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Com o vírus à solta, a nacionalidade já não chega para abrir fronteiras

O Japão tem o passaporte mais valioso do mundo. O português está entre os mais fortes. Mas, com a pandemia sem dar tréguas, um passaporte-vacina poderá tornar-se “o mais poderoso” de todos, explica ao Expresso um professor de Relações Internacionais da Universidade Portucalense, do Porto

A pandemia de covid-19 fechou fronteiras, pousou milhares de aviões em terra e transformou hábitos de viagem em planos sem data de concretização. Na União Europeia, em especial, países que dependem fortemente do turismo, como a Grécia, incentivam à adoção de um passaporte-vacina que facilite a mobilidade de quem foi imunizado e coloque entraves à circulação de quem rejeitou fazê-lo.

O debate ainda está numa fase embrionária, dificultado por muitas incógnitas, como saber se quem tomou a vacina contra o SARS-CoV-2 continua a poder transmitir o novo coronavírus. Mas parece ser já seguro que, no futuro, não bastará a nacionalidade para abrir portas quando se vai ao estrangeiro.

“A forma legal que tal ‘passaporte’ poderá vir a tomar ainda é muito pouco clara, mas é evidente que estará na linha do que acontece com países que exigem testes à partida ou à chegada a cidadãos oriundos de determinados países”, diz ao Expresso Pedro Ponte e Sousa, professor de Relações Internacionais na Universidade Portucalense, no Porto.

“Em alguns países já existe algo do género, impedindo, por exemplo, a entrada a quem tenha determinadas doenças [como VIH-sida] ou exigindo um teste.” Atualmente, pelo menos 48 países têm em vigor restrições de viagem relacionadas com o HIV: pelo menos 30 impõem proibições à entrada, permanência ou residência e 19 deportam estrangeiros portadores do vírus da sida.

“É provável que, com o passar dos meses, vários grupos de interesse e os próprios Estados tentem promover esses passaportes-vacina, para acelerar a mobilidade e fomentar o turismo. No caso da União Europeia, tal poderá surgir como exigência para entrar no espaço Schengen”, diz Ponte e Sousa. “Outro formato poderá ser um ‘passaporte de imunidade’, certificando quem já teve covid-19 e que, portanto, terá anticorpos.”

Asiáticos são os mais fortes

Com a pandemia sem dar tréguas, um passaporte-vacina poderá tornar-se “o passaporte mais poderoso” de todos, diz o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI). Até ao surgimento do novo coronavírus, o poder dos passaportes assentava noutros critérios. “Quanto maior o número de países que permitem ao detentor do passaporte estar isento de visto para entrada ou pedir visto à chegada, mais forte é o passaporte.”

No início de janeiro, foi divulgado mais um Índice de Passaportes Henley, elaborado com base no número de destinos que os seus titulares podem visitar sem terem de pedir visto prévio. O passaporte do Japão — que não permite dupla nacionalidade — é aquele que garante maior número de viagens descomplicadas, do ponto de vista burocrático: 191 países e territórios escancaram as portas aos japoneses ou exigem-lhes apenas visto à chegada.

Neste ranking — que analisa 199 passaportes e não considera as restrições temporárias à circulação decretadas no contexto da pandemia —, Singapura surge em segundo lugar, com 190 destinos amigos, seguida ex aequo da Coreia do Sul e da Alemanha (com 189).

Top-10 dos passaportes mais fortes

  1. Japão (191 destinos)
  2. Singapura (190)
  3. Coreia do Sul, Alemanha (189)
  4. Itália, Finlândia, Espanha, Luxemburgo (188)
  5. Dinamarca, Áustria (187)
  6. Suécia, França, PORTUGAL, Países Baixos, Irlanda (186)
  7. Suíça, Estados Unidos, Reino Unido, Noruega, Bélgica, Nova
    Zelândia (185)
  8. Grécia, Malta, República Checa, Austrália (184)
  9. Canadá (183)
  10. Hungria (181)

Para subidas neste ranking contribuem, por exemplo, acordos como o que celebraram Israel e os Emirados Árabes Unidos, a 15 de setembro de 2020. Os dois países normalizaram com ele a sua relação diplomática. Um dos aspetos acordados foi a isenção de visto aos cidadãos de um deles que visitem o outro.

Os Emirados são dos países que mais têm escalado o Índice Henley. Em 2006, quando o ranking foi publicado pela primeira vez, os seus cidadãos só estavam isentos de visto prévio em 35 destinos. Hoje viajam sem preocupações com papelada para 173.

Neste Índice, a seguir à Alemanha, surgem consecutivamente 12 outros membros da União Europeia. “Os passaportes dos Estados-membros da UE estão sistematicamente no topo da lista dos mais fortes. São países que favorecem liberdades individuais e, nomeadamente, a de circulação, que pretendem atrair investidores, empresários, turistas, etc.”, comenta o docente.

“É no interesse dos Estados levantar restrições através de acordos bilaterais, e por vezes até unilateralmente. As boas e amplas relações diplomáticas, a presença em organizações internacionais e outros acordos internacionais, em suma, ter uma imagem positiva para os demais Estados, ajudam a aumentar essa força.”

E Portugal?

No ranking Henley, Portugal integra o grupo dos sextos classificados com 186 destinos a confiar totalmente no passaporte português. Mas entre os países que exigem visto aos portugueses estão alguns dos maiores e mais poderosos do mundo, como China, Estados Unidos, Rússia, Índia, Canadá ou Austrália.

“Boa parte destes países tem regimes de entrada fortemente controlados. É o caso dos Estados Unidos, que exigem visto para quem viaja de quase todo o mundo (com regime especial para os países europeus, o Visa Waiver Program, que ainda assim exige pré-inscrição, embora não seja exatamente um visto prévio; o Canadá tem um regime idêntico)”, explica Ponte e Sousa.

“Esta limitação ao regime de entrada nesses países não se aplica exclusivamente a Portugal, mas à generalidade dos países europeus. O objetivo é evitar que regimes ‘relaxados’ permitam aos que entram prorrogar indefinidamente a sua estada ou ter acesso a funções e direitos que se entende deverem ser restringidos ou exigirem visto específico.”

O investigador do IPRI exemplifica com o Reino Unido, que permite “aos cidadãos de largas dezenas de países (UE incluída) estada até seis meses sem exigência de visto, mas impede o acesso ao mercado de trabalho ou a apoios, como transferências do Estado (ou seja, do ‘Estado-providência’)”.

Para o Reino Unido, a saída da UE (‘Brexit’) foi penalizadora para a qualidade do seu passaporte. No ranking deste ano, o documento britânico surge no grupo dos sétimos classificados, com 185 países a não exigirem visto — em 2015, liderava a lista a par com a Alemanha.

“É provável que o declínio do passaporte do Reino Unido continue, enquanto o ‘Brexit’ e o endurecimento do regime de entrada e da política de vistos continuarem a influenciar a mobilidade e, portanto, a força do passaporte”, comenta Ponte e Sousa. “A falta de reciprocidade por parte do Reino Unido poderá levar outros Estados a endurecer os seus regimes de entrada e enfraquecer ainda mais o passaporte britânico.”

Na cauda do Índice Henley está o Afeganistão, com apenas 26 países a confiarem no seu passaporte. Seguem-se-lhe o Iraque (28) e a Síria (29), onde ainda ecoam os sons da guerra.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de janeiro de 2021. Pode ser consultado aqui

Indígenas são prioridade no plano de vacinação contra a covid-19, mas a maioria fica de fora

O Governo brasileiro incluiu os povos indígenas no grupo prioritário de vacinação contra a covid-19, mas excluiu os que vivem em zonas urbanas. “Esses povos são os mais vulneráveis do planeta. O contacto com o vírus pode significar o extermínio de todo um grupo”, alerta ao Expresso uma ativista brasileira da organização Survival International. A vacinação é apenas o último capítulo de um rol de atitudes negligentes de Jair Bolsonaro em relação aos índios brasileiros. Há quatro dias, dois chefes tribais denunciaram o Presidente junto do Tribunal de Haia por crimes contra a Humanidade

Margaret, Raia, Vanda. Estas três mulheres, a quem, sem as conhecermos, conseguimos com facilidade atribuir vidas contrastantes, foram notícia num passado recente por se terem tornado rostos de esperança da cura para a covid-19.

Margaret Keenan, britânica de 90 anos, foi a primeira pessoa a ser vacinada em todo o mundo. Raia Alkabasi, nascida no Iraque, foi a primeira pessoa refugiada a ser vacinada na Jordânia. Mais recentemente, Vanda Ortega tornou-se a primeira pessoa indígena a ser imunizada no Brasil.

Esta enfermeira de 33 anos, da tribo Witoto, vive no Parque das Tribos, bairro da cidade de Manaus (capital do estado do Amazonas), que enfrenta o colapso do sistema de saúde por conta da pandemia e onde, recentemente, morreram pacientes por falta de oxigénio.

O Parque das Tribos é casa para cerca de 2500 indígenas de mais de 30 etnias. Mas a sorte de Vanda não é extensível ao resto da sua comunidade, que não sabe ainda quando será imunizada. Os povos indígenas foram incluídos no grupo prioritário da primeira fase do plano nacional de vacinação, mas a maioria deles é exceção.

“Não há surpresa quanto à prioridade da vacinação para os indígenas. Em campanhas de vacinação anteriores, de prevenção de outras doenças, os indígenas foram também grupos prioritários. Isso ocorre porque são um grupo que possui uma imunidade mais baixa e são socialmente vulneráveis”, explica ao Expresso Priscilla Schwarzenholz, da organização Survival International Brasil.

Porém, “a prioridade foi dada apenas aos indígenas que vivem em aldeias, excluindo os que vivem nas cidades”, como os moradores do Parque das Tribos. Entre os beneficiários estão milhares de membros da tribo Warao, oriunda da zona do delta do rio Orinoco, na Venezuela, que vive refugiada no Brasil desde o colapso económico do país, em 2018.

A 14 de janeiro, ao anunciar o início do plano de vacinação da população brasileira, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, informou que entre os grupos prioritários estão 410.348 “indígenas aldeados”. Isto corresponde a menos de metade da população indígena apurada no censo de 2010.

CENSO DE 2010

896.917
pessoas pertencem a povos indígenas

305
povos indígenas, pelo menos, existem no Brasil

A exclusão de parte significativa da população indígena é incompreensível à luz dos números da pandemia, que comprovam a vulnerabilidade das tribos. “Os dados de infeção e óbitos de indígenas pela covid-19 mostram que ambas as taxas superam a média nacional”, diz a ativista brasileira. “Estima-se que, atualmente, a mortalidade entre os indígenas seja 16% superior à da média da população brasileira.”

Até esta terça-feira, a APIB tinha contabilizados:

  • 936 indígenas mortos pela covid-19. O povo Xavante é o que regista mais óbitos
  • 46.834 casos de infeção entre indígenas
  • 161 tribos atingidas em todo o país

“Os indígenas da região amazónica são cinco vezes mais atingidos pela covid-19 do que o resto do Brasil”, particulariza Priscilla Schwarzenholz. “Isso é muito preocupante, pois significa que [a pandemia] está presente no território com o maior número de povos indígenas isolados do mundo. Esses povos são os mais vulneráveis do planeta. O contacto com o vírus pode significar o extermínio de todo um grupo.”

As tribos indígenas vivem exclusivamente do que a natureza lhes dá. Guardiãs das florestas, são botânicos e zoólogos de excelência. Desenvolvem os seus próprios medicamentos e métodos de cura a partir de plantas e animais, e são autossuficientes para tratar as doenças das florestas — mas não as doenças que decorrem do contacto com o exterior, como sarampo, gripe, malária, febre amarela ou tuberculose.

Para controlar estas maleitas, as vacinas têm sido fundamentais, como agora acontece em relação à covid-19. Mas como em qualquer sociedade desenvolvida, também entre os indígenas há resistência à toma da vacina, pois são vulneráveis à propagação de mentiras e boatos.

Na reserva guarani Te’yikue, no estado de Mato Grosso do Sul, acredita-se que a doença surge de feitiços e “espíritos maus” e que quem for vacinado virará vampiro. Mensagens de WhatsApp dizem que os índios são um grupo prioritário para funcionarem como cobaias e que a vacina provoca cancro e altera o ADN das pessoas.

“Há também denúncias feitas por indígenas de que missionários estão a promover discursos antivacina em aldeias pelo Brasil”, alerta a ativista da Survival International. Relatos de que os religiosos se referem à vacina como a “marca da besta” e ao que está na seringa como “chip líquido”.

Sexta-feira passada, a APIB lançou a campanha “Vacina, Parente!” para exigir ao Governo federal a imunização de toda a população indígena e combater a desinformação. “Parente” é a expressão usada nas tribos para denominar indígenas de todas as etnias e diferenciá-los dos não-índios.

Jair Bolsonaro, que já foi infetado, é um dos principais porta-vozes da atitude antivacinas no Brasil. O Presidente brasileiro já disse não ter intenção de ser vacinado e alertou para efeitos colaterais em termos dignos de um filme de ficção.

“Se você virar um jacaré, é problema seu. Se você se transformar em Super-Homem, se crescer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a falar fino, eles não têm nada com isso. E, o que é pior, mexem no sistema imunológico das pessoas.”

Jair Bolsonaro, Presidente do Brasil

A forma como o Presidente desincentiva à toma da vacina é apenas a última das manifestações negligentes de Bolsonaro em relação aos povos indígenas. “Desde que Bolsonaro ganhou as eleições, o número de invasões e ataques a comunidades indígenas aumentou drasticamente”, refere Priscilla Schwarzenholz. “Isso é resultado do seu discurso racista e das políticas anti-indígenas”, que a ativista enumera:

  1. Promoção de um projeto de lei para abrir territórios indígenas à mineração em grande escala.
  2. Restrição das ações de órgãos governamentais essenciais, como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsáveis pela proteção e defesa das terras e vidas dos povos indígenas.
  3. Apoio à proposta do “Marco Temporal”, ação no Supremo Tribunal Federal que defende que os indígenas só possam reivindicar terras onde já estavam no dia 5 de outubro de 1988 (data da assinatura da Constituição do Brasil). “Se for aprovado, centenas de territórios indígenas podem ser afetados e dezenas de povos isolados estariam em risco”, comenta a ativista.

“O Governo Bolsonaro também está incentivando à disseminação da covid-19 em territórios indígenas, deixando de protegê-los contra invasores e bloqueando planos de proteção para o combate do vírus nas aldeias”, acrescenta.

“Até ao momento, nenhum plano federal de combate ao coronavírus nas comunidades indígenas foi colocado em prática. Não se trata de omissão, mas de uma clara intencionalidade de não combater a epidemia, demonstrando nitidamente o plano genocida desse governo contra os povos indígenas do Brasil.”

Este histórico do Presidente brasileiro, que leva apenas dois anos no poder, levou dois “caciques” (chefes índios) a denunciar Bolsonaro, sexta-feira passada, diante do Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a Humanidade.

Raoni Metuktire e Almir Suruí responsabilizam Bolsonaro pelo avanço do desmatamento e das queimadas na região da Amazónia, pela transferência forçada de comunidades, por ataques às populações indígenas (alguns dos quais resultam em mortes) e pelo desmantelamento de agências governamentais, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

A queixa pretende também que o TPI reconheça o crime de ecocídio — destruição do meio ambiente a um nível tal que comprometa a vida humana — em face das consequências ambientais da política de Bolsonaro.

Em entrevista à Agência Pública, o advogado que defende os caciques, o francês William Bourdon (que já defendeu Julian Assange, Edward Snowden e agora Rui Pinto), disse haver documentação exaustiva que prova que Bolsonaro “anunciou, premeditou e implementou uma política sistemática de destruição” total da Amazónia.

“É muito mais do que assédio, é muito mais do que uma política cínica de desprezo, é uma política de destruição, pela interação de muitos crimes. E é a interação de todos esses crimes que caracterizam os crimes contra a Humanidade.”

(FOTO Jovem indígena do povo Awá, o mais ameaçado do mundo SURVIVAL INTERNATIONAL)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de janeiro de 2021. Pode ser consultado aqui

Uma campanha global a várias velocidades

A vacinação no mundo é desigual. Se a maioria dos países não tem injeções, a UE já pensa num passaporte-vacina

Longe da linha da frente, como os profissionais de saúde, alguns heróis improváveis ajudarão a contar a história da pandemia. A 8 de dezembro, a britânica Margaret Keenan personificou, aos 90 anos, a esperança da cura ao tornar-se a primeira pessoa em todo o mundo a receber a vacina. Mais recentemente, com menos alarido, outra mulher protagonizou um momento simbólico. Raia Alkabasi, nascida no Iraque, tornou-se a primeira pessoa refugiada a ser vacinada na Jordânia, exatamente no mesmo dia em que o rei foi imunizado.

A Jordânia, com 10 milhões de habitantes, é dos países mais expostos ao drama dos refugiados — só os sírios correspondem a mais de 10% da população. Todos estão incluídos no plano de vacinação, em pé de igualdade com qualquer jordano. “Mais uma vez, a Jordânia demonstrou liderança exemplar e solidariedade no acolhimento de refugiados”, elogiou o alto-comissário da ONU para os Refugiados, Filippo Grandi. “Apelo a todos os países que sigam o exemplo e incluam os refugiados nas campanhas a par dos seus nacionais.”

Muitos braços, poucas vacinas

O apelo não faz eco. As preocupações com os refugiados estão longe de ser prioritárias para a esmagadora maioria dos países que já vacinam. À euforia das primeiras injeções, começa agora a surgir apreensão perante a urgência em manter o ritmo da vacinação sem haver doses suficientes para tantos braços.

“Aquilo que nos limita de momento é o fornecimento. Estamos a usar todos os bocadinhos das vacinas que recebemos”, disse esta semana Mark Drakeford, o primeiro-ministro do País de Gales, que chegou ao ponto de defender a retenção de alguns milhares de doses para evitar que os vacinadores “fiquem parados sem fazer nada durante um mês”. As declarações não caíram bem, e o governante teve de se desdizer e garantir que “ninguém está a reter vacinas”. Mas o problema ficava exposto.

No País de Gales e na Escócia, a campanha vai mais lenta do que nas outras nações do Reino Unido: a Irlanda do Norte e a Inglaterra. Nesta última, a prioridade dada aos idosos está a enguiçar o processo. Na pressa de quererem estender a vacinação a outros grupos prioritários, há vacinas a serem desviadas de locais onde os mais idosos ainda nas as receberam. “Alguma coisa não está bem. Nalguns lugares, há pessoas com mais de 70 anos a serem contactadas para tomarem a vacina antes dos octogenários e nonagenários”, denunciou a deputada inglesa, Therese Coffey.

Até ao momento, já foram administradas cerca de 52 milhões de doses em pelo menos 61 países. Oito vacinas já foram aprovadas por reguladores nacionais: a da Pfizer/BioNTech é a que tem sido mais usada; em contraponto, a Covishield, de fabrico indiano, só está a ser usada na Índia, que arrancou a sua campanha há uma semana, priorizando 30 milhões de médicos, enfermeiros e outro pessoal da linha da frente.

70% dos europeus até ao verão

A vacina indiana é uma esperança para muitos países sem meios para concorrer no mercado das vacinas. A esmagadora maioria das doses produzidas foram adquiridas por países desenvolvidos, com a União Europeia à cabeça. “Já garantimos vacinas suficientes para toda a população da UE”, afirmou na terça-feira a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Agora precisamos de acelerar a entrega e a vacinação. O nosso objetivo é termos 70% da nossa população vacinada até ao verão. Isso pode ser um ponto de viragem na nossa luta contra este vírus.”

A UE é a entidade política que mais doses assegurou em todo o mundo: 21,9% do bolo total. Segue-se a Índia (20,7%) e os EUA (13,9%). Ou seja, mais de 50% das doses contratualizadas estão reservadas para apenas 29 países.

Recusar a vacina é um direito, mas quem o faz pode vir a enfrentar restrições em viagens internacionais

No conforto europeu, alguns países mostram-se ansiosos por virar a página. Fortemente penalizada pela paralisação do sector do turismo, a Grécia é dos membros que mais têm defendido a ideia de um passaporte-vacina, “que facilite a liberdade de circulação de pessoas que foram vacinadas à covid-19”, defendeu o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis.

A par das novas estirpes do vírus, a resistência de muitos europeus à injeção é fonte de preocupação em Bruxelas. Maros Sefcovic, vice-presidente da Comissão, defendeu esta semana que recusar a vacina é um direito e que as pessoas que fizerem essa opção não devem ser discriminadas, mas podem vir a enfrentar restrições em viagens internacionais. “Um certificado de vacinação eletrónico” é uma possibilidade, disse.

Quanto mais tempo passa, mais ficam expostas as várias velocidades a que decorre o processo de vacinação, inclusive entre os países mais desenvolvidos. Israel, que tem uma população da dimensão da portuguesa, é o país que maior percentagem da população já vacinou: 2,2 milhões de israelitas já tomaram a primeira dose e mais de 500 mil a segunda. Esta semana, as grávidas foram incluídas nos grupos prioritários.

Numa dinâmica oposta, a Austrália só deverá começar a vacinar em massa em meados de fevereiro. O país apostava numa vacina própria que não passou nos testes clínicos, obrigando as autoridades a refazer a estratégia. Neste momento, ainda não há vacinas aprovadas, embora já haja encomendas feitas à AstraZeneca/Oxford e à Pfizer/BioNTech. A pressão é aliviada pelas poucas infeções que se têm registado — apenas nove, ontem.

Ciência vence o negacionismo

Para muitos dos países que ainda não estão a vacinar, a confiança repousa em iniciativas internacionais. O mecanismo Covax, apoiado pela Organização Mundial da Saúde, será crucial para África, onde presentemente apenas dois países estão a dar vacinas: as Seychelles, que têm vacinas doadas pelos Emirados Árabes Unidos, e a Guiné-Conacri, onde a vacina russa está a ser administrada numa base experimental. Já na América Latina, a esperança reside na vacina barata financiada pelo multimilionário mexicano Carlos Slim.

Os três gigantes latino-americanos — México, Argentina e Brasil — já estão a vacinar, tendo apostado em carteiras que incluem vacinas que fogem à procura europeia, em especial a Sputnik-V russa (nos casos do México e da Argentina) e a chinesa CoronaVac (Brasil).

Dos três Estados, o Brasil foi o último a começar a vacinação, na segunda-feira passada. No grupo prioritário definido pelo Ministério da Saúde estão os maiores de 60 anos, os maiores de 18 anos com deficiência a viver em instituições, profissionais de saúde da linha da frente e as populações indígenas.

A aprovação pelo regulador brasileiro da vacina chinesa e da AstraZeneca foi celebrada como uma vitória da ciência sobre o negacionismo. Um dos porta-vozes do movimento antivacinas é o Presidente Jair Bolsonaro que já disse não ter intenção de ser vacinado e alertou para a possibilidade de “efeitos colaterais”: “Se você virar um jacaré, é problema seu. Se você se transformar em Super-Homem, se crescer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a falar fino, eles não têm nada com isso. E, o que é pior, mexem no sistema imunológico das pessoas.”

(IMAGEM D.R.)

Artigo publicado no “Expresso”, a 22 de janeiro de 2021. Pode ser consultado aqui e aqui

A fórmula para combater a pandemia do país com a mais alta taxa de vacinação contra a covid-19

Em menos de três semanas, Israel tornou-se o país com a mais alta taxa de vacinação contra a covid-19 per capita, em todo o mundo. Até esta quinta-feira, o Estado judeu já tinha inoculado mais de 15% da sua população. Mas a esperança na erradicação do novo coronavírus não radica apenas na vacina. Às zero horas desta sexta-feira, entraram em vigor novas medidas restritivas

Se o combate à pandemia de covid-19 é frequentemente comparado a uma longa maratona, em Israel ele parece mais transformado numa corrida de velocidade. Menos de três semanas após o arranque da vacinação no país — com uma injeção mediática no braço direito do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, a 19 de dezembro —, o Estado judeu já inoculou cerca de 1,5 milhões de pessoas (mais de 16% de uma população de 9,3 milhões).

Em todo o mundo, Israel é o país com a mais alta taxa de vacinação per capita. Segundo o contador da agência Bloomberg, só Estados Unidos e China administraram mais vacinas do que Israel, ambos incomparavelmente países mais populosos.

A confiança na vacina não leva as autoridades israelitas a baixarem a guarda. Desde 27 de dezembro, está em vigor o terceiro confinamento desde o início da pandemia. “Pode dizer-se que é o terceiro, mas desde a meia-noite desta quinta-feira é mais o confinamento três ponto um… Esta semana, o Governo aprovou medidas ainda mais restritivas para as próximas duas semanas”, diz ao Expresso, a partir de Telavive, Itay Mor, o presidente da Associação Judaica Over the Rainbow Portugal.

Algumas das restrições são:

  • O encerramento do comércio não essencial.
  • As escolas fecham e regressa o ensino à distância.
  • No mercado laboral, o teletrabalho volta a ser a regra.
  • Os encontros sociais ficam limitados a cinco pessoas dentro
    de casa e a dez no exterior.
  • Apenas serão permitidas deslocações até um quilómetro da
    residência.

Este “último esforço”, como pediu Netanyahu, decorre de uma dramática subida do número de contágios diários que, esta semana, chegou a superar os 8000 casos. Este registo coloca Israel — com um excelente desempenho no campo da vacinação — simultaneamente no ranking dos países que têm mais contágios por milhão de habitantes.

Itay Mor espera receber a vacina dentro de duas semanas, a tempo de viajar para Portugal, onde passa grande parte do seu tempo. “Se não a tomar, quando voltar a Israel terei de ficar duas semanas em quarentena, o que não é prático para trabalhar.”

Como todos os israelitas, Itay está inscrito num dos quatro ‘fundos de saúde’ em torno dos quais se organiza o sistema de saúde do país — uma inscrição obrigatória por lei, que se mantém mediante um pagamento mensal.

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‘fundos de saúde’ providenciam cuidados de saúde aos israelitas, mediante a supervisão das autoridades oficiais. São eles Clalit, Maccabi, Meuhedet e Leumit.

Por estes dias, são estas entidades que recebem as vacinas e realizam a inoculação, seguindo os critérios estabelecidos e que, no caso concreto da pandemia, determinam que a prioridade vá para os mais velhos e para as pessoas vulneráveis.

Dada a gigantesca dimensão da tarefa, foram também abertos centros de vacinação em espaços públicos onde qualquer cidadão se pode dirigir e pedir para ser vacinado. Na Praça Rabin, em Telavive, onde há semanas havia protestos antigovernamentais, existem hoje tendas montadas para este fim.

Apesar de algumas notícias darem conta de um abrandamento do ritmo de vacinação em virtude da escassez de vacinas, o processo flui graças a um trabalho prévio importante, assente em três pilares:

  1. Encomendar cedo. Para evitar perdas de tempo com burocracias, Israel confiou no amigo americano e “decidiu aceitar a aprovação das vacinas feita pelas autoridades de saúde dos Estados Unidos”, explica Itay Mor. “Essa metodologia foi eficaz, pois permitiu que as negociações com as farmacêuticas fossem realizadas muito cedo.”
  2. Pagar mais caro. Israel abriu os cordões à bolsa e desembolsou, no caso da vacina da Pfizer-BioNTech, 30 dólares por duas doses, o dobro pago pela União Europeia. “Foi uma decisão inteligente pagar mais dinheiro e obter as vacinas mais cedo, porque cada dia de confinamento sai mais caro à economia do que pagar as vacinas ao triplo do preço”, diz o israelita.
  3. Digitalizar a distribuição. Um exemplo da capacidade inovadora foi a opção por acomodar as vacinas da Pfizer, que requerem condições de conservação exigentes, em pequenas caixas de ultracongelação (aprovadas pela Pfizer), permitindo a distribuição da vacina em quantidades mais pequenas e facilitando o seu transporte para locais remotos. Outra técnica passou por rentabilizar a quantidade de vacina em cada frasco por mais doses.

Esta quinta-feira, chegaram a Israel as primeiras 100 mil doses de uma encomenda de seis milhões adquiridas à Moderna. Até agora, as vacinas usadas têm sido apenas as da Pfizer-BioNTech, a quem Israel comprou oito milhões de doses.

Para os laboratórios farmacêuticos, Israel é a montra ideal para demonstrar ao resto do mundo a eficácia das vacinas produzidas: é um país pequeno, tem um sistema de saúde universal, informação centralizada sobre os pacientes e conhecimento tecnológico que garante uma rede de distribuição digitalizada.

E os palestinianos?

Este desempenho israelita é, porém, ensombrado por críticas à forma como os palestinianos dos territórios são ignorados no plano de vacinação de Israel, quando há vacinas a serem transportadas para a Cisjordânia para imunizar os colonos judeus.

Abrangidos pela vacinação estão os cerca de 20% de israelitas árabes (cidadãos de pleno direito, como a maioria de judeus) e também os palestinianos de Jerusalém Oriental.

De fora ficam os palestinianos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e também, para já, os palestinianos detidos em prisões israelitas. O Ministério da Segurança Pública ordenou a vacinação dos guardas prisionais e fez depender a inoculação dos presos “do progresso da vacinação para o público em geral”.

Pelos Acordos de Oslo (1993) — o último tratado de paz celebrado entre israelitas e palestinianos —, é a Autoridade Palestiniana (AP) que tem a competência de providenciar os serviços de saúde ao povo palestiniano. Até ao momento, não só a AP não solicitou ajuda a Israel como é público que está a negociar a compra da vacina russa.

Contactada pelo Expresso, a Aliança Global para as Vacinas (Gavi), presidida desde o dia 1 por Durão Barroso, confirmou que Cisjordânia e Faixa de Gaza estão na lista de territórios elegíveis para beneficiarem do mecanismo Covax, que prevê o fornecimento de vacinas aos países mais desfavorecidos.

Dever moral

Ainda que, legalmente, Israel não esteja obrigado a providenciar vacinas aos palestinianos, coloca-se a questão da responsabilidade moral e humanitária em relação às populações que tem sob seu controlo: as da Cisjordânia, no âmbito de uma ocupação militar, e as da Faixa de Gaza, em virtude do bloqueio ao território. Não raras vezes, Israel tem acolhido e tratado palestinianos nos seus hospitais.

“Israel tem o poder de obstruir a entrada e / ou administração das vacinas em Gaza e nas áreas atrás ou isoladas pelo Muro [da Cisjordânia], explica ao Expresso a analista política palestiniana Nour Odeh.

Ou seja, tudo o que é destinado aos territórios palestinianos entra por fronteiras controladas por Israel (excetuando os túneis clandestinos de Gaza, escavados sob a fronteira com o Egito), que aprova ou rejeita esse trânsito. Não estando a vacina russa aprovada pelas autoridades israelitas, tecnicamente há potencial para Israel objetar à sua entrada no país.

(IMAGEM Bandeira de Israel estampada numa máscara cirúrgica THE JEWISH FEDERATIONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de janeiro de 2021. Pode ser consultado aqui

Covax, a boia de salvação dos países pobres

Mecanismo global de aquisição e distribuição de vacinas é esperança dos que não conseguem aceder ao mercado

Uma crise global exige respostas globais. Porém, no caso específico da pandemia do novo coronavírus, que contagia sem olhar a etnias, credos ou estatuto social, a solução ameaça não chegar a todos ao mesmo tempo. A corrida à vacina — na qual 7800 milhões de pessoas em todo o mundo depositam a esperança do regresso à normalidade — trava-se a duas velocidades.

Num grupo, países ricos fazem-se valer do seu poder negocial e açambarcam doses em quantidade suficiente para imunizar muito mais do que as respetivas populações. Noutro, sem capacidade para competir nesse mercado, os mais pobres ficam dependentes de quem os ajude. “Este problema foi identificado logo no início da pandemia, quando se iniciou a corrida às vacinas. Por essa razão, foi criado o Covax”, diz ao Expresso o cirurgião Nelson Olim, consultor da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O Covax é uma plataforma inovadora, financiada por países, por filantropos e pelo sector privado, lançada a 4 de junho, na Cimeira Global das Vacinas, com um duplo fim: investir no desenvolvimento de um portefólio diversificado de vacinas e garantir o acesso equitativo aos países participantes nesse consórcio.

“Além de promover a investigação, o desenvolvimento e a produção de vacinas para a covid-19, o Covax também negoceia os seus preços”, salienta o médico. “Todos os países participantes, independentemente do seu nível económico, terão acesso às vacinas assim que estas forem desenvolvidas e aprovadas. Pretende-se exatamente prevenir o açambarcamento da produção pelos países mais ricos.”

Nove doses por pessoa

Até ao final de 2021, o Covax espera distribuir dois mil milhões de doses de vacinas para a covid-19, assegurando dessa forma a vacinação dos 20% mais vulneráveis da população de cada país, incluindo daqueles sem capacidade para financiar o mecanismo. “O Covax é, provavelmente, a única garantia de que os países mais pobres terão acesso à vacinação em massa”, diz Nelson Olim.

Segundo um projeto da Universidade Duke, da Carolina do Norte (EUA), que supervisiona as compras de vacinas para a covid-19 em todo o mundo, até ao momento já foram adquiridas mais de 7300 milhões de doses, tendo mais de metade (3850 milhões) sido assegurada pelos países mais ricos — que, segundo o Banco Mundial, correspondem a 16% da população do planeta. O Canadá surge como caso extremo, com uma média de mais de nove doses per capita.

Este volume de encomendas não só esgota a capacidade de produção dos laboratórios que estão mais perto de garantir uma distribuição em massa, como mina a perspetiva de vacinação dos países mais pobres, que correm o risco de só a iniciarem após muitos outros a terem terminado.

Coordenado pela OMS, pela Coligação para a Inovação na Preparação para Epidemias (CEPI), de Oslo, e pela Aliança Global para as Vacinas (Gavi) — iniciativa da Fundação Bill & Melinda Gates e que, a partir de janeiro, será dirigida por Durão Barroso —, o Covax surgiu para encurtar distâncias.

“Esta plataforma pode vir a ser um embrião de um sistema universal” de distribuição de vacinas, defende Nelson Olim. “Nunca será possível garantir igual acesso, uma vez que os países mais desenvolvidos poderão sempre comprar em paralelo. Mas aquilo que se garante é acesso àqueles que não têm capacidade de comprar.”

Um bem público global

Neste esforço conjunto, a União Europeia é atualmente o maior doador. “A Equipa Europa — que inclui a Comissão Europeia, o Banco Europeu de Investimento e os Estados-membros [os 27 da UE, a Noruega e a Islândia] — já anunciou contribuições de mais de €870 milhões para o Covax”, disse ao Expresso Stefan De Keersmaecker, porta-voz da Comissão Europeia para as questões da saúde. Ao mesmo tempo, “os Estados-membros têm a possibilidade de doar a outros países parte das vacinas compradas” por Bruxelas e que serão distribuídas pelos 27 Estados-membros.

A UE já contratualizou 1965 milhões de doses junto de seis laboratórios, muito mais do que o necessário para vacinar (em duas doses) os seus 450 milhões de habitantes. “A UE está a demonstrar que leva a sério os seus compromissos de não deixar ninguém para trás e de fazer da vacina para a covid-19 um bem público global”, acrescenta o porta-voz da Comissão. “A UE continuará a ser um aliado na busca de melhores sistemas de saúde e cobertura universal da saúde.”

Estados Unidos e Rússia de fora

“Para os países em vias de desenvolvimento, o Covax é uma boia de salvação, sem a qual tão cedo não teriam acesso a estas novas vacinas”, realça o médico português. “Infelizmente, vivemos num mundo onde as economias mais frágeis já dependem em muito da ajuda internacional para quase tudo. Não é por acaso que o Programa Alimentar Mundial recebeu o prémio Nobel da Paz em 2020. E, neste caso, falamos de um programa que promove a ajuda para a mais primária das necessidades, a alimentação. Imagine-se tudo o resto: educação, saúde, saneamento…”

Contactada pelo Expresso, a Gavi informou que 189 países já aderiram ao Covax — Estados Unidos e Rússia estão de fora. E também que 92 países, sem meios para pagar as vacinas de que necessitam, são elegíveis para beneficiarem do mecanismo.

Um deles é Madagáscar, que anunciou há duas semanas não estar interessado em receber vacinas para a covid-19. As autoridades da ilha continuarão a confiar no CovidOrganics, uma bebida milagrosa produzida localmente, à base de artemísia, planta com propriedades antimaláricas, que muitos no país, a começar pelo Presidente, acreditam ser eficaz na prevenção e cura da doença. Apesar de não ter sido aprovado pela OMS, o preparado tem sido exportado para vários países africanos.

“Duvido que haja muitos países a negar o acesso à vacina”, afirma Nelson Olim, que tem experiência de emergência médica em contexto humanitário em territórios como Honduras, Nigéria, Congo, Somália, Sudão do Sul, Faixa de Gaza, Iémen, Irão e Afeganistão. “No entanto, a resistência psicológica à vacinação pelos mais variados motivos tornou-se um problema global. A principal razão pela qual ainda não se conseguiram erradicar doenças para as quais existe vacina, como, por exemplo, a poliomielite, é exatamente a propagação de crenças, sejam elas religiosas, culturais ou sociais.”

Recentemente, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, considerou o Covax “a maneira mais rápida para acabar com a pandemia. Trabalhar em conjunto através do Covax não é caridade. É do interesse de cada país controlar a pandemia e acelerar a recuperação económica global. Não é só a coisa certa a fazer, é também a coisa inteligente a fazer.”

OS NÚMEROS DA CORRIDA

9800
milhões de doses foram já compradas ou reservadas em todo o mundo. Os Estados Unidos garantiram 2600 milhões, a União Europeia quase 2000 milhões e a Índia 1600 milhões

700
milhões de doses foram asseguradas pelo mecanismo Covax, o quarto maior contratante. O objetivo é distribuir 2000 milhões até ao final de 2021

4800
milhões de doses é a capacidade de produção estimada das três farmacêuticas que estão mais perto de garantir uma distribuição em massa em 2021. A AstraZeneca/Oxford garante 3000 milhões, a Pfizer/BioNTech 1300 milhões e a Moderna 500 milhões

274
vacinas estão em desenvolvimento em todo o mundo, informou o Infarmed na última reunião de peritos e políticos: 59 estão em testes clínicos, 11 estão na última fase de desenvolvimento e 6 estão em avaliação na União Europeia

(IMAGEM PIXABAY)

Artigo publicado no “Expresso”, a 11 de dezembro de 2020