Arquivo de etiquetas: Portugal

Feira de Voluntariado em Matosinhos é montra do que de “mais bondoso e bonito” se faz em Portugal

Pelo menos 117 organizações não governamentais com provas dadas na área social e humanitária participam, este fim de semana, numa Feira de Voluntariado, em Matosinhos. O evento, aberto e destinado ao público, incluirá uma ação de recolha de lixo pelas ruas da cidade até à praia e um programa de conferências. André Villas-Boas, por exemplo, irá falar sobre como a paixão pelos carros deu origem a um projeto “do bem”

Partilhar, inspirar, envolver. À semelhança do lema olímpico “Mais rápido, mais alto, mais forte”, que motiva atletas dos quatro cantos do mundo, estes três verbos são o norte de uma Feira de Voluntariado que decorre, este fim de semana, em Matosinhos.

A iniciativa, que decorrerá na Quinta de Monserrate – Clube, visa promover o contacto entre organizações de ação social e humanitária, com trabalho desenvolvido em Portugal e no estrangeiro, e um público curioso e motivado para ajudar.

Num espaço verde circundante a oito campos de padel, pelo menos 117 organizações não governamentais terão um espaço físico para divulgar o seu trabalho, passar mensagem aos visitantes e captar apoios.

Ao estilo de vitamina de motivação, um conjunto de personalidades ligadas a ONG ou simplesmente dedicadas a causas vai partilhar experiências, em duas tardes de conferências, a partir das 15h.

15 testemunhos, 15 exemplos

Da lista de 15 palestrantes fazem parte o treinador André Villas-Boas (que canalizou a sua paixão por carros e ralis para fundar a Race for Good), Pedro Geraldes (organizador da TEDxPorto), Jorge Rosado (da Palhaços d’Opital, que realiza ações de diversão para idosos em ambiente hospitalar) ou Constança Vasconcelos Dias (da Just a Change, que reconstrói casas para pessoas necessitadas).

No domingo de manhã, a partir das 11h, o ativista alemão Andreas Noe (mediaticamente conhecido como Trash Traveler) orientará uma ação de recolha de plásticos, beatas e outros resíduos, que seguirá pelas ruas de Matosinhos, na direção da praia.

No programa das conferências, haverá também testemunhos na primeira pessoa de personalidades que são, em si mesmas, demonstrações de superação.

São disso exemplos Catarina Oliveira, uma nutricionista paraplégica que se tornou ativista pela igualdade de acesso a pessoas com cadeiras de rodas; ou o cigano romeno Cristian Georgescu, que assume o seu passado de toxicodependência e é hoje presidente da organização Saber Compreender, que apoia pessoas em situação sem-abrigo.

Esta Feira do Voluntariado é uma iniciativa da organização Prémios Coração e o Mundo. Fundada pelo médico Gustavo Carona, experiente em missões humanitárias internacionais, tem por objetivo, nas palavras do próprio, “fundir a credibilidade da melhor ajuda social e humanitária, com a criatividade que fará a bondade chegar ao grande público e contagiar todo e cada cidadão a fazer um bocadinho mais por um Mundo com mais Coração”.

(ILUSTRAÇÃO PUBLIC DOMAIN PICTURES)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 16 de junho de 2023. Pode ser consultado aqui

Lula em Matosinhos: “O Brasil está de volta. É por isso que eu estou a tentar parar de falar em guerra e constituir a paz”

O Brasil é incomparavelmente maior e mais populoso do que Portugal, mas tem sido maior o investimento português no Brasil do que vice-versa. Passado o apagão dos anos de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, Lula da Silva e António Costa querem dar gás à relação comercial bilateral e marcaram presença num fórum empresarial luso-brasileiro, em Matosinhos. “O Brasil está de volta para ser protagonista internacional. Por isso, estou a tentar parar de falar em guerra e constituir a paz”, disse Lula. Costa acrescentou: “Agora que voltou, não vamos nunca mais deixá-lo sair”

Lula da Silva, Presidente do Brasil, no CEIIA, em Matosinhos RICARDO STUCKER

“Você deve ter uns dois anos e pouco de mandato ainda. Podemos estabelecer uma meta: o que nós queremos que aconteça entre Brasil e Portugal? A gente pode conseguir isso. Na política você tem de estabelecer a meta, ter um projeto, não pode ficar governando conforme o vento. Você determina estrategicamente aquilo que você quer que aconteça.”

Ao quarto dia de estadia em Portugal, o Presidente do Brasil deslocou-se ao norte do país para assinalar a abertura do Fórum Empresarial Portugal-Brasil, em Matosinhos, e desafiar o primeiro-ministro português, António Costa, ao estabelecimento de metas bilaterais.

“O Brasil está preparado para voltar a ser um país grande, importante e atraente. E o Brasil quer construir políticas de parcerias”, disse Luís Inácio Lula da Silva. “Não queremos relações hegemónicas com ninguém. Não é porque nós somos grandes que nós temos de ter hegemonia”, sossegou o chefe de Estado brasileiro. “Queremos construir parcerias com as empresas portuguesas e queremos que os empresários portugueses construam parcerias com as nossas empresas.”

A escutá-lo, no Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (Ceiia), estavam mais de 120 empresários portugueses e brasileiros – das áreas da energia, mobilidade, tecnologia, inovação e saúde –, os protagonistas do Fórum Empresarial Portugal-Brasil.

Costa enumera os trunfos portugueses

António Costa aceitou o desafio, admitiu que o crescimento na relação comercial bilateral tem estado “muito aquém do seu enorme potencial” e acenou com trunfos que a podem potenciar.

Ao nível da transição digital, “Portugal e o Brasil são os pontos de amarração do novo cabo de fibra ótica que liga todo a América Latina ao continente europeu, parte de Fortaleza e chega a Sines”, disse o primeiro-ministro. “É a nova ponte física que existe de ligação entre os dois continentes através dos nossos países.”

Relativamente à transição energética, “Portugal tem estado, desde há 15 anos, na vanguarda”, disse Costa. “58% da eletricidade que hoje consumimos tem origem nas energias renováveis e temos a meta que, daqui a quatro anos, 80% da eletricidade que consumimos tem origem nas energias renováveis.”

Costa não poupou nos argumentos e destacou mais quatro fatores potenciadores da relação:

  • o dinamismo bilateral ao nível do empreendedorismo, recordando que este ano, pela primeira vez, a Web Summit vai realizar-se também no Rio de Janeiro;
  • “um regime bom para acolher investimento e inovação”, nomeadamente a nível fiscal e de autorização de residência;
  • a qualificação dos recursos humanos portugueses, referindo que Portugal tem a terceira taxa de recém-graduados em engenharia da UE, atrás da Áustria e Alemanha.
  • o papel de Portugal como “verdadeiro ponta de lança”, disse Costa, na defesa da conclusão do acordo de comércio entre a União Europeia e o Mercosul, uma organização intergovernamental regional fundada em 1991 com cinco países membros (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela) e outros sete associados.

Após o apagão que significou a presidência de Jair Bolsonaro relativamente à relação entre Portugal e o Brasil, a estratégia de Lula da Silva de relançamento do diálogo passa pelo impulso da economia e do comércio.

“Sempre se tratou Portugal como um país pequeno”, admitiu Lula da Silva. “Portugal era a entrada do Brasil para a Europa, para a Alemanha ou França. Nada melhor do que estabelecer uma relação com Portugal e, a partir daqui, produzirmos juntos e expor os produtos para outros países europeus. É muito mais fácil.”

Relação é hoje como há 12 anos

A deslocação de Lula da Silva a Portugal, ao fim de três meses de governo, é a quarta ao estrangeiro após a reeleição — após Argentina, Estados Unidos e China — e a primeira à Europa. “Agora que o Brasil voltou, não vamos nunca mais deixar o Brasil sair”, afirmou António Costa.

Com raízes familiares na zona de Aveiro, como fez questão de partilhar, Jorge Viana, presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX), realçou que, hoje, “o fluxo comercial entre Portugal e Brasil é muito parecido com o que tínhamos há 12 anos”, à época da primeira vez de Lula no Palácio do Planalto. “Ou seja, deixamos de crescer, estagnamos”.

Para se perceber o quanto falta fazer entre os dois países, os números falam por si. Apesar do Brasil ser incomparavelmente maior e mais populoso do que Portugal, tem sido maior o investimento dos portugueses no Brasil do que de empresários brasileiros em Portugal. Jorge Viana afirmou que “em 2022, o fluxo comercial atingiu os 5300 milhões de dólares. Houve um crescimento, muito vinculado à exportação de petróleo, não de produtos manufaturados que geram emprego de parte a parte”.

O fluxo de investimentos de Portugal no Brasil é ainda maior: em 2021, “somaram 11.900 milhões de dólares acumulados, mas já alcançaram a marca de 13 mil milhões na época do Governo do Presidente Lula”, disse Jorge Viana. “Há a expectativa de que voltemos a ter um crescimento exponencial do fluxo de investimentos.”

Em Matosinhos, as partes deram um primeiro passo através da assinatura da renovação do protocolo de entendimento entre a APEX e a congénere portuguesa, Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP).

KC-390, uma face visível da cooperação

O Brasil é um dos 10 maiores investidores em Portugal, o segundo maior fora da União Europeia, “muito aquém do enorme potencial de investimento que tem”, registou Costa. Para Portugal, “o Brasil figura no terceiro lugar do investimento direto no exterior, mas somos somente o 18º investidor no Brasil. Ninguém tem dúvidas do potencial do Brasil e da dimensão de Portugal, mas, francamente, 18º não é a nossa posição. Temos de subir”, desafiou o governante português.

O regresso de Lula da Silva a Lisboa decorreu também sob o signo da cooperação Portugal-Brasil. O chefe de Estado brasileiro viajou a bordo de uma aeronave KC-390, o maior projeto de engenharia desenvolvido entre os dois países.

Esta aeronave resulta de 12 anos de trabalho conjunto entre o Ceiia – nasceu no período em que Lula era Presidente –, as OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, a Força Aérea Portuguesa e a Embraer. Produzido por esta empresa brasileira, o Ceiia contribuiu com o desenvolvimento de dois terços da estrutura da aeronave.

A despedida de Matosinhos não se fez sem que antes Lula da Silva aflorasse, ainda que indiretamente, o tema que o tem perseguido na sua visita a Portugal. “O Brasil está de volta, e está de volta para ser protagonista internacional. É por isso que eu me estou dedicando em tentar parar de falar em guerra e constituir a paz.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de abril de 2023. Pode ser consultado aqui

Entrevista a Manuel Valls: “No período que vivemos, nenhum ex-primeiro-ministro pode permanecer apenas espectador”

Ausente do primeiro plano da política francesa há mais de cinco anos, o ex-primeiro-ministro Manuel Valls vai a votos nas eleições legislativas de 12 e 19 de junho. Disputa um lugar de deputado, em representação dos franceses residentes em Espanha, Portugal, Andorra e Mónaco. A candidatura trouxe-o a Portugal, para desenvolver contactos e participar em ações de campanha em Lisboa, Cascais, Porto, Braga, Tavira, Portimão e Setúbal

O ex-primeiro-ministro Manuel Valls disputa um lugar no Parlamento francês, onde já serviu durante 16 anos, entre 2002 e 2018 RUI OLIVEIRA

A menos de três meses de completar 60 anos de vida, o ex-primeiro-ministro francês Manuel Valls tem a atitude de um jovem apaixonado pelo mundo da política. Após 16 anos como deputado na Assembleia Nacional (2002-2018), dois anos como ministro do Interior (2012-2014) e outros dois como chefe do Governo (2014-2016), volta a candidatar-se a um assento no Parlamento de França.

Se for eleito, cumpre o mandato de deputado? Ou será opção para o próximo Governo, como ministro ou mesmo primeiro-ministro?
 Não. Já fui ministro e primeiro-ministro e o compromisso que assumi é o de estar na Assembleia Nacional para ajudar a maioria e o Presidente, alem de estar presente com os franceses em Espanha e Portugal e nos principados de Andorra e do Mónaco. Tenho [quase] 60 anos e cinco pela frente para fazer bem este trabalho. É fascinante, através deste círculo também tocamos em questões económicas, do Mediterrâneo, da relação com a América Latina, que conheço bem, e de África, através do papel de Espanha e Portugal. Há muito que fazer.

Que motivação tem agora para se candidatar a deputado, depois de ter sido primeiro-ministro?
 No período que vivemos em França e na Europa, com desafios consideráveis ligados à guerra na Ucrânia, com consequências económicas, as alterações climáticas, a transformação ecológica, os riscos terroristas, a crise da democracia representativa, a necessidade de reconciliar os franceses consigo mesmos, nenhum ex-primeiro-ministro pode permanecer apenas espectador ou comentador. Tenho energia e vontade, caso contrário ficaria tranquilamente na minha ilha de Menorca. Mas quero agir. Concordei com o Presidente da República que poderia voltar a ser útil à maioria presidencial. Para mim, a ação deve ter a legitimidade do voto. Como vivo entre Espanha e França, não ia regressar ao círculo eleitoral onde fui eleito 16 anos [Essonne], a sul de Paris. O círculo dos franceses que vivem no Mónaco, Andorra, Espanha e Portugal, foi natural para mim, porque tenho dupla cultura e as nacionalidades espanhola e francesa. Nasci em Barcelona, falo catalão e espanhol. Havia uma lógica, uma consistência.

Filho de pai espanhol e mãe italo-suíça, Manuel Valls nasceu na Catalunha e cresceu em França RUI OLIVEIRA

Que tipo de relação espera desenvolver com Portugal e com a comunidade francesa que aqui vive, se for eleito deputado?
 Devemos estar atentos às expectativas dos franceses que vivem aqui, no que diz respeito ao acesso aos documentos administrativos, passaportes, bilhetes de identidade, carta de condução, certificados de residência… Depois há as questões de acesso às escolas, o custo da matrícula nos liceus [franceses] do Porto e Lisboa. Há todas as questões relacionadas com pensões, os problemas fiscais dos franceses mais velhos que escolheram Portugal para terem uma vida doce.

E depois, há todo o tecido económico, sobretudo em Lisboa e Porto. Um antigo primeiro-ministro pode ser útil às empresas francesas e portuguesas. Já existem muitas câmaras de comércio, a Alliance Française, clubes de empresários, empresas francesas muito grandes em Portugal e muitos franceses que abriram pequenos comércios, mercearias, padarias, talhos, restaurantes, outros que trabalham na publicidade. É uma força incrível.

Há dois milhões de portugueses ou de origem portuguesa em França, há 40 a 50 mil franceses em Portugal, há descendentes de portugueses que começam a tentar ganhar a vida em Portugal… tudo isso cria uma rede, uma cooperação que deve ser estimulada enquanto elemento importante de uma relação muito bonita, muito apoiada na cultura, entre a França e Portugal, mas que precisa de encontrar mais força no plano económico. Estamos no ano da Temporada Cruzada Portugal-França e Emmanuel Macron virá este ano a Portugal, logo há muitas coisas para acompanhar.

Disse que tem dupla cultura. E já exerceu cargos políticos em França e em Espanha. Que ligação tem com estes dois países a nível sentimental? Sente-se mais francês ou espanhol?
 Sou profundamente francês na minha maneira de pensar e de ser. E sinto-me francês. Escrevi um livro cujo título é uma citação de um intelectual francês, um grande lutador da resistência, um amigo do general de Gaulle que se chamava Romain Gary: “Não tenho uma gota de sangue francês”. Usei-a para título [“Pas une goutte de sang français, mais la France coule dans mes veines” (Não tenho uma gota de sangue francês, mas a França corre-me nas veias), editora Grasset, 2021].

O meu pai é espanhol e a minha mãe é italo-suíça, mas a França corre nas minhas veias e na minha mente. O facto de ter dupla cultura, de falar catalão com a minha mãe, a minha irmã e a minha esposa [a empresária catalã Susana Gallardo], de falar castelhano e catalão na rua, de sonhar em ambas as línguas dá-me grande abertura, que vou pôr ao serviço dos franceses que vivem em Espanha e em Portugal, mas não só. Também na relação entre Espanha e Portugal, por um lado, e a França, por outro.

Estou muito feliz por estar em Portugal estes dias. Voltarei regularmente se for eleito, e se não for deputado também. Mas claro que espero voltar como deputado, porque há uma ligação, antes de tudo, a nível da língua e da cultura. França deve recuperar mais influência a nível cultural, especialmente agora que há muitos franceses a viver cá.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de junho de 2022. Pode ser consultado aqui. Na segunda parte da entrevista, publicada na edição impressa, nas bancas esta sexta-feira, Manuel Valls identifica os principais problemas de França, justifica o seu divórcio do Partido Socialista e comenta a guerra na Ucrânia

Aceita um vinho do Porto? O brinde é pelo Douro, que é património da Humanidade há 20 anos

A mais antiga região vitivinícola demarcada do mundo é, simultaneamente, uma lição. É a prova viva e duradoura da capacidade e determinação do ser humano perante a necessidade de rentabilizar recursos em ecossistemas agrestes, como o são as escarpas do Alto Douro Vinhateiro. Há 20 anos, as Nações Unidas reconheceram o seu “valor universal excecional” e elevaram-no ao patamar dos lugares especiais em todo o mundo. 2:59 JORNALISMO DE DADOS PARA EXPLICAR O PAÍS

Vai um Porto?

Há 20 anos, este foi um gesto que marcou o dia em Portugal. A 14 de dezembro de 2001, a UNESCO reconhecia o “valor universal excecional” do Alto Douro Vinhateiro e atribuía-lhe o selo de Património da Humanidade.

Quatro argumentos foram cruciais para essa distinção:

A região produz vinho há quase dois mil anos.

O território, marcado por declives acentuados e escassez de água, é uma lição sobre a capacidade e determinação do ser humano na otimização dos recursos naturais.

As componentes da sua paisagem são representativas de todas as atividades associadas à produção de vinho.

E, por fim, é um exemplo notável de uma região vinícola tradicional europeia.

A região do Douro tornou-se, então, o 11º sítio em Portugal a merecer a distinção de Património da Humanidade, a par com o Centro Histórico de Guimarães.

Em anos seguintes, mais cinco bens patrimoniais obteriam esse galardão.

Hoje, são 17 as referências portuguesas na Lista da UNESCO, que conta com mais de 1100 inscrições. Este reconhecimento cria neste locais um sentimento de pertença a uma lista exclusiva e uma chancela de qualidade para atrair turismo.

Mas para os países que os promovem, além de prestígio, esta distinção traz obrigações. A UNESCO está atenta ao estado de preservação dos locais e, em caso de degradação, pode mesmo retirar-lhes o título.
No caso específico do Alto Douro, os alarmes soaram a propósito da construção da Barragem do Tua, o que motivou uma visita à região de uma missão da organização que atribui estes galardões para avaliar o impacto da estrutura e decidir se manteria a classificação de património mundial da humanidade. Felizmente foi o que veio a acontecer.

Por todo o mundo, as barragens estão identificadas como uma potencial ameaça ao património. Mas muitos outros perigos já foram inventariados pela UNESCO.

Neste momento, esta organização cultural das Nações Unidas tem 52 exemplos identificados de “património em perigo”. São disso exemplo sítios tão distintos quanto os Budas de Bamyan, no Afeganistão, o Parque Nacional Virunga, na República Democrática do Congo, ou o Centro Histórico de Viena, a capital da Áustria. Portugal está ausente deste rol de preocupações.

Mas voltemos ao Douro.

A área distinguida pela UNESCO é uma estreita franja integrada numa área mais vasta que é a Região Demarcada do Douro.

Esta é uma das 14 regiões vitivinícolas existentes em Portugal e a mais antiga região demarcada do mundo.

Foi em meados do século XVIII que a primeira delimitação territorial das ‘Vinhas do Alto Douro’ definiu o primeiro modelo institucional de organização de uma região vinícola em todo o mundo. Um passo crucial para a projeção internacional do néctar a que também chamam… “vinho fino”.

Winston Churchill, o mais famoso primeiro-ministro britânico e um grande apreciador de vinhos e charutos, costumava terminar as suas jornadas diárias com um cálice de vinho do Porto.

Episódio gravado por Pedro Cordeiro.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui

Estas ilustradoras abraçaram muitas causas, agora precisam que abracemos o seu projeto

A ideia nasceu no ano passado, durante os piores dias da pandemia em Portugal: desenhar ilustrações, vendê-las e entregar o dinheiro a associações necessitadas. Assim nasceu “Uma Causa Por Dia”, um projeto que se repete este ano e com o qual duas ilustradoras pretendem também alertar para causas

Um dia que a pandemia de covid-19 seja passado e alguém se aventure a descrever o seu impacto no mundo, paralelamente ao seu efeito devastador e a todos os relatos de sofrimento e morte, haverá também histórias felizes de gente que não se deu por vencida.

Então ganharão importância, momentos como aquele, em pleno período de confinamento total em Portugal, em que Diana telefonou à amiga Maria para desafiá-la para um projeto a quatro mãos.

O objetivo era simples: angariar fundos para associações”, recorda Maria Reis Rocha. “Somos ambas ilustradoras, sempre fizemos voluntariado, conhecíamos associações e sabíamos das dificuldades pelas quais passavam.” E foi desta forma simples que se lançaram a desenhar ilustrações que contribuíssem para criar consciencialização por causas.

Paralelamente, havia uma motivação que brotara de um incómodo… “Com as pessoas fechadas em casa, e muito tempo passado nas redes sociais, começou a haver muita desinformação e ódio”, acrescenta Diana Reis. “Quisemos combater isso com o pouco que tínhamos ao nosso dispor — o desenho.”

Fazer tudo da noite para o dia

Da ideia à concretização foram umas semanas de dedicação a tempo inteiro. “Durante 30 dias, lançamos uma ilustração por dia: 15 minhas e 15 da Maria, referentes a 15 causas. E ligamos cada causa a uma associação”, explica Diana. “Daí o projeto chamar-se ‘Uma Causa Por Dia’. Íamos desenhando à medida que íamos publicando. Foi uma loucura de um mês.”

Tínhamos de fazer tudo da noite para o dia. Estávamos a montar o projeto enquanto ele se montava a si próprio”, acrescenta Maria. E tudo em contexto de pandemia. “Diziam-nos: ‘Sabem que vão ter de abrir uma associação? Se querem receber esses montantes, o dinheiro não pode entrar nas vossas contas’. Então, no dia seguinte, fomos criar uma associação sem fins lucrativos… com tudo confinado…”

Ao todo, no ano passado, as amigas angariaram 20 mil euros. Um ano volvido, deixaram que o coração falasse mais alto e continuaram com o projeto. “Como tivemos de criar uma associação, para que tudo fosse legal, este ano decidimos voltar a fazer o projeto”, diz Diana. “Já conseguimos fazer tudo com muito mais tempo.”

Fazer de tudo, até de correio

Comparativamente a 2020, “Uma Causa Por Dia” desenvolve-se, este ano, com ligeiras diferenças. “No ano passado, escolhemos 15 associações. Foi demasiado, o nosso foco perdeu-se muito. Éramos só duas a fazer tudo”, diz Diana.

Para além das ilustrações, construíram o site do projeto, recebiam as encomendas, contactavam com a gráfica, emitiam faturas, iam aos correios despachar as compras. Na zona de Lisboa, onde vivem, chegavam mesmo a fazer entregas em mãos próprias…

“Fazer tudo isto para 15 associações foi muito, então este ano decidimos reduzir para metade e escolhemos as sete causas que nos tocam mais.”

  1. Associação Atlas: Apoio aos idosos
  2. Amorempatia: Direitos dos animais
  3. Associação Quinta Essência: Integração da pessoa com deficiência intelectual
  4. Fumaça: Jornalismo independente
  5. Associação Corações com Coroa: Igualdade de género
  6. Plataforma Makobo: Dignidade humana
  7. Cruz Vermelha Portuguesa: Educação para a saúde

A verba apurada reverterá a 100% para as sete, repartida em partes iguais. E resultará da venda de tudo o que Diana e Maria criaram: um livro, dois conjuntos de postais e duas coleções de prints em formato A3, numeradas, assinadas à mão e vendidas com um certificado de autenticidade. Quer o livro, quer os postais são impressos em papel reciclado.

Em comparação com 2020, as artistas repetiram duas causas por serem aquelas que mais lhes tocam: a saúde mental para a Maria e a dos animais para a Diana. Quanto às associações a apoiar, apenas mantiveram uma: o Fumaça. “Para nós, a base de qualquer ação está na informação e na educação. Quisemos manter também a informação como uma das nossas causas prioritárias”, explica Diana.

Um contacto especial

Uma das preocupações das ilustradoras foi associar, no projeto, associações maiores e outras menos conhecidas. O bom trabalho realizado no ano passado, e a credibilidade que conquistaram, levou algumas associações a manifestarem vontade de se associar ao projeto. Uma delas foi a Cruz Vermelha.

“Ficamos completamente incrédulas quando nos ligaram”, admite Diana. “É ótimo por tudo, para darem credibilidade ao projeto, para aprendermos com eles e também para chamarem gente para conhecerem outras associações. Foi espetacular!”

Para além de um livro, Diana e Maria ilustraram postais e ‘prints’ A3 com mensagens alusivas a diversas causas TIAGO MIRANDA

A amizade entre Diana e Maria, de 33 anos, remonta aos tempos passados na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, onde estudaram Design e Comunicação. Ambas já saíram do país, para trilharem caminhos distintos, mas nunca perderam o contacto. De regresso a Portugal, trabalham agora como freelancers.

“Nós sempre estivemos ligadas a causas sociais. Sempre fomos ativistas e mexemo-nos muito”, diz Diana. “Mas constituirmos uma associação para angariar fundos e que contribua para criar consciencialização, provavelmente nunca teria acontecido se não fosse a pandemia.”

As causas são nobres e as duas amigas muito esforçadas. Para chegarem ao grande público, têm contado com o apoio de personalidades do mundo da cultura, a que chegaram com relativa facilidade dado Maria ser sobrinha Zé Pedro, o carismático guitarrista dos Xutos e Pontapés, que foi padrinho do Movimento UPA (Unidos Para Ajudar), de sensibilização para a saúde mental.

Era essencial juntarmos celebridades. Não íamos a lado nenhum só a informar os nossos seguidores. Não ia sair daquela bolha”, diz Maria. “Fomos muito chatas!”

Começaram pelos Xutos e, a partir daí, a palavra foi passando de amigo para amigo, ao estilo de uma verdadeira comunidade. “As celebridades podem ajudar de forma gigante: dando a cara para credibilizar o projeto, porque ninguém nos conhece, e ajudando-nos a espalhar a mensagem, porque têm muito alcance.”

No ano passado, o lançamento da campanha contou com um vídeo de apelo feito por caras conhecidas. “Artistas de todo o lado, músicos, bailarinos, a quererem fazer algo para ajudar. Pessoas que também estavam numa situação difícil, com falta de trabalho”, elogia Maria.

Para além de fazerem apelos e partilharem o link do projeto nas suas redes sociais, este ano, algumas celebridades apadrinham e amadrinham as associações escolhidas.

“Uma Causa Por Dia” condensa talento, generosidade, amizade e altruísmo, e também uma vontade férrea de continuar, apesar das dificuldades. Diz Maria: “Quando começámos, como não sabíamos no que nos estávamos a meter, pensámos que seria uma coisa para o momento da pandemia. Depois, percebemos que as associações precisam de ajuda constante. E fica o bichinho de querermos ajudar.

“Não queremos parar”, acrescenta Diana. “Estamos a ver de que forma podemos tornar a nossa associação sustentável. No ano passado, estivemos sete meses sem trabalhar, só a fazer isto. Gastámos as poupanças todas. Este ano, a ter de trabalhar, andamos a mil. Este é um projeto completamente voluntário.

A duas semanas do Natal, há ainda livros, postais e ilustrações disponíveis para venda. Se o leitor não conhece o trabalho das organizações a que se destina o dinheiro angariado, o Expresso sugere-lhe que adquira o livro e se deixe guiar pela pequena Leonor, que num assomo de curiosidade descobriu como cada uma das sete pode, no respetivo campo de intervenção, contribuir para mudar o mundo.

(FOTO PRINCIPAL As ilustradoras Diana Reis (à esquerda) e Maria Reis Rocha, fotografadas no Jardim do Campo Grande, em Lisboa TIAGO MIRANDA)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui