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A ascensão ao poder de um ‘self-made man’

Yoshihide Suga é o mais que provável futuro primeiro-ministro do Japão. Eleito esta segunda-feira presidente do Partido Liberal
Democrático (no poder), sujeitar-se-á à votação parlamentar na próxima quarta, para chefiar o Governo. Ao Expresso, um doutorando português na Universidade de Osaca enumera os principais desafios do novo governante

O Japão virou a página da era Shinzo Abe — o nipónico que durante mais tempo chefiou o Governo do país (mais de oito anos) — e, esta
segunda-feira, encarregou um novo escriba de redigir os próximos capítulos da sua história. Yoshihide Suga, de 71 anos, foi eleito
presidente do Partido Liberal Democrático (PLD, conservador), a formação política que governou o país ao longo de 60 dos últimos 65 anos.

Na próxima quarta-feira, o seu nome será votado para o cargo de primeiro-ministro, numa sessão extraordinária da Dieta, o Parlamento japonês. Será uma mera formalidade, sem margem para grandes surpresas, já que o PLD controla quer a Câmara dos Conselheiros (alta) quer a dos Representantes (baixa).

Suga ficará então encarregue de completar o mandato de Abe — que se demitiu em virtude do agravamento de uma colite ulcerosa —, que deveria terminar em setembro de 2021.

Nascido a 6 de dezembro de 1948, numa localidade que é hoje Yuzawa, no seio de uma família de plantadores de morangos, Suga chega ao cargo após quase oito anos como secretário-geral do Conselho de Ministros, um recorde na história do país, que o tornou fiel braço-direito de Shinzo Abe.

Presidência e assuntos parlamentares

Pensando na hierarquia política portuguesa, “creio que a comparação mais adequada talvez seja a da função de ministro da Presidência ou, a outro nível, de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares”, explica ao Expresso o investigador César Rodrigues, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Osaca.

No Japão, o secretário-geral do Conselho de Ministros “é responsável por coordenar políticas do Governo entre os vários ministérios, efetuar negociações dentro do Governo, estabelecer a ligação entre o primeiro-ministro e o seu partido, gerir crises, entre outras funções. Também realiza conferências de imprensa regulares, atuando como porta-voz do Governo”.

Essa omnipresença nos corredores do poder conferiu favoritismo a Suga entre os militantes do PLD. De igual forma, a estreita colaboração com Shinzo Abe leva César Rodrigues a prever que “o mais provável é que a liderança de Suga seja de continuidade”.

Na leitura do académico português, três motivos potenciam essa tendência. “Em primeiro lugar, a política japonesa é tipicamente caracterizada por mudanças lentas, sistémicas e incrementais. Quando há mudanças profundas, normalmente não são abruptas e resultam de um processo demorado de harmonização dos vários interesses estabelecidos.”

Em segundo, “o PLD é a força política do status quo, tendo governando quase ininterruptamente no período do pós-guerra. Isso também contribui para um certo padrão de continuidade”. E por último, “Suga pertenceu durante muitos anos ao círculo próximo de Abe, tendo sido nos últimos tempos apresentado — inclusive pelo próprio — como um candidato capaz de dar continuidade à sua governação, com quem partilha o essencial da visão política”.

Apesar de toda a experiência acumulada em matéria político-partidária, a sua envergadura ao nível de política externa é uma incógnita. “Existe uma perceção geral de dúvida em relação à capacidade de Suga em lidar com política internacional”, diz o académico Rodrigues.

Entre as frentes que enfrentará estão a gestão da aliança com os Estados Unidos face às crescentes tensões na região, as disputas territoriais com os vizinhos (em especial China, Rússia e Coreia do Sul), os riscos inerentes aos programas nuclear e de mísseis da Coreia do Norte e ainda a questão dos japoneses raptados e levados para este último país há cerca de 40 anos.

Memos carisma, mais pragmatismo

Paralelamente, “existem algumas distinções entre Abe e Suga que se podem traduzir em diferenças na agenda política e no modo de governar”. Formado em Direito, em 1973, pela Universidade Hosei (instituição privada em Tóquio), e eleito deputado pela primeira vez em 1996, “Suga é retratado como um self-made man, de estilo político menos carismático mas mais pragmático, sendo também conhecido pela sua capacidade de controlo sobre os burocratas”.

Outra distinção importante, refere César Rodrigues, prende-se com a questão da revisão constitucional. Era uma bandeira de Abe, que desejava alterar a lei fundamental pacifista, imposta pelos EUA após o fim da II Guerra Mundial, para que o Japão pudesse reforçar as suas Forças Armadas. Para Suga, esta “não parece ser uma prioridade de monta”.

Yoshihide Suga herda o poder numa altura em que, como todo o mundo, o Japão está a braços com a pandemia de covid-19. Apesar da sua proximidade geográfica à China — onde primeiro surgiu o novo coronavírus —, este país com mais de 125 milhões de habitantes não é dos mais fustigados. Até esta segunda￾ feira, o Japão tinha declarado 75.909 casos positivos e 1453 mortos (mais casos mas menos mortos do que em Portugal).

O novo primeiro-ministro recebe ainda o quebra-cabeças que será organizar os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2021 — ou ter de lidar com grandes custos políticos decorrentes de um eventual cancelamento —, adiados este ano em virtude do contexto pandémico. Rodrigues junta a estes dois “desafios imediatos” um terceiro. “Terá também de consolidar a sua posição política, designadamente em relação a opositores dentro do partido.”

Vitória expressiva

Na corrida à liderança do PLD, Suga enfrentou dois adversários: Fumio Kishida, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, e Shigeru Ishiba, ex-ministro da Defesa. Este último é visto como arquirrival partidário de Abe e — diziam as sondagens — o preferido dos japoneses para a che8a do Governo. Suga recolheu 377 votos (70%), num universo de 534 eleitores. Em tempos de pandemia, o PLD, que tem cerca de um milhão de militantes, simplificou o processo de escolha, limitando-o à vontade de 393 deputados e 141 delegados.

Paralelamente aos “desafios imediatos”, Suga terá pela frente “desafios estruturais”, acrescenta o académico português. Entre eles estão “a tarefa de revitalizar a economia e prosseguir com a ‘Abenomics’, a estratégia económica de Shinzo Abe delineada há quase dez anos [que conjugava flexibilização monetária, estímulos fiscais e reformas estruturais] e ainda não totalmente concretizada”.

Outro grande desafio é “o problema demográfico do Japão, marcado pelo rápido envelhecimento e retração da população, que requer respostas políticas de fundo a fim de inverter a tendência atual”.

Suga é casado e pai de três rapazes. Segundo a publicação “Nikkei Asian Review”, tem uma fraqueza por panquecas, vício que tenta compensar com a prática diária de exercício: 100 abdominais e 40 minutos de caminhada de manhã e mais 100 abdominais à noite. No seu gabinete de secretário-geral do Conselho de Ministros, tem um quadro de caligrafia japonesa onde se lê: “Onde há vontade, há um caminho”. Um lema do passado que vai querer que se perpetue no futuro.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de setembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Vaga de demissões no Governo e no Parlamento

Três ministros e pelo menos nove deputados libaneses formalizaram a sua demissão, após a violenta explosão no porto de Beirute. A debandada pode não ficar por aqui, perante a relutância do Governo em demitir-se, como se pede nas manifestações populares em Beirute

A violenta explosão no porto de Beirute e os protestos populares que se lhe seguiram exigindo a demissão do Governo está a ter ondas de choque na política libanesa.

Esta segunda-feira, a ministra da Justiça, Marie Claude Najm, apresentou a sua demissão, justificando a decisão não só com a explosão que devastou grande parte da capital do Líbano como também com os protestos antigovernamentais que saíram às ruas de Beirute.

Num momento imediato à explosão, a ministra tinha defendido que demitir-se era “fugir à responsabilidade”. A sua posição mudou após ter tentado juntar-se aos voluntários que limpavam as ruas de Beirute e ter sido atingida com garrafas de água.

Esta foi a terceira demissão no Governo liderado por Hassan Diab. A primeira porta bateu no domingo, no Ministério da Informação. “Peço desculpas aos libaneses, não correspondemos às vossas expectativas”, disse a titular do cargo, Manal Abdel Samad.

Seguiu-se-lhe o ministro do Ambiente, Damianos Kattar. “Amigos dos meus filhos morreram na explosão. Não posso mais continuar com estas responsabilidades no ministério”, disse.

Segundo a Constituição do Líbano, o Governo pode cair em quatro situações: se o primeiro-ministro morrer ou se se demitir (possibilidade extremamente baixa já que Hassan Diab disse que tenciona propor eleições antecipadas, o que pode demorar meses); se o Governo perder um terço dos seus atuais 20 membros; ou no início de um mandato presidencial (o que não se aplica já que Michel Aoun iniciou funções a 31 de outubro de 2016).

Governo descredibilizado

Também no Parlamento libanês, pelo menos nove deputados já formalizaram a sua demissão, enquanto vários outros afirmaram intenção em fazê-lo.

Fortemente descredibilizado e acusado de ser corrupto, o Governo libanês — que rejeitou uma investigação internacional ao caso — está sob forte pressão para se demitir. Para além dos protestos antigovernamentais em Beirute, há vozes internacionais que condicionam assistência ao Líbano à sua entrega à sociedade civil, e não às entidades políticas.

No domingo, uma vídeoconferência de doadores organizada pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, e em que participaram vários líderes internacionais, angariou 300 milhões de dólares (254 milhões de euros) em assistência humanitária, que serão “diretamente entregues à população libanesa”.

(FOTO Bandeira do Líbano projetada na Torre Azadi, em Teerão, em solidariedade com os libaneses MAHDI MARIZAD / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 10 de agosto de 2020. Pode ser consultado aqui

Nunca ninguém mandou tanto tempo como Benjamin Netanyahu

Benjamin Netanyahu torna-se este sábado o israelita que mais tempo ocupou o cargo de primeiro-ministro. Completa 4876 dias no poder, ultrapassando David Ben-Gurion, um dos pais fundadores do Estado de Israel

Benjamin Netanyahu foi o primeiro chefe de Governo de Israel a nascer no país — em Telavive, a 21 de outubro de 1949, um ano após a criação do Estado. Foi também o primeiro-ministro mais novo a assumir o cargo — tinha 47 anos. A partir deste sábado acumula um terceiro recorde: passa a ser o governante que exerceu a chefia do Governo durante mais tempo.

Ultrapassa o histórico David Ben-Gurion, um dos pais fundadores do Estado de Israel, que foi primeiro-ministro durante 4875 dias: entre 14 de maio de 1948 e 26 de janeiro de 1954 e novamente entre 3 de novembro de 1955 e 26 de junho de 1963.

Aos 69 anos, “Bibi”, como é chamado, foi primeiro-ministro durante 13, em dois períodos não consecutivos: de 18 de junho de 1996 a 6 de julho de 1999 e desde 31 de março de 2009. Este sábado, completa 4876 dias no cargo.

Uma longa caminhada — que poderá continuar após as eleições legislativas marcadas para 17 de setembro — resumida em 10 momentos.

OS PRIMEIROS TRAVOS DO PODER

Benjamin Netanyahu acaba de ser eleito líder do partido Likud, a 21 de março de 1993, em Katzrin ESAIAS BAITEL / GETTY IMAGES

A 4 de novembro de 1995, dois anos após israelitas e palestinianos assinarem os Acordos de Oslo — o último esboço de paz firmado até hoje —, a esperança cai por terra com a notícia do assassínio do primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, às mãos de um fanático judeu. Na liderança do Likud (direita), um dos partidos históricos de Israel, havia dois anos, Benjamin Netanyahu protagonizara uma mudança geracional — da era dos pais fundadores do Estado para o tempo dos cidadãos já nascidos no país. O desaparecimento de Rabin precipita o país para eleições, a 26 de maio de 1996: o Likud vence e Netanyahu toma posse como primeiro-ministro. Herda um país em choque e cético quanto ao seu futuro próximo.

OLHAR OS PALESTINIANOS… COM DESCONFIANÇA

O primeiro encontro entre Yasser Arafat e Netanyahu, a 4 de setembro de 1996, em Erez NADAV NEUHAUS / GETTY IMAGES

Netanyahu encontra-se com Yasser Arafat pela primeira vez a 4 de setembro de 1996, na passagem fronteiriça de Erez, entre Israel e a Faixa de Gaza. A convivência entre ambos pautar-se-ia sempre pela desconfiança, agravada pelas discordâncias de Netanyahu em relação às premissas dos Acordos de Oslo. Para o israelita, não faz sentido — e só encoraja o extremismo — negociar por etapas, fazendo concessões sem que haja um entendimento relativamente aos principais assuntos, como o estatuto de Jerusalém. No poder, Netanyahu não rasga Oslo, mas não faz dele uma prioridade. Os colonatos judeus em território palestiniano intensificam-se irreversivelmente.

RELAÇÃO ENVENENADA COM O HAMAS

Captura de ecrã de um vídeo onde se vê Netanyahu a amachucar e a atirar para o caixote do lixo um documento político do Hamas REUTERS

Nascido na Faixa de Gaza, sob ocupação israelita, o movimento islamita Hamas — que na sua Carta fundadora pugna pelo desaparecimento de Israel — nunca teve em Netanyahu um interlocutor. Em 1997, o primeiro-ministro israelita tenta mesmo decapitar o grupo e autoriza uma operação da Mossad para assassinar o seu líder, Khaled Mashal, na Jordânia. Disfarçados de turistas canadianos, cinco agentes conseguem injetar veneno em Mashal, numa rua de Amã, mas são descobertos. Em fúria, o rei Hussein exige a Israel a cedência do antídoto sob pena de anular o tratado de paz jordano-israelita celebrado três anos antes. Fortemente pressionado pela Casa Branca, onde estava Bill Clinton, Netanyahu cede.

CHOQUE DE FRENTE COM O “BULLDOZER”

Benjamin Netanyahu sentado ao lado de Ariel Sharon de quem foi ministro dos Negócios Estrangeiros e das Finanças GIL COHEN MAGEN / AFP / GETTY IMAGES

Entre os dois períodos que serviu como primeiro-ministro, Netanyahu tem uma fase, fora da política, em que trabalha no sector privado e outra em que participa — como ministro dos Negócios Estrangeiros e das Finanças — em governos liderados por Ariel Sharon. A carreira política leva um forte impulso quando o “bulldozer” promove um plano unilateral de retirada de tropas e colonos da Faixa de Gaza e posterior devolução do território à Autoridade Palestiniana. Netanyahu discorda em absoluto e, a 7 de agosto de 2005, demite-se. Muitos israelitas interpretam a saída de Israel de Gaza como um sinal de fraqueza e identificam-se com a posição assumida por Netanyahu. Em dezembro desse ano, ele recupera a liderança do Likud e lança-se novamente no combate pela liderança do país.

A PALESTINA, SEGUNDO NETANYAHU

Benjamin Netanyahu junto a um mapa relativo à construção de novas casas para judeus na parte oriental (árabe) de Jerusalém MENAHEM KAHANA / AFP / GETTY IMAGES

A 6 de abril de 2009, menos de três meses após entrar na Casa Branca, Barack Obama dirige-se ao mundo islâmico com um discurso na Universidade do Cairo, intitulado “Um novo começo”. “Os Estados Unidos não aceitam a legitimidade de contínuos colonatos israelitas”, diz. Em Israel, Netanyahu é novamente primeiro-ministro, havia uma semana. A 14 de junho seguinte, num discurso na Universidade Bar-Ilan, nos arredores de Telavive, o israelita enumera as suas condições para apoiar uma Palestina independente: Jerusalém seria a capital unificada de Israel, os palestinianos não teriam exército e abdicariam do direito de regresso dos refugiados. Netanyahu reclama também o direito ao “crescimento natural” dos colonatos existentes na Cisjordânia. Fecha assim a porta ao Estado com que os palestinianos sonham.

O DESENHO DA AMEAÇA IRANIANA

Discursando na Assembleia Geral da ONU, a 27 de setembro de 2012, com o Irão em mente LUCAS JACKSON / REUTERS

A 27 de setembro de 2012, Netanyahu sobe ao palanque da Assembleia Geral da ONU munido de um marcador e de uma cartolina com o desenho de uma bomba prestes a detonar. “A questão relevante não é quando vai o Irão obter a bomba”, diz. “A questão relevante é em que fase deixa de ser possível impedir que o Irão obtenha a bomba.” E traça na cartolina uma linha vermelha a partir da qual o Irão não deve ser autorizado a continuar a enriquecer urânio. Nesse discurso, Netanyahu pronuncia a palavra “Irão” 110 vezes. Nos anos que se seguiriam, falar da República Islâmica e das suas ambições nucleares torna-se um clássico nos discursos de Netanyahu nas Nações Unidas, em especial após a assinatura do acordo internacional de 2015 — que ele considera “um erro histórico”.

COMPREENSIVO PARA COM… ADOLF HITLER

Benjamin Netanyahu aponta para um mapa que localiza os campos de extermínio de judeus (Holocausto), durante a II Guerra Mundial JANEK SKARZYNSKI / AFP / GETTY IMAGES

“Hitler não queria exterminar os judeus na altura, ele queria expulsar os judeus. E Haj Amin al-Husseini [o grande mufti de Jerusalém] foi ter com ele e disse: ‘Se os expulsar, eles virão todos para aqui [para a Palestina]’.” Segundo Netanyahu: Hitler terá perguntado: “O que devo fazer com eles?” O mufti respondeu: “Queime-os”. Foi nestes termos que Netanyahu descreveu o encontro entre Hitler e Husseini, em novembro de 1941, perante a plateia do 37.º Congresso Mundial Sionista, a 20 de outubro de 2015, em Jerusalém. Pouco importa se, com estas palavras, choca milhões de judeus com histórias do Holocausto na família. O objetivo é lançar a dúvida e contaminar a pretensão dos palestinianos de continuarem a viver naquela terra.

TOLERÂNCIA ZERO NA FAIXA DE GAZA

Benjamin Netanyahu junto a uma bateria do escudo anti-aéreo Cúpula de Ferro, com que Israel interceta os “rockets” lançados desde a Faixa de Gaza JACK GUEZ / REUTERS

Nos últimos dez anos, a Faixa de Gaza foi alvo de três operações militares israelitas de grande envergadura — só na primeira não era Netanyahu primeiro-ministro. A mais mortífera, a “Barreira Protetora” em 2014 — justificada com a necessidade de retaliar o rapto de três jovens colonos… na Cisjordânia —, começa cerca de um mês após Hamas e Autoridade Palestiniana (AP) anunciarem a formação de um governo de unidade nacional (2 de junho). As duas fações palestinianas estavam desavindas desde 2007 quando o Hamas tomou o poder pela força em Gaza e a Cisjordânia ficou sob controlo da AP. Segundo a ONU, na “Barreira Protetora” morreram 2251 palestinianos, em sete semanas de bombardeamentos. Israel confirmou 67 militares e seis civis mortos.

A CONTAS COM A JUSTIÇA

Benjamin Netanyahu é inquirido, no Supremo Tribunal de Israel, em 2016, sobre a legalidade de um negócio aprovado pelo Governo JIM HOLLANDER / REUTERS

Na agenda de Netanyahu, os próximos dias 2 e 3 de outubro estão provavelmente marcados a vermelho. Está prevista para essas datas a sua audição no âmbito de três grandes investigações a casos de corrupção em que a polícia recomendou que Netanyahu fosse indiciado por suborno, fraude e abuso de confiança. Caberá ao procurador-geral de Israel, Avichai Mendelblit, decidir se as provas são suficientemente fortes para acusá-lo. Se for acusado e continuar a ser primeiro-ministro, não está legalmente obrigado a renunciar, apenas se for condenado e quando esgotados todos os recursos. Netanyahu diz que a atuação da polícia é “uma caça às bruxas”. Em maio passado, é notícia um pacote legislativo em preparação visando fintar as determinações dos tribunais e que pode beneficiá-lo com imunidade. Não vai avante porque Netanyahu não se aguenta no Governo.

REFÉM DOS PARTIDOS RELIGIOSOS

O casal Netanyahu, Benjamin e Sara, celebrando a vitória do Likud nas eleições legislativas de 9 de abril passado THOMAS COEX / AFP / GETTY IMAGES

Nas eleições de 9 de abril passado, os dois partidos mais votados elegem cada um 35 deputados. Mas a escassa vantagem de 0,33% dos votos a favor do Likud é suficiente para que Netanyahu seja reconduzido num quinto mandato — o quarto consecutivo — como primeiro-ministro de Israel. Porém, as negociações para formar governo revelam-se uma missão impossível. Netanyahu garante o apoio dos partidos religiosos ultraortodoxos, prometendo continuar a isentá-los do cumprimento do serviço militar. Essa exceção é polémica, já que a tropa é obrigatória e universal em Israel (com exceções), e vale a Netanyahu a oposição da extrema-direita de Avigdor Lieberman, essencial à maioria parlamentar necessária. Num país em que os executivos são sempre de coligação, Netanyahu torna-se o primeiro candidato a primeiro-ministro a não conseguir formar governo.

(Uma fotografia de Benjamin Netanyahu rodeada de boletins de voto, na sede do Likud, em Telavive AMIR COHEN / REUTERS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de julho de 2019. Pode ser consultado aqui

Religiosos ultraortodoxos, ultranacionalistas e a extrema-direita: as opções de Netanyahu para formar Governo

Maioria de direita no novo Parlamento de Israel vai permitir ao primeiro-ministro continuar no cargo. Netanyahu não precisa de convite do Presidente: já está a negociar a próxima coligação de governo

Benjamin Netanyahu predispôs-se a um feito histórico e alcançou-o: o atual primeiro-ministro de Israel vai ser reconduzido num quinto mandato, o quarto consecutivo. Após tomar posse, basta aguentar-se no cargo até meados de julho e ultrapassa David Ben-Gurion, fundador do Estado, como o israelita que chefiou o Governo durante mais tempo.

Em nome desse desígnio, Netanyahu correu em duas pistas nas eleições legislativas de terça-feira: enquanto líder do Likud, pugnando pela eleição do maior número possível de deputados, e enquanto membro da fação da direita no Parlamento (Knesset), na esperança que, conferidos os votos, esse bloco fosse maioritário.

Netanyahu ganhou em toda a linha. Com 97% dos votos escrutinados, o Likud segue na frente com 26,27%, seguido de muito perto pela aliança Kahol Lavan (Azul e Branco, de centro), com 25,94%. Entre as duas formações há cerca de 14 mil votos de diferença, num universo de 6,3 milhões de eleitores. No Knesset, ambas vão ter 35 deputados.

Mas o que verdadeiramente contribui para estender a passadeira vermelha a Netanyahu é a maioria alcançada pelo conjunto dos partidos de direita, que elegeram 65 deputados num total de 120.

Ao longo dos seus 70 anos de história, Israel nunca teve um governo de um partido só. A seguir a umas legislativas, negociar uma coligação é pois um procedimento político tão habitual como votar.

Os resultados de terça-feira ditaram que os parceiros naturais de Netanyahu na próxima coligação são cinco. À cabeça, os dois partidos religiosos ultraortodoxos (Shas e Judaísmo da Torah Unida), que conseguiram oito lugares cada — no conjunto, passam de 13 para 16 deputados. Por ironia, estes partidos estiveram envolvidos na crise política que levou à antecipação destas eleições em meio ano, quando bateram o pé a uma nova lei que pretendia estender o serviço militar aos homens ultraortodoxos, o que não acontece agora.

Com cinco deputados cada, Yisrael Beitenu e a União dos Partidos de Direita são outros apoios essenciais a Netanyahu. O primeiro — “Israel é o nosso lar” — é liderado pelo ultranacionalista Avigdor Lieberman, que foi ministro da Defesa de Netanyahu entre 2016 e 2018 e bateu com a porta em novembro passado após o primeiro-ministro ter optado por um cessar-fogo com o Hamas em vez de bombardeamentos à Faixa de Gaza, como Lieberman defendia.

Quanto à União dos Partidos de Direita, foi fundada em fevereiro passado e agrupa três partidos da direita e da extrema-direita. Entre eles está o polémico Poder Judeu, que se diz herdeiro ideológico do rabino radical Meir Kahane. O seu líder, Michael Ben-Ari, foi impedido pelo Supremo Tribunal de Israel de se candidatar nestas eleições.

A fechar o leque das hipóteses de coligação de Netanyahu surge o Kulanu, liderado pelo atual ministro das Finanças, Moshe Kahlon. Quando fundou o partido, em 2014, Kahlon definiu-o como “a direita sã”. Nestas eleições perdeu seis deputados, ficando-se pelos quatro.

Na bancada de centro-esquerda — a real oposição a Netanyahu —, além do Kahol Lavan (35 deputados), vão sentar-se duas coligações árabes: Hadash-Ta’al e Balad-Ra’am, a primeira com seis e a segunda com quatro parlamentares. Em 2015, os quatro partidos concorreram unidos e conseguiram 13 lugares — agora, separados, ficaram-se pelos 10. Na sociedade israelita, os árabes correspondem a 20% da população, mas no Parlamento a sua representatividade não vai agora além dos 8%.

Entre os derrotados destas eleições, o campeão foi o Partido Trabalhista. Outrora a fação dominante na política israelita, durante as primeiras décadas de vida do Estado, perdeu dois terços dos lugares que tinha, passando de 18 para seis. O outro partido de esquerda, o Meretz — membro da Internacional Socialista — também perdeu representatividade, passando de cinco para quatro deputados.

Apurados os votos, cabe ao Presidente de Israel, Reuven Rivlin, convidar a personalidade que considera ter melhores condições para formar governo. Benjamin Netanyahu adiantou-se ao convite e já anda em conversações.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 10 de abril de 2019. Pode ser consultado aqui

Com fé na Igreja e descrença no Presidente

Milhares de nicaraguenses saíram às ruas de Manágua, este sábado, solidários com os esforços da Igreja Católica para acabar com a crise política no país. O protesto tornou-se uma grande peregrinação

Foi, na sua essência, uma manifestação antigovernamental, mas o cortejo de milhares de nicaraguenses, este sábado, pelas ruas de Manágua, mais se assemelhou a uma gigantesca peregrinação.

A marcha foi uma mostra de solidariedade para com a Conferência Episcopal da Nicarágua, que tem tentado atuar como mediadora numa crise política — entre Governo e oposição — que se arrasta desde abril e que já provocou quase 300 mortos.

A Igreja apelou a uma reforma política e à antecipação em dois anos das eleições gerais previstas para 2021.

O Presidente Daniel Ortega recusou as propostas da Igreja, considerando-as “golpistas” e acusou os bispos de participarem numa “conspiração” para o destituir do cargo.

A bandeira da Nicarágua numa mão e a imagem de Cristo na outra JORGE CABRERA / REUTERS
Um apelo à demissão do Presidente junto a um andor da Virgem Maria OSWALDO RIVAS / REUTERS
A caveira que alude ao Presidente e um desenho de agradecimento ao cardeal Leopoldo Brenes, que preside à Conferência Episcopal da Nicarágua JORGE CABRERA / REUTERS
A caveira que alude ao Presidente e um desenho de agradecimento ao cardeal Leopoldo Brenes, que preside à Conferência Episcopal da Nicarágua JORGE CABRERA / REUTERS
“Ortega e Murillo assassinos”, lê-se nesta tarja que visa o Presidente e a sua mulher, Rosario Murillo, que é vice-presidente do país desde janeiro de 2017 MARVIN RECINOS / AFP / GETTY IMAGES
Evangélicos nicaraguenses solidários com os católicos. “Somos irmãos. Somos Nicarágua” MARVIN RECINOS / AFP / GETTY IMAGES
Imitação de uma arma a que este manifestante chamou de “mata sapos”. Os “sapos” são paramilitares que percorrem as ruas para apanhar estudantes envolvidos na contestação ao Presidente OSWALDO RIVAS / REUTERS
“Não matarás.” O quinto dos dez mandamentos católicos aqui dirigido a Daniel Ortega MARVIN RECINOS / AFP / GETTY IMAGES
Com uma máscara de Daniel Ortega, este manifestante acusa o Presidente de ser “ditador, genocida, violador, traficante, ladrão e mórbido” OSWALDO RIVAS / REUTERS
OSWALDO RIVAS / REUTERS
“Nicarágua, quero-te livre.” OSWALDO RIVAS / REUTERS
JORGE CABRERA / REUTERS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de julho de 2018. Pode ser consultado aqui