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Competições milionárias para cadeiras vazias

Jogos à porta fechada, eventos cancelados ou deslocados. O coronavírus deu cabo do calendário desportivo

“The show must go on” — nem que seja à porta fechada e sem público a assistir. É o que vai acontecer este fim de semana em cinco jogos da Serie A, a primeira divisão do campeonato italiano de futebol. Nesse lote está um dos jogos do ano, o Juventus-Inter, entre equipas que têm ombrea­do na liderança, o que já levou a Sky, detentora dos direitos da prova, a admitir ceder a transmissão da partida em canal aberto.

A Itália é o país europeu mais afetado pelo Covid-19 — em número de infetados e de mortos — e, desde há uma semana, um decreto governamental proíbe aglomerações de pessoas, em especial no norte do país. Na quinta-feira, em Milão, o Inter-Ludogorets (da Bulgária) para a Liga Europa realizou-se sem espectadores no Giuseppe Meazza. Nesse mesmo dia, foi noticiado o primeiro teste positivo entre futebolistas do Calcio — um atleta do Pianese, da Serie C, que foi internado num hospital de Siena.

Dentro de três meses e meio, a 12 de junho, é precisamente em Itália, no Olímpico de Roma, que será dado o pontapé de saída do Campeonato da Europa. A UEFA quis celebrar em grande o 60º aniversário do torneio e distribuiu-o por 12 países, da Espanha (Bilbau) ao Azerbaijão (Baku). Na fase de grupos, a Seleção portuguesa andará entre a Hungria (Budapeste) e a Alemanha (Munique).

No atual contexto de propagação do novo coronavírus, este modelo inédito pode transformar-se numa dor de cabeça insuportável. Há duas semanas, num balanço à venda de bilhetes, a UEFA disse ter recebido 28,3 milhões de pedidos, o dobro da procura do Euro 2016. Só o Alemanha-França, do grupo de Portugal, motivou o interesse de 710 mil pessoas, quase dez vezes a capacidade da Allianz Arena de Munique, que o vai receber.

Megaeventos no horizonte

Este “interesse sem precedentes” à volta do Euro, como reconheceu a própria UEFA, dá uma ideia do vai e vem de gente que se projeta por toda a Europa. Esta semana, a organização abordou pela primeira vez a possibilidade de o evento ser adiado se o surto de Covid-19 não for controlado. “Estamos na fase da espera. Estamos a monitorizar país a país. O futebol deve seguir as ordens de cada país”, disse Michele Uva, membro do Comité Executivo da UEFA, em declarações à televisão italiana RAI. “A via desportiva só será fechada se a situação piorar.”

Com a final do Euro prevista para 12 de julho em Londres, os amantes dos grandes eventos desportivos terão apenas duas semanas de pausa até retomarem as emoções fortes. Para 24 de julho está prevista a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos no Japão, país que presentemente é o quarto com mais casos de Covid-19 confirmados, a seguir a China, Coreia do Sul e Itália. Da mesma forma que, há quatro anos, o vírus Zika ameaçou “adiar” ou “cancelar” os Jogos do Rio de Janeiro, este ano é um outro microrganismo a forçar a discussão.

Se, em 2016, o vírus Zika ameaçou adiar ou cancelar os jogos do Rio, agora há outro microrganismo a forçar a discussão

No início desta semana, um dirigente do Comité Olímpico Internacional (COI) pôs o dedo na ferida afirmando que existe uma janela de três meses, até ao fim de maio, finda a qual há que tomar uma decisão realista em relação ao evento. “Por essa altura, as pessoas vão ter de perguntar: ‘Estará controlado o suficiente para nos sentirmos confiantes e irmos até Tóquio, ou não?’”, disse Dick Pound, antigo campeão canadiano de natação, que não tem dúvidas na hora de optar entre cancelar ou adiar um evento que demorou anos a preparar. “Não se adia algo com o tamanho e a escala dos Jogos Olímpicos” — em Tóquio são esperados 11 mil atletas, de mais de 200 nações, e oito milhões de espectadores. “Há tanta coisa em causa, tantos países e diferentes calendários, competitivos, televisivos. Não se pode apenas dizer: ‘Adia-se para outubro’.”

Seria a segunda vez que o Japão veria os ‘seus’ Jogos cancelados, já que a edição de 1940, anulada por causa da II Guerra Mundial, também lhe estava atribuída. Mas no país ninguém quer pensar nessa possibilidade. Em causa está um evento avaliado em 25 mil milhões de dólares (€23 mil milhões) com tabelas para os principais patrocinadores na ordem dos 100 milhões de dólares (€91 milhões).

Quem quer receber os Jogos?

Quinta-feira, quando ainda ecoavam as palavras do seu colega no COI, o presidente da organização, Thomas Bach, procurou afastar fantasmas num encontro com jornalistas japoneses. Afirmou que o COI está “totalmente comprometido com o sucesso dos Jogos que irão começar a 24 de julho” e, questionado sobre alternativas, foi seco: “Não vou deitar combustível às chamas da especulação.”

Cancelar os Jogos pode ter, a prazo, um efeito dramático. “Anteriormente, várias cidades retiraram as suas candidaturas perante receios em relação aos custos com a realização de megaeventos, por exemplo com a segurança”, comenta ao Expresso Alan Bairner, professor na Universidade de Loughborough (Reino Unido). “Com o Covid-19 em mente, é possível que algumas cidades e países fiquem mais relutantes em apresentar candidatura. Mas há uma visão alternativa que diz que uma crise deste tipo nunca afetou os Jogos no passado, por isso porquê pensar que pode tornar-se uma ocorrência regular?”

MODALIDADES AFETADAS

FUTEBOL — Campeonatos parados na China, Japão e Coreia do Sul. Jogos à porta fechada no Irão

ATLETISMO — Previsto para março, em Nanjing (China), o Campeonato do Mundo em Pista Coberta foi adiado para 2021

CICLISMO — Com meta final este domingo, o Tour dos Emirados Árabes Unidos acabou mais cedo após dois casos suspeitos no hotel das equipas

FÓRMULA 1 — O Grande Prémio de Xangai, marcado para 19 de abril, foi adiado

RÂGUEBI — Algumas partidas do Torneio das Seis Nações, nomeadamente as que opõem Itália e Irlanda, previstas para 6 e 8 de março, foram adiadas

TÉNIS DE MESA — Na Coreia do Sul, o Campeonato do Mundo por equipas, agendado para março, foi adiado três meses

BOXE — O torneio de qualificação para os Jogos referente à Ásia e à Oceânia foi transferido para Amã (Jordânia). Estava previsto para Wuhan (China), onde primeiro surgiu o Covid-19

Texto escrito com Rossend Domènech, correspondente em Roma.

(FOTO Estádio de Wembley, em Londres NICHOLAS GEMINI / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso”, a 28 de fevereiro de 2020. Pode ser consultado aqui e aqui

Vacina pode estar pronta dentro de 18 meses

Um novo método de diagnóstico que passou a ser usado na China levanta dúvidas sobre a real dimensão do problema

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A Organização Mundial de Saú­de (OMS) vislumbrou, esta semana, uma luz ao fundo do túnel do combate ao coronavírus e anunciou que a primeira vacina “poderá estar pronta dentro de 18 meses”. Até lá, é urgente que o mundo “acorde” e considere este vírus o seu “inimigo público número um”, declarou o diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Um vírus é mais poderoso na criação de tumultos políticos, sociais e económicos do que qualquer ataque terrorista.”

Sem que se conheça ainda a fonte do surto — sabe-se apenas que a infeção aconteceu num mercado de peixe da cidade de Wuhan —, a investigação tentará procurar respostas junto de pacientes que nunca visitaram a China e que, para a OMS, podem ser “a ponta do icebergue” de um problema cuja dimensão real suscita cada vez mais dúvidas.

Dimensão real é incógnita

Os alarmes soaram na quinta-feira após serem detetados 14.840 novos casos na província de Hubei (de que Wuhan é capital) em apenas 24 horas. Pela primeira vez, foram contabilizados casos diagnosticados clinicamente, além daqueles confirmados em laboratório. A OMS questionou Pequim sobre a nova metodologia e, no seu boletim diário, optou por continuar a contar apenas os casos confirmados em laboratório, que na quinta-feira ascendiam a 46.997 (sem informação sobre os mortos).

A OMS criou também um nome oficial para a doença: COVID-19. CO respeita a “corona”, VI a “vírus”, D a “doença” e 19 ao ano em que surgiu. “Ter um nome é importante para impedir designações imprecisas ou estigmatizantes”, defende. Estigmatizar (pessoas ou nações) fragiliza a resposta.

Artigo publicado no “Expresso”, a 15 de fevereiro de 2020. Pode ser consultado aqui

Coronavírus põe o mundo do avesso. 19 países asiáticos vivem de máscara posta

A batalha é só uma — conter o coronavírus — e está a ser travada em todo o mundo. Mas é na Ásia que soam os alarmes mais desesperados. Nestes 22 países, o receio ao coronavírus tomou de assalto o quotidiano dos cidadãos, que passaram a viver de máscara colada à cara. Filipinas e Hong Kong já registaram uma vítima mortal

BANGLADESH. Após serem repatriados, vindos da China, 314 bangladeshis foram isolados no campo Ashkona Hajj, perto do aeroporto de Daca, para observação KHANDAKER AZIZUR RAHMAN SUMON / GETTY IMAGES
COREIA DO SUL. Totalmente protegido, um funcionário pulveriza com uma solução antissética o interior de um comboio em Seul CHUNG SUNG-JUN / GETTY IMAGES
JAPÃO. Numa rua de Tóquio, o impacto do coronavírus está espelhado no rosto deste homem e na queda de alguns índices bolsistas KAZUHIRO NOGI / AFP / GETTY IMAGES
TAILÂNDIA. Enquanto espera por passageiros, um taxista desinfeta o seu automóvel, junto ao Aeroporto Suvarnabhumi, em Banguecoque SOE ZEYA TUN / REUTERS
CAMBODJA. Neste autocarro que circula em Phnom Penh, todos os ocupantes seguem de máscara posta TANG CHHIN SOTHY / AFP / GETTY IMAGES
NEPAL. Nesta escola do município de Thimi, os alunos passaram a usar máscara após a confirmação do primeiro caso de coronavírus no país NAVESH CHITRAKAR / REUTERS
INDONÉSIA. Na cidade de Solo, na província de Java Central, um grupo de meninas participa numa ação de sensibilização sobre o coronavírus REUTERS
MONGÓLIA. Um avião acaba de aterrar em Ulan Bator trazendo a bordo cidadãos mongóis repatriados da cidade chinesa de Wuhan BYAMBASUREN BYAMBA-OCHIR / AFP / GETTY IMAGES
AFEGANISTÃO. No Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul, um membro da equipa médica verifica a temperatura corporal de uma passageira WAKIL KOHSAR / AFP / GETTY IMAGES
RÚSSIA. Protegido com máscara, um agente da polícia dá indicações no Terminal F do Aeroporto de Moscovo-Sheremetyevo SERGEI SAVOSTYANOV / GETTY IMAGES
SRI LANKA. “Posso ajuda-lo?”, lê-se na tarja que ostentam estas duas funcionárias do Aeroporto Bandaranaike, que esperam por passageiros que estão a ser observados DINUKA LIYANAWATTE / REUTERS
PAQUISTÃO. Uma paramédica está de serviço numa “unidade de tratamento do coronavírus”, na cidade de Karachi AKHTAR SOOMRO / REUTERS
ÍNDIA. Em vários países, como na Índia, foram isoladas alas especiais para tratamento de pessoas suspeitas de serem portadoras do coronavírus P. RAVIKUMAR / REUTERS
MYANMAR. A máscara não parece perturbar este monge budista, em oração no pagode Shwedagon, em Rangum SHWE PAW MYA TIN / GETTY IMAGES
MALÁSIA. “Todos os tipos de máscaras estão esgotados”, anuncia-se nesta farmácia de Kuala Lumpur LIM HUEY TENG / REUTERS
FILIPINAS. Nesta loja de Manila, o vendedor mostra o único modelo disponível para venda. Foi precisamente nas Filipinas que se registou a primeira vítima mortal fora da China Continental ELOISA LOPEZ / REUTERS
VIETNAME. O negócio não se ressente nesta ourivesaria de Hanói, apesar da comunicação condicionada pelo uso de máscaras LINH PHAM / GETTY IMAGES
TAIWAN. Em territórios circundantes à China Continental, não se esquecem os cuidados a ter, nem mesmo na hora de celebrar o Ano Novo Chinês SAM YEH / AFP / GETTY IMAGES
MACAU. O mesmo aconteceu durante as celebrações em Macau onde, até esta segunda-feira, estavam confirmados sete casos de contágio com o coronavírus ANTHONY KWAN / GETTY IMAGES
HONG KONG. Numa pausa dos protestos de cariz político, exige-se o encerramento da fronteira com a China Continental. Esta terça-feira, morreu no território o primeiro paciente infetado ANTHONY WALLACE / AFP / GETTY IMAGES
CHINA. Neste parque da cidade de Huaian, leste da China, até as esculturas estão protegidas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, só na China, o coronavírus já se manifestou em 17.238 pessoas GETTY IMAGES

NOTA: Uma imagem referente à Coreia do Norte foi retirada após pedido nesse sentido por parte da ONU francesa Première Urgence.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de fevereiro de 2020. Pode ser consultado aqui