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Dez razões para compreender o problema do terrorismo no Paquistão

Nos últimos dez anos, no Paquistão, morreram em média quase 6000 pessoas por ano em atentados terroristas. Da geografia aos interesses geopolíticos, várias razões contribuem para tanta violência na “terra dos puros”

O país que viu nascer a Prémio Nobel da Paz Malala Yousafzai é um dos mais vulneráveis ao terrorismo. Segundo o Portal de Terrorismo da Ásia do Sul, em 2007, 3598 pessoas foram mortas em atentados na República Islâmica do Paquistão. Esse número aumentou dramaticamente para 11.704 mortos em 2009. No ano passado, foram mortas 3682 pessoas e este ano, até 23 de outubro, atentados em solo paquistanês já fizeram 1519 vítimas mortais. O que está na origem de tamanha carnificina?

1. O PAÍS TEM UMA GEOGRAFIA ACIDENTADA

Atravessado pelas duas maiores cadeias montanhosas do mundo — a cordilheira dos Himalaias e o Hindu Kush —, o Paquistão abriga 108 picos acima dos 7000 metros e cerca de de outros tantos acima dos 6000 metros. O famoso K-2, o cume mais alto a seguir ao Evereste, localiza-se neste país. Com uma alta taxa de mortalidade entre os alpinistas que o tentam escalar — uma em cada cinco pessoas morre pelo caminho —, o K-2 é referido por muitos aventureiros como “uma entidade de humor oscilante”. A 20 de julho de 2007, João Garcia tornou-se o primeiro português a atingir o cume do K-2 sem recurso a oxigénio artificial. O relevo acidentado do Paquistão não sentencia o país a uma realidade violenta. Mas, como se lê no “Manual de Teoria e Prática de Guerra de Contra-insurreição” (1964), do tenente-coronel francês David Galula (1919–1967): “A geografia pode enfraquecer o mais forte dos regimes políticos ou fortalecer o mais fraco deles”.

2. A SOCIEDADE PAQUISTANESA É PROFUNDAMENTE TRIBAL

Dentro do Paquistão, há uma espécie de “Estado dentro do Estado” onde o poder das autoridades centrais é apenas nominal. O Território Federal das Áreas Tribais (FATA em inglês) situa-se no noroeste do país e faz fronteira com o conturbado o Afeganistão.

A região, que corresponde sensivelmente a um quarto do território português, não está integrada em qualquer província e subdivide-se em áreas correspondentes a tribos, que gozam de um estatuto semiautónomo e exercem a autoridade com base em códigos tradicionais. Zona montanhosa e subdesenvolvida, ali vivem mais de três milhões de pessoas, na sua esmagadora maioria pashtune.

Esta é a segunda etnia do Paquistão — e a primeira do Afeganistão — e vive, ainda hoje, sobretudo nas áreas rurais, segundo um código não escrito — o “pashtunwali” —, com origens anteriores à era cristã. O “pashtunwali” é, juntamente com o fundamentalismo islâmico, um dos pilares do movimento dos talibãs.

3. O PAÍS ESTÁ MUITO EXPOSTO À GUERRA NO AFEGANISTÃO

A natureza porosa da fronteira afgano-paquistanesa e a presença de mesmo grupo étnico (pashtunes) dos dois lados da fronteira tornam o Paquistão vulnerável a tudo o que se passa no país vizinho. Após a invasão norte-americana do Afeganistão, na sequência do 11 de Setembro de 2001, foi na chamada cintura tribal paquistanesa que a Al-Qaeda e os talibãs afegãos encontraram refúgio e organizaram a sua resistência contra a presença militar estrangeira no Afeganistão.

Em “O Novo Estado Islâmico — Como Nasceu o País do Terrorismo” (2014), considerado o primeiro e mais completo livro sobre o fenómeno, o jornalista britânico Patrick Cockburn escreve: “As forças armadas do Paquistão tinham desempenhado um papel central desde inícios dos anos 90 impulsionando os talibãs para o poder no Afeganistão onde eles davam guarida a Bin Laden e à Al-Qaeda.

Após um breve hiato durante e a seguir ao 11 de Setembro, o Paquistão retomou o seu apoio aos talibãs afegãos. Referindo-se ao papel central do Paquistão no apoio aos talibãs, o falecido Richard C. Holbrooke, o representante especial dos EUA para o Afeganistão e Paquistão, disse: ‘Podemos estar a lutar contra o inimigo errado no país errado’”.

O autor recorda também que quando os talibãs começaram a desintegrar-se sob os bombardeamentos norte-americanos, em 2001, ainda antes da rendição “centenas de membros do ISI [os serviços secretos paquistaneses], formadores militares e conselheiros foram precipitadamente transferidos por via aérea” desde o norte do Afeganistão. “Apesar da mais clara das provas de que o ISI patrocinava os talibãs e os jihadistas em geral, Washington recusou-se a confrontar o Paquistão.” Mullah Omar e Mullah Akhtar Muhammad Mansour, que lideraram os talibãs desde o 11 de Setembro, morreram ambos em território paquistanês. Mas esta cumplicidade é anterior ao histórico atentado. Quando os talibãs tomaram o poder em Cabul, em 1996, apenas três países reconheceram oficialmente o novo regime: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e… Paquistão.

4. O PAQUISTÃO É, ELE PRÓPRIO, UM VIVEIRO DE TERRORISTAS

Quando os EUA anunciaram a “guerra contra o terrorismo”, após o 11 de Setembro, o Paquistão surgiu como um ator-chave dessa estratégia. O tempo revelaria que o país é também parte do problema. Segundo o Departamento de Defesa norte-americano, até 15 de maio de 2006, passaram pelo centro de detenção de Guantánamo — aberto em 2002 e destinado a suspeitos de terrorismo — 60 cidadãos paquistaneses.

Nesse campo, os paquistaneses foram a quarta nacionalidade mais numerosa, a seguir a afegãos, sauditas e iemenitas. Entre os paquistaneses detidos, está ainda Khalid Sheikh Mohammed, considerado “o principal arquiteto do 11 de Setembro” no Relatório Final da Comissão ao atentado.

Nascido na província do Baluquistão, foi detido a 1 de março de 2003 em Rawalpindi, numa operação conjunta da CIA e do ISI. No já citado livro de Patrick Cockburn, este defende que o falhanço da “guerra ao terrorismo” e o ressurgimento da Al-Qaeda tornaram-se previsíveis a partir do momento em que Washington delineou uma estratégia sem confrontar diretamente os aliados Arábia Saudita e Paquistão, “sem o envolvimento dos quais o 11 de Setembro provavelmente não teria acontecido”.

5. A RELIGIÃO DOMINA A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL PAQUISTANESA

O ano de 1979 foi dos mais importantes — e tumultuosos — do século XX e no Paquistão não foi exceção. Em fevereiro concretizou-se a Revolução Islâmica no Irão, em março foi assinado o tratado de paz entre o Egito e Israel, em agosto estalou o choque petrolífero, em novembro islamitas armados ocuparam a Grande Mesquita de Meca e em dezembro a União Soviética invadiu o Afeganistão.

De permeio, em abril, no Paquistão, Zulfiqar Ali Bhutto (pai de Benazir) foi executado e o país começou um novo rumo. “Um primeiro-ministro eleito, Zulfiqar Ali Bhutto, foi executado por um ditador militar, [o General] Zia ul-Haq, estabelecendo a base para uma governação do exército de 11 anos que, por um lado, desencadeou ambições políticas e estratégicas arrogantes por parte do exército e, por outro, pôs em movimento o processo de islamização do país”, defende o antigo embaixador paquistanês Touqir Hussain, no artigo “Paquistão pós-1979: O que correu mal?”, publicado pelo The Middle East Institute, de Washington. Estes dois eixos de ação “fundiram-se como parte de uma doutrina de segurança nacional dominada pela religião que transformou a política regional do Paquistão numa jihad”.

6. POLÍTICAS INTERNAS DE ISLAMIZAÇÃO ALIMENTARAM O FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO

Ao abrigo das políticas de islamização iniciadas na década de 80, muitos “mujahidin” foram encorajados por Islamabad (em aliança com os EUA) a combater a URSS no Afeganistão. Após a retirada soviética, em 1989, a maioria deles nunca seria desarmada, dando origem a grupos que, anos depois, aterrorizariam países vizinhos e tornar-se-iam uma ameaça à segurança nacional do próprio Paquistão.

São exemplo o Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP, talibãs paquistaneses) e o Lashkar-e-Taiba, que reivindicou os ataques de Bombaim de 2008 (166 mortos). Um telegrama de 13 de novembro de 2008 do consulado dos EUA de Lahore para o Departamento de Estado, divulgado pelo caso Wikileaks, alertava para a existência de “madrassas” paquistanesas (escolas, geralmente anexas ou no interior de mesquitas) financiadas pela Arábia Saudita e onde era fomentado o “radicalismo religioso” em regiões “anteriormente moderadas”.

Os diplomatas norte-americanos reportaram ainda o envio de crianças oriundas de famílias pobres para “madrassas” isoladas para depois serem recrutadas para “operações de martírio”. Em janeiro de 2016, o senador norte-americano Chris Murphy (democrata) denunciou a existência de 24 mil “madrassas” paquistanesas financiadas pela Arábia Saudita — país cuja ideologia oficial é o waabismo, uma interpretação integrista do Islão.

7. A ALIANÇA COM OS EUA NA “GUERRA AO TERRORISMO” TORNA O PAÍS ALVO DO EXTREMISMO

Ao aderir à coligação anti-terrorista liderada pelos EUA, o Paquistão colocou-se na mira do extremismo islâmico que o via como um obstáculo à “jihad” contra as “forças de ocupação” do Afeganistão. Como contributo para essa campanha, Islamabad desencadeou uma guerra dentro de portas, na zona do Waziristão (noroeste), contra grupos armados — de talibãs e membros da Al-Qaeda a elementos do crime organizado.

Este conflito interno rapidamente escalou para um cenário de resistência armada, colocando instituições do Estado, forças de segurança e a população civil na mira. Segundo o Portal de Terrorismo da Ásia do Sul, só em 2009 (o ano mais mortífero no pós-11 de Setembro) morreram 11.704 pessoas em atentados terroristas no Paquistão. Mas o ódio às autoridades de Islamabad não é exclusivo dos jihadistas.

Entre a população civil, a impopularidade do Governo cresce de cada vez que morrem civis em bombardeamentos dos EUA com aparelhos não tripulados (drones). Desde 2004 que a CIA tem em curso uma operação que visa, sobretudo, as áreas tribais do noroeste, em especial o vale do Swat, junto ao Afeganistão. Segundo a New America Foundation, até 22 de fevereiro de 2016, os drones já mataram 3053 pessoas no Paquistão. Dos 402 ataques registados, 48 foram ordenados por George W. Bush e 354 por Barack Obama. As mortes de civis e os milhões de deslocados internos em fuga aos bombardeamentos disseminam o desejo de vingança entre os jovens, que assim se tornam cérebros fáceis de manipular por grupos como os talibãs.

8. FORÇAS DE SEGURANÇA E SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO PAQUISTANESES NÃO SÃO FIÁVEIS

A captura de Osama bin Laden, a 2 de maio de 2011, em Abbottabad, colocou o Paquistão numa situação embaraçosa. Oficialmente, o país era aliado dos EUA na “guerra ao terrorismo”, mas na prática mais parecia ser cúmplice dos maiores terroristas. Khalid Sheikh Mohammed, o arquiteto do 11 de Setembro, tinha sido capturado em território paquistanês (2003) e agora “o homem mais procurado do mundo”, que vivia numa cidade onde estavam sedeados três regimentos do Exército paquistanês, o sexto mais poderoso do mundo.

Bin Laden vivia numa mansão construída em 2005, protegida por muros altos e situada a 1300 metros da Academia Militar de Kakul. Nos mapas, áreas circundantes à casa surgiam assinaladas como “áreas de acesso restrito”. O Wikileaks revelou que, em dezembro de 2009, um general do Tadjiquistão com responsabilidades na área do contraterrorismo alertara para o facto dos esforços para apanhar Bin Laden estarem a ser frustrados paquistaneses corruptos.

“No Paquistão, Osama bin Laden não é um homem invisível e muitos conhecem o seu esconderijo no Waziristão Norte”, disse Abdullo Sadulloevich Nazarov, citado num telex diplomático norte-americano. “Mas sempre que forças de segurança tentam efetuar um ataque surpresa, o inimigo recebe um alerta por parte de fontes das forças de segurança.” O facto de Washington não ter informado o Paquistão acerca da operação da CIA no interior do país foi a maior prova de desconfiança em relação a Islamabad.

9. O PAQUISTÃO É DOS PAÍSES MAIS SUBDESENVOLVIDOS E CORRUPTOS DO MUNDO

Com mais de 185 milhões de habitantes, o país sofre de uma situação generalizada de subdesenvolvimento, ocupando um modesto 147º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de 2015 (em 188 países). A esperança média de vida à nascença é de 66,2 anos e a média de escolaridade não vai além dos 4,7 anos. Mais de 45% da população vive em situação de “pobreza multidimensional” (privada de escolaridade, sofrendo de subnutrição ou sem acesso a água potável) ao nível da maternidade há uma média de 170 mortes por cada 100.000 nados vivos. No ranking de 2015 da organização Transparência Internacional sobre a corrupção no mundo, o Paquistão surge na 117ª posição (num total de 168 países). Paralelmente, o Paquistão é dos cinco países que mais ajuda recebe, anualmente, dos Estados Unidos: em 2014, recebeu 933 milhões de dólares (819 milhões de euros) de ajuda económica e mais 280 milhões de dólares (246 milhões de euros) para fins militares.

10. O CONFLITO NA CAXEMIRA CONTRIBUI PARA UM ESTADO DE GUERRA PERMANENTE

O Paquistão, enquanto país independente, nasceu em 1947, fruto da partição da Índia Britânica. Dessa divisão resultou também a Índia, de maioria hindu — e uma ferida aberta entre os dois novos países: o território da Caxemira, que ambos disputam. Se é verdade que o Paquistão está muito exposto a tudo o que acontece no Afeganistão, é a rivalidade com a Índia que mais preocupa a república islâmica.

Durante o século XX, os dois países travaram três guerras abertas (1947, 1965, 1999) que, direta ou indiretamente, tiveram na origem a disputa pela Caxemira. Esta rivalidade contribui para um permanente estado de alerta e para o facto do Paquistão ter o sexto maior exército do mundo, com cerca de 650 mil efetivos — ainda assim muito longe do contingente da Índia, que tem mais de 1.300.000 militares. Em 1998, o Paquistão tornou-se o primeiro país (e até agora único) a entrar no estrito clube das potências nucleares, elevando o nível de perigosidade de um eventual novo conflito com a Índia, também ela uma potência nuclear.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 9 de agosto de 2016 e republicado no Expresso Online, a 25 de outubro de 2016. Pode ser consultado aqui

Os jogos da diplomacia

Em tempo de olimpíadas não esqueçamos que o desporto é uma eficaz arma política

Na reta final da sua histórica visita a Cuba, Barack Obama passou pelo Estadio Latinoamericano, em Havana, para um aparente momento de descompressão. Sorridente, sem gravata, de óculos de sol e recetivo à “hola mexicana” que corria as bancadas, o Presidente dos EUA — sentado entre a mulher Michelle e o homólogo cubano, Raúl Castro — assistiu a um jogo de basebol entre a seleção cubana e os Tampa Bay Rays, da Florida.

A sua presença descontraída no estádio, em amena cavaqueira com Raúl Castro, era a prova, para os 55 mil cubanos que enchiam as bancadas e para os milhões que seguiam pela televisão, que a tensa relação de décadas entre EUA e Cuba fazia parte do passado. Não parecendo, aquela ida ao basebol era também um ato político.

“O desporto é uma linguagem global e um fenómeno social compreendido por todas as culturas, raças, etnias, religiões e nações. É a força motriz por trás da globalização na medida em que aumenta a interação e a comunicação entre povos que podem não ter qualquer interação ou comunicação entre si”, explica ao Expresso Omar Salha, perito em Diplomacia do Desporto da Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS), da Universidade de Londres.

“A vantagem de ser parte integrante da cultura popular global torna o desporto mais eficaz, em termos de ligação e comunicação entre as massas, do que a diplomacia tradicional centrada nos Estados. Isso é evidente quando vemos muitos países a adotar o desporto como plataforma e porta-voz de uma Diplomacia Pública e de uma marca nacional, através da organização de Jogos Olímpicos ou do Campeonato do Mundo da FIFA.”

Diplomacia do basebol

Ao contrário da maioria dos países latino-americanos, onde o futebol é rei, nos EUA e em Cuba, o desporto por excelência é o basebol. Desde a revolução cubana de 1959 e até 22 de março passado, cubanos e norte-americanos tinham-se defrontado apenas por uma vez — em 1999, mandava Fidel Castro em Cuba e Bill Clinton nos EUA. A 28 de março desse ano, os Baltimore Orioles tornaram-se a primeira equipa norte-americana a competir na Cuba comunista. Cinco semanas depois, os Baltimore acolheriam os “peloteros” cubanos.

Ao comparecer no estádio de Havana, Obama celebrou uma paixão partilhada pelos dois povos e reafirmou semelhanças em relação ao antigo inimigo. Os Tampa Bay Rays ganhariam por 4-1. “O resultado final foi favorável aos Rays, mas hoje todos ganhámos no Estadio Latinoamericano”, escreveu a equipa norte-americana no Twitter.

Documentos do Departamento de Estado norte-americano com data de 1975, entretanto desclassificados e divulgados pelo Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington, revelam que, em Washington, havia quem defendesse o recurso ao basebol para “ajudar a quebrar o gelo” com Cuba. Mas, para os EUA, a década de 70 não seria frutuosa, no que respeita ao dossiê Cuba.

Diplomacia do pingue-pongue 

Inversamente, os anos 70 seriam marcados pelo desanuviamento entre EUA e China, com origem na diplomacia do pingue-pongue. Em abril de 1971, a convite da China, um grupo de mesatenistas norte-americanos viajou até Pequim. Fotografados junto à Grande Muralha, foram capa da “Time”, com o título “China: um jogo totalmente novo”. Esta digressão abriu caminho à visita à China do Presidente Richard Nixon, em fevereiro de 1972, um dos marcos da Guerra Fria.

“O uso de ‘soft power’ no desporto por parte das administrações norte-americanas evoluiu significativamente com o programa de Diplomacia do Desporto, do Gabinete de Assuntos Educativos e Culturais [do Departamento de Estado]”, comenta Omar Salha. “Com este programa — treinando jovens, comprometendo-os com uma grande variedade de desportos, como natação, basebol, basquetebol e “soccer” (futebol), e oferecendo bolsas a instituições que partilhem a mesma filosofia e ética —, os EUA criam uma imagem favorável, aumentam a sua popularidade em termos desportivos e, mais importante, tentam promover objetivos de política externa através de práticas educativas, culturais e desportivas.”

Diplomacia do basquetebol

Nos últimos anos, sem cobertura oficial, o excêntrico basquetebolista norte-americano Dennis Rodman empenhou-se numa diplomacia do basquete para limar arestas entre EUA e Coreia do Norte. Os dois países nunca tiveram relações diplomáticas desde a divisão da península coreana, em 1953, sendo os interesses norte-americanos em Pyongyang representados pela Suécia.

“Não sou Presidente, nem político, nem embaixador. Sou apenas um atleta, que quer lá ir e fazer alguma coisa pelo mundo. Só isso.” Assim falava Rodman em janeiro de 2014 à partida para uma visita à Coreia do Norte, onde esteve pelo menos seis vezes. Na mala, a antiga estrela dos Chicago Bulls levava planos para organizar um “jogo de boa vontade” entre antigas glórias da NBA e atletas norte-coreanos.

A cruzada de Rodman, que não produziu resultados políticos, levantou um coro de críticas segundo as quais estaria a contribuir para a legitimação de um regime repressivo. “É importante perceber a legitimidade política e económica que os países procuram quando se tornam membros de organizações desportivas”, refere Omar Salha. “Há mais países representados e reconhecidos no Comité Olímpico Internacional e na FIFA do que na ONU. Apesar do atrativo que há em unificar e unir uma nação sob os auspícios de um espetáculo desportivo, o risco de a dividir é tão grande como o de a unir. Ou, recordando as palavras de George Orwell: ‘O desporto é a guerra sem os tiros’.”

CRÍQUETE APROXIMA OS RIVAIS
ÍNDIA E PAQUISTÃO

O aproveitamento político do desporto não é uma estratégia exclusiva dos EUA. Entre Índia e Paquistão — potências nucleares que disputam o controlo da região de Caxemira —, o críquete tem sido usado para desanuviar as frequentes situações de tensão entre os dois países que, no século XX — desde a partição da Índia Britânica (1947), de que resultou a Índia, de maioria hindu, e o Paquistão, muçulmano —, travaram três guerras (1947, 1965 e 1971). A foto mostra uma fase de aproximação, em abril de 2005, com o Presidente paquistanês Pervez Musharraf (de óculos) e o primeiro-ministro indiano Manmohan Singh (de turbante) a assistirem, em Nova Deli, ao último de seis jogos de críquete entre as duas seleções nacionais em solo indiano. Após os atentados de Bombaim de novembro de 2008, que provocaram pelo menos 166 mortos, e que foram planeados e organizados a partir do Paquistão, a relação entre os dois países só recuperou alguma normalidade em 2011, por ocasião das meias finais do Campeonato do Mundo de Críquete, disputadas entre ambos. Então, o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, agradeceu a presença do homólogo paquistanês, Yousuf Raza Gilani, que assistiu ao jogo na cidade indiana de Mohali. O críquete ainda não conseguiu o milagre da paz entre Índia e Paquistão, mas, de tempos a tempos, vai criando essa ilusão.

Artigo publicado no Expresso” e no “Expresso Diário”, a 6 de agosto de 2016, decorriam os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Pode ser consultado aqui

Falsa campanha de vacinação para chegar a Bin Laden

Mal suspeitou da presença de Bin Laden em Abbottabad, a CIA organizou uma campanha de vacinação fictícia contra a hepatite B. Uma investigação do jornal inglês “The Guardian”

A morte de Osama bin Laden continua a alimentar o argumento para um bom filme de espionagem. Segundo uma investigação do diário “The Guardian”, a CIA organizou uma campanha de vacinação falsa na cidade onde o líder da Al-Qaeda vivia, com o intuito de recolher ADN de um dos seus filhos.

A estratégia passaria por, recolhido o ADN, compará-lo a uma amostra de ADN de uma irmã de Bin Laden que faleceu em Boston, no ano passado. A confirmar-se a compatibilidade, provaria a presença da família em Abbottabad.

De acordo com o jornal inglês, uma enfermeira chamada Mukhtar Bibi conseguiu entrar na casa de Bin Laden para administrar as vacinas. A técnica terá levado consigo uma mala de mão equipada com um dispositivo eletrónico. “Não é claro que tipo de dispositivo era, nem se ela o conseguiu deixar na casa”, escreve o “The Guardian”. “Também não se sabe se a CIA conseguiu obter ADN de Bin Laden, embora uma fonte sugira que a operação não teve sucesso.”

Cartazes enganadores

O plano de vacinação foi concebido após os serviços secretos norte-americanos terem seguido Abu Ahmad al-Kuwaiti, um mensageiro da Al-Qaeda denunciado por vários detidos em Guantánamo, até à residência de Bin Laden. Seguiu-se um período de observações à casa, por satélite e a partir de um posto da CIA em Abbottabad, ao que se segue a ideia da campanha.

Para organizá-la, a CIA recrutou o médico paquistanês Shakil Afridi, um funcionário governamental com responsabilidades na área tribal de Khyber, junto à fronteira com o Afeganistão. Afridi deslocou-se a Abbottabad em março, dizendo possuir fundos para o desenvolvimento de uma campanha de vacinação grátis contra a hepatite B.

Por toda a cidade, foram afixados cartazes publicitando a iniciativa médica, dando destaque a uma vacina produzida pela farmacêutica Amson, sedeada nos arredores de Islamabade.

Funcionários dos serviços de saúde do governo regional foram pagos para participar na campanha, ignorando o seu real objetivo. Para tornar a campanha mais credível, a vacinação foi iniciada numa zona pobre de Abbottabad.

Corte nos milhões para o Paquistão

Esta campanha surgiu da necessidade de confirmar a presença de Bin Laden na área, antes da realização de uma operação militar de risco e previsivelmente polémica — no interior de outro país e à revelia das autoridades nacionais.

A posterior detenção do médico paquistanês, pelos serviços secretos paquistaneses (ISI), agravou as já de si deterioradas relações entre Washington e Islamabade.

No passado fim de semana, os Estados Unidos anunciaram um corte em 800 milhões de dólares (566 milhões de euros) na ajuda militar ao Paquistão — correspondente a cerca de um terço do valor total anual. O Paquistão “tomou algumas medidas que nos deram razões para suspendermos parte da ajuda”, afirmou Bill Daley, chefe de gabinete da Casa Branca.

Osama bin Laden foi assassinado a 2 de maio, dentro da casa onde morou nos últimos seis anos de vida, perto da capital do Paquistão. Na sequência de um raide militar norte-americano.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de julho de 2011. Pode ser consultado aqui

Embaixador do Paquistão: “Nos meus encontros com a comunidade, aconselho a que respeitem sempre a lei do país, para que sejam respeitados”

Portugal e o Paquistão celebram 75 anos de relações diplomáticas. Em entrevista ao Expresso, o embaixador paquistanês, Muhammad Khalid Ejaz, fala sobre o potencial da relação bilateral, dos principais desafios que o seu país enfrenta e da integração da comunidade paquistanesa em Portugal. Após a rusga no Martim Moniz, admite, “houve alguma preocupação entre os membros da comunidade”

o Paquistão levava apenas dois anos de vida, enquanto Estado independente, quando, a 7 de novembro de 1949, Portugal estabeleceu relações diplomáticas bilaterais.

Essa ligação revelou-se preciosa quando a União Indiana invadiu Goa, em dezembro de 1961. Então, o Paquistão prestou apoio logístico e diplomático, possibilitando a saída de muitos portugueses daquela possessão ultramarina.

O episódio foi recordado pelo atual embaixador do Paquistão em Portugal, numa entrevista ao Expresso, como exemplo da cooperação que os dois países têm desde a primeira hora.

Muhammad Khalid Ejaz iniciou a missão diplomática em maio passado. Diz que trabalha “dia e noite” para que “os estereótipos contra o Paquistão sejam eliminados”.

Portugal e o Paquistão estabeleceram relações diplomáticas há 75 anos. O que há para celebrar?

Desde o início, as relações têm sido muito amigáveis e de grande cooperação. Desenvolvemos boas memórias. Cooperámos nas Nações Unidas em diferentes ocasiões. Lenta e progressivamente, o nosso comércio também se desenvolveu. Atualmente, o comércio bilateral ronda os 300 milhões de dólares [287,9 milhões de euros], mas o potencial é muito grande. Paquistão e Portugal têm muito para oferecer um ao outro.

Antes, enfrentávamos dois desafios, que se reduziram nesta era moderna. Por exemplo, a barreira linguística. Agora, temos tradução disponível online, que se pode fazer facilmente a partir do telemóvel. Penso que a comunicação entre os empresários dos dois países pode aumentar.

Em segundo lugar, temos a distância geográfica. Mas com as modernas tecnologias, é muito fácil organizar reuniões online. Desta forma, as pessoas aproximam-se mais umas das outras.

E há uma comunidade paquistanesa considerável no país…

Nos últimos 20 anos, a comunidade paquistanesa em Portugal cresceu de forma constante. Atualmente, somos cerca de 30 mil paquistaneses naturalizados ou com residência permanente. E depois entre 5000 e 7000 estão à espera de regularizar a sua situação. Estas pessoas constituem uma boa ponte entre os dois países, já que permitem que os nossos contactos interpessoais melhorem.

Existe também uma comunidade estudantil. Na Universidade do Minho, onde estive recentemente, há cerca de 25 estudantes paquistaneses a estudar. Nas universidades de Lisboa, de Coimbra e do Algarve, que já visitei, também há um número considerável de estudantes paquistaneses.

Vêm propositadamente para estudar em Portugal?

Sim. Alguns vieram da Ucrânia. Mas enfrentam desafios, como o facto de existirem certos estereótipos contra o Paquistão. Alguns são admitidos nas universidades portuguesas, mas não conseguem obter vistos com facilidade.

O Paquistão foi uma colónia britânica. Por isso, inicialmente, os nossos estudantes iam para os Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, países de língua inglesa. Com o passar do tempo, por várias razões, começaram a ir também para universidades europeias. Acresce que as universidades americanas e australianas são muito caras. Há paquistaneses que gostariam de vir para Portugal para obter formação superior e diversificar a sua formação.

O Paquistão tem cerca de 225 milhões de habitantes e uma diáspora de cerca de 10 milhões. As pessoas querem enviar os seus filhos para países seguros para frequentarem o ensino superior, e encontraram um bom sítio em Portugal. Se os estereótipos contra o Paquistão forem eliminados — trabalho para isso dia e noite —, os paquistaneses, que são muito estudiosos e bons alunos, também acrescentam valor ao ambiente académico.

O que alegam as autoridades portuguesas para não concederem os vistos?

Por vezes, dizem que a pessoa não dispõe de fundos suficientes. Outras vezes, que o seu objetivo não é vir estudar. Destaco o caso das raparigas. No Paquistão, nos últimos 20, 25 anos, as mulheres estudam mais. Estão a obter mais educação superior e a ter mais mérito também. Algumas querem vir para universidades melhores, fazer mestrado e doutoramento. Querem ter uma experiência europeia e gostariam de vir para Portugal. De acordo com os nossos valores culturais, estas raparigas acabam por ter de regressar ao seu país.

Tenho procurado encontrar-me com responsáveis e dizer-lhes que estas estudantes proporcionam muitas oportunidades para as universidades, desde logo ao nível do conhecimento do mundo muçulmano, do Paquistão e dos países orientais. O intercâmbio de conhecimentos seria benéfico para ambas as partes. As relações bilaterais devem assentar no comércio e nos intercâmbios humanos.

Que relatos lhe chegam sobre a integração dos paquistaneses na sociedade portuguesa?

Inicialmente, chegavam jovens solteiros que pensavam em ir imediatamente para outro país. Mas agora há famílias que querem ficar. Conheci famílias em que o pai ainda está a trabalhar no Médio Oriente e a mãe e os filhos estão cá. O pai está a trabalhar e a trazer dinheiro para Portugal e os filhos estão a estudar em universidades e colégios em Portugal. Para estas pessoas, Portugal é a sua casa, querem integrar-se, conhecer pessoas e interagir.

E aprendem a língua?

Eles estão a aprender a língua. Os portugueses são pessoas muito amigáveis, à exceção de algumas pessoas que têm tendências islamofóbicas. Por isso, aqui, os paquistaneses não se sentem ameaçados. Aqui, uma mulher com véu ou com vestidos islâmicos não sente que alguém a possa prejudicar. Sente-se segura.

Após a rusga no Martim Moniz, ouviu queixas relativamente a atos de racismo ou xenofobia contra a comunidade?

Quando aconteceu esse incidente, no Martim Moniz, várias pessoas contactaram-me. A segur, fui pessoalmente visitar aquela zona. Houve alguma preocupação entre os membros da comunidade. Por vezes, as autoridades têm de tomar determinadas medidas porque têm de garantir a lei e manter a área segura. Nos meus encontros com os paquistaneses, aconselho-os a respeitarem sempre a lei do país, para que sejam respeitados. Mas por causa de algumas pessoas que os designam com de uma região que agrega vários países, incluindo o meu [hindustânicos], isso reverbera na sua psique. Eu defendo que se formos boas pessoas, se nos concentramos na nossa educação e respeitarmos o vizinho, as pessoas continuarão a respeitar-nos e não haverá retórica que funcione contra.

Quais são os principais problemas que o Paquistão enfrenta atualmente?

Há muitos problemas que decorrem da nossa vizinhança. Continua a ser uma região conturbada. No território do Paquistão, há mais de dois milhões de refugiados afegãos. Alguns são extremistas, foram doutrinados e algumas pessoas têm, digamos, as suas próprias ideias de tribalismo, que querem impor também no Paquistão.

Por vezes, militantes extremistas atacam as nossas instituições, as nossas forças, por não seguirmos as suas ideias. O Paquistão é uma nação progressista, muito resiliente. Proporcionamos igualdade de oportunidades e as nossas raparigas estão a destacar-se em todos os campos. Do ponto de vista tribal, isso não é bom, mas não podemos ceder às pressões, temos de seguir caminho e, enquanto nação, decidir o nosso próprio destino. Um dos desafios que enfrentamos são os ataques terroristas através da fronteira.

Na nossa fronteira oriental, há um grande conflito entre o Paquistão e a Índia por causa de Caxemira, que é a zona mais militarizada do mundo per capita. No lado ocupado pela Índia, há mais de 800 mil militares, que cometem excessos. As pessoas são assediadas, as mulheres molestadas, idosos e crianças feridos. Existe uma grande pressão sobre os direitos humanos. E isso também se repercute no nosso lado.

Depois, também somos vizinhos do Irão. A posição geográfica do Paquistão coloca muitos desafios, mas queremos convertê-los em oportunidades. Queremos ser uma ponte entre o Oriente e o Ocidente e entre diferentes religiões. E queremos proporcionar corredores comerciais.

Como pode ser resolvida a disputa pela Caxemira?

Este é um conflito reconhecido internacionalmente. A vontade do povo da região da Caxemira deve ser expressa através de um plebiscito sob os auspícios das Nações Unidas, como determinam as resoluções do Conselho de Segurança. Se isso acontecer, qualquer que seja a decisão é aceitável para nós.

Usar a força militar pura e simples não é aceitável. Agora, [os indianos] estão a tentar mudar a demografia da Caxemira. Adotaram novas leis e trazem colonos para a região. Esta política contraria as Convenções de Haia. Condenamo-lo veementemente e pedimos à comunidade internacional que analise o assunto.

Está em causa um país [a Índia] que aspira a ser membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O seu historial em matéria de direitos humanos é muito mau. Este problema é uma mancha para eles.

Muitas vezes se diz que o conflito entre a Índia e o Paquistão é aquele que com mais facilidade pode evoluir para uma guerra nuclear. Os dois países estão conscientes dessa linha vermelha? Ou o mundo deve preocupar-se?

É verdade que ambos os países têm armas nucleares. E sendo o Paquistão um país muito responsável, defendemos sempre que essas armas não podem ser usadas em nenhuma situação. Desenvolvemo-las apenas por uma questão de dissuasão. A Índia fabricou-as e detonou-as primeiro. Se não tivermos armas nucleares, ficamos sempre ameaçados e sob coação.

Nos anos 1990, o Paquistão foi um dos três países a reconhecer o governo dos talibãs, no Afeganistão. Agora que eles voltaram ao poder, não os reconhece. O que mudou?

O Paquistão tem essa experiência anterior, por isso, desta vez, fomos muito cautelosos e esperamos para ver, juntamente com a comunidade internacional, como se comporta o novo regime. Damos-lhes essa oportunidade. Continuamos a dialogar com eles, a nossa embaixada está a funcionar e, devido à proximidade, as relações comerciais estão a decorrer, bem como o intercâmbio de pessoas. Mas, mesmo assim, juntamo-nos à comunidade internacional para decidir, como um todo, o que fazer.

Donald Trump está de regresso à Casa Branca. No seu primeiro governo, ele cortou a ajuda ao Paquistão. O que espera desta vez?

O Paquistão tem uma relação multifacetada com os Estados Unidos. Somos um grande aliado fora da NATO. A América é o maior parceiro comercial do Paquistão e temos uma grande diáspora nos EUA. Consideramos que as nossas relações vão continuar a crescer. Congratulamo-nos com qualquer que seja a decisão do povo norte-americano.

Desde 1 de janeiro, o Paquistão é membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU. Quais são as prioridades?

É a oitava vez que o Paquistão, por uma maioria esmagadora, é eleito para um assento não permanente. O Paquistão sempre se esforçou e continuará a esforçar-se pela paz, segurança e estabilidade no mundo. E continuaremos a dar voz às nações mais pequenas, que não têm um lugar permanente. Continuaremos também a dizer que as disputas, especialmente as de Caxemira e da Palestina, que há muito se arrastam, devem ser resolvidas de acordo com as resoluções da ONU.

Em segundo lugar, o Paquistão gostaria que os desafios colocados pelas alterações climáticas, que afetam toda a gente, fossem resolvidos de forma equitativa e que fossem encontradas soluções amigáveis e viáveis.

Como tem recuperado o país das grandes cheias de 2022? Um terço do território ficou submerso…

Atualmente, as inundações tornaram-se desproporcionais. Ocorrem quase todos os anos. Estamos a tentar mitigar os problemas, mas os glaciares estão a derreter e há muitas outras alterações climáticas que provocam inundações. Por isso dizemos que não se trata de um problema individual, mas sim de um problema coletivo que a comunidade internacional deve enfrentar. Estamos muito gratos ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que visitou o Paquistão para expressar a sua solidariedade para com as pessoas afetadas pelas cheias. É um bom amigo dos paquistaneses.

Por causa do degelo dos glaciares dos Himalaias, os paquistaneses estão na fila da frente do impacto das alterações climáticas…

Sim, testemunhamo-lo. E não somos poluidores, não produzimos muita pegada de carbono, mas somos muito afetados pelas alterações climáticas.

O Paquistão vê necessidade de reformar o Conselho de Segurança da ONU?

A necessidade de reforma é transversal a tudo. Mas a reforma não deve ser feita de forma a prejudicar ainda mais o sistema. Se acrescentarmos um novo membro permanente com um mau historial em matéria de direitos humanos e desejos hegemónicos, estaremos a acrescentar mais problemas. O Paquistão gostaria de ver algumas reformas mais representativas e equitativas.

O que levou o Paquistão a candidatar-se aos BRICS?

Contivemo-nos durante muito tempo e não nos candidatámos. Queremos fazer parte de organizações e sistemas internacionais onde se procurem instrumentos alternativos, que possam aumentar a cooperação internacional. O grupo dos BRICS aumentou exponencialmente e está a crescer muito rápido. O Paquistão quer fazer parte e contribuir para a sua importância. Os nossos vizinhos [Índia, China e Irão] também aderiram. Vários países muçulmanos aderiram ou querem aderir. Demorámos algum tempo a pensar no assunto, não nos apressámos e decidimos fazê-lo.

(FOTO PRINCIPAL Muhammad Khalid Ejaz é embaixador do Paquistão em Portugal desde maio de 2024 ANTONIO PEDRO FERREIRA)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de janeiro de 2025. Pode ser consultado aqui