O líder palestiniano Mahmud Abbas encarregou um economista e antigo quadro do Banco Mundial da formação de um novo governo palestiniano. Mahmud Abbas procura, assim, corresponder à pressão internacional para que injete sangue novo na Autoridade Palestiniana

Aos 88 anos, Mahmud Abbas, que sucedeu ao histórico Yasser Arafat, é o presidente da Autoridade Nacional Palestiniana (AP) há 19. Desde as eleições de 9 de janeiro de 2005 — em que foi desafiado pelo independente Mustafa Barghouti —, não mais o povo palestiniano teve uma palavra a dizer em relação à sua liderança política.
Abbas é criticado por se agarrar ao poder, rejeitando indefinidamente a realização de eleições, por ser cúmplice da ocupação israelita, ao participar em ações de coordenação com Israel, e por não revelar efetiva liderança, desde logo no contexto atual em que não é tido nem achado nas negociações internacionais em curso relativas à guerra em Gaza.
Pelo contrário, desde o ataque do Hamas de 7 de outubro, Abbas tem pautado a sua reação grandemente pelo silêncio.
Economista respeitado
Esta quinta-feira, o Presidente Mahmud Abbas esboçou um movimento no sentido de corresponder aos apelos internacionais — e, concretamente, à pressão dos Estados Unidos — para que injete sangue novo na AP. Mahmud Abbas nomeou um novo primeiro-ministro da AP.
Mohammad Mustafa, o escolhido, é um conselheiro económico presidencial de longa data, com currículo e experiência reconhecidos nos corredores da alta finança mundial.
Nascido a 26 de agosto de 1954, na cidade de Tulkarem (Cisjordânia), Mohammad Mustafa formou-se em Engenharia Elétrica na Universidade de Bagdade (Iraque) e fez um doutoramento em Economia e Administração de Empresas na Universidade George Washington (Washington D.C., EUA).
Sem filiação partidária, já foi vice-primeiro-ministro em vários governos palestinianos e também ministro da Economia entre 2013 e 2015, quando ficou encarregue de tratar da reconstrução de Gaza após a guerra de 2014, que durou sete semanas e provocou mais de 2100 mortos entre os palestinianos.
“Infelizmente, vamos ter de voltar a fazê-lo, espero que com melhores resultados desta vez”, afirmou a 17 de janeiro passado, durante uma intervenção no Fórum Económico Mundial de Davos. “A catástrofe e o impacto humanitário desta guerra é muito maior do que em 2014. Não podemos evitar sentirmo-nos muito mal pelas famílias e pelo povo da Palestina pelas repetidas guerras contra eles. Espero que desta vez seja a última.”
Mustafa foi a Davos na qualidade de presidente do Fundo de Investimento da Palestina (FIP), que tem cerca de 1000 milhões de dólares (mais de 915 milhões de euros) em ativos e financia projetos em todo o território ocupado.
Goza de prestígio nessa qualidade, mas sobretudo em virtude de uma carreira de mais de 15 anos ao serviço do Banco Mundial.
No decreto presidencial em que encarregou Mohammad Mustafa de formar governo, divulgado pela agência noticiosa palestiniana Wafa, na quinta-feira, Mahmud Abbas atribuiu-lhe três frentes prioritárias:
- “Liderar, maximizar e coordenar os esforços de ajuda na Faixa de Gaza, e fazer a transição rápida e eficaz da ajuda humanitária necessária para a recuperação económica, e depois organizar a reconstrução do que foi destruído pela máquina de guerra e pela agressão nas províncias do sul e do norte. Estes esforços devem fazer parte de uma visão clara que estabeleça as bases de um Estado da Palestina institucionalmente independente, com infraestruturas e serviços.”
- “Desenvolver planos e mecanismos de aplicação para a reunificação das instituições nas regiões do país como uma única unidade geográfica, política, nacional e institucional.”
- “Continuar o processo de reforma em todos os domínios institucionais, de segurança, económicos, administrativos e ao nível das finanças públicas, visando um sistema de governação robusto e transparente, sujeito à responsabilização, o combate à corrupção e no garante de uma boa governação.”
Mustafa tem em mãos a formação de um governo tecnocrata na Cisjordânia ocupada que, potencialmente, possa administrar a Faixa de Gaza quando a guerra chegar ao fim. Este é o plano de Mahmud Abbas, que não contempla os obstáculos do lado de Israel, designadamente, a curto prazo, a opção Benjamin Netanyahu pela continuação da guerra e, a longo prazo, a rejeição de um Estado palestiniano.
Afirmou o primeiro-ministro de Israel em janeiro passado: “Não irei comprometer o controlo total da segurança israelita sobre todo o território a oeste da Jordânia”, ou seja, Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza. “E isto é contrário a um Estado palestiniano.”
A guerra na Faixa de Gaza e a ocupação israelita da Cisjordânia relegaram a AP para a condição de líder do povo palestiniano mas apenas no papel. Em Gaza, até ao início da guerra, quem controlava o território era o Hamas. E na Cisjordânia, apenas cerca de 40% do território é, em teoria, governado total ou parcialmente pela AP.
Instituída pelos Acordos de Oslo de 1993 — os últimos tratados de paz celebrados entre israelitas e palestinianos —, a AP nasceu com a missão de funcionar como um governo provisório até à proclamação de um Estado palestiniano, a que se seguiria a eleição de órgãos políticos definitivos.
A ocupação da Palestina, a luta fratricida entre várias fações políticas — que acabaram com o islamita Hamas a governar um território e a secular Fatah (maioritária da AP) a controlar o outro —, bem como a própria liderança da AP (envelhecida, corrupta e desacreditada) minaram esse objetivo.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de março de 2024. Pode ser consultado aqui





