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Um périplo americano com agenda israelita e objetivos eleitorais

Mike Pompeo visitou cinco países em cinco dias. Objetivo: pressionar países árabes a normalizarem a sua relação com Israel

Duas semanas após o anúncio da normalização da relação entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, o Estado judeu tem novos alvos árabes em mira. Esta semana, as autoridades de Sudão, Bahrain e Omã foram sondadas sobre o assunto. A abordagem foi feita não por um israelita mas por Mike Pompeo, secretário de Estado dos EUA, durante um périplo que o levou também a Israel e Emirados.

“A tempo das eleições, Donald Trump quer apresentar pelo menos um sucesso ao nível da política externa”, diz ao Expresso Ely Karmon, do Instituto de Política e Estratégia, de Herzliya (Israel). “Ele não foi bem sucedido com os europeus, com a China, Coreia do Norte, Irão. Esta é uma possibilidade que lhe permitirá dizer: ‘Eu trouxe a paz, não ao Médio Oriente, mas pelo menos entre Israel e alguns países árabes’.”

Entre 22, apenas três reconhecem o Estado judeu: Egito (1979), Jordânia (1994) e Emirados Árabes Unidos (2020). Para o cientista político, o Sudão pode ser o próximo. “Está muito interessado em normalizar a sua relação com os EUA, deixar de ser um Estado pária e sair da lista de países terroristas. Possivelmente, este é um incentivo americano para convencer o Sudão a iniciar a normalização com Israel.”

Segundo o “Sudan Tribune”, as autoridades de Cartum apelaram a que os EUA desvinculem os dois processos. E explicaram a Pompeo que estando o país em fase de transição, depois da deposição de Omar al-Bashir a 1 de abril de 2019, após 30 anos no poder, o Conselho Soberano que dirige o país tem por missão “completar a transição, alcançar a paz e a estabilidade e realizar eleições livres”.

“Apesar de o Sudão ter participado em guerras contra Israel, algo mudou no ano passado, após a revolução”, diz Ely Karmon. “O novo Governo mudou a política e está a tentar que o país seja membro de uma coligação sunita mais moderada.”

O peso do Irão

As abordagens de Pompeo que se seguiram, ao Bahrain e a Omã, esbarram num obstáculo comum: a influência do Irão. “Uma razão que leva o Bahrain a querer ter relações diretas com Israel é o facto de se sentir ameaçado pelo Irão”, diz o israelita. “Talvez seja o Estado mais ameaçado pelo Irão.” O país vive a singularidade de ter uma família real sunita e a maioria da população ser xiita (como o Irão). No Bahrain, “há muitos grupos xiitas contrários ao regime que são financiados e apoiados pelo Irão”.

No caso de Omã, a influência iraniana é de sinal contrário. Sob a liderança do Sultão Qaboos, que morreu a 10 de janeiro após mais de 50 anos no poder, vigorou uma política de coexistência pacífica com todos os países da região. Omã tem relações amigáveis com Israel desde os anos 1960, não tomou parte na guerra Irão-Iraque e foi um mensageiro dos EUA e Irão durante as negociações sobre o programa nuclear iraniano.

“Omã tem um novo líder [Haitham bin Tariq Al Said] que não tem o mesmo prestígio do anterior e que tem de levar em consideração a estabilidade do seu regime e do país. E tem relações sensíveis e economicamente importantes com Teerão. Poderá não querer colocar-se na mira do Irão.”

(FOTO: Bandeiras de Israel e dos Estados Unidos, no aeroporto Ben Gurion, em Telavive, para dar as boas-vindas ao Presidente dos EUA Barack Obama, a 20 de março de 2013 EMBAIXADA DOS EUA EM ISRAEL)

Artigo publicado no “Expresso”, a 29 de agosto de 2020. Pode ser consultado aqui

Mike Pompeo visitou cinco países em cinco dias. Objetivo: pressionar os árabes a normalizarem a relação com Israel

Entre domingo e quinta-feira, o secretário de Estado dos Estados Unidos desdobrou-se em contactos em Israel, Sudão, Bahrain, Emirados Árabes Unidos e Omã. Donald Trump precisa de um sucesso ao nível da política externa, comenta ao Expresso um cientista político israelita

O principal interesse é de Israel mas as despesas parecem estar a cargo dos Estados Unidos. Duas semanas após o anúncio da normalização da relação diplomática entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, mediada pela Casa Branca, o Estado judeu tem novos alvos árabes em mira. Esta semana, as autoridades de Sudão, Bahrain e Omã foram sondadas acerca da possibilidade de seguirem o exemplo dos Emirados. A abordagem foi feita não por um governante ou diplomata israelita mas por um dos principais governantes da Administração norte-americana: o secretário de Estado Mike Pompeo.

“A tempo das eleições, Donald Trump quer apresentar ao povo norte-americano pelo menos um sucesso ao nível da política externa”, diz ao Expresso Ely Karmon, investigador do Instituto de Política e Estratégia, de Herzliya (Israel). “Ele não foi bem sucedido com os europeus, nem com a China, Coreia do Norte e Irão. Esta é uma possibilidade que lhe permitirá dizer: ‘Eu trouxe a paz, não ao Médio Oriente mas pelo menos entre Israel e alguns países árabes’.”

No universo de 22 países árabes, apenas três reconhecem o cialmente o Estado judeu: Egito (1979), Jordânia (1994) e Emirados Árabes Unidos (2020). Para o cientista político israelita, o Sudão pode ser o próximo. “Está muito interessado em normalizar a sua relação com os Estados Unidos, deixar de ser considerado um Estado pária e sair da lista de países que apoiam o terrorismo. Possivelmente, este é um incentivo americano para convencer o Sudão a iniciar a normalização com Israel.”

Segundo a publicação noticiosa “Sudan Tribune”, as autoridades de Cartum apelaram a que os EUA desvinculem os dois processos. Em comunicado posterior às conversações com Pompeo, o Governo sudanês fez saber que “no que respeita ao pedido dos EUA no sentido da normalização das relações com Israel, o primeiro-ministro [Abdallah Hamdok] explicou ao secretário do Estado que o período de transição no Sudão é liderado por uma ampla coligação com uma agenda específica que visa concluir o processo de transição, alcançar a paz e a estabilidade no país antes de realizar eleições livres”.

O Sudão vive uma fase de transição que decorre da deposição de Omar al-Bashir, a 1 de abril de 2019, após 30 anos de poder, e essa parece ser a prioridade do Conselho Soberano (composto por seis civis e cinco militares) quem manda atualmente no país.

Inegável é que, num passado recente, os dois países têm vindo a esboçar uma aproximação. A 3 de fevereiro, Abdel Fattah al-Burhan foi ao encontro do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, quando este realizava uma visita o cial ao Uganda. Então, o gabinete de Netanyahu fez saber que “ficou acordado o início de uma cooperação que conduzirá à normalização dos laços entre os países”.

“Apesar do Sudão ter participado em guerras contra Israel, algo mudou no ano passado, após a revolução”, comenta Ely Karmon. “O novo governo mudou a política e está a tentar que o país seja membro de uma coligação sunita mais moderada.”

O peso do Irão

Depois da visita ao Sudão, Mike Pompeo seguiu para o Bahrain, um pequeno reino ribeirinho ao Golfo Pérsico particularmente permeável a promessas de mais segurança. “Uma das razões que leva o Bahrain a querer ter relações diretas com Israel é o facto de se sentir ameaçado pelo Irão”, diz o israelita. “Talvez seja o Estado mais ameaçado pelo Irão.”

O país vive a singularidade de ter no poder uma família real sunita enquanto a maioria da população ser xiita (como o Irão). No Bahrain, “há muitos grupos xiitas contrários ao regime que são nanciados e apoiados pelo Irão”, recorda Ely Karmon.

À semelhança do que aconteceu no Sudão, as declarações públicas das autoridades do Bahrain não foram no sentido de uma adesão imediata à proposta de Pompeo. Segundo a agência noticiosa o cial local, o Rei Hamad bin Isa Al-Khalifa “realçou a importância da intensificação de esforços para se acabar com o conflito israelo-palestiniano de acordo com a solução de dois Estados” que leve ao “estabelecimento de um Estado palestiniano independente com Jerusalém Oriental como capital”.

Apesar do discurso oficial, é inegável que, nos últimos anos, o Bahrain tem dado sinais de abertura em relação a Israel. Em 2017, o monarca denunciou o boicote árabe a Israel e afirmou que os seus súbditos são livres de visitar o Estado judeu. No ano passado, o ministro dos Negócios Estrangeiros reafirmou o direito à existência de Israel e, em dezembro, Shlomo Amar, o rabino chefe de Jerusalém, participou num evento inter-religioso no Bahrain.

Omã, de bem com todos

A última viagem de Mike Pompeo neste périplo levou-o a Omã, um sultanato que nas últimas décadas, sob a liderança do Sultão Qaboos, que morreu a 10 de janeiro passado, após mais de 50 anos no poder, tem adotado uma política de coexistência pacífica com todos os países da região, Israel e Irão incluídos.

Omã tem relações amigáveis com Israel desde os anos 1960, de forma especialmente secreta. Ainda assim, em 1994, o primeiro-ministro Yitzhak Rabin visitou o país, naquela que foi a primeira deslocação conhecida de um líder israelita a um país do Golfo. E em 2018, também Benjamin Netanyahu foi recebido em Muscate.

Relativamente ao Irão, Omã também tem um histórico de não hostilidade. Não tomou parte na guerra Irão-Iraque e atuou como mensageiro entre Washington e Teerão durante as negociações internacionais relativas ao programa nuclear iraniano.

“Omã tem um novo líder [Haitham bin Tariq Al Said, primo de Qaboos] que não tem o mesmo prestígio do anterior e que tem de levar em consideração a estabilidade do seu regime e do próprio país”, alerta Ely Karmon. “E tem relações sensíveis e economicamente importantes com Teerão. Poderá não querer colocar-se na mira do Irão.”

Esta sexta-feira, Mike Pompeo regressou aos Estados Unidos com cansaço acumulado e aparentemente de mãos vazias. De nenhum dos países sondados, o governante norte-americano leva notícias sonantes que possam ser utilizadas, a curto prazo, como bandeira eleitoral.

(FOTO: Bandeiras de Israel e dos Estados Unidos, no aeroporto Ben Gurion, em Telavive, para dar as boas-vindas ao Presidente dos EUA Barack Obama, a 20 de março de 2013 EMBAIXADA DOS EUA EM ISRAEL)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de agosto de 2020. Pode ser consultado aqui

Educação derrota ameaça do terror

O sultanato omanita é “a estrela” do Índice de Desenvolvimento Humano de 2010 das Nações Unidas. Foi o país que mais melhorias registou

Crianças omanitas, em Mascate MARGARIDA MOTA

Omã foi, num universo de 135 países, aquele que mais progressos registou no Índice de Desenvolvimento Humano de 2010 — um barómetro encomendado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que avalia os países em matéria de saúde, educação e dos padrões de vida básicos — apresentado na semana passada.

O pequeno sultanato da região do Golfo — pequeno comparativamente ao vizinho e gigante saudita porque, na verdade, Omã é três vezes maior do que Portugal — vê, assim, consagrado o investimento feito na educação através dos ganhos do petróleo.

A educação formal em Omã começou apenas em 1970, ano em que Qaboos bin Said subiu ao trono do sultanato. “Mesmo que não tenhamos edifícios, temos de educar as nossas crianças, ainda que à sombra das árvores”, passou a ser o lema. Omã tinha apenas três escolas, frequentadas por 900 crianças — todas do sexo masculino —, não havia currículos nacionais e os professores eram contratados nos países vizinhos. Qaboos elegeu os recursos humanos como o maior recurso e o maior ativo de Omã e encetou um programa de modernização e abertura ao exterior — o seu pai e antecessor, Said bin Taimur, de uma forma paranoica, fechara o país ao mundo. Hoje, o sultanato tem à volta de 1300 escolas (públicas e privadas) e as crianças começam a aprender inglês e informática na escola primária. Rapazes e raparigas têm as mesmas oportunidades no acesso à educação e, nos últimos anos, as raparigas têm-se evidenciado com desempenhos superiores aos alunos do sexo oposto.

A aposta na educação é, paralelamente, um dos pilares do programa de omanização das estruturas produtiva e administrativa, em vigor desde 1988. Se há 40 anos, Omã necessitava de importar mão de obra qualificada para o país funcionar, hoje os omanitas conquistam cada vez mais postos de trabalho aos expatriados.

Num artigo publicado, há cerca de um mês, no “The New York Times” — intitulado “O que Omã nos pode ensinar” —, o colunista Nicholas Kristof, após visitar o país, escreveu: “Ao mesmo tempo que os EUA recorrem ao poder das armas para tentar esmagar o extremismo no Afeganistão, Paquistão e Iémen, poderiam, antes, considerar a lição do notável país árabe que é Omã”.

Geograficamente contíguos, Omã e Iémen — país que, como diz Kristof, “tornou-se uma incubadora para terroristas aliados da Al-Qaeda” — vivem realidades contrastantes em matéria de ameaça terrorista. Kristof conclui: “Uma das lições de Omã é que uma das melhores e mais eficazes formas para subjugar o extremismo é promover a educação para todos”.

Salalah, cidade portuária no sul de Omã onde teve início a revolução social e económica do país MARGARIDA MOTA

RELATÓRIO DO PNUD

76,1
anos é a esperança média de vida a que um recém-nascido omanita pode aspirar, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano 2010. O resultado de Omã é superior ao do Brasil (72,9) e à da comunitária Polónia (76). A média de Portugal é de 79,1. No capítulo da educação, as crianças omanitas têm 11,1 anos de escolaridade esperados

Artigo publicado no Expresso, a 13 de novembro de 2010

O cheiro que “Os Lusíadas” consagraram

Beneficiando de um clima tropical único, a árvore do incenso cresce de forma selvagem no Sul de Omã. Em 2000, a UNESCO inscreveu esta resina na lista de património da humanidade. Reportagem em Omã

Árvore do incenso, no sul de Omã MARGARIDA MOTA

“És cristã? Sabes que quando Jesus nasceu, o nosso rei foi a Belém oferecer-lhe incenso?” Em frente a uma loja de incenso no “suq” de Salalah (cerca de 1000 km a Sul de Mascate), Abdullah não se privou de recorrer à lenda de que os Três Reis Magos terão atravessado o actual território de Omã a caminho de Belém, para demonstrar o valor histórico daquele bem.

Apreciado nos mais antigos impérios e civilizações, onde chegou a ser mais valioso do que o ouro, o incenso é uma resina extraída, através de uma incisão, dos troncos de uma árvore chamada “Boswellia sacra”. Usado na medicina tradicional, na indústria de perfumes e em actos religiosos, é, ainda hoje, um produto de exportação para Omã.

Neste Sultanato, a árvore do incenso cresce, de forma selvagem e sem intervenção humana, na região de Dhofar, no Sul. Devido às monções que fazem com que durante três meses do ano (Junho, Julho e Agosto), esta região mais pareça a Irlanda, com prados e montanhas verdejantes , Dhofar tem um clima único, que a diferencia geograficamente do resto do país.

A 2 de Dezembro de 2000, a UNESCO inscreveu a “Terra do Incenso” na sua lista de Património Mundial da Humanidade. Esse reconhecimento já, 500 anos antes, Luís Vaz de Camões o fizera no Canto X de “Os Lusíadas”:

“Olha Dófar, insigne porque manda

O mais cheiroso incenso pera as aras;

Mas atenta: já cá destoutra banda

De Roçalgate, e praias sempre avaras,

Começa o reino Ormuz, que todo se anda

Pelas ribeiras que inda serão claras

Quando as galés do Turco e fera armada

Virem de Castelbranco nua a espada.”

Artigo publicado no Expresso Online, a 3 de maio de 2009. Pode ser consultado aqui

Por que não há piratas no Golfo Pérsico?

Contrariamente ao Golfo de Aden, no lado oposto da Península Arábica não há piratas. A Marinha de Omã é soberana na monitorização do tráfego marítimo. Reportagem em Omã

Se, nos dias que correm, o Golfo de Aden tornou-se uma armadilha para a marinha mercante que percorre o Mar Vermelho, é legítimo questionar por que razão o fenómeno da pirataria não se repete no Golfo Pérsico, no lado oposto da Península Arábica. Provavelmente, porque Aden não é longe da Somália, responde Said bin Khalfan Al-Harthy, assessor no Ministério da Informação, em entrevista ao Expresso. Julgo que a pirataria não é um problema crónico. Pode ser ultrapassado, mas os países envolvidos nesta ameaça têm de colaborar, têm de ir à raiz do problema, diz. Ou seja, enfrentar a situação que se vive na Somália, um Estado em progressiva desagregação.

Em matéria de navegação, os omanitas sabem do que falam. Nós somos um dos guardiães do Estreito de Ormuz, continua Al-Harthy. De frente para o Irão, a Península de Musandam território omanita encrostado nos Emiratos Árabes Unidos penetra no mar e afunila a passagem dos petroleiros que descem o Golfo Pérsico. No Estreito, cabe à Marinha Real de Omã a monitorização do trânsito e a segurança dos petroleiros.

Ao dominar Ormuz, Omã domina uma das rotas comerciais marítimas mais antigas e mais importantes do mundo. Os portugueses perceberam-no no século XVI e os Estados Unidos mais recentemente… Na Península de Musandam, está instalada uma base militar norte-americana.

Artigo publicado no Expresso Online, a 1 de maio de 2009. Pode ser consultado aqui