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“A burocracia tem de morrer com a covid”: profissionais de saúde lusovenezuelanos à espera de poder ajudar

Profissionais de saúde venezuelanos e lusodescendentes a residir em Portugal sentem-se frustrados por não poderem ajudar no combate à pandemia. A barrar-lhes a entrada nos hospitais está uma burocracia complexa que demora a dar respostas

Queriam estar nos hospitais, a trabalhar as horas que fossem possíveis para ajudar a salvar vidas. São profissionais de saúde formados na Venezuela — médicos das mais variadas especialidades, enfermeiros, bioanalistas, farmacêuticos — que, face a dificuldades no país de origem, imigraram recentemente para Portugal para iniciar uma nova etapa. Mas as portas dos hospitais portugueses estão-lhes barradas.

“É frustrante termos vontade de ajudar — porque para isso fomos preparados — e termos de ficar em casa”, desabafa ao Expresso a lusodescendente Raquel Pinheiro, de 40 anos. Na Venezuela, trabalhava como médica anestesista; em Portugal, onde chegou em outubro, ganha a vida a arrumar quartos num hotel em Aveiro. “Uma pandemia é uma situação muito grave. Há muitas pessoas a morrer, nós queremos ajudar, somos profissionais, temos habilitações.”

Como Raquel, dezenas de profissionais de saúde venezuelanos e lusodescendentes desesperam por não ver reconhecidos os seus diplomas académicos. O processo da anestesista — que tem nacionalidade portuguesa — foi iniciado na Direção-Geral do Ensino Superior há meio ano.

“Compreendo perfeitamente que os países tenham as suas regras, e eu tenho de as acolher. Mas eu não vim para viver às custas de ninguém, vim com vontade de trabalhar”, como há décadas aconteceu com o pai, quando rumou à Venezuela aos 17 anos. “Vim com vontade de fazer aquilo para que fui preparada.”

Exame marcado para abril… de 2021

Christian de Abreu, um lusodescendente de 36 anos que vive em Esposende (distrito de Braga), vive a mesma angústia há quase um ano. Filho de madeirenses, estudou Medicina na Universidade dos Andes durante seis anos e meio e exercia na área da Medicina do Trabalho; em Portugal ganha a vida nas obras.

Christian chegou a Portugal em maio passado — a mulher e os dois filhos ficaram no país — e logo iniciou o pedido de reconhecimento das habilitações junto da Direção-Geral do Ensino Superior. O processo foi encaminhado para a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra que ficou encarregue de apreciar o seu caso, para o que Christian teve de pagar um emolumento no valor de 900 euros.

Em circunstâncias normais, começaria este abril a prestar as provas exigidas: uma escrita e uma prática de Medicina e um exame de língua portuguesa. Neste contexto de pandemia, os exames foram adiados para novembro próximo, janeiro e abril de 2021.

“Eu estou na disposição de fazer todas as provas que pedirem, mas agora estamos em luta contra o coronavírus”, diz ao Expresso. “Se é preciso demonstrar se sabemos ou não de medicina ponham-nos a trabalhar num hospital supervisionados por médicos portugueses, e eles dirão se temos ou não conhecimento.”

Para além do trabalho na frente de combate, estes profissionais dão outros exemplos do que poderiam estar atualmente a fazer: acompanhar os pacientes que estão em casa, recolher amostras para análise, colaborar nas triagens, trabalhar no atendimento telefónico nas linhas do SNS24.

Espanha aqui ao lado

A 14 de março, Christian enviou uma carta ao Governo em nome de um conjunto de profissionais na sua situação, que estima serem à volta de 100. Nela recordam o repto da Ordem dos Médicos a todos os médicos para que reforçassem o Sistema Nacional de Saúde, dizem “presente” e apelam ao Governo para “que encontre um mecanismo” que agilize o seu processo. O gabinete do primeiro-ministro acusou a receção da carta e encaminhou-a para o gabinete da ministra da Saúde, Marta Temido.

A viver uma quarentena profissional forçada, muitos destes profissionais vão pensando na possibilidade de se mudarem para outro país da União Europeia. Em Espanha, numa medida excecional de combate à pandemia, o Governo de Pedro Sánchez autorizou a contratação de médicos cujos títulos ainda não estavam homologados, abrindo a porta a 2000 médicos venezuelanos — já exerciam no país cerca de 5000.

A ideia de rumar a Espanha ou Itália já passou pela cabeça de Raquel. A anestesista vive na Gafanha da Boa Hora com o marido venezuelano e os dois filhos gémeos de nove anos. Foi neles que pensou quando decidiu deixar o país onde nasceu e é neles que pensa quando, mais desanimada, sonha em aproveitar a janela de oportunidade aberta pela pandemia e tentar a sua sorte noutro país. “Há dias em que olho para o céu e digo para mim: vou. Mas depois olho para os meus filhos e penso na responsabilidade que tenho”, em especial para com um deles que já foi operado ao coração. “Sinto-me entre a espada e a parede.”

Várias provas de obstáculos

Contactado pelo Expresso, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior explica o procedimento que está em causa. “As entidades competentes para proceder ao reconhecimento de graus académicos, que não sejam alvo de reconhecimento automático (o que ocorre nos graus da área da medicina), são as instituições de ensino superior que conferem o grau ou diploma naquela área de formação.”

Obtida a equivalência por parte de uma escola médica, há outro obstáculo a superar antes de ser possível a inscrição na Ordem dos Médicos: “Demonstrar que sabe comunicar em português (oral e escrito) sendo aprovado na prova de comunicação que a Ordem dos Médicos faz em parceria com o Instituto Camões”, explica ao Expresso fonte da instituição.

Após estarem inscritos na Ordem, os médicos ficam habilitados a exercer como clínicos gerais. Se quiserem exercer uma especialidade, têm de percorrer uma nova prova de obstáculos desta vez dentro da Ordem. “No caso de quererem a equivalência a uma especialidade, a situação é avaliada pela direção do respetivo Colégio” da especialidade.

Em 2019, foram 14 os médicos inscritos na Ordem com formação obtida na Venezuela. Na última década, 2014 foi o ano com menos inscrições (9) e em dois anos (2016 e 2018) foram inscritos 15 médicos venezuelanos. É esse o sonho de Christian também. “Há muita gente parada que poderia ajudar e Portugal beneficiaria muito com isso”, diz. “A burocracia tem de morrer com a covid.”

(IMAGEM PUBLIC DOMAIN PICTURES)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de abril de 2020. Pode ser consultado aqui

Da Indonésia ao México, pulverizar e desinfetar são as palavras de ordem

A desinfestação de locais públicos é uma das frentes do combate ao coronavírus e uma das formas privilegiadas para tentar exterminar o inimigo invisível. Por todo o mundo, ruas, transportes e mercados são borrifados com substâncias desinfetantes. Apresentamos 22 imagens dessas limpezas

RÚSSIA. Neste parque de Stavropol, nem as instalações artísticas escapam às ações de desinfestação EDUARD KORNIYENKO / REUTERS
AFEGANISTÃO. Neste país tão sobrecarregado de problemas, da guerra à pobreza, o coronavírus é “apenas” mais um MOHAMMAD ISMAIL / REUTERS
AZERBAIJÃO. Os autocarros são prioridades das operações de limpeza com desinfetantes, neste caso na cidade de Baku AZIZ KARIMOV / GETTY IMAGES
JORDÂNIA. O sítio arqueológico de Petra, uma das maiores atrações turísticas do mundo, está deserta. Ainda assim, não escapa à desinfestação KHALIL MAZRAAWI / AFP / GETTY IMAGES
ITÁLIA. Na Piazza Duomo, em Milão, todos os cuidados continuam a ser poucos PIERO CRUCIATTI / AFP / GETTY IMAGES
SÍRIA. Num país onde as armas ainda não se calaram totalmente, um homem borrifa uma rua do campo de refugiados palestinianos de Jaramana, em Damasco OMAR SANADIKI / REUTERS
SENEGAL. Protegido da cabeça aos pés, um funcionário municipal desinfeta uma escola corânica, num bairro de Dakar JOHN WESSELS / AFP / GETTY IMAGES
ÍNDIA. Desinfestação na favela de Ravidas Camp, em Nova Deli, onde apesar do isolamento social decretado pelo Governo há muitas pessoas nas ruelas RAJ K RAJ / GETTY IMAGES
INDONÉSIA. Uma mulher que participou no funeral de um familiar vítima de covid-19 é pulverizada com desinfetante, em Jacarta WILLY KURNIAWAN / REUTERS
MARROCOS. Contraste numa rua de Rabat: um funcionário público super-protegido e um sem abrigo totalmente vulnerável ao novo coronavírus FADEL SENNA / AFP / GETTY IMAGES
LÍBANO. Aqui procura-se força para enfrentar as adversidades, mas em tempos de pandemia as igrejas (como esta em Beirute) são locais propícios a contaminações comunitárias HUSSAM CHBARO / GETTY IMAGES
COREIA DO SUL. Chegou a ser o país mais afetado pelo coronavírus, excetuando a China, mas cuidados como este, numa estação de metro em Seul, ajudaram a inverter a curva JUNG YEON-JE / AFP / GETTY IMAGES
PAQUISTÃO. Estas tendas foram montadas nos arredores de Quetta, para receber pessoas regressadas do Irão e que terão obrigatoriamente de cumprir quarentena BANARAS KHAN / AFP / GETTY IMAGES
FRANÇA. Um empregado de uma empresa de limpezas desinfeta os guiadores de bicicletas para alugar, numa rua de Suresnes, perto de Paris THOMAS SAMSON / AFP / GETTY IMAGES
COLÔMBIA. No principal terminal de autocarros de Bogotá, a limpeza dos veículos é feita com equipamento especial JUANCHO TORRES / GETTY IMAGES
MALÁSIA. Bombeiros equipados com mochilas pulverizadoras desinfetam uma rua de Kuala Lumpur LIM HUEY TENG / REUTERS
MÉXICO. Campanha de higienização dos espaços públicos, na cidade de Toluca MARIO VAZQUEZ / AFP / GETTY IMAGES
IRÃO. Voluntários espalham desinfetante no bazar de Tajrish, a norte de Teerão MAJID SAEEDI / GETTY IMAGES
MYANMAR. Desinfestação da área em redor do famoso Pagode Shwedagon, em Rangum YE AUNG THU / AFP / GETTY IMAGES
TURQUIA. Sem clientes nem turistas, a desinfestação do Grande Bazar de Istambul não é descurada UMIT BEKTAS / REUTERS
IRAQUE. Durante o recolher obrigatório em Bagdade aproveita-se para desinfetar as vias públicas THAIER AL-SUDANI / REUTERS
BRASIL. Um agente das forças armadas participa nas atividades de desinfestação, na Estação Central do metropolitano de Brasília ADRIANO MACHADO / REUTERS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de abril de 2020. Pode ser consultado aqui

Coronavírus e gafanhotos: a tempestade
perfeita no Corno de África

O coronavírus está a galgar o continente africano, onde alguns
países andam há meses a combater nuvens gigantescas de
gafanhotos. Dois especialistas identificam ao Expresso o principal
perigo que resulta desta coincidência

No Corno de África, há neste momento duas crises em rota de colisão: a pandemia do coronavírus e uma praga de gafanhotos do deserto de proporções bíblicas. Se a primeira é uma ameaça direta à vida humana, a última é-o indiretamente, já que os insetos devoram colheitas e pastagens à sua passagem, destruindo os meios de subsistência primários de muitos milhões de pessoas.

Para as populações sobretudo do Quénia, Etiópia e Somália, que se debatem há meses com gigantescas nuvens de gafanhotos — no início de janeiro, um enxame no nordeste do Quénia tinha 60 quilómetros de comprimento por 40 de largura —, a chegada do coronavírus coloca obstáculos à batalha em curso contra os insetos.

“As equipas de voo [envolvidas nas operações aéreas de pulverização das áreas afetadas] chegaram à Etiópia e ao Quénia antes do confinamento [decretado por causa do coronavírus]. Até agora, a covid-19 não afetou a capacidade de pulverização”, diz ao Expresso Keith Cressman, especialista sénior na Previsão de Gafanhotos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

“Mas os fornecedores de pulverizadores motorizados e de pesticidas estão a enfrentar grandes desafios, com opções limitadas de frete aéreo para realizar as entregas. Já ocorreram alguns atrasos no fornecimento de pesticidas devido à redução de mão de obra em alguns países de origem.”

Gafanhotos do deserto alimentam-se de vegetação, na aldeia queniana de Larisoro FOTO TONY KARUMBA / AFP / GETTY IMAGES

África é a última fronteira do coronavírus. Comparativamente aos restantes continentes, o número de casos positivos é ainda baixo — cerca de 4300, segundo o balanço de domingo da Organização Mundial de Saúde (OMS). Entre os três países mais assolados pela praga de gafanhotos, apenas o Quénia registou uma morte.

Mas, enquanto nos boletins da OMS (sobre o coronavírus) o Corno de África surge como das áreas mais poupadas à pandemia, nos da FAO (sobre a praga de gafanhotos) a situação no Quénia, Somália e Etiópia “permanece extremamente alarmante”, lê-se na última atualização. “A procriação generalizada está a progredir e estão a começar a formar-se novos enxames, o que representa uma ameaça sem precedentes à segurança alimentar e aos meios de subsistência no início da próxima safra”, alerta a FAO.

Para esta agência da ONU, três outros países assediados pelos gafanhotos merecem especial preocupação: o Sudão do Sul (ainda sem casos de covid-19), o Iémen (com uma guerra em curso) e o Irão, um dos mais atingidos pelo coronavírus. Em sete outros países, a ameaça dos gafanhotos “está sob controlo”: Arábia Saudita e Omã, na Península Arábica, Iraque, Índia e Paquistão e ainda Sudão e Eritreia, na margem africana do Mar Vermelho.

“O atual surto de gafanhotos do deserto teve origem principalmente ao longo do Mar Vermelho — uma área-chave para a procriação desta espécie, no inverno —, devido a chuvas favoráveis durante a época de reprodução de 2018-2019”, explica ao Expresso Rick Overson, investigador da Iniciativa Global para os Gafanhotos, um projeto da Universidade do Estado do Arizona (EUA).

“Mesmo antes do coronavírus aparecer, uma combinação de chuvas
favoráveis aos gafanhotos em regiões-chave e uma diminuição dos recursos de monitorização levou à tempestade perfeita. A guerra civil no Iémen, por exemplo, é citada como tendo desempenhado um papel no surto atual.”

No telhado de um edifício em Sana, a capital do Iémen, um homem tenta afugentar um enxame de gafanhotos FOTO MOHAMMED HUWAIS / AFP / GETTY IMAGES

As chuvas favoráveis de que fala o entomologista norte-americano resultaram de dois ciclones que se formaram no oceano Índico, em maio e outubro de 2018, que criaram condições favoráveis à reprodução dos gafanhotos: vegetação em regiões desérticas e também solos húmidos e arenosos. Entre junho de 2018 e março de 2019, nasceram três gerações de gafanhotos — o número destes insetos aumentou 8.000 vezes.

No terreno, os gafanhotos combatem-se de múltiplas formas. No Quénia, há pequenos aviões em ação, voando a baixa altitude para borrifar com químicos áreas fustigadas pelos insetos. Noutras zonas, essas operações são asseguradas por homens a pé, de mochila pulverizadora às costas — no Uganda foram mobilizados militares para o efeito. Na Índia, aldeãos percorrem os campos tentando afugentar os insetos batendo em panelas.

No início do surto de coronavírus, quando a China era ainda o epicentro do problema, um artigo publicado num jornal local correu mundo: Pequim ia enviar para o Paquistão um exército de 100 mil patos para impedir que os gafanhotos atravessassem a fronteira.

“Os patos têm sido usados como uma solução criativa na China, e até certo ponto bem sucedida, mas não seriam uma solução viável dada a imensa escala geográfica do surto de gafanhotos”, diz Rick Overson. Além disso, “seriam necessários muitos patos e teriam de ser levados para o lugar certo, o que não seria tarefa fácil”.

Na aldeia indiana de Miyal, habitantes tentam assustar os gafanhotos fazendo barulho com utensílios de cozinha FOTO SAM PANTHAKY / AFP / GETTY IMAGES

Atualmente, no sistema de alerta da FAO, a praga de gafanhotos está na fase da “ameaça”, “mas as coisas podem e provavelmente irão piorar”, diz Rick Overson. Prever até onde podem chegar os gafanhotos não é um exercício impossível. “Os surtos de gafanhotos do deserto passam por fases de recessão e pragas. Ambas podem ocorrer ao longo de escalas de anos e décadas”, explica o investigador.

“Durante anos de recessão [períodos calmos], é possível encontrar gafanhotos do deserto numa área de 16 milhões de km2 cobrindo 30 países”, uma faixa que se estende do deserto do Sara ao noroeste da Índia.

“Mas durante os anos da praga a área afetada pode expandir-se por 29 milhões de km2 afetando 60 países. Porém, em qualquer surto (como o atual), o diabo está nos detalhes que levam a que conjuntos de países acabem por ser afetados. O Corno de África, que é atualmente o destino dos principais enxames, viu surtos de magnitude ainda maior em meados da década de 1950, embora este surto vá continuar a piorar”, conclui Rick Overson.

“Qualquer aumento da desestabilização da infraestrutura [montada no terreno] provocada pelo coronavírus tornará o desafio assustador da luta contra os gafanhotos ainda mais assustador.”

(FOTO PRINCIPAL: Envolto numa nuvem de gafanhotos, este queniano tenta abrir caminho com um pau, numa herdade perto da cidade de Nanyuki FOTO Baz Ratner / Reuters)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de março de 2020. Pode ser consultado aqui

Coronavírus “ressuscitou” Netanyahu de uma “morte” anunciada

Aquele que era o principal opositor do primeiro-ministro de Israel está disposto a aliar-se a Benjamin Netanyahu num governo de unidade nacional. Benjamin Gantz, líder da aliança centrista Azul e Branco, justifica a reviravolta com a necessidade de combater o coronavírus

Se o coronavírus infetasse também partidos políticos, a coligação israelita Kahol Lavan entraria para as estatísticas como a primeira vítima mortal. A formação de centro-esquerda, que tinha em mãos a tarefa de formar Governo em Israel ruiu, quinta-feira à noite, depois de o seu líder, o antigo general Benjamin Gantz, se ter proposto para a presidência do Parlamento (Knesset).

Ao fazê-lo, deixou de ser hipótese para chefiar um futuro Executivo e mostrou-se disponível para participar num Governo de unidade nacional ao lado do primeiro-ministro cessante, Benjamin Netanyahu, contra quem sempre se bateu desde que chegou à fila da frente da política.

“Acima de tudo, creio que não devemos arrastar Israel para uma quarta eleição neste momento tão desafiador, em que o país está a lidar com a crise do coronavírus e suas consequências”, escreveu “Benny” Gantz na rede social Twitter. Refere-se ao facto de o país ter votado em abril e setembro de 2019 e março de 2020, sem conseguir solução governativa. Em seguida Gantz dirigu-se diretamente aos seus parceiros de coligação: “Discordamos sobre esse ponto”.

A revolta dos antigos parceiros

Os visados por Gantz são Yair Lapid e Moshe Ya’alon, números 2 e 3 da Kahol Lavan (Azul e Branco, como a bandeira de Israel), não se contiveram nas críticas ao volteface protagonizado por Gantz.

“A crise do coronavírus não nos dá direito ou permissão para abandonarmos os nossos valores”, reagiu Yair . “Prometemos não nos sentarmos às ordens de um primeiro-ministro que enfrenta três acusações criminais [por corrupção]. Prometemos não fazer parte de uma coligação de extremistas e chantagistas [extrema-direita e religiosos ultraortodoxos]. Dissemos que não permitiríamos que ninguém minasse a democracia de Israel. E nesta semana de todas as semanas, em que os ataques ao sistema judicial foram do pior, é dado um prémio àqueles que desobedecem à lei. Um prémio à criminalidade.”

Na quarta-feira Yuli Edelstein, aliado de Netanyahu (do partido conservador Likud), demitiu-se da presidência do Knesset, onde estava há sete anos. A renúncia foi apresentada horas antes de terminar o prazo estabelecido pelo Supremo Tribunal de Israel para que se procedesse à eleição do seu sucessor.

A deliberação judicial foi desencadeada por uma petição da Azul e Branco, que tencionava pôr um dos seus no cargo e acabar com o domínio do Likud de Netanyahu. Para tal, contava beneficiar da existência de 61 deputados (num total de 120) afetos à oposição. “Penso que a decisão do Supremo Tribunal é errada e perigosa”, acusou Edelstein. “O nosso povo precisa de união e de um governo de unidade nestes dias.”

Separar as águas no Parlamento

Fundada em fevereiro de 2019, a aliança Azul e Branco (centro-esquerda) era composta por três fações: o Yesh Atid, do ex-jornalista Lapid, que já tinha experiência política e eleitoral acumulada; o Resiliência de Israel, de Gantz, chefe de Estado-Maior das Forças de Segurança de Israel entre 2011 e 2015; e o recém-criado Telem, de Moshe Ya’alon, ex-ministro da Defesa de Netanyahu.

Criada a tempo de disputar as legislativas de abril de 2019 — as primeiras de três (inconclusivas) em menos de um ano —, tinha como objetivo primordial arredar do poder Netanyahu, que é hoje o israelita com mais tempo à frente do Governo de Israel.

Conhecida a reviravolta de Gantz, os seus parceiros de coligação formalizaram um pedido no sentido de separar águas entre os deputados eleitos pelo Kahol Lavan: as duas fações ignoradas por Gantz seguirão juntas, numa formação que manterá o nome Kahol Lavan.

Após ver o início do seu julgamento — previsto para 17 de março — adiado para 24 de maio, por causa da pandemia de coronavírus, Netanyahu saca de mais uma vida que já se pensava que não tivesse.

(FOTO Benjamin Netanyahu, no Forum de Davos de 2018 FLICKR WORLD ECONOMIC FORUM)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de março de 2020. Pode ser consultado aqui

22 fotos de camas de hospital em locais improváveis

Os hospitais não têm espaço para todas as pessoas infetadas com o coronavírus e que necessitam de assistência. Por todo o mundo, da Guatemala às Filipinas, improvisam-se estruturas de saúde em recintos culturais e desportivos, feiras e centros comerciais. Onde antes havia sorrisos e aplausos, há agora médicos, doentes e material médico

ESPANHA. O Centro de Feiras e Congressos de Madrid (IFEMA) está transformado num grande hospital de campanha para doentes com covid-19 REUTERS
BULGÁRIA. Militar da Marinha participa num exercício no interior do Palácio da Cultura e Desporto, da cidade de Varna PETKO MOMCHILOV / GETTY IMAGES
ARGENTINA. Um funcionário municipal de La Plata prepara camas nas instalações do parque de diversões infantil República de los Niños RONALDO SCHEMIDT / AFP / GETTY IMAGES
ALEMANHA. Este antigo abrigo para refugiados foi convertido num centro de atendimento a doentes infetados com o coronavírus, na cidade de Muehlheim LARS BARON / GETTY IMAGES
GUATEMALA. Funcionários do Ministério da Saúde montam um hospital temporário no Parque Industrial da Cidade da Guatemala JOHAN ORDONEZ / AFP / GETTY IMAGES
INDONÉSIA. Militares adaptam um navio-hospital mobilizado para participar na operação de resgate de indonésios a bordo de um cruzeiro, na cidade de Surabaya JUNI KRISWANTO / AFP / GETTY IMAGES
FILIPINAS. Camas e cadeiras instaladas num salão de eventos para acomodar pessoas à espera de fazer o teste ao coronavírus ROLEX DELA PENA / EPA
SÉRVIA. Pessoal militar trabalha para adaptar o recinto da Feira de Belgrado VLADIMIR ZIVOJINOVIC / AFP / GETTY IMAGES
IRÃO. Camas montadas numa zona do centro comercial Iran Mall, a noroeste de Teerão AFP / GETTY IMAGES
POLÓNIA. Este hospital da cidade de Wroclaw necessitou de montar um espaço exterior para acolher pacientes KRZYSZTOF CWIK / REUTERS
ÁUSTRIA. Quartos para dois pacientes, num hospital improvisado em Viena GEORG HOCHMUTH / REUTERS
ÍNDIA. Início dos trabalhos de montagem de um espaço para cumprimento de quarentena, nos arredores da cidade de Calcutá RUPAK DE CHOWDHURI / REUTERS
No Chile, as eleições para a Assembleia Constituinte foram adiadas para outubro EPA
CHINA. As camas vazias dentro do pavilhão de desportos de Wuhan indiciam boas notícias, na cidade de onde partiu o surto de coronavírus AFP / GETTY IMAGES
EUA. Apesar da resistência do Presidente Donald Trump em atacar o problema, em Nova Iorque, a cidade mais afetada no país, arregaça-se as mangas para instalar um hospital no Centro de Convenções Javits SPENCER PLATT / GETTY IMAGES
ITÁLIA. Neste hospital de Bréscia, na martirizada província da Lombardia, aproveita-se todos os cantos para assistir doentes, mesmo os espaços não equipados para tal MIGUEL MEDINA / AFP / GETTY IMAGES
BRASIL. No Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, começa-se a montar uma estrutura de emergência com capacidade para 2000 camas MIGUEL SCHINCARIOL / GETTY IMAGES
COLÔMBIA. Civis e militares colocam camas no interior de uma tenda, em Bogotá, antes do país iniciar 20 dias de quarentena, decretados pelo governo GUILLERMO LEGARIA SCHWEIZER / GETTY IMAGES
MYANMAR. Este jovem voluntariou-se para trabalhar nesta unidade para cidadãos regressados do estrangeiro, que ficarão em quarentena, no Estádio Indoor Thein Phyu, em Rangum SHWE PAW MYA TIN / GETTY IMAGES
FRANÇA. Estas camas instaladas dentro do Palácio de Festivais de Cannes não acolhem doentes, mas antes sem-abrigo e outras pessoas vulneráveis à pandemia ERIC GAILLARD / REUTERS
ESLOVÉNIA. Tendas com capacidade para 120 camas, erguidas pelo Exército, no Quartel Edvard Peperko, em Liubliana IGOR KUPLJENIK / EPA
SÍRIA. Num país onde as armas ainda não se calaram e onde já há casos de covid-19, um membro dos chamados Capacetes Brancos desinfeta uma cama, na cidade de Idlib ANAS ALKHARBOUTLI / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de março de 2020. Pode ser consultado aqui