Gustavo Carona já salvou vidas no Congo, Moçambique, Afeganistão e Paquistão. Este médico do Porto está agora na Síria
“Já estou na Síria, mas só amanhã chego perto da linha da frente. O cenário é impressionante, jihadistas e Al-Qaida por todo o lado. Estou mortinho por começar a trabalhar com doentes.” Acabado de chegar a Idlib, Gustavo Carona, um médico do Porto de 33 anos, partilhou com o Expresso a sua ansiedade. Especialista em Anestesia e Cuidados Intensivos, está a cumprir a sua quarta missão, como voluntário, com os Médicos Sem Fronteiras (MSF). “O meu sonho é conciliar a vida em Portugal com uma vida com os MSF. Mas é difícil ter abertura de uma entidade patronal para dispensar um médico com regularidade, ainda que para fins humanitários…”
Na Síria, Gustavo trabalha numa zona controlada pelos rebeldes. Tanto pode assistir um civil como um jihadista. “É impossível não pensar nisso, mas uma vida é uma vida. Em Portugal também posso ter de tratar um assassino ou um violador.” Em 2012, Gustavo esteve no Afeganistão, em 2011 no Paquistão e em 2009 na República Democrática do Congo, que considera “talvez a pior guerra” onde já esteve. “É a menos publicitada e a mais mortífera desde a II Guerra”, diz.
Da vontade de partilhar muito do que via nasceu o blogue Pictures That Tell Stories. “Queria que pelo menos quem me conhece não morresse na ignorância sobre coisas tão importantes.” “Petit Gustavo” foi um post muito lido. Nele conta como, após ter salvo um recém-nascido, a mãe deu o seu nome ao bebé. “Gosto de contar as minhas histórias. Fui muito inspirado por pessoas como Fernando Nobre (AMI). Li todos os seus livros. Tem uma obra fantástica.”
Uma das histórias que está por escrever aconteceu no Afeganistão. “Lidava com médicos mais velhos, de barba rija, quase endeusados naquela sociedade. Eram ignorantes, teimosos e desprezavam-me. Pareciam pensar: ‘Quem é este miúdo?’” Um dia, após um braço de ferro com um colega afegão, equaciona terminar a missão. É então que o chamam de urgência. Um bebé engolira um feijão e estava a morrer. “A mãe, tapada por uma burqa azul, só gritava. Não estávamos a conseguir retirar o feijão e sugeri que o empurrássemos. A criança estava azul.” O procedimento resultou e subitamente Gustavo relativizou as adversidades. “Fiquei tão contente… É um privilégio sentir que salvamos a vida de um bebé no meio da guerra. Depois, escrevi esta história e mandei-a à minha mãe. Foi o meu presente dos seus 65 anos.”
Agora está na Síria, para onde levou na mochila o computador, livros e um cachecol do FCP. “É uma peça simbólica. Nele vai o meu mundo, os amigos e a família. É a minha forma de matar saudades.”
Artigo publicado na Revista do “Expresso”, a 7 de dezembro de 2013
