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O que se passa no mundo ao nível da vacinação? Uma discrepância comprometedora

Portugal tem quase 90% dos seus habitantes imunizados. Com uma população semelhante, o Burundi administrou as duas doses da vacina a apenas 0,1% de quem vive no país. A pandemia é global, mas a vacinação ainda não o é

IMAGEM PIXABAY

Ao terceiro ano de pandemia, tornou-se chavão — e uma certeza absoluta — dizer-se que a covid-19 não será controlada no mundo enquanto cada país não a controlar individualmente. Ao estilo de um tsunami, que vai e vem, também as vagas da doença se vão sucedendo, contagiando à vez todos os países. Ou quase todos…

A nível oficial, há quatro países que ainda não reportaram qualquer caso de covid-19. Dois deles têm regimes políticos opacos — a Coreia do Norte e o Turquemenistão — e outros dois são Estados insulares, rodeados pelas águas do Oceano Pacífico: Tuvalu e Nauru.

Em todos os outros, corre-se contra o tempo perante a emergência de novas variantes, como a Ómicron, mais contagiosa do que as anteriores. Mas olhando para o mapa-mundo da vacinação, esta é uma corrida muito desigual, que decorre a múltiplas velocidades.

Israel, por exemplo, já começou a administrar a segunda dose de reforço — na prática, a quarta vacina — a maiores de 60 anos, profissionais de saúde e qualquer pessoa considerada vulnerável. Os israelitas deram este passo no combate à pandemia apoiados nas conclusões preliminares de um estudo do Centro Médico Sheba, nos arredores de Telavive, segundo as quais a quarta dose produz cinco vezes mais anticorpos, uma semana após ser administrada.

Em contraste com a vanguarda de Israel, que tem 9 milhões de habitantes e já imunizou 64,3% da população, a República Democrática do Congo, onde vivem dez vezes mais pessoas, tem apenas 0,1% da população com a vacinação completa.

MALÁSIA (ANNICE LYN / GETTY IMAGES)

Segundo o site Our World in Data, que atualiza diariamente um conjunto de índices relativos à pandemia, 59,2% da população mundial já recebeu pelo menos uma dose da vacina para a covid-19. Porém, no conjunto dos países de baixo rendimento (segundo terminologia usada pelo Banco Mundial), essa percentagem não vai além dos 8,9%.

E quando se toma em consideração a vacinação completa (duas doses), a discrepância ao nível da percentagem da população imunizada é ainda mais gritante.

  • África: 9,7%
  • América do Norte e Central: 58,5%
  • América do Sul: 64,7%
  • Ásia: 58%
  • Europa: 61,9%
  • União Europeia: 69,9%
  • Oceânia: 58,6%

Numa outra abordagem ao estado da vacinação no mundo, em cada um dos cinco continentes, um grande fosso separa os países com maior percentagem de imunização daqueles com mais dificuldade em obter e aplicar as vacinas.

1. ÁFRICA

As ilhas Seicheles são o país com mais habitantes com vacinação completa (79,1%). No polo oposto está o Burundi, com menos de 0,1%.

2. AMÉRICA

Na metade norte do continente, o Canadá já garantiu a imunização de 77,6% da sua população, enquanto no Haiti apenas 0,7% está na mesma situação. A sul, o Chile é quem mais vacinou até ao momento (86,6%) e a Guiana menos (37,4%).

3. ÁSIA

Os Emirados Árabes Unidos lideram com 91,7% da sua população vacinada. Inversamente, o martirizado Iémen ainda só conseguiu imunizar 1,2%.

4. EUROPA

Com 89,9%, Portugal é o país com maior percentagem de população vacinada. Com apenas 22,1%, a Bósnia-Herzegovina é quem está mais atrasado. Entre os membros da União Europeia, o país com taxa de vacinação mais baixa é a Bulgária (28,2%).

5. OCEÂNIA

No mais pequeno dos continentes, a Austrália tem 77,3% dos seus cidadãos com duas doses tomadas, enquanto a Papua-Nova Guiné ainda só vai nos 2,5%.

Em muitos casos, os países com taxas de vacinação mais baixas terão dificuldades em aceder ao mercado das vacinas e estarão dependentes de doações. Mas em algumas latitudes, há fatores naturais que tornam as campanhas de vacinação verdadeiros desafios à destreza humana. Para que as vacinas cheguem às populações, as equipas médicas têm de subir montanhas, atravessar lagos ou desbravar caminhos cobertos de neve.

PERU (CARLOS MAMANI / AFP / GETTY IMAGES)
INDONÉSIA (ZUL KIFLI / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES)
FILIPINAS (EZRA ACAYAN / GETTY IMAGES)
ZIMBABWE (TAFADZWA UFUMELI / GETTY IMAGES)
MALÁSIA (ANNICE LYN / GETTY IMAGES)
BRASIL (MICHAEL DANTAS / AFP / GETTY IMAGES)
TURQUIA (CHRIS MCGRATH / GETTY IMAGES)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de janeiro de 2022. Pode ser consultado aqui

Nova variante complica planos de viagem dos emigrantes na África do Sul. “Estão aí à minha espera para passarmos a consoada juntos”

A época do Natal é das mais procuradas pelos emigrantes portugueses na África do Sul para virem a Portugal. Com a perspetiva de as fronteiras se fecharem a voos desse país, os planos complicam-se. Ao Expresso, emigrantes no país, alguns com viagem marcada, contam o que pensam fazer

A presidente da Comissão Europeia defendeu esta sexta-feira, no Twitter, a suspensão de voos entre o espaço europeu e um conjunto de países da África Austral. Na origem da decisão está o surgimento de uma nova variante do vírus SARS-CoV-2, especialmente agressiva, designada por ómicron.

“A Comissão Europeia vai propor, em estreita coordenação com os Estados-membros, a ativação do travão de emergência para parar viagens aéreas provenientes da região da África Austral, devido à preocupante variante B.1.1.529”, explicou Ursula von der Leyen.

O Reino Unido adiantou-se à União Europeia (UE) e proibiu a entrada no país de voos provenientes de seis países africanos, entre os quais a África do Sul. Para cidadãos portugueses emigrados neste país africano — onde se estima que vivam 250 mil portugueses e lusodescendentes — há que aguardar para ver se os 27 vão atrás, e em que moldes. Entretanto, Alemanha e Itália, pelo menos, já anunciaram que vão proibir a entrada nos seus territórios de viajantes da África Austral.

“Se o Governo disser que deixa entrar quem tenha passaporte português, as vacinas e um teste de covid negativo, mesmo que obrigue a quarentena, muitas pessoas que têm casa em Portugal, ou mesmo família que os hospede, irão na mesma”, comenta ao Expresso Hélio Sá, de 33 anos, residente em Joanesburgo. “Mas quem for para hotéis vai pensar duas vezes.”

Turistas e emigrantes

Este português tem esperança que, a confirmar-se o encerramento das fronteiras aos passageiros vindos da África do Sul, haja uma distinção entre turistas (necessitados de visto) e emigrantes (detentores de passaporte português), e que as portas se abram a quem cumpra as normas de segurança exigidas.

A 8 de dezembro, o pai de Hélio tem viagem marcada para Portugal, através de Luanda, a bordo da TAAG (Linhas Aéreas de Angola). “Ainda estamos à espera de perceber o que a UE e Portugal vão fazer, se fecham só para turistas ou se fecham também para quem tem passaporte português. Não sabemos qual vai ser a lei.”

Este Natal, Hélio, que trabalha na área dos seguros financeiros, não tinha planos para visitar a família, que vive na zona de Santa Maria da Feira. A última vez que visitou o país foi em 2014, e desde então a vida mudou: casou-se, teve dois filhos e, além de as prioridades terem mudado, deixou de poder pagar os bilhetes de avião, que encareceram muito.

Não há voos diretos entre Portugal e África do Sul

“Os nossos voos para Portugal nunca são diretos. Fazem sempre escala em qualquer lado, Dubai, Paris, Frankfurt”, e também Londres para onde havia vários voos diários. “A TAP, infelizmente, não está a voar para aqui”, lamenta ao Expresso o fotógrafo Carlos Silva, de 66 anos, a trabalhar na África do Sul desde 1974. “Antes deste vírus, eu ía a Portugal no mínimo duas vezes por ano. Este Natal não tenho intenções de ir, tenho coisas a fazer por aqui.”

Nelson Reis, de 69 anos e emigrante na África do Sul há 50, já tem viagem marcada para Portugal. Ao Expresso, diz estar disposto a estudar alternativas para tentar passar o Natal com a família. “Estão aí à minha espera para passarmos a consoada juntos. Já marquei e já paguei o bilhete”, diz a partir de Joanesburgo. Tem as duas doses da vacina tomadas e, apesar de ter origens em Cantanhede, é para Cascais que quer viajar, onde vive a filha. Viajante experiente, costuma vir a Portugal três, quatro vezes por ano. Se as fronteiras europeias se fecharem a voos da África do Sul, “vou procurar alternativas”.

A viver na África do Sul desde 1985, Vasco de Abreu, de 66 anos, é conselheiro das Comunidades Portuguesas e uma das portas a quem muitos portugueses batem para tentar buscar orientação. “Ainda hoje, uma série de pessoas me telefonaram porque estão com receio”, diz ao Expresso. “Têm passagens marcadas para este mês e para o princípio de dezembro, para irem passar o Natal e Ano novo com as famílias, e estão todos um bocado em pânico, sem saber que fazer, se cancelar, se manter as reservas…”

Arejar a casa e ir à caixa

A época do Natal e Fim de Ano (onde na África do Sul é verão) é das favoritas dos emigrantes para regressarem a Portugal, juntamente com os meses do (nosso) verão. Hélio Sá prevê que os portugueses que mais insistirão em viajar sejam os mais velhos, “pessoas que têm casa em Portugal, e querem arejar o espaço, ou que têm de ir à Caixa tratar de burocracias.”

Para os mais jovens, é mais fácil aceitar as circunstâncias. É o caso de Fátima Piedade, de 33 anos, administrativa numa empresa em Joanesburgo. A última vez que veio a Portugal foi há seis anos e tem tudo marcado para vir este ano. “Muitas pessoas vão a Portugal no Natal. Em dezembro, a minha empresa fecha, temos férias, é boa época para irmos a Portugal”, diz ao Expresso. “Neste momento, a única coisa a fazer é aguardar, e esperar pelo reembolso da viagem se não der para ir. E depois ir noutra altura.”

Conhecedor da sensibilidade portuguesa na África do Sul, Vasco de Abreu considera que essa será a decisão a prevalecer, se a fronteira portuguesa se fechar. “A grande maioria prefere ir noutra altura, porque não está para se sujeitar a ter de ficar de quarentena em Portugal”, diz. “Não faz sentido gastar esse dinheiro todo [com a viagem] e não poder estar com a família e ter de ficar em quarentena.”

(IMAGEM Grafismo de um vírus sobre a bandeira da África do Sul DELOITTE.)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui

Vacinação desigual atrasa alívio

“Oito semanas com o dinheiro congelado. Ou enviam as vacinas, ou devolvem-nos o dinheiro.” O Presidente da Venezuela é dos mais inconformadas em relação ao processo de vacinação no mundo. Caracas entregou à OMS o equivalente a €100 milhões para beneficiar do mecanismo Covax de distribuição de vacinas, mas ainda não recebeu qualquer dose.

As sanções internacionais à Venezuela podem estar a agravar o problema, mas o protesto de Nicolás Maduro encerra uma preocupação universal: enquanto todos os países não controlarem a pandemia, o mundo não respirará de alívio. A campanha decorre de forma muito desigual. Enquanto países como a Venezuela têm menos de 10% da população vacinada, o Reino Unido (com mais de 70%) deu por concluída a fase das restrições e entregou a responsabilidade aos cidadãos. “É preciso aprender a conviver com o vírus”, defendeu o primeiro-ministro, Boris Johnson.

Um desafio à vacinação tem sido a metamorfose do SARS-CoV-2. Espanha, onde a variante Delta corresponde a 35% dos casos, alarma-se com o seu carácter altamente contagioso; outras latitudes já se confrontam com a nova estirpe, Lambda. Detetada pela primeira vez no Peru, onde predomina, já foi identificada nos Estados Unidos, Europa (dois casos em Portugal) e Austrália.

A braços com o forte aumento de infeções da variante Delta, esta semana a Austrália cancelou, pelo segundo ano consecutivo, os grandes prémios de Fórmula 1 e Moto GP, marcados para o outono. Ciente de que a batalha se trava fora de portas, enviou ontem para o vizinho Timor-Leste mais 40 mil doses da vacina. A prática tem beneficiado outras nações da região, onde a pandemia continua a ferro e fogo. Esta semana, o Japão declarou o estado de emergência em Tóquio até 22 de agosto. Vigorará, portanto, durante os Jogos Olímpicos.

Texto escrito com Ana França.

Artigo publicado no “Expresso”, a 9 de julho de 2021. Pode ser consultado aqui

O efeito Bin Laden no combate à pandemia

A taxa de vacinação contra a covid-19 no Paquistão é muito baixa. Para tal contribui a escassez de doses, mas também um sentimento antiocidental em torno das campanhas de inoculação. A operação militar norte-americana que identificou e executou Osama bin Laden numa cidade paquistanesa, há dez anos, dá algumas respostas…

Campanha sobre cuidados a ter durante a pandemia, desenvolvida pelo Crescente Vermelho do Paquistão LINKEDIN PAKISTAN RED CRESCENT

A corrida contra o tempo implícita nas campanhas de vacinação contra a covid-19 que decorrem por todo o mundo tem obstáculos acrescidos no Paquistão. Neste país de mais de 225 milhões de pessoas, a resistência às vacinas é uma realidade, alimentada por rumores que atribuem a origem da pandemia a uma conspiração estrangeira e encaram as vacinas como venenos.

“Há uma resistência popular às vacinas, especialmente nas áreas rurais”, diz ao Expresso Jassim Taqui, analista político paquistanês. “As pessoas acreditam numa teoria da conspiração que sustenta que as vacinas, tanto as chinesas como as ocidentais, visam esterilizar os muçulmanos para que a sua população seja sistematicamente limitada ou para alterar a sua genética, transformando as novas gerações em animais semelhantes aos macacos.”

Estas crenças levam muitos paquistaneses a viver a pandemia em negação. Mas algo mais contribui fortemente para esse ceticismo: o efeito Osama bin Laden.

A 2 de maio de 2011, o então líder da Al-Qaeda foi morto durante um ataque de forças especiais norte-americanas à casa onde vivia, na cidade paquistanesa de Abbottabad. Para localizar o terrorista, a CIA organizara, previamente, uma falsa campanha de vacinação contra a hepatite B na localidade onde se suspeitava que Bin Laden estivesse escondido. O objetivo era tão somente recolher amostras de ADN de crianças que se suspeitava serem próximas do homem mais procurado do mundo.

“A falsa campanha de vacinação que levou à morte de Osama bin Laden desempenhou um papel fundamental na resistência às vacinas ocidentais no Paquistão e, em geral, a todas as outras vacinas. Mesmo pessoas instruídas questionam a eficácia das vacinas, uma vez que não há indicações ou dados que sugiram que a inoculação garante a imunidade ou que os vacinados não voltem a ser atacados pela covid-19”, explica Jassim Taqui.

Foi o caso do primeiro-ministro Imran Khan e do Presidente Arif Alvi, a quem o coronavírus foi diagnosticado poucos dias após receberem a primeira dose da vacina. “As pessoas acreditam que os países que produziram essas vacinas são motivados, em parceria com a Organização Mundial do Comércio [OMC], por benefícios monetários enormes provenientes da comercialização dessas vacinas e não pelo combate à pandemia.”

Retaliação sobre a Save the Children

Descoberto o embuste em redor da operação de captura de Bin Laden, o Governo paquistanês expulsou do país a organização Save the Children, apesar de esta ONG negar que o médico paquistanês que orquestrou a falsa vacinação trabalhasse para si.

Paralelamente, sectores extremistas da sociedade paquistanesa cavalgaram a onda anti-vacinas, acusaram os voluntários ao serviço das campanhas de imunização de serem agentes da CIA e incentivaram a um sentimento antiocidental.

Em junho de 2012, a liderança dos talibãs paquistaneses emitiu um decreto religioso (fatwa) contra o programa de vacinação do Governo. Desde então, tornaram-se frequentes ataques contra equipas de vacinação, que já levaram à morte de dezenas de pessoas, a maioria pessoal de saúde do sexo feminino e agentes da segurança que trabalhavam no apoio às ações de vacinação.

Tudo contribui para que, dez anos depois da falsa campanha que detetou Bin Laden, os paquistaneses não esqueçam o estratagema e desconfiem da boa vontade de quem lhes bate à porta com o intuito de injetarem-lhes um líquido no corpo.

“Penso que [o episódio Bin Laden] prejudicou a confiança nas vacinas não só no Paquistão, mas em todo o mundo, onde existe desconfiança entre populações e governos, especialmente em zonas de conflito”, diz ao Expresso o epidemiologista paquistanês Rana Jawad Asghar, professor na Universidade de Nebraska (EUA).

Consequências também nos EUA

A 6 de janeiro de 2013, vários reitores de escolas de saúde pública dos EUA escreveram uma carta ao então Presidente Barack Obama comparando o uso de campanhas de vacinação pela CIA à infiltração, décadas antes, de espiões americanos na Peace Corps, agência federal dos EUA, criada em 1961 pelo Presidente John F. Kennedy, para ajudar os países em desenvolvimento.

Cerca de meio ano depois, o então diretor da CIA, John Brennan, proibiu o uso de programas de vacinação nas operações de espionagem. Mas pelo menos no Paquistão, o mal estava feito.

Em finais de janeiro passado, sensivelmente na mesma altura em que foram confirmados os primeiros casos de covid-19 no Paquistão, uma sondagem da Gallup Paquistão concluiu que 49% dos inquiridos não tencionavam tomar a vacina. E dos 46% que aceitavam, apenas 4% preferiam uma vacina produzida na Europa ou EUA.

Foi em contexto de grande ceticismo em relação à covid-19 que, a 3 de fevereiro, arrancou a campanha de vacinação no Paquistão. Na véspera, chegara ao país um carregamento de 500 mil doses da vacina chinesa da Sinopharm, uma gota nas necessidades do país, mas que permitiu iniciar o processo.

“De início, as autoridades sanitárias confiaram totalmente nos chineses, pensando que receberiam as vacinas de graça. Isso não aconteceu. Os chineses exigem dinheiro, embora afirmem que deram ao Paquistão meio milhão de vacinas como presente”, diz Jassim Taqui.

“Depois, o Governo decidiu comprar vacinas a empresas russas e britânicas. Atualmente, o Paquistão criou um laboratório conjunto com a China para encher localmente as vacinas [da chinesa CanSinoBio, de uma dose apenas]. E paga aos chineses por isso.”

4,84

em cada 100 paquistaneses já tomaram a vacina (até 13 de junho). Em Portugal, esse rácio é de 67,09

Rana Jawad Asghar identifica três razões para a baixa taxa de vacinação. “Antes de mais, o Paquistão teve problemas com o fornecimento de vacinas. Isso, por sua vez, obrigou o Governo a não convidar ativamente as pessoas a vacinarem-se, pois temia não poder atender à procura se muitas pessoas o solicitassem. Em segundo lugar, a desinformação sobre vacinas é galopante não apenas no Paquistão, mas em todo o mundo. A falta de informação nas áreas pobres e rurais pode ser uma terceira causa, menos importante.”

No Paquistão, as dificuldades em torno da vacinação têm sido nefastas para o combate contra outras doenças, para além da covid-19. Dadas como erradicadas em grande parte do mundo, a poliomielite e a febre tifoide continuam ativas no país.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 16 de junho de 2021. Pode ser consultado aqui

O que tem a covid-19 que a ver com a religião? Muito. E a culpa é das teorias da conspiração

A covid-19 não afetou só a saúde – prejudicou também o exercício da fé. O caos provocado pela pandemia atingiu a prática religiosa, em especial das minorias. Rumores e teorias da conspiração implicaram-nas falsamente na origem e proliferação do vírus, contribuindo para aumentar os casos de discriminação e perseguição em dezenas de países. 2:59 JORNALISMO DE DADOS PARA EXPLICAR O PAÍS

O pânico gerado pela covid-19 e, em especial, as perguntas inquietantes desencadeadas pela infeção simultânea de milhões de pessoas em todo o mundo – como esta, por exemplo –, originaram as mais variadas teorias da conspiração sobre a origem da pandemia.

Algumas recuperaram preconceitos sociais preexistentes e transformaram comunidades religiosas em bodes expiatórios.

Os judeus, por exemplo, foram acusados de terem criado e espalhado o vírus com o intuito de beneficiarem financeiramente do caos que se seguiria.

Na Índia, famílias muçulmanas foram atacadas depois de rumores as terem associado à proliferação da doença.

Já no Paquistão, instituições de caridade negaram ajuda alimentar e kits de emergência médica a populações carenciadas, por serem cristãs.

E no universo terrorista, grupos como a Al-Qaeda ou o Daesh, ou com agendas regionais, como o Al-Shabaab ou o Boko Haram, incorporaram a pandemia na sua propaganda. Descreveram a covid-19 como castigo de Deus sobre o Ocidente decadente, que chegou às terras muçulmanas trazido por forças cruzadas. Quem as combater ficará imune ao vírus e ganhará lugar no paraíso.

A pandemia acentuou um problema que se sabia existir e que até já está mapeado.

Em 49 países, há histórias de discriminação por razões religiosas.

Noutros 26 países, onde vive mais de metade da população mundial, a intolerância religiosa é mais grave e há casos de perseguição. Quase metade são países africanos, mas dois asiáticos destacam-se: Myanmar, que persegue e empurra a minoria muçulmana rohingya para fora do país, e a China, que enclausura a comunidade muçulmana uigure em campos de reeducação.

Na China, o próprio Estado, que tem em funcionamento um dos motores de controlo religioso mais eficazes do mundo, tirou partido da desorientação gerada pela emergência de saúde pública e inibiu ainda mais a prática religiosa instalando câmaras de vigilância em locais de culto.

Faz ideia de quantas câmaras equipadas com inteligência artificial existem na China?

Passado o período crítico da pandemia, muitos espaços religiosos tiveram dificuldades em reabrir. Ou porque não passavam nas inspeções sanitárias obrigatórias ou por terem no exterior referências a Deus ou símbolos religiosos, como a cruz.

Mas, sendo a religião o assunto, não faltam exemplos de solidariedade e altruísmo.

Nos Camarões, por alturas do último Natal, muçulmanos e cristãos juntaram-se em Igrejas para rezarem em conjunto pela paz e pelo fim da pandemia.

No Bangladesh, quando começou a haver dificuldades em organizar funerais de vítimas de covid-19 por causa do estigma, uma organização de caridade islâmica ajudou a enterrar não só muçulmanos como hindus e cristãos.

E na ilha de Chipre, dividida entre gregos e turcos, muçulmanos rezaram no Túmulo do Apóstolo Barnabé, o patrono do país, em nome dos cristãos ortodoxos que ficaram sem poder deslocar-se ao local devido às restrições de movimentos justificadas com a pandemia.

Episódio gravado por José Cedovim Pinto.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 16 de junho de 2021. Pode ser consultado aqui