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Quanto custa esbofetear um militar israelita? Depende de quem dá a estalada

Ahed Tamimi, a palestiniana de cabelos rebeldes tornada famosa após atingir à estalada um soldado israelita, vai ser presente a tribunal esta terça-feira. O seu caso revela a persistência palestiniana na luta contra a ocupação israelita e expõe a dualidade com que Israel aplica a lei nos territórios que controla consoante se trata de alguém israelita ou palestiniano

Ahed Tamimi e Yifat Alkobi D.R.

“Morte para Ahed Tamimi”, “não há lugar neste mundo para Ahed Tamimi”. Pela calada da noite, no passado dia 1 de fevereiro, paredes da aldeia palestiniana de Nabi Saleh, perto de Ramallah, no território ocupado da Cisjordânia, foram grafitadas com ameaças a uma filha da terra. Os habitantes não viram quem vandalizou a aldeia, mas têm uma suspeita: “Os colonos escreveram que Ahed deve ser morta para assustar os habitantes de Nabi Saleh”, defendeu Bassem Tamimi, pai da jovem visada, em declarações ao sítio Mondoweiss. Nas redes sociais, acrescentou, um grupo de colonos já tinha declarado que iria esperar pela libertação da rapariga no exterior da prisão de HaSharon, onde está detida, para matá-la. “Temo pela minha filha. Não só por ser palestiniana, mas porque a sua cara tornou-se tão conhecida que toda a gente sabe com exatidão quem ela é e como se parece.”

Ahed Tamimi — 17 anos feitos a 31 de janeiro — foi presa a 19 de dezembro após um vídeo em que surge a esbofetear e pontapear um soldado israelita se ter tornado viral nas redes sociais. As imagens foram captadas quatro dias antes, pela mãe da jovem, Nariman, que também está detida, acusada de “incitamento”. Não era a primeira vez que Ahed surgia de punho cerrado, ameaçando bater em militares armados até aos dentes. Esta terça-feira, será presente a um juiz para responder por aquelas estaladas e pontapés e por outras afrontas ao longo dos anos.

Ahed não é a primeira mulher palestiniana a ser detida por Israel no âmbito de protestos antiocupação. Nem tão pouco a primeira menor. Este domingo, por exemplo, foi libertada Razan Abu Sal, oriunda do campo de refugiados de Arroub, entre Belém e Hebron (Cisjordânia), condenada a 16 de janeiro a quatro meses de prisão e uma multa de 2500 shekels (580 euros) pelo arremesso de pedras. Razan tem… 13 anos. Mas várias razões contribuem para que o caso de Ahed seja especial, ao ponto de ter centrado atenções em todo o mundo como nenhum outro anteriormente.

“Ahed Tamimi tem estado, desde os oito anos de idade, na fila da frente das manifestações semanais do comité popular da sua aldeia contra a ocupação militar israelita, em geral, e contra o colonato de Halamish, em particular, que usa ilegalmente as fontes de água dos palestinianos”, explica ao Expresso Giulia Daniele, investigadora no Centro de Estudos Internacionais do ISCTE (Lisboa).

Em Nabi Saleh, a revolta palestiniana contra a ocupação israelita tem um alvo específico: o colonato de Halamish, uma comunidade de judeus ortodoxos estabelecida em 1977 que não para de crescer às custas de hectares de terra confiscados aos palestinianos. Em 2009, os colonos apoderaram-se da nascente de Ein el Qaws, perto da aldeia, obrigando os habitantes a procurarem fontes alternativas para irrigar oliveiras e árvores de fruto.

As manifestações contra a ocupação ganharam então um caráter mais regular e Ahed tornou-se uma presença permanente e cada vez mais indiscreta. Em 2012, a Turquia atribuiu-lhe o Prémio Handala para a Coragem na sequência de imagens onde ela surge a confrontar militares israelitas que tinham levado preso o seu irmão. Quando foi recebê-lo, Ahed teve direito a um encontro com Recep Tayyip Erdogan, então primeiro-ministro e hoje presidente da Turquia.

Um segundo aspeto que faz de Ahed especial, diz Giulia Daniele, decorre do facto de ela pertencer à família Tamimi, um clã muito ativo na luta contra a ocupação, por força do seu impacto na aldeia onde vive. Bassem, o pai de Ahed, já foi, também ele, preso e condenado a prisão pela justiça israelita.

A farta cabeleira de Ahed — tão rebelde como ela —, os seus olhos azuis e os meios que utiliza nos protestos também contribuem para a composição do ícone. “Ela não aparenta ser uma jovem ativista palestiniana, não cai nos cânones que Israel e o Ocidente em geral atribuem às mulheres palestinianas. Como é possível que uma jovem com aquele aspeto possa lutar contra os soldados israelitas utilizando uma máquina fotográfica ou um cartão vermelho?” O recurso a câmaras fotográficas ou de filmar é frequente nas manifestações semanais antiocupação em aldeias como Bilin, Nilin ou Kafr Qaddum: visam registar o uso excessivo da força com que Israel retalia os protestos.

Giulia Daniele identifica ainda uma quarta razão para o destaque dado a Ahed: ela é a prova de que “a luta popular e não-violenta palestiniana continua, apesar da ocupação ilegal israelita se tornar, dia após dia, mais violenta e mais enraizada — parece infinita”.

Dois pesos, duas medidas

Ahed está a ser julgada num tribunal militar, tratada como uma ameaça à segurança de Israel. “Em muitos casos, os palestinianos são julgados por acusações falsas ou ficam presos sem qualquer acusação”, as chamadas “detenções administrativas”, muito frequentes. “Aos palestinianos aplica-se a lei militar, enquanto aos colonos israelitas, que ali moram ilegalmente, tal como em Jerusalém Oriental, aplica-se a lei civil”, refere Giulia Daniele. “Obviamente, tratando-se de tribunais diferentes, há também diferentes penalizações e tratamentos.”

Ahed responde por 12 acusações, algumas delas — como o arremesso de pedras e a interferência nos deveres de um soldado — relativas a episódios passados anos antes da bofetada que a pôs atrás das grades. Arrisca uma pena de prisão entre os 12 e os 14 anos. Pelo mesmo “crime” — uma bofetada a um soldado israelita —, e por cinco outras condenações (entre elas o arremesso de pedras, o ataque a um polícia israelita e conduta desordeira), Yifat Alkobi, uma colona judia de Hebron, “não foi presa uma única vez”, escreveu o diário israelita “Haaretz”, a 5 de janeiro. “A agressora [judia], que deu uma bofetada a um soldado que tentava impedi-la de atirar pedras, foi levada para interrogatório mas libertada sob fiança no mesmo dia, e autorizada a ir para casa” — impune.

A diferença de tratamento entre a palestiniana Ahed e a israelita Yifat expõe a dualidade de sistemas legais que Israel aplica nos territórios que controla, consoante o acusado é israelita ou palestiniano. No caso de Ahed, sabe-se hoje que agiu movida pela revolta, ao saber que um primo de 15 anos tinha sido alvejado na cabeça, uma hora antes, por um agente da segurança israelita. Mohammed sobreviveu, mas perdeu parte do crânio e tem a cara desfigurada.

Na perspetiva de Giulia Daniele, autora do livro “Women, Reconciliation and the Israeli-Palestinian Conflict: The Road Not Yet Taken” (Routledge, 2014), Ahed Tamimi é uma palestiniana na linha de outras mulheres carismáticas que têm contribuído para uma forma feminina de protestar no conflito israelo-palestiniano. São exemplos Hanan Ashrawi, figura central dos Acordos de Oslo e do nascimento da Autoridade Nacional Palestiniana, Amal Khreishe, líder da Sociedade das Mulheres Trabalhadoras Palestinianas para o Desenvolvimento (PWWSD) e Naila Ayesh (diretora do Centro para os Assuntos das Mulheres na Faixa de Gaza).

“Não só há uma presença feminina nestes protestos, como também uma presença histórica e crucial para a relevância do movimento nacional palestiniano na sua complexidade”, diz Giulia Daniele. “A partir da Nakba [o êxodo dos palestinianos após a criação de Israel, a que chamam “catástrofe”] em 1948, o movimento das mulheres palestinianas desempenhou um papel fundamental na luta contra os ocupantes israelitas. Na sua especificidade, elas tiveram de protestar contra uma dupla opressão: uma externa – a ocupação militar israelita – e uma interna – a própria sociedade patriarcal.”

Conclui Giulia Daniele: “Hoje, o papel das mulheres palestinianas é muito importante, sobretudo ao nível das bases, embora seja impossível falar de um único movimento, dado haver uma variedade de perspetivas e práticas políticas entre as diferentes organizações de mulheres. Há diferenças entre ativistas laicas e religiosas, entre ativistas da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, entre as mais jovens e as mais velhas, entre as do mundo rural e as de áreas urbanas”. Todas, porém, partilham dois grandes objetivos: o fim da ocupação militar israelita e o direito à autodeterminação do povo palestiniano.

Artigo publicado no Expresso Diário, a 12 de fevereiro de 2018 e republicado no Expresso Online, no dia seguinte. Pode ser consultado aqui e aqui

“Sou sempre culpado, até prova em contrário”

É uma voz incómoda para Israel, que já o prendeu dezenas de vezes, mas também para a Autoridade Palestiniana, que recentemente o manteve detido seis dias. Issa Amro é um dos ativistas palestinianos mais carismáticos e corajosos. Esta terça-feira, foi ouvido num tribunal militar israelita. “Querem prender-me por resistir à ocupação pacificamente”

Issa Amro, ativista palestiniano residente em Hebron KEVIN SNYMAN / WIKIMEDIA COMMONS

Issa Amro é um ativista palestiniano que não passa despercebido às forças israelitas que ocupam o território da Cisjordânia. A casa onde vive, na área de Tel Rumeida, em Hebron, fica paredes meias com um colonato problemático, onde uma pequena comunidade de judeus radicais vive protegida por militares israelitas em maior número. E fazem o que querem.

À casa de Issa — onde funciona a organização Juventude Contra os Colonatos (YAS), que fundou — rumam, diariamente, ativistas, jornalistas, políticos e diplomatas de todo o mundo, incluindo de Israel, para ouvirem, na primeira pessoa, como se (sobre)vive numa cidade onde vigora uma situação de “apartheid” que, aos poucos, vai vencendo a população palestiniana pelo cansaço. Mas não Issa.

O Expresso visitou-o em março de 2013. Os colonos tinham acabado de tentar incendiar-lhe a casa, pela calada da noite. “Apresentei queixa. Foi a quarta vez, mas nunca acontece nada. Sou sempre culpado até prova em contrário”, disse este defensor da resistência pacífica e da desobediência civil.

Esta terça-feira, Issa (Jesus, em árabe), de 37 anos, compareceu diante de um tribunal militar israelita, na prisão de Ofer (na Cisjordânia), para responder por 18 crimes, alguns deles praticados em 2010. (A acusação foi formulada apenas em 2016.) Entre as ofensas estão uma cuspidela a um colono, obstrução e insultos aos soldados israelitas, protesto ilegal, entrada em zona militar exclusiva e incitamento à desobediência civil.

Para o ativista, tudo não passa de perseguição política. “Eu divulgo muitos vídeos que os embaraça. Eles não querem palestinianos moderados por aqui, daqueles que falam com diplomatas sobre a solução de dois Estados.”

Entre os períodos em que está preso, as palestras para quem o visita, o ativismo nas redes sociais e a participação em protestos exigindo a abertura da Rua Shuhada — a principal artéria comercial de Hebron, interdita aos palestinianos há mais de 20 anos —, Issa viaja pelo mundo tentando sensibilizar decisores políticos.

A 27 de setembro passado, foi recebido em Washington D.C. por Bernie Sanders (o senador que disputou com Hillary Clinton as primárias democratas de 2016) e outros congressistas. A 28 de junho, 32 deles tinham assinado uma carta endereçada a Rex Tillerson, o secretário de Estado de Donald Trump, apelando a que os EUA influenciem Israel no sentido de uma revisão do caso de Amro.

“Organizações dos direitos humanos declararam que as ações de Amro foram consistentes com desobediência civil não-violenta, apesar da lei militar o proibir na Cisjordânia”, lê-se no último relatório sobre os direitos humanos no mundo do Departamento de Estado dos EUA.

Desde a Guerra dos Seis Dias (1967) que aquele território palestiniano está submetido a legislação militar, ao abrigo da qual uma concentração “política” de 10 ou mais pessoas requer autorização do comandante regional das forças militares — que raramente é emitida. Sem ela, incorre-se numa pena de mais de 10 anos de prisão ou numa pesada multa.

Dias antes de viajar até aos Estados Unidos, Issa foi detido pelas forças de segurança da Autoridade Palestiniana (AP), em Hebron. Nas redes sociais, ele criticara a Lei palestiniana dos Crimes Eletrónicos, que esteve na origem da prisão do jornalista Ayman al-Qawasmi, que tinha apelado à demissão do Presidente palestiniano, Mahmud Abbas. Esteve preso seis dias e foi libertado sob fiança.

Hebron — que, à semelhança de Jerusalém, é sagrada para as três religiões monoteístas (ali se situa o túmulo de Abraão) — é uma espécie de conflito dentro do conflito. É a única cidade palestiniana que tem colonos judeus no seu interior.

De visita a Hebron, em março passado, onde conheceu Issa Amro, o ator norte-americano Richard Gere comparou a ordem ali vigente às Leis de Jim Crow, nos EUA, que instituíram a segregação racial entre 1876 e 1965. “Isto é exatamente como era o velho sul da América. Os negros sabiam onde podiam ir. Não podiam beber daquela fonte, não podiam ir àquele lugar, não podiam comer naquele sítio. Estava claro, e não se pisava o risco se não se quisesse levar um pontapé na cabeça ou ser linchado.” É ao que se arrisca Issa Amro, diariamente, na Palestina.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 26 de dezembro de 2017. Pode ser consultado aqui

Três israelitas mortos junto a colonato judeu

O atacante é um palestiniano de 37 anos com autorização de trabalho válida em comunidades israelitas. Em resposta, Israel ordenou a demolição da casa do homem, a anulação das autorizações de trabalho dos seus familiares e um bloqueio à aldeia onde vivia, e de onde agora só se sai “por razões humanitárias”

Três israelitas foram alvejados mortalmente, esta terça-feira de manhã, junto à entrada do colonato de Har Adar, no território palestiniano ocupado da Cisjordânia. As vítimas são um agente da polícia e dois seguranças. Um quarto homem, o coordenador da segurança daquele colonato, ficou gravemente ferido.

O atacante, abatido no local pelas forças de segurança, é um palestiniano de 37 anos, com quatro filhos, residente na aldeia vizinha de Bayt Surik, e com autorização de trabalho válida em comunidades israelitas. Segundo “The Times of Israel”, o homem já tinha trabalhado naquele colonato, situado próximo de Jerusalém.

Segundo o diário “Haaretz”, o ataque aconteceu durante os habituais procedimentos de segurança que antecedem a entrada matinal dos trabalhadores palestinianos nos colonatos. Interpelado pela polícia, junto ao portão das traseiras, o homem puxou de uma pistola que trazia escondida debaixo da camisa e abriu fogo.

O ataque não foi reivindicado, mas Hamas e Jihad Islâmica, organizações islamitas implantadas na Faixa de Gaza, o outro território palestiniano, saudaram-no. Para o Hamas, que controla Gaza desde meados de 2006, “o ataque terrorista na área de Jerusalém é um novo capítulo na ‘intifada Al-Quds’ [revolta de Jerusalém] que prova que todas as tentativas de judaização da cidade não alterará o facto de Jerusalém ser uma cidade árabe e islâmica”, disse o porta-voz Hazzam Qassam.

Após o ataque, o exército israelita impôs um bloqueio a Bayt Surik, a aldeia do atacante: os moradores podem entrar livremente na localidade mas apenas poderão sair “por razões humanitárias”. O primeiro-ministro israelita anunciou que a casa do atacante será demolida e que as autorizações de trabalho de familiares serão anuladas.

A questão dos colonatos é um dos principais contenciosos entre israelitas e palestinianos. Atualmente, mais de 600 mil judeus vivem em comunidades construídas na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, ambos ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias (1967). Os colonatos da Faixa de Gaza foram desmantelados em 2005. Ao abrigo do direito internacional, os colonatos são ilegais.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de setembro de 2017. Pode ser consultado aqui

Chegou ao fim o julgamento que dividiu Israel

O sargento israelita que matou com um tiro na cabeça um palestiniano ferido e desarmado, em Hebron, foi condenado a ano e meio de prisão. Para uns Elor Azaria é um herói, para outros o rosto do uso excessivo da força por parte das forças israelitas

O caso dividiu a sociedade israelita e a sentença, conhecida esta terça-feira, motivou igualmente reações contrárias. Elor Azaria, um sargento israelita que executou com um tiro na cabeça um palestiniano que jazia no chão, ferido e desarmado, na cidade de Hebron (Cisjordânia), foi condenado a 18 meses de prisão.

“Sabíamos que este não ia ser um dia fácil para o acusado e para a sua família, mas era preciso fazer justiça e foi feita justiça”, afirmou em comunicado o procurador chefe tenente coronel Nadav Weisman.

O julgamento decorreu num tribunal militar, sedeado na base de Kirya, em Telavive. O sargento, de 21 anos, recebeu ainda duas penas suspensas de 12 e seis meses e a despromoção à patente de soldado. A sentença começa a ser cumprida a 5 de março.

“Quando entrou na sala de audiência, um sorridente Azaria foi recebido com aplausos e abraços por parte da família e de apoiantes”, descreveu o jornal digital “The Times of Israel”. “Após a sentença, familiares e amigos cantaram o hino nacional de Israel [Hatikva] e qualificaram Azaria de herói.” O soldado ouviu a pena sentado entre os pais.

Apelos à clemência

Conhecida a sentença, as reações dividiram-se entre apelos ao perdão imediato, elogios à pena atribuída e críticas por parte de quem a considera curta.

“O tribunal disse de sua justiça, o processo legal está concluído. Agora é tempo de clemência, do regresso de Elor [Azaria] a sua casa”, reagiu o ministro israelita dos Transportes, Yisrael Katz (Likud, direita).

“Eles sentenciaram [Azaria] a apenas um ano e meio de prisão. Azaria merecia ser punido, e seriamente”, defendeu o deputado Tamar Zandberg (Meretz, esquerda).

Azaria foi condenado por homicídio no mês passado pela morte, a 24 de março de 2016, do palestiniano Abdel Fatah al-Sharif, envolvido num ataque à faca que feriu um militar israelita, em Hebron, no território ocupado palestiniano da Cisjordânia. Azaria, que foi filmado a alvejar Sharif, enquanto este jazia no chão, ferido e imóvel, incorria numa pena de prisão máxima de 20 anos.

A família do palestiniano acompanhou a leitura da sentença pela televisão, em casa, perto de Hebron. “Um ano e meio é uma farça. O que quer dizer?” O meu filho “era um animal para ser morto desta forma bárbara?”, disse o pai de Sharif. “Não estamos surpreendidos, desde o início que sabíamos que este este iria ser um julgamento-espetáculo que não iria fazer justiça. Apesar do soldado ter sido apanhado num vídeo e de ser claro que foi uma execução a sangue frio, ele foi condenado apenas por homicídio, e não assassínio, e a acusação apenas pediu uma pena leve de três anos.”

Num comunicado, a organização Human Rights Watch afirmou que “mandar Elor Azaria para a prisão por este crime envia uma mensagem importante sobre o controlo do uso excessivo da força.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 21 de fevereiro de 2017. Pode ser consultado aqui

Judeu condenado pela morte bárbara de palestiniano

A justiça israelita declarou um judeu de 30 anos culpado pela morte do jovem palestiniano Mohammed Abu Khdeir, raptado e queimado vivo no verão de 2014. O caso levou muitos israelitas a confrontarem-se com o fenómeno do terrorismo judeu

Um tribunal de Jerusalém culpou, esta terça-feira, o judeu Yosef Chaim Ben-David, 30 anos, da morte do palestiniano Mohammed Abu Khdeir, de 16 anos, queimado vivo após ser raptado perto de casa, na zona de Shuafat, um bairro árabe de Jerusalém. A sentença será conhecida a 3 de maio. O tribunal rejeitou o pedido de insanidade apresentado pela defesa e, baseando-se em relatórios psicológicos, considerou que Ben-David “compreendeu todas as suas ações”. Após ser raptado, Abu Khdeir foi levado para uma floresta onde foi espancado e queimado vivo.

Yosef Chaim Ben-David, então residente no colonato de Geva Binyamin, no território palestiniano ocupado da Cisjordânia, organizou a morte do menor palestiniano com a ajuda de dois menores judeus. Em fevereiro, estes dois cúmplices foram condenados — um a prisão perpétua e o outro a 21 anos de prisão. Cada um deles também foi condenado a pagar uma compensação à família de Mohammed Abu Khdeir no valor de 30 mil shekels (cerca de 7000 euros).

O crime aconteceu a 2 de julho de 2014 e foi um ato de vingança pela morte, a 12 do mês anterior, de três jovens judeus, perto do colonato de Alon Shvut, na Cisjordânia. Este último caso está na origem da operação militar israelita na Faixa de Gaza desencadeada a 8 de julho de 2014 — apesar de o crime ter acontecido na Cisjordânia, Israel alegou que os dois assassinos dos três judeus eram membros do Hamas, organização que controla aquele território palestiniano.

Penas longas… só no papel

As autoridades israelitas qualificaram a morte do palestiniano Abu Khdeir como “terrorismo” e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, numa condenação inédita, afirmou que não havia lugar “para esse tipo de assassinos na sociedade israelita”. Este caso levou muitos israelitas a confrontarem-se, pela primeira vez, com a existência de terrorismo judeu. Num artigo publicado a 11 de fevereiro e recordado, esta terça-feira, na edição digital do “Haaretz”, este diário israelita reflete sobre a forma como a justiça do país lida com o fenómeno.

Intitulado “Israel foi brando com os terroristas judeus nos anos 80 — A história irá repetir-se?”, o “Haaretz” defende que Israel enfrenta “uma nova vaga de extremismo violento perpetrado por judeus”. “Em agosto passado, os serviços de segurança israelitas descobriram um grupo extremista judeu chamado A Revolta, que pretendia derrubar o Governo através de ataques violentos contra os palestinianos. Três membros foram colocados em detenção administrativa. Enquanto dois já foram libertados, o ministro da Defesa Moshe Ya’alon, na semana passada [1 de fevereiro], prorrogou por mais quatro meses a detenção do líder do grupo, Meir Ettinger”, um neto do rabino Meir Kahane, fundador do Kach, um partido ultranacionalista proibido em Israel por incitamento ao racismo.

O artigo recua até ao início dos anos 80, quando 28 membros do Jewish Underground, “um grupo terrorista que tinha como alvo os palestinianos na Cisjordânia e em Jerusalém”, foram presos e condenados a longas penas de prisão. “No entanto, passados sete anos de estarem presos, todos tinham sido libertados, voltando ao centro das atenções como jornalistas respeitados, ativistas políticos e líderes dos colonos, ou fugindo à vida pública para conduzir vidas privadas.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de abril de 2016. Pode ser consultado aqui