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Branco mais branco não há!

Omã surpreende pela sua limpeza. Quase não se vê lixo nas ruas e os homens trocam de “dishdasha” todos os dias. Reportagem em Omã

Um homem vestido com “dishdasha” tenta comprar um “kummah”, o tradicional chapéu omanita, numa loja em Mascate MARGARIDA MOTA

Se Omã tivesse uma cor oficial, seria muito provavelmente o branco. É esse o tom que predomina na paisagem do país, seja nos interiores dos edifícios, nas suas fachadas ou… nas vestes dos homens. Dia após dia, a esmagadora maioria dos omanitas veste-se com uma “dishdasha”, uma túnica tradicional árabe usada especialmente na Península Arábica.

Há-as de várias cores, mas são as brancas que enchem as lojas de roupa dos mercados. Por ser uma cor sujeita à sujidade, os omanitas trocam de “dishdasha” todos os dias. E não precisam de o dizer. Basta observar o seu estado permanentemente imaculado: limpo, passado a ferro e perfumado.

Mas não é só na maneira de vestir que os omanitas têm brio. Raramente se vê sujidade nas ruas e nos “suqs”, por exemplo, não se vive o caos do lixo que se constata noutros mercados do Médio Oriente. Dentro dos edifícios, as superfícies em mármore parecem acabadas de ser polidas. Nas vias públicas, cada pedaço de terra ajardinado, por mais pequeno que seja, está cuidado e dotado de um sistema de rega automática. E nos estaleiros das obras, as vassouras coexistem com as pás e picaretas, sendo possível observar um trabalhador a varrer um chão acabado de arranjar, enquanto outro, ali ao lado, ainda anda às voltas com o cimento.

Os omanitas dizem que os seus cuidados com a limpeza são ancestrais. Não fiando, o Sultanato está vigilante, não vá qualquer súbdito passar a ser desleixado… Andar na rua com um carro sujo pode motivar uma repreensão por parte de um polícia. Já atirar lixo pela janela de um carro dá multa pela certa.

Artigo publicado no Expresso Online, a 29 de abril de 2009. Pode ser consultado aqui

Mulheres de Omã

A maioria das mulheres omanitas cobre o cabelo com o véu. Mas também há as que não se tapam e as que, ainda que bastante tapadas, se recusam a sentar ao lado de homens. Reportagem em Omã

Mulheres às compras num mercado de Mascate MARGARIDA MOTA

Desculpe, não se importa de trocar de lugar? Estão ali duas senhoras que não querem fazer a viagem sentadas ao lado de um homem! Não questionei o pedido que a hospedeira da Oman Air me fez e acedi. Chegada ao meu novo lugar, vi que duas mulheres trajando o hijab o lenço usado por muitas muçulmanas que pode deixar à vista apenas os olhos seriam as minhas companheiras de voo, entre Mascate e Salalah, a segunda cidade de Omã, no Sul. Assim que me sentei, ambas me olharam, como que a agradecer, e uma disse-me, em inglês: Obrigada por compreender!

Observando as mãos das mulheres porque pouco mais do corpo estava à vista , conseguia perceber que uma era jovem e a outra mais velha, provavelmente mãe e filha. Durante a viagem, que durou cerca de hora e meia, mal falaram. A mais nova ocupou o tempo fazendo exercícios de Sudoku. A mais velha ia dormitando e lançando o olhar na direcção da janela. Quando foi servida a refeição, a mais nova levantou o véu para comer. A mais velha subia e descia o lenço à medida que metia mais uma colherada à boca.

Quando o avião aterrou em Salalah, a mais velha, de unhas pintadas, nas mãos e pés, apressou-se a ligar o telemóvel. De seguida, tirou um espelho da carteira para observar o rosto…, retocou o rímel, perfumou-se por debaixo do véu e meteu uma pastilha elástica à boca. A mais nova guardou o livro de Sudoku na mala do computador portátil e saiu atrás da mais velha. Perguntei, então, à hospedeira qual a razão daquela situação. Ela respondeu: As mulheres de Salalah não gostam de se sentar ao lado de homens que não sejam da sua família, presume-se.

Apenas olhos e mãos ficam destapadas no corpo desta omanita de Salalah MARGARIDA MOTA

Um dia passado em Salalah foi suficiente para perceber que as mulheres locais vestem de forma incomparavelmente mais conservadora do que as da capital. Em Mascate, a maioria das mulheres cobre o cabelo, mas muitas há que não se cobrem e não são, por isso, apontadas a dedo. Em Omã, as mulheres podem escolher a profissão que querem há quatro ministras no governo e não são obrigadas a observar regras quanto à forma de vestir. A não ser as regras ditadas pela própria família…

Artigo publicado no Expresso Online, a 28 de abril de 2009. Pode ser consultado aqui

NOTA: Este artigo foi reproduzido no manual de Filosofia “Clube das Ideias 10”, de Carlos Amorim e Catarina Pires, Areal Editores

Os portugueses, esses invasores…

A chegada de Afonso de Albuquerque a Ormuz, no século XVI, é, para os portugueses, motivo de exaltação. Mas a história omanita não é meiga com os nossos navegadores. Reportagem em Omã

Fotografia aérea do Palácio do Sultão Qaboos, em Mascate, em que se vê um dos antigos fortes portugueses MARGARIDA MOTA

“Portuguesa? Ah, parece que temos uns problemazitos entre nós…” A recepção ao “Expresso” no Forte de Nakhal, cerca de 120 quilómetros a sudoeste de Mascate, não foi, à primeira vista, calorosa. Adil, o guia de serviço, acabava de ser informado que uma portuguesa queria visitar aquele que é um dos fortes mais antigos de Omã e descaiu-se. Afinal de contas, nos livros de história omanitas, Portugal é descrito como um invasor que atentou contra o território.

No início do século XVI, Afonso de Albuquerque tomou Ormuz, estendendo posteriormente o domínio português a outros pontos da costa do território de Omã, incluindo Mascate. Precisamente na capital, erguem-se ainda hoje os fortes Jalali e Mirani, construídos pelos portugueses — no meio deles está o Palácio do Sultão Qaboos.

Ilustração portuguesa mostra a muralha em redor da cidade de Mascate. A informação disponibilizada pelo Centro Bait Al Baranda estima que a representação foi feita em 1622, ano em que a muralha foi construída MARGARIDA MOTA

Não muito longe, no Centro Bait Al Baranda — um museu interactivo sobre a evolução de Mascate, desde a era da formação geológica dos continentes até à actualidade — é possível ouvir-se uma gravação em português da descrição que Afonso de Albuquerque fez daquela praça estratégica. Quanto à informação escrita que é disponibilizada aos visitantes, ela não é nada meiga com os nossos navegadores… “Os portugueses invadiram e ocuparam Mascate em 1507 A.D. Bombardearam a cidade e aterrorizaram a população. Foi só após o estabelecimento do estado de Yaaruba que os omanitas recuperaram Mascate e a libertaram dos portugueses, em 1650 A.D”.

Transcrição dos termos em que portugueses e omanitas celebraram a paz. Informação disponibilizada pelo Centro Bait Al Baranda, de Mascate MARGARIDA MOTA

Com este legado em mente, Adil não se conteve perante a presença de uma portuguesa no forte. A visita demoraria mais de uma hora, com Adil, sem qualquer tipo de ressentimentos, a revelar-se um anfitrião orgulhoso do património do seu país — o Forte de Nakhal é anterior à era islâmica. E na hora da despedida, o omanita voltou a ser genuíno: “Olha que eu estava a brincar… Volta sempre, minha amiga!”

Artigo publicado no Expresso Online, a 27 de abril de 2009. Pode ser consultado aqui

Um Jardim de luxo

Omã aposta forte no turismo. Distanciados entre si por cinco minutos de carro, dois hotéis de luxo disputam hóspedes milionários. A reportagem em Omã

Hotel Shangri-La MARGARIDA MOTA

Não tem a excentricidade do Burj Al Arab, o hotel de sete estrelas em forma de vela que se tornou a imagem de marca do Dubai. Mas é por muitos aceite como o melhor hotel do Médio Oriente. Chama-se Al Bustan (O Jardim, em língua árabe) e situa-se em Omã. Protegido por uma parede árida de montanhas a toda a volta e de frente para as águas azuladas do Golfo de Omã, o Al Bustan assemelha-se a um oásis estendido ao longo de 200 hectares.

Um amplo hall com um pé direito de 38 metros, assente em mármores brilhantes e adornado com lustros e uma fonte de cristal, rouba a respiração a quem entra. O luxo estende-se aos quartos, equipados com os mais variados serviços tecnológicos, varandas viradas para o mar e, os mais sofisticados, com jacuzi e saída directa para uma piscina exterior. Os turistas espalham-se pelas espreguiçadeiras colocadas em relvados refrescados por palmeiras, pelos vários restaurantes internacionais ou banham-se na Piscina Infinita, construída de forma a criar a ilusão de que entra pelo Golfo adentro.

Piscina do Hotel Al Bustan MARGARIDA MOTA

Não longe do Al Bustan, o complexo Shangri-La, disputa-lhe a clientela. No interior, multiplicam-se cenários dignos das Mil e Uma Noites: pormenores arquitectónicos arabescos, tapeçarias coloridas, pátios interiores com fluxos de água e o cheiro a incenso. Há porta, um Bentley garante o transporte de clientes entre o hotel e o aeroporto de Mascate. “Eu já vivi aqui doze dias”, diz o marroquino Youness, o funcionário do hotel que guia a visita. “É política do hotel, de tempos a tempos, colocar funcionários seus a viver cá. Ao colocarmo-nos no papel de hóspedes, poderemos antecipar as suas necessidades.”

Dividido em três hotéis — o Al Bandar, um cinco estrelas destinado a homens de negócios, o Al Waha, um cinco estrelas para famílias, e o Al Husn, um seis estrelas —, o Shangri-La tem na Jabreen Royal Suite o seu maior luxo. Cada noite dormida neste quarto de 500 metros quadrados custa uns módicos 3.400.000 de reais omanitas (aproximadamente 7000 euros…) Youness comete uma inconfidência: “Há tempos, uma koweitiana ocupou-a durante dois meses…”

Artigo publicado no Expresso Online, a 26 de abril de 2009. Pode ser consultado aqui

Vai uma “shisha”?

Os malefícios para a saúde e a fúria anti-tabágica de alguns governos podem pôr em causa um dos maiores prazeres do povo árabe. Reportagem em Omã

Dois amigos à conversa, e a fumar “shisha”, numa esplanada de Mascate MARGARIDA MOTA

Em muitos locais do mundo árabe, não se convida um amigo para tomar um café, mas antes… para fumar uma “shisha”. A acreditar, porém, num dos jornais mais lidos na Península Arábica, o “Gulf News”, esse prazer poderá tornar-se cada vez mais raro. Nos últimos anos, vários estudos médicos sobre os malefícios da “shisha” também conhecida por “narguila” apontam para um aumento de vários tipos de cancro e de ataques cardíacos entre os seus consumidores.

O “Expresso” surpreendeu dois jovens omanitas, numa esplanada de Shatti al-Qurum, nos arredores de Mascate. “Sabemos que faz mal à saúde. Mas isto é como o tabaco: as pessoas sabem que faz mal mas não deixam de fumar”, diz um deles, fazendo uma pausa entre duas passas. “Acima de tudo, é muito relaxante”, reage o outro. Os omanitas não são dos maiores consumidores de “shisha”, mas nos fins-de-tarde de Primavera, com a temperatura a teimar não baixar dos trinta e muitos graus, a “shisha” torna-se inseparável de longas tertúlias ao ar livre.

Das montanhas aos desertos, dos cafés aos areais das praias, a “shisha” faz parte do estilo de vida árabe. Na Síria, chega a integrar o enxoval das noivas. Porém, a cruzada contra o fumo do Presidente Bashar Al-Assad começa a criar dificuldades entre os seus apreciadores. No mês passado, foi aprovada uma lei que proíbe o consumo de “shisha” nos dormitórios da Universidade de Damasco. Qualquer estudante apanhado a fumar sofrerá uma repreensão do reitor e terá de pagar uma multa. Estando em causa os hábitos de jovens, há quem refira que se os impedirem de fumar “shisha”, outros vícios se seguirão…

Artigo publicado no Expresso Online, a 25 de abril de 2009. Pode ser consultado aqui