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Jornalistas encurralados no conflito

Três jornalistas ocidentais foram detidos pelas autoridades líbias. Outros quatro foram ontem libertados. Repórter do Expresso relata como os jornalistas se tornaram um alvo

Foram ontem libertados os quatro jornalistas do diário norte-americano “The New York Times”, detidos seis dias antes pelas autoridades líbias, enquanto cobriam o conflito na cidade de Ajdabiya, no leste do país.

Os repórteres foram entregues à custódia da embaixada da Turquia, que atuou como intermediário, e posteriormente conduzidos para a fronteira com a Tunísia. Os Estados Unidos encerraram a sua representação diplomática na Líbia no mês passado.

Paulo Nunes dos Santos, um dos repórteres na Líbia em serviço para o Expresso, relata, a partir de Bengasi, a situação em Ajdabiya. “Os rebeldes diziam ontem de manhã ter o controlo da cidade, mas quando la cheguei a história era bem diferente.”

Deitados no chão, com balas a centímetros

O fotojornalista português conta que Bengasi — o coração rebelda da insurreição contra Muammar Kadhafi — “está a tornar-se um palco de guerrilha urbana”. “Na segunda-feira à noite, quando me dirigia para o hotel, fui atacado por um sniper. Estava com mais quatro jornalistas. Deitámo-nos no chão, com as balas a passarem a centímetros de nós. Finalmente, chegaram os rebeldes para nos acudir. Ao fim de 15 minutos, conseguimos correr para uma casa ali ao lado.”

Segundo a agência noticiosa francesa AFP, três jornalistas ocidentais continuam em posse das forças leais ao Muammar Kadhafi. Foram detidos pelo exército no passado sábado, na região de Tobruk, igualmente no leste da Líbia. Dois são jornalistas da AFP e o terceiro é um fotógrafo da agência Getty Images.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de março de 2011. Pode ser consultado aqui

Relatos contraditórios sobre aplicação do cessar-fogo

O governo da Líbia decretou o cessar-fogo, mas há relatos de confrontos em Ajdabiya e Misurata. Em Tripoli, há rumores de que um ataque internacional está iminente

Informações contraditórias chegam da Líbia sobre a aplicação, no terreno, do cessar-fogo anunciado, esta tarde, pelo ministro líbio dos Negócios Estrangeiros, Moussa Koussa.

David Sendra, o repórter que está em Tripoli a cobrir os acontecimentos para o Expresso, conta que há relatos contrários sobre a situação no leste do país. “Confirmaram-me que, pelo menos em Ajdabiya, os combates continuavam junto à entrada sul. Pouco depois, chegaram-me informações contrárias sobre a situação na mesma cidade. É impossível confirmar, a partir de Tripoli, se os ataques das forças de Kadhafi pararam.” 

Fogo dos arredores para o centro 

Segundo a estação árabe Al-Jazeera, as forças governamentais continuaram a bombardear a cidade de Misurata, a oriente, ainda nas mãos dos rebeldes.

“As forças de Kadhafi estão nos arredores, mas continuam a bombardear o centro da cidade”, testemunhou Abdulbasid Abu Muzairik, um morador em Misurata. “O cessar-fogo não está em vigor. Kadhafi ainda continua a alvejar e a matar o povo nesta cidade.”

Ataque este fim-de-semana? 

As autoridades líbias anunciaram um cessar-fogo imediato unilateral das operações de combate contra os rebeldes — sedeados em Bengasi (no leste) —, horas após o Conselho de Segurança das Nações Unidas ter aprovado uma zona de exclusão aérea sobre o país, isentando apenas os voos de caráter humanitário.

David Sendra reporta ainda que há notícias de que a oposição líbia está a coordenar-se com as forças internacionais para ver quais os objetivos que serão atacados. Há rumores em Tripoli que o ataque será este fim-de-semana.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de março de 2011. Pode ser consultado aqui

Obstáculos de uma solução à egípcia

Acossado pela contestação interna e internacional, Muammar Kadhafi diz-se firme no poder. A sua influência no exército e as sensibilidades tribais podem dificultar uma eventual entrega do poder aos militares

Ao fim de 41 anos no poder, Muammar Kadhafi é um homem cada vez mais só. Com os jornalistas estrangeiros impedidos de entrar no país, os relatos chegam a conta-gotas e dão conta do alastramento dos confrontos desde a região de Benghazi (no leste) até à capital, Tripoli. E nos corredores da diplomacia, vários embaixadores líbios, após demitirem-se das suas funções, estão a apelar a uma intervenção internacional.

Num discurso à nação, Muammar Kadhafi afirmou, hoje, a sua autoridade e determinação perante a contestação. Mas, na realidade, a sobrevivência do seu regime e a sua própria continuidade em terras líbias depende menos da sua vontade e mais da lealdade de duas instituições: o exército e as tribos.

Primeiro a tribo

Apesar do tribalismo continuar a ser visto como um obstáculo à mobilidade social, à igualdade de oportunidades e ao desenvolvimento da sociedade, muitos líbios continuam a identificar-se, prioritariamente, com uma tribo. Pertencer a uma tribo pode abrir portas nos serviços públicos, garantir um emprego ou resolver disputas familiares.

A rivalidade tribal é evidente, inclusivé, no coração do exército, onde os Qadhadfa — tribo à qual pertencem os Kadhafi — rivalizam com os Magariha. Há dias, Saif al-Islam, de 38 anos, apontado como o sucessor do coronel, alertou para a possibilidade de uma guerra civil no país, com membros de diferentes tribos a “matarem-se uns aos outros nas ruas”.

Solução à egípcia?

Mas não são apenas as sensibilidades tribais que podem condicionar o comportamento do exército durante a revolta popular. Ian Black, analista do diário britânico “The Guardian”, cita fontes não confirmadas para referir que a repressão em Benghazi está a ser dirigida por Jamis, um dos filhos de Muammar Kadhafi, que comanda uma unidade de forças de elite.

Na região, estará também Saadi, outro dos sete filhos do coronel, juntamente com o chefe da inteligência militar, Abdullah al-Senusi. A preponderância dos Kadhafi nas Forças Armadas pode dificultar um cenário “à egípcia” para a Líbia: a demarcação do exército em relação ao regime para assumir o controlo da situação.

(FOTO Manifestação em Bayda, no litoral nordeste da Líbia, a 22 de julho de 2011 WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui

Egípcios aproveitam a liberdade para… protestar

De volta ao trabalho, muitos egípcios aproveitaram o espírito da revolução para reivindicarem regalias. Na praça Tahrir, permanecem umas centenas de irredutíveis manifestantes. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão

Às primeiras horas de liberdade, os egípcios começaram a… reivindicar. Em várias zonas do Cairo, grupos de pessoas juntaram-se em frente a edifícios públicos para pedirem aumentos salariais e melhores condições de vida. Junto ao ministério da Habitação, pedia-se uma casa nova. Junto à Misr Insurance, dezenas de funcionários da seguradora exigiam a demissão do “manager”.

A manifestação mais aparatosa aconteceu em frente ao ministério do Interior com milhares de polícias a exigirem aumentos salariais. Algumas horas de protestos deram frutos, com os agentes a verem algumas das suas exigências atendidas.

O dia começou quente no Cairo. Às primeiras horas da manhã, centenas de soldados dirigiram-se à praça Tahrir com dois objetivos em mente: abrir a praça ao trânsito — domingo é o primeiro dia da semana de trabalho no Egito — e retirar as tendas montadas na rotunda durante as manifestações anti-regime.

À espera de um calendário

Algumas centenas de manifestantes pessoas permaneciam na praça. Entre elas estava Ragi, um médico de 23 anos acabado de formar. “Precisamos que o exército nos apresente um calendário. Queremos saber qual vai ser o próximo passo”, dizia. Ragi dizia que na praça havia muitas pessoas oriundas de fora do Cairo.

O trabalho do exército decorreu entre momentos de tensão. Mas ao final da manhã, a praça Tahrir estava irreconhecível. Aos poucos, havia também cada vez mais automóveis a circular sobre as mensagens de liberdade pintadas, na véspera, no chão da praça.

Era perceptível que os irredutíveis que ali permaneciam já não eram representativos dos milhões que passaram pela praça nos 18 dias que durou a contestação. Percebia-se também que o futuro da revolução já não se joga na praça Tahrir, mas nos palcos políticos.

As primeiras horas de liberdade no Egito foram marcadas por protestos JORGE SIMÃO

Vida a caminho da normalidade

A custo, o Cairo tenta recuperar a normalidade. Há cada vez mais negócios abertos, gente atarefada nas suas vidas e o trânsito é cada vez mais caótico. A estação de metro da praça Tahrir — chamada Sadate — recomeçou a funcionar e a polícia está de regresso às ruas. No Nilo, os barcos de recreio estão preparados para recomeçar a funcionar.

Com o cair da noite, os néons dos edifícios reacenderam-se. E, recuperando o hábito dos dias recentes, muita gente começou a afluir à praça Tahrir. Já não se gritavam slogans anti-Mubarak, nem havia discursos pela noite dentro. Mas milhares de pessoas circulavam a pé e havia um engarrafamento monumental em direção à praça. Muitos carros buzinavam — não de irritação mas ainda de celebração.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui

DOSSIÊ CRISE NO EGITO NO SITE DO “EXPRESSO”