat, citado pelo jornal “The Jerusalem Post”.

As igrejas cristãs reclamam a existência de um acordo antigo que as isenta do pagamento de impostos municipais. Datado da era otomana, recordam, foi respeitado por britânicos (que detiveram o mandato da Palestina), jordanos (que ocuparam e anexaram Jerusalém Oriental após a guerra israelo-árabe de 1948) e sucessivos governos israelitas (após a ocupação na guerra de 1967).

“Estas ações violam acordos existentes e obrigações internacionais, que garantem direitos e privilégios às igrejas, no que parece ser uma tentativa de enfraquecimento da presença cristã em Jerusalém”, defenderam os líderes cristãos, à entrada do Santo Sepulcro, numa posição de unidade inédita, tendo em conta a rivalidade e, por vezes, conflitualidade entre monges de diferentes sensibilidades cristãs, no interior do templo.

Outra medida recente que indignou os responsáveis cristãos prende-se com um projeto de lei que viabiliza — com efeitos retroativos — a expropriação de terrenos vendidos por igrejas a privados. Previsto para ser debatido no domingo, na habitual reunião semanal do Governo de Telavive, essa discussão foi adiada uma semana para que seja possível “trabalhar com as Igrejas” e tentar resolver o conflito, disse a deputada proponente Rachel Azaria, do partido Kulanu (sionista).

E se fosse com sinagogas?

Em estilo provocatório, o diário israelita “Haaretz” questionava no domingo: “Uma questão relevante é o que Israel diria se uma medida deste género fosse tomada noutro país relativamente a propriedades de sinagogas”. Em declarações ao Expresso, Adeeb Jawad Joudeh Alhusseini, o muçulmano que, diariamente, guarda as chaves do Santo Sepulcro, recorda que não é a primeira vez que a igreja é encerrada numa ação de protesto. Isso já aconteceu a 27 de abril de 1990, “durante 48 horas, quando colonos [judeus] ocuparam o Hospício de S. João”, no bairro cristão.

O Santo Sepulcro é local de visita obrigatória para qualquer cristão em peregrinação à Terra Santa. No seu interior, situa-se o Calvário, onde Jesus Cristo foi crucificado, e também o Edículo, uma construção em madeira que envolve o túmulo onde foi sepultado.

Na igreja, estão representadas seis sensibilidades cristãs — ortodoxos gregos, ortodoxos arménios, católicos romanos (franciscanos), coptas, siríacos e etíopes. Situa-se na parte leste (árabe) de Jerusalém, conquistada por Israel na Guerra dos Seis Dias (1967) e anexada em 1980, após aprovação do Parlamento de Israel.

(Foto: Entrada principal da Basílica do Santo Sepulcro, no bairro cristão da Cidade Velha de Jerusalém WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no Expresso Online, a 26 de fevereiro de 2018. Pode ser consultado aqui