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Objetivo: um milhão de pessoas na praça Tahrir

Manifestantes egípcios querem reunir hoje um milhão de pessoas na praça Tahrir. O desafio a Mubarak sobe a fasquia como nunca antes. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão

A noite vai ser longa na praça Tahrir. Ao escurecer, nos espaços verdes, foram montadas tendas de campismo, onde alguns milhares de pessoas se preparam para pernoitar. Terça-feira será um dia importante para o sucesso do movimento de contestação ao Presidente Hosni Mubarak: os manifestantes querem reunir na praça um milhão de pessoas.

Por indicação do Governo os comboios estão paralisados. A medida visa impedir que afluam à capital egípcia pessoas vindas de todo o país. “Estão enganados”, diz um manifestante. “Não só vamos conseguir juntar um milhão nesta praça, como um milhão em muitos outros sítios do Egito.”

Com as comunicações quase totalmente cortadas — a única operadora de Internet a funcionar foi silenciada esta noite e os sms não chegam ao seu destino —, os manifestantes empenham-se no passa a palavra para organizar as ações de protesto.

Uma jovem com a voz que mal se ouve, gasta pelas palavras de ordem, explica o que está combinado: “Amanhã, encontramo-nos aqui às 9h00. Às 11h00 partimos até ao edifício da televisão pública. E depois seguimos para a residência presidencial, em Habtin. Se o Exército não nos deixar passar é porque não quer a mudança”.

Viver na praça

Entre as tendas, um mar de pessoas conversa tranquilamente, lê o jornal ou simplesmente dormita. Convidam os jornalistas a juntarem-se aos piqueniques improvisados e desfiam sem se cansarem as suas razões de queixa em relação ao regime de Mubarak.

“Eu vivo aqui há três dias”, diz Mohamed, um médico de 40 anos. “O Governo tenta fazer truques, dizendo que há uma evolução, mas nós não acreditamos nisso.” As pessoas mostram-se indiferentes às alterações governativas promovidas por Mubarak. Dizem que só haverá verdadeira mudança quando ele cair.

Dir-se-ia que o “ensaio geral” para a megamanifestação de terça-feira correu bem. Os caças da Força Aérea que ontem voaram sobre a praça de forma ameaçadora não apareceram — apenas um helicóptero sobrevoou quase ininterruptamente o local. Tanques do Exército continuam estrategicamente estacionados nas ruas de acesso à praça.

A Polícia continua desaparecida e os populares dão mostras de estarem a lidar melhor com as ameaças de assalto às suas casas, que nasceram após a Polícia abandonar as esquadras e deixar à solta centenas de presos.

“Ontem tentaram atacar a minha casa”, conta Abrahman, funcionário do Banco Nacional do Egito. “A minha mulher estava sozinha em casa. Mas os meus irmãos e os meus vizinhos protegeram-na”. Abrahman vive na praça desde sexta-feira.

Um homem com uma fotografia de Mubarak, pintada com um pequeno bigode preto e com a legenda “o novo Hitler”, mostra-se confiante: “Isto é uma questão de tempo. Estamos muito seguros disso. Vai ser um dia importante.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui

DOSSIÊ CRISE NO EGITO NO SITE DO “EXPRESSO”

Mubarak não se recandidatará à presidência

Num discurso à nação o Presidente egípcio, Hosni Mubarak, anunciou que não será candidato nas eleições presidenciais previstas para setembro. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão

Num discurso transmitido pela televisão estatal cerca das 23 horas (21h em Lisboa), o Presidente do Egito anunciou: “Não tenho a intenção de me apresentar às próximas presidenciais.”

Hosni Mubarak reconheceu que o país está a viver “dias difíceis” e disse que “nunca quis poder ou prestígio”. “Passei muito tempo a servir o Egito”, disse.

Alguns milhares de pessoas assistiram ao discurso através de uma tela de pano instalada na praça Tahrir e ainda antes de Mubarak terminar de falar a multidão irrompeu num único grito: “Deixem-nos! Deixem-nos! Deixem-nos!” Querem que o Presidente abandone o poder e o país o mais rapidamente possível.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui

DOSSIÊ CRISE NO EGITO NO SITE DO “EXPRESSO”

“Isto não é uma manifestação. É uma revolução!”

A “marcha dos milhões” saiu à rua com sucesso. Entre os manifestantes, um nome ganha preponderância para suceder a Mubarak — Arm Mousa, Presidente da Liga Árabe. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão

A fasquia foi colocada alta — juntar um milhão de pessoas no centro do Cairo — e a prova foi largamente superada. As contas são difíceis de fazer, desde logo porque a praça Tahrir não comporta nem metade do número desejado. Mas com a praça e as ruas adjacentes cheias, com gente a perder de vista, a mensagem passou a plenos pulmões: “O povo quer o fim do regime” foi o grito que mais se ouviu.

Com os comboios paralisados em todo o país e as comunicações fortemente condicionadas — a Internet e os sms continuam sem funcionar —, os manifestantes começaram dirigir-se bem cedo para a praça, onde largas centenas de pessoas tinham passado a noite. A meio da manhã, o ambiente assemelhava-se àquele que antecede os grandes dérbis futebolísticos. Havia uma grande expectativa de que aquele iria ser um dia importante.

Ao início da tarde, pequenos grupos vindos de outros pontos da cidade começaram a entrar na praça, alimentando a massa humana que já enchia o local. “Isto não é uma manifestação, é uma revolução”, exultava Ashraf, um estudante de engenharia de 24 anos. “Da próxima vez, um grupo fica na praça e outro vai até ao palácio presidencial”, em Heliópolis.

Entra e sai permanente

As manifestações na praça Tahrir são volantes. Há pessoas a entrar e a sair constantemente do perímetro da praça — limitado pelos tanques do exército —, como que se entre momentos de protesto fossem a casa ou a outro sítio resolver alguma coisa. Com o dia útil no Cairo reduzido a sete horas — das 15 às 8 horas da manhã está decretado o recolher obrigatório —, as manifestações tornaram-se a única razão para os cairotas saírem de casa.

A partir da varanda do nono andar de um dos prédios circundantes à praça, com vista privilegiada sobre a manifestação, Ahmed, que ora tirava fotografias, ora espreitava a televisão, descaiu-se: “Gamal (filho de Mubarak, apontado como seu sucessor), querias receber o governo deste país como prenda de Natal. Já não a vais ter!”

“O povo quer o fim do regime”, foi o grito que mais se ouviu ANDRÉ LIOHN / EPA

Os manifestantes não se esquivaram a responder quando perguntamos quem queriam ver no lugar de Mubarak. Mas preferiram dizer que, de momento, a grande prioridade é expulsar “o rais” do poder. Depois, outra frase seguir-se-á.

“Um Presidente como nós”

Das dezenas de testemunhos recolhidos pelo Expresso, todos foram no sentido da opção por um Presidente civil. Várias personalidades egípcias têm perfil para assegurar uma situação transitória até que o país tenha condições para realizar eleições.  “Queremos um Presidente que seja um de nós”, ouve-se com frequência. “Um médico, um advogado, um engenheiro… Há muitos egípcios com valor”.

Entre os civis mais vezes referidos está Amr Mousa. Atual Presidente da Liga Árabe, Mousa termina o seu mandato em março e já anunciou que não voltará a candidatar-se ao cargo. “Cumprirei o meu dever em benefício do povo egípcio”, disse Mousa, questionado sobre se estaria disposto a candidatar-se à presidência do país.

À espera que Mubarak os ouça e abandone o cargo que ocupa há 30 anos, os egípcios não dão mostras de querer parar a luta. “Venho amanhã outra vez, depois de amanhã, na próxima semana, no próximo ano — até que Mubarak morra!”, diz Mahmud, de 22 anos, estudante de educação física. Fala devagar e tem um ar cansado. Quando percebe que o Expresso é um jornal português, arregala os olhos e ergue a voz de entusiasmo: “Manuel José (treinador do Al-Aly, clube do Cairo)! Ele está no meu coração!”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui

DOSSIÊ CRISE NO EGITO NO SITE DO “EXPRESSO”

“O que começámos não voltará atrás”

Um dos principais rostos da oposição a Hosni Mubarak foi, ontem, ao encontro dos manifestantes no centro do Cairo. E prometeu lutar pelo fim do regime. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão

Nem os voos ameaçadores de dois caças da Força Aérea fizeram os manifestantes dispersar JORGE SIMÃO

A multidão começava a desmobilizar após o sexto dia de manifestações na praça Tahrir (Liberdade), no centro do Cairo, quando, subitamente, as atenções viraram-se para um novo grupo que se dirigia à praça.

Rodeado por câmaras de televisão, jornalistas e manifestantes eufóricos, Mohammed ElBaradei, um dos principais rostos da oposição ao regime de Hosni Mubarak, rapidamente viu-se afogado numa multidão que não se continha nos gritos de ordem: “O povo quer que o regime venha abaixo!” “Deixa-nos!”, numa clara alusão ao Presidente Hosni Mubarak.

Enquanto esperava para ouvir o que ElBaradei ia dizer, o jovem Hesham explicava ao Expresso porque razão, sendo ele um apoiante da Irmandade Muçulmana, aplaudia o Prémio Nobel da Paz: “Ele é pela mudança! E o povo quer a mudança!” ElBaradei não desapontou Hesham: “Nós apenas temos uma exigência, o fim do regime”, afirmou. “O que começámos não voltará atrás.”

Caças mandam recolher 

O aparecimento de ElBaradei junto dos manifestantes foi um final inesperado para um dia de protestos que, apesar do recolher obrigatório marcado para as 16 horas, prolongou-se pela noite dentro. Nem os voos ameaçadores de dois caças da Força Aérea, que ocuparam os céus da praça mal soou as 16 horas fizeram os manifestantes dispersar.

Estes, ao longo da tarde, ora cantavam, ora gritavam slogans a plenos pulmões, ora paravam para rezar. Uns procuravam gravar tudo com o telemóvel, outros seguiam solitários empunhando folhas A4 com as suas palavras de ordem. Comum a todos, o mesmo sentimento: estão fartos de Mubarak.

O povo quer que o regime venha abaixo!, ouviu-se nos protestos de hoje JORGE SIMÃO

Vários tanques militares estavam dispersos pelo perímetro da praça. Muitos manifestantes subiam para cima dos blindados para se deixarem fotografar com os militares. Pelo menos numa ocasião, um militar deixou-se levar em ombros pelos manifestantes, ora fazendo o ‘v’ da vitória ora gritando ‘Alá é o maior’!

Os manifestantes elogiam os militares com a mesma convicção com que repudiam a polícia. Uma televisão egípcia noticiou hoje que esquadras de polícia tinham sido abandonadas bem como algumas prisões. Cerca de 1000 criminosos andariam à solta, pilhando e assaltando casas e negócios. Os habitantes do Cairo têm receio e responsabilizam o regime pela abertura das portas das prisões. Dizem que Mubarak quer lançar o caos nas ruas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de janeiro de 2011. Pode ser consultado aqui

DOSSIÊ CRISE NO EGITO NO SITE DO “EXPRESSO”