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Nova variante complica planos de viagem dos emigrantes na África do Sul. “Estão aí à minha espera para passarmos a consoada juntos”

A época do Natal é das mais procuradas pelos emigrantes portugueses na África do Sul para virem a Portugal. Com a perspetiva de as fronteiras se fecharem a voos desse país, os planos complicam-se. Ao Expresso, emigrantes no país, alguns com viagem marcada, contam o que pensam fazer

A presidente da Comissão Europeia defendeu esta sexta-feira, no Twitter, a suspensão de voos entre o espaço europeu e um conjunto de países da África Austral. Na origem da decisão está o surgimento de uma nova variante do vírus SARS-CoV-2, especialmente agressiva, designada por ómicron.

“A Comissão Europeia vai propor, em estreita coordenação com os Estados-membros, a ativação do travão de emergência para parar viagens aéreas provenientes da região da África Austral, devido à preocupante variante B.1.1.529”, explicou Ursula von der Leyen.

O Reino Unido adiantou-se à União Europeia (UE) e proibiu a entrada no país de voos provenientes de seis países africanos, entre os quais a África do Sul. Para cidadãos portugueses emigrados neste país africano — onde se estima que vivam 250 mil portugueses e lusodescendentes — há que aguardar para ver se os 27 vão atrás, e em que moldes. Entretanto, Alemanha e Itália, pelo menos, já anunciaram que vão proibir a entrada nos seus territórios de viajantes da África Austral.

“Se o Governo disser que deixa entrar quem tenha passaporte português, as vacinas e um teste de covid negativo, mesmo que obrigue a quarentena, muitas pessoas que têm casa em Portugal, ou mesmo família que os hospede, irão na mesma”, comenta ao Expresso Hélio Sá, de 33 anos, residente em Joanesburgo. “Mas quem for para hotéis vai pensar duas vezes.”

Turistas e emigrantes

Este português tem esperança que, a confirmar-se o encerramento das fronteiras aos passageiros vindos da África do Sul, haja uma distinção entre turistas (necessitados de visto) e emigrantes (detentores de passaporte português), e que as portas se abram a quem cumpra as normas de segurança exigidas.

A 8 de dezembro, o pai de Hélio tem viagem marcada para Portugal, através de Luanda, a bordo da TAAG (Linhas Aéreas de Angola). “Ainda estamos à espera de perceber o que a UE e Portugal vão fazer, se fecham só para turistas ou se fecham também para quem tem passaporte português. Não sabemos qual vai ser a lei.”

Este Natal, Hélio, que trabalha na área dos seguros financeiros, não tinha planos para visitar a família, que vive na zona de Santa Maria da Feira. A última vez que visitou o país foi em 2014, e desde então a vida mudou: casou-se, teve dois filhos e, além de as prioridades terem mudado, deixou de poder pagar os bilhetes de avião, que encareceram muito.

Não há voos diretos entre Portugal e África do Sul

“Os nossos voos para Portugal nunca são diretos. Fazem sempre escala em qualquer lado, Dubai, Paris, Frankfurt”, e também Londres para onde havia vários voos diários. “A TAP, infelizmente, não está a voar para aqui”, lamenta ao Expresso o fotógrafo Carlos Silva, de 66 anos, a trabalhar na África do Sul desde 1974. “Antes deste vírus, eu ía a Portugal no mínimo duas vezes por ano. Este Natal não tenho intenções de ir, tenho coisas a fazer por aqui.”

Nelson Reis, de 69 anos e emigrante na África do Sul há 50, já tem viagem marcada para Portugal. Ao Expresso, diz estar disposto a estudar alternativas para tentar passar o Natal com a família. “Estão aí à minha espera para passarmos a consoada juntos. Já marquei e já paguei o bilhete”, diz a partir de Joanesburgo. Tem as duas doses da vacina tomadas e, apesar de ter origens em Cantanhede, é para Cascais que quer viajar, onde vive a filha. Viajante experiente, costuma vir a Portugal três, quatro vezes por ano. Se as fronteiras europeias se fecharem a voos da África do Sul, “vou procurar alternativas”.

A viver na África do Sul desde 1985, Vasco de Abreu, de 66 anos, é conselheiro das Comunidades Portuguesas e uma das portas a quem muitos portugueses batem para tentar buscar orientação. “Ainda hoje, uma série de pessoas me telefonaram porque estão com receio”, diz ao Expresso. “Têm passagens marcadas para este mês e para o princípio de dezembro, para irem passar o Natal e Ano novo com as famílias, e estão todos um bocado em pânico, sem saber que fazer, se cancelar, se manter as reservas…”

Arejar a casa e ir à caixa

A época do Natal e Fim de Ano (onde na África do Sul é verão) é das favoritas dos emigrantes para regressarem a Portugal, juntamente com os meses do (nosso) verão. Hélio Sá prevê que os portugueses que mais insistirão em viajar sejam os mais velhos, “pessoas que têm casa em Portugal, e querem arejar o espaço, ou que têm de ir à Caixa tratar de burocracias.”

Para os mais jovens, é mais fácil aceitar as circunstâncias. É o caso de Fátima Piedade, de 33 anos, administrativa numa empresa em Joanesburgo. A última vez que veio a Portugal foi há seis anos e tem tudo marcado para vir este ano. “Muitas pessoas vão a Portugal no Natal. Em dezembro, a minha empresa fecha, temos férias, é boa época para irmos a Portugal”, diz ao Expresso. “Neste momento, a única coisa a fazer é aguardar, e esperar pelo reembolso da viagem se não der para ir. E depois ir noutra altura.”

Conhecedor da sensibilidade portuguesa na África do Sul, Vasco de Abreu considera que essa será a decisão a prevalecer, se a fronteira portuguesa se fechar. “A grande maioria prefere ir noutra altura, porque não está para se sujeitar a ter de ficar de quarentena em Portugal”, diz. “Não faz sentido gastar esse dinheiro todo [com a viagem] e não poder estar com a família e ter de ficar em quarentena.”

(IMAGEM Grafismo de um vírus sobre a bandeira da África do Sul DELOITTE.)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui

A “joia da coroa” das presidências portuguesas

A Índia é assunto querido à diplomacia portuguesa. Foi em 2000, durante uma presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, que se realizou a primeira cimeira UE-Índia, em Lisboa. Este sábado, no Porto, uma nova edição tenta reatar as negociações comerciais entre ambas, paralisadas há oito anos. Para a UE, este caminho para a Índia revela a procura de alternativas à dependência da China. Para Portugal, é o continuar de uma relação histórica com mais de 500 anos. “Portugal pode desempenhar o papel de um facilitador especial e fazer a ponte entre a Índia e a Europa”, diz ao Expresso uma investigadora indiana

A Índia é um país tão grande e diversificado que a dúvida se instala com legitimidade: é a Índia um país ou será mais um continente? Em superfície, o mapa indiano engole os 16 territórios menores da União Europeia (UE). Já em termos populacionais, estima-se que dentro de cinco anos ultrapasse a China e se torne o país mais populoso do mundo.

É este colosso geográfico e demográfico que este sábado se vai ‘sentar à mesa’, ainda que de forma virtual, com a União Europeia. A cimeira decorrerá no Palácio de Cristal do Porto e foi, desde a primeira hora, rotulada por António Costa de “joia da coroa” da presidência portuguesa do Conselho da UE, em matéria de política externa.

“Tanto Portugal como a UE reconhecem que é necessário aprofundar as relações com a Índia para depender menos da China. Mas o desafio é que, ao contrário da China, a Índia tem sido um ator económico menos relevante e também relutante em relação à liberalização do comércio e dos investimentos, com negociações que se arrastam desde 2007, e que foram interrompidas em 2013”, comenta ao Expresso Constantino Xavier, investigador no Centro do Progresso Económico e Social de Nova Deli. “A cimeira de sábado deverá indicar um novo compromisso político para aprofundar a dimensão económica, reatando negociações.”

A relação entre a UE e a Índia — duas das maiores economias do mundo — formalizou-se em 1994, através de um Acordo de Cooperação bilateral. O objetivo maior de um acordo de livre comércio nunca viu a luz do dia, inviabilizado por divergências, sobretudo a nível das tarifas alfandegárias a pagar pela indústria automóvel e da livre circulação de determinadas categorias profissionais. A cimeira do Porto ambiciona desbloquear o impasse e relançar o diálogo.

COMÉRCIO UE-ÍNDIA

10º

lugar é a posição da Índia no ranking dos parceiros comerciais da União Europeia

posição é a que a União Europeia ocupa na lista de destinos das exportações indianas

“A Índia tem procurado aprofundar o seu relacionamento com a Europa desde meados dos anos 2000, como parte de um impulso geral na política externa indiana para diversificar as suas parcerias em todo o mundo. A novidade é que a Índia começou a envolver-se, além de Berlim, Paris e Bruxelas, com outros estados europeus, incluindo Portugal, Espanha, países nórdicos, da Europa Central e Oriental também”, diz ao Expresso a indiana Garima Mohan, investigadora no German Marshall Fund. “Enquanto a Índia tenta recuperar das consequências da pandemia, precisará de trabalhar mais com a Europa, também na questão da distribuição equitativa de vacinas.”

Tanto para Bruxelas como para Nova Deli, a cimeira do Porto servirá para tomarem o pulso uma à outra. “Do lado europeu, vai permitir aferir quão tangível é o interesse da Índia em cooperar mais com a UE, e em que setores a cooperação pode ser acelerada”, comenta ao Expresso Tiago André Lopes, professor de Relações Internacionais na Universidade Portucalense.

“Para a Índia, permite a Modi aferir das intenções da UE no que toca a objetivos geopolíticos e geoeconómicos. Nova Deli tem a grande expectativa de a cimeira resultar num empurrão ao Acordo de Cooperação de 1994 e procura alavancar a iniciativa ‘Make In India’ (que tem por mote ‘Zero Defeitos e Zero Efeitos’), através da qual se posiciona como alternativa viável à ideia da China como fábrica do mundo. A Índia procura parceiros que a confirmem como uma potência regional emergente, alicerçada na ideia de tailored-by-size diplomacy [diplomacia à medida].”

2000, 2007 e 2021

A confirmar-se o relançamento das negociações entre europeus e indianos, será mais um marco na afirmação de Portugal como ponte entre a Índia e a Europa, alicerçada numa relação histórica bilateral com mais de 500 anos.

“O facto de este histórico encontro de líderes decorrer sob a presidência portuguesa tem sido amplamente notado na Índia”, diz Mohan. “Portugal pode desempenhar o papel de um facilitador especial e fazer a ponte entre a Índia e a Europa.”

Foi durante uma presidência portuguesa do Conselho da UE, a 28 de junho de 2000, que se realizou a primeira cimeira UE-Índia, em Lisboa. Foi ainda na presidência portuguesa do segundo semestre de 2007 que foram lançadas as negociações com vista a um acordo de comércio livre, que agora se tenta retomar.

“A Índia é a maior democracia à escala global e nós temos de valorizar, tendo um relacionamento cada vez mais estreito, designadamente pelo contributo que poderemos dar em conjunto para componentes fundamentais dos processos de transição climática e digital. Falo do desenvolvimento da inteligência artificial ou da ciência de dados. Europa e Índia podem desenvolver uma aliança estreita para o futuro.”

António Costa primeiro-ministro português

“Portugal tem desempenhado um papel importante na aproximação entre Nova Deli e Bruxelas, agindo essencialmente como facilitador de diálogo”, acrescenta Tiago André Lopes. “O facto de ser, uma vez mais, em Portugal que se discutem as relações entre o bloco europeu e o gigante asiático permite-nos, como anfitriões, gozar de um canal de influência não apenas como moderadores da discussão, mas como parte ativa na fixação da agenda. O sucesso desta cimeira irá firmar o crédito de Portugal no seio da UE como ponte e porta-voz dos 27 na relação com a Ásia e com África.”

A cimeira deste sábado não pode deixar de ser enquadrada na Nova Estratégia de Cooperação no Indo-Pacífico, que a UE lançou a 19 de abril e que tentará injetar “estabilidade”, “segurança”, “prosperidade” e “desenvolvimento sustentável” numa região que é palco de grande concorrência geopolítica e revela muitas tensões. “Durante a sua presidência, Portugal tem tido um papel pioneiro na revisão da política europeia para a Ásia, que nos últimos anos tem pendido para a China, culminando no polémico acordo de investimentos de 2020”, diz Constantino Xavier.

“Portugal cedo reconheceu que é necessária uma política para a Ásia mais equilibrada, não só com a Índia, mas também com o Japão, e que essa diversificação europeia contribui para uma Ásia mais multipolar e estável. É nesse sentido que a UE está a assumir um perfil mais estratégico na Ásia, além de uma mera abordagem mercantilista, focada sobretudo nos grandes negócios da China. Seja na Índia ou no resto da Ásia, esse papel de peso da UE é recebido de braços abertos, como mais uma alternativa para preservar uma Ásia multipolar, menos exposta ao crescente poderio e centralidade da China.”

A ÍNDIA E PORTUGAL

0,2%

das exportações portuguesas tiveram como destino a Índia, em 2020. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), a Índia é o 46º cliente das exportações portuguesas de bens

0,9%

do total de importações portuguesas vêm da Índia. É o 15ª mercado onde mais Portugal compra

17.619

cidadãos estrangeiros de origem indiana vivem em Portugal, segundo o Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) referente a 2019. São, na esmagadora maioria (13.235), homens

“O fator China é uma explicação importante para a aproximação entre UE e Índia. As perceções europeias sobre a Índia têm mudado à medida que aumentam as tensões com a China”, diz Garima Mohan. “Revigorar a parceria com a Índia é também um pilar fundamental da estratégia Indo-Pacífico da UE.”

“Da mesma forma, a resposta da Índia ao desafio da China concentrou-se no fortalecimento de parcerias, dissociação económica e diversificação. Isso inclui não só o fortalecimento dos laços com os seus parceiros do grupo Quad (Austrália, Japão e Estados Unidos) e com o Sueste Asiático, mas também com a Europa. Não é por acaso que assuntos da agenda UE-Índia — como a segurança marítima no Oceano Índico, alternativas à Belt and Road Initiative (Nova Rota da Seda), tecnologias emergentes, 5G e Inteligência Artificial —, todos têm elementos de competição com a China.”

A relação entre europeus e indianos tem potencial para exercer um impacto geopolítico maior. “UE e Índia também procuram liderar esforços para proteger a ordem internacional da crescente rivalidade sino-americana”, alerta Constantino Xavier.

“Seja na luta contra as alterações climáticas, na regulação das novas tecnologias ou no desenvolvimento sustentável, Bruxelas e Nova Deli estão a coordenar posições comuns para oferecer soluções globais, especialmente pela via do multilateralismo. Ambas reconhecem que para depender menos dos Estados Unidos ou da China, têm de aprofundar as suas relações e coordenar as suas políticas com outras potências e blocos regionais.”

É todo este longo caminho que a presidência portuguesa do Conselho da UE tem promovido e que a cimeira do Porto quer ajudar a trilhar.

(FOTOS A 24 de junho de 2017, António Costa recebeu Narendra Modi, no Palácio das Necessidades, em Lisboa GABINETE DO PRIMEIRO-MINISTRO DA ÍNDIA)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de maio de 2021. Pode ser consultado aqui

Médicos lusodescendentes formados na Venezuela: Portugal não os quer, Itália e Espanha aproveitam

Impedidos de exercer medicina em Portugal, alguns lusovenezuelanos agarram as oportunidades que lhe oferecem outros países da União Europeia. Laura, que trabalhava num lar, foi para Itália tratar de doentes de covid-19 e acabou por exercer a sua especialidade. “Causa uma certa dor que no nosso país, para onde viemos a pensar em maiores oportunidades, o processo de reconhecimento dos nossos diplomas seja tão lento, demorado e até difícil”, lamenta. Christian, que em Portugal trabalha na construção civil, está a tratar da papelada para começar a trabalhar em Espanha

A pandemia abriu a janela da esperança a dezenas de profissionais de saúde formados na Venezuela que desesperam por ver reconhecidas as suas valências académicas em Portugal. Mas essa expectativa não tem passado de ilusão. Alguns médicos — que ganham a vida a trabalhar na construção, em fábricas ou a fazer limpezas — têm-se virado para outros países europeus para exercerem a profissão que os apaixona e para a qual se sentem competentes.

É o caso de Laura Domínguez, médica neonatologista nascida na Venezuela há 52 anos, filha de pai português e a viver em Oiã, no distrito de Aveiro, desde outubro de 2019. Sem hipótese de exercer medicina em Portugal, está desde há semanas a trabalhar em Itália. “Cheguei a Itália para ajudar a lidar com a covid-19, mas quando viram que sou pediatra colocaram-me num serviço de neonatologia”, diz ao Expresso. “Estou muito grata porque, neste momento, estou a exercer a minha especialidade. Deram-me a oportunidade que Portugal não me deu.”

Laura faz parte de um grupo de 18 profissionais de saúde formados na Venezuela que correspondeu a um apelo da associação “Venezuela: A pequena Veneza”, criada em 2017 e sedeada em Roma, cujo nome alude à origem etimológica do nome do país sul-americano. Reforçou o dispositivo médico nos hospitais italianos. De Portugal foram quatro, de Espanha outros quatro, os restantes já viviam em Itália.

Foram contratados pela administração regional de Molise, região que tem muitos habitantes emigrados na Venezuela e que também acolhe uma expressiva comunidade venezuelana. Sem homologação académica reconhecida, ficaram aptos a exercer graças a uma derrogação temporária da obrigação do reconhecimento do título académico obtido no estrangeiro a profissionais de saúde (Artigo 13 do decreto “Cura Itália”, de 17 de março de 2020), no quadro do estado de emergência. “Não é uma homologação direta per se, é uma situação excecional”, esclarece Laura. “Mas pode abrir portas, face às necessidades.”

À espera das provas

Esta lusovenezuelana trabalha num hospital público em Campobasso, no sul de Itália. Tem contrato inicial de um mês, renovável em função da evolução da pandemia e dos recursos disponíveis para contratar pessoal. Laura está disposta a continuar o tempo que for preciso. “Em Portugal, só vou começar a fazer as provas em novembro, tenho muito tempo de espera. Há uma prova em novembro, outra em janeiro, depois outra em março… Quando me der conta, estamos em 2023 e o processo ainda não terminou.”

Para trabalhar em Itália, só teve de enviar documentação comprovativa da sua formação. “No trabalho não estou sozinha, estou com uma equipa médica que observa os meus procedimentos e avalia o meu trabalho. Em Portugal, podia também estar a ser acompanhada por outros médicos.”

“A tristeza que sinto é que muitos países abriram as portas a pessoas na minha situação. Sou portuguesa, quero regressar a Portugal e ficar no país.”

Laura Domínguez
médica lusovenezuelana a trabalhar em Itália

Os 16 anos de experiência acumulados a trabalhar no público e no privado, em Caracas, levam-na a responder ao desafio em Itália com confiança. O principal obstáculo é a língua. “Mas muitas pessoas com quem trabalho aqui falam espanhol e inglês, e eu defendo-me nessas línguas. Mas estou a estudar italiano. Muitos médicos que estão aqui são ítalo-venezuelanos. Apoiamo-nos todos. A medicina é um trabalho em equipa. Estou feliz, é uma experiência boa e bonita.”

A dificuldade das provas

Laura Domínguez saiu da Venezuela com a filha adolescente, uma irmã e duas sobrinhas. Chegada a Portugal, começou a trabalhar em lares, onde fez de tudo um pouco e aproveitou para desenferrujar o português. A meio do ano passado, iniciou o processo de homologação do seu diploma na Universidade de Coimbra. “Pensava que tinha de apresentar-me a provas em novembro de 2020, mas disseram-me que era só em novembro de 2021.”

Com tanto tempo de espera, decidiu ir à luta. “Queria saber como era trabalhar num sistema de saúde da Europa. Aqui estou, fui muito bem recebida e sinto-me segura. Tem sido uma experiência excelente. Gostava que tivesse acontecido em Portugal…”, lamenta.

“Compreendo e concordo que os nossos documentos tenham de ser analisados, há que verificar que a pessoa é efetivamente médica. Mas com uma pandemia tão difícil em Portugal, as portas fecharam-se-nos. Acho que não confiam em nós, pensam que não somos médicos… os meus colegas que fizeram as provas dizem que são muito difíceis, e estão convencidos de que a ideia é não reconhecer o título…”

É o caso de Christian de Abreu, médico lusodescendente de 37 anos que vive em Esposende, no distrito de Braga, e que o Expresso entrevistou há sensivelmente um ano, quando ainda aguardava pelas provas. Já as fez: foi aprovado na de português e reprovou na prova escrita de conhecimentos de medicina. “A prova é feita não para médicos de clínica geral, mas para especialistas. Existe não para avaliar os médicos, mas para chumbá-los.”

Christian poderá repetir a prova em janeiro de 2022, mas não ficou à espera dessa oportunidade para organizar a vida. Presentemente, está a tratar da papelada em Vigo (Galiza) para exercer medicina em Espanha, o que espera que aconteça em breve.

Ir quatro vezes a Vigo numa semana

O processo junto do Ministério da Educação e Formação Profissional já foi concluído. Agora, Christian está a tratar dos requisitos exigidos pelo Colégio Médico de Pontevedra. “Em Espanha, a burocracia reside no processo para arranjar trabalho, não no reconhecimento no grau”, diz. “Para os venezuelanos que vivem em Espanha o processo é muito mais rápido, os portugueses são estrangeiros.”

Christian realizou a primeira viagem a Espanha a 30 de outubro de 2020. Desde então, chegou a ir quatro vezes a Vigo na mesma semana. Quando começar a trabalhar em Espanha, continuará a viver em Portugal e a percorrer diariamente mais de 100 quilómetros para os dois lados. Nada que o preocupe, habituado que estava a distâncias muito maiores na Venezuela.

Por acordo entre os membros da União Europeia, um médico reconhecido por um Estado-membro pode exercer noutro país da UE se tiver exercido a profissão nesse país durante três anos. Mesmo perante essa possibilidade, o regresso de Christian a Portugal não é uma garantia, já que em Espanha os ordenados são mais altos.

Neste vaivém através da fronteira ibérica, o lusovenezuelano não esquece reações à sua situação. Numa das viagens, a 5 de fevereiro passado, deu boleia a quatro médicos na sua situação para irem tratar de burocracias numa agência tributária na Galiza. “Seguíamos cinco, no meu carro. Quando regressávamos, na fronteira, um agente do Serviço de Estrangeiros e Fronteira [SEF] interpelou-nos. Ficou muito surpreendido por haver médicos a atravessar a fronteira, com tanta necessidade deles em Portugal.”

Outra reação que o marcou aconteceu em Tui, onde fora abrir conta bancária, um requisito obrigatório para poder celebrar um contrato de trabalho. “A gestora do Caixa Bank não percebia por que razão um médico que podia exercer em Espanha trabalhava nas obras em Portugal. Tiveram de verificar que o meu nome era correto e que não estava a mentir.”

“É uma vergonha, mas esse é o meu trabalho em Portugal. Preciso de comer e os meus filhos também.”

Christian de Abreu
Médico lusovenezuelano, que em Portugal trabalha na construção civil

Talvez por ainda não ter realizado provas, Laura Domínguez projeta um futuro como médica em Portugal. “Sou portuguesa. O meu pai ensinou-me a gostar de Portugal, a minha filha está em Portugal, quero voltar e exercer medicina em Portugal.”

Enquanto isso não é possível, aproveita ao máximo a experiência em Itália. “Queria que Portugal nos desse uma oportunidade destas, nem que fosse só para tratar de doentes de covid. Causa uma certa dor que no nosso país, para onde viemos a pensar em maiores oportunidades, o processo de reconhecimento dos nossos diplomas seja tão lento, demorado e até difícil. Vou fazer as provas, vou lutar por trabalhar em Portugal. Mas enquanto espero, para mim, é muito melhor trabalhar no que sei fazer.”

(IMAGEM PXHERE)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de abril de 2021. Pode ser consultado aqui

Já ouviu falar em cidades irmãs? Em Portugal há mais de 200 municípios com ‘família’ lá fora

Há centenas de localidades portuguesas que têm acordos de geminação com localidades estrangeiras. A relação assenta numa vontade mútua de se conhecerem, em características comuns, afinidades históricas e até na partilha do mesmo nome. Este 2:59 leva-nos num passeio por Portugal e pelo mundo. 2:59 JORNALISMO DE DADOS PARA EXPLICAR O PAÍS

A covid-19 levou muitos portugueses a optar por férias cá dentro. De norte a sul, no continente e ilhas, não faltam destinos ricos em património, gastronomia e também em curiosidades na forma como algumas terras se relacionam com o estrangeiro.

Vamos até ao Algarve…

Desde 2004 que Vila do Bispo tem um acordo de geminação com Cabo Canaveral, nos Estados Unidos. É ali que fica o Centro Espacial John F. Kennedy, de onde partiu a histórica Apollo 11 a caminho do primeiro passeio lunar. Na base desta relação está a vontade comum de homenagear a busca pelo desconhecido: os Descobrimentos Portugueses, simbolizados na mítica Escola de Sagres, e as Descobertas Espaciais.

Subamos no mapa…

Sintra e Honolulu, no Hawai, são municípios irmãos há mais de duas décadas. Une-os em especial a vontade de desenvolver relações desportivas, ou não estivessem ambas junto ao mar e com boas ondas para a prática do surf.

A vizinha Cascais tem acordos com 12 localidades estrangeiras. Entre elas Gaza, na Palestina. Cascais virada para o Atlântico, Gaza para o Mediterrâneo. Talvez as semelhanças fiquem por aqui…

Seguindo ainda mais para Norte…

Belmonte é dos principais testemunhos da presença judaica em Portugal. Não estranha por isso a geminação com Rosh Pina, em Israel.

Os acordos de geminação popularizaram-se após a II Guerra Mundial para promover a amizade e a paz. Mas o primeiro registo de emparelhamento entre cidades data do século IX.

Hoje há 125 redes de incentivo a este tipo de colaboração. Mas por vezes surgem tensões. Em maio passado, Castelo Branco foi pressionado a solidarizar-se com a comunidade LGBT da cidade irmã de Pulawi, na Polónia, que se tinha declarado “zona livre de pessoas LGBT”.

Estes casos são exceção, em relações que se espera que sejam pautadas por intercâmbios de experiências, conhecimento e aprofundamento de afinidades.

Entre o Funchal e Montreux, que têm um enorme potencial de cooperação nos festivais de jazz que organizam.

Entre o Porto e Bordéus, que partilham uma tradição vinícola há mais de 40 anos.

Entre Angra do Heroísmo e Cartagena das Índias, irmanadas pelo papel que tiveram na Rota das Índias.

Em Portugal, há pelo menos 22 freguesias e 239 municípios geminados com localidades estrangeiras de 62 países.

A campeã é Coimbra, com 23, nomeadamente três cidades que têm universidades das mais antigas do mundo: Fez, Salamanca e Pádua.

O país com mais acordos deste género é França. E o município estrangeiro com mais “irmãs” portuguesas é o Tarrafal, em Cabo Verde.

A busca de pontes é, por vezes, levada demasiado à letra.

Na região do Vale do Sousa, Penafiel tem um protocolo de geminação com… Peñafiel, em Espanha.

No distrito do Porto, Gondomar é geminada com o município galego de… Gondomar.

E no Algarve, a cidade de Lagos tem acordos de cooperação com
não um,
não dois,
não três,
mas quatro municípios estrangeiros chamados… Lagos.

Episódio gravado por Pedro Cordeiro.

(IMAGEM Início da lista de “Geminações de Cidades e Vilas”, da Associação Nacional de Municípios Portugueses ANMP)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

As fronteiras entre Portugal e Espanha reabrem esta quarta-feira com algumas regras novas

Três meses e meio depois de Portugal fechar as fronteiras terrestres com Espanha, por causa da pandemia, as portas voltam a abrir-se entre os dois vizinhos, numa cerimónia com honras de Estado. Por terra, não haverá, pelo menos para já, qualquer tipo de controlo sanitário a quem entre e saia de Portugal, mas por via aérea e marítima as regras são mais apertadas

Vai haver controlo sanitários aos turistas que entrarem por via terrestre?

Não, pelo menos para já. Portugal vai seguir as diretrizes da Comissão Europeia, que é contra a restrição discriminatória de viajantes que circulem no interior da União Europeia. Sobre os controlos sanitários a aplicar nas fronteiras terrestres, as autoridades de saúde pública explicara ao Expresso no sábado que “ainda” se encontravam “em preparação”. Em todo o caso, as autoridades espanholas já revelaram que a partir da abertura de fronteiras, esta quarta-feira, só haverá controlos nos aeroportos, não na fronteira terrestre. A reabertura entre Portugal e Espanha terá honras de Estado. Entre Elvas e Badajoz estarão o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o rei Felipe VI, de Espanha, mas também os dois chefes de Governo, António Costa e Pedro Sánchez.

Como será feito o controlo sanitário a quem entre por via aérea ou marítima?

A Direção-Geral da Saúde revelou que está a preparar um reforço das medidas para todos os portos, aeroportos e aeródromos nacionais, estando em curso uma atualização das orientações produzidas. “Para o efeito estão previstas três medidas essenciais que já estão implementadas: a medição da temperatura, o reforço da informação aos passageiros, nomeadamente através da distribuição de folhetos, e o preenchimento dos PLC – cartões de localização de passageiros.” A DGS ressalva que relativamente às medidas aplicadas por outros países, nomeadamente Espanha, “estas decisões ainda estão a ser articuladas no contexto da União Europeia”

O Reino Unido vai abrir o corredor de viagens a Portugal?

Ainda é uma incógnita. O Reino Unido adiou para o final desta semana o anúncio de países que a partir de 6 de julho terão um corredor de viagens, ou seja aqueles para onde os viajantes britânicos se desloquem e fiquem isentos de quarentena ao regressarem ao país após as férias. A medida é muito importante para Portugal, sobretudo para a região do Algarve, cujo turismo depende muito dos turistas britânicos. Só no ano passado, o Turismo de Portugal contabilizou quase 10 milhões de dormidas de britânicos, um número que deu ao nosso país mais de 3 mil milhões de euros de receitas. Portugal, ao contrário da Grécia ou Espanha, pode ficar fora desta lista, por causa do elevado número de casos de covid-19 das últimas semanas, o que causa apreensão entre as autoridades e empresários.

Quem são os países que impõem restrições à entrada de portugueses?

Bulgária. Fronteiras abertas desde 1 de junho a países da UE. Quem chega de Portugal, Bélgica, Suécia e Reino Unido cumpre quarentena de 14 dias.

Estónia. Desde 1 de junho tem fronteiras abertas à UE e Espaço Schengen. Quem chega de países com uma taxa de infeção superior a 15 casos por 100 mil habitantes fica de quarentena.

Finlândia. A 15 de junho, abriu a fronteira a Noruega, Dinamarca, Islândia, Estónia, Letónia e Lituânia. Os outros fazem quarentena.

Irlanda. As fronteiras nunca fecharam, mas a quarentena é obrigatória, exceto para cidadãos da Irlanda do Norte.

Islândia. A fronteira reabriu à UE a 15 de junho. Os visitantes são testados gratuitamente (pago após 1 de julho). Quem não faz o teste fica de quarentena.

Reino Unido. A fronteira nunca fechou, mas uma quarentena de 14 dias é obrigatória desde 8 de junho.

Roménia. A fronteira está aberta para 17 países da UE e Espaço Schengen. Para outros, como Portugal, há quarentena.

E quais são os países que abrem portas a portugueses?

Alemanha. Fronteiras abertas desde 15 de junho. As restrições de viagem para 31 países europeus, incluindo os Estados-membros da UE, foram levantadas e substituídas por recomendações individuais de viagem.

Bélgica. Fronteiras abertas desde 15 de junho com UE e Espaço Schengen, sem restrições.

Croácia. Fronteiras abertas a todos os países da UE (Reino Unido incluído) desde 15 de junho.

França. Fronteiras abertas e sem restrições desde 15 de junho para os países da UE e do Espaço Schengen. Quem chega do Reino Unido tem de ficar 14 dias em quarentena, uma medida recíproca ao que acontece em solo britânico.

Holanda. Abriu as fronteiras a 15 de junho a cidadãos de 12 países europeus, entre os quais Portugal. Outros 16 deverão ser autorizados até 6 de julho. Dinamarca, Suécia e Reino Unido ficam para mais tarde. Desde 18 de junho que as fronteiras estão abertas a cidadãos da UE e também da Sérvia, Suíça, Liechtenstein, Noruega e Islândia.

Itália. As fronteiras abriram a 3 de junho para países da UE (incluindo Reino Unido) e Espaço Schengen.

Luxemburgo. As fronteiras nunca fecharam.

Polónia. A 13 de junho, as fronteiras reabriram para países da UE e outros europeus, sem restrições nem quarentena obrigatória.

Suécia. As fronteiras abertas foram um pilar da estratégia sueca de combate à pandemia. Não há restrições para visitantes da UE, apenas alertas de viagem. A 30 de junho, será levantado o alerta relativamente a vários países e Portugal é um deles.

Suíça. As fronteiras reabriram-se a 15 de junho aos países da UE e do Espaço Schengen, sem restrições.

Quais são os 15 países considerados seguros e cujos cidadãos podem entrar na UE a partir desta quarta-feira?

Argélia, Austrália, Geórgia, Canadá, Japão, Montenegro, Marrocos, Tunísia, Nova Zelândia, Ruanda, Tailândia, Coreia do Sul, Sérvia, Uruguai. São estes os 14 países aos quais a União Europeia deverá concordar em abrir portas a partir de 1 de julho. O décimo quinto da lista é a China, mas, ao contrário dos restantes, para beneficiar da abertura europeia terá de garantir reciprocidade. Ou seja, em troca Pequim terá de permitir a entrada de europeus em solo chinês. Portugal tentou incluir Angola na lista, mas o país africano acaba por ficar de fora. Em causa esteve o critério de escolha: uma média de infeções por cem mil habitantes (nos últimos 14 dias) igual ou inferior à europeia registada a 15 de junho. Assim, ficam também excluídos os Estados Unidos, o Brasil, a Rússia ou a Índia.

Texto escrito com Hugo Franco e Susana Frexes, correspondente em Bruxelas.

(IMAGEM PXHERE)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de junho de 2020. Pode ser consultado aqui