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Portland continua a ferro e fogo, 100 dias após o início dos protestos

Começaram após o assassínio de George Floyd, o negro asfixiado pelo joelho de um polícia branco, e foram sendo alimentados por outros casos de violência policial e as desigualdades raciais. Os protestos na cidade norte-americana de Portland, levam já 100 dias nas ruas. A efeméride foi assinalada no sábado à noite com uma nova jornada de contestação

Investida policial numa rua de Portland CARLOS BARRIA / REUTERS
Detenção de uma manifestante no exterior do edifício da polícia CARLOS BARRIA / REUTERS
Batalha campal entre polícias e manifestantes CARLOS BARRIA / REUTERS
Um frente a frente que dura há 100 dias CAITLIN OCHS / REUTERS
Um manifestante ferido é levado pela polícia CARLOS BARRIA / REUTERS
Apreensão dentro de uma casa em relação ao que se passa nas ruas CARLOS BARRIA / REUTERS
Os protestos intensificam-se durante a noite CARLOS BARRIA / REUTERS
Um manifestante com dificuldade em respirar, após inalar gás lacrimogéneo CAITLIN OCHS / REUTERS
Socorro a um manifestante atingido por um cocktail molotov CAITLIN OCHS / REUTERS
Desespero e impotência no rosto desta manifestante solitária CARLOS BARRIA / REUTERS
Manifestantes disparam artefactos pirotécnicos para assinalar o 100º dia de protestos CAITLIN OCHS / REUTERS
A aparente serenidade de quem acha que está do lado certo do problema CARLOS BARRIA / REUTERS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 6 de setembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Washington, Louisville, Portland, Rochester… Não se vê o fim dos protestos

Várias cidades norte-americanas continuam tomadas por protestos contra a violência policial que visa os negros de uma forma particular. Começaram com o caso de George Floyd e, pelo caminho, foram adicionando os nomes de outras vítimas

A menos de dois meses de umas eleições presidenciais que se adivinham polémicas e tensas, as ruas dos Estados Unidos não dão sinais de acalmia. Nos últimos dias, vários protestos dinamizados pelo movimento “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam) saíram às ruas de várias cidades norte-americanas para repetir até à exaustão slogans de protesto contra a violência policial que visa os negros de forma particular e os nomes de vítimas.

Na capital do país, Washington DC, realizaram-se no sábado marchas e vigílias para exigir justiça para Deon Kay, um afroamericano de 18 anos mortalmente baleado no peito, na quarta-feira, quando fugia da polícia armado. A polícia disse ter disparado antes de o jovem largar a arma, que seria encontrada a 30 metros do local onde Kay tombou.

Em Louisville, estado do Kentucky, o nome mais invocado pelos manifestantes foi o de Breonna Taylor, uma negra de 26 anos morta pela polícia no seu apartamento na própria cidade, em março. Centenas de pessoas tentaram chamar a atenção para o problema concentrando-se antes da realização do Kentucky Derby, uma tradicional competição hípica, vestidos com fardas e armados. A tensão subiu quando o grupo ficou frente a frente com uma milícia armada de direita.

A indignação está igualmente ao rubro em Rochester, no estado de Nova Iorque. Sete polícias foram suspensos na quinta-feira passada pela participação na detenção violenta do afroamericano Daniel Prude, que levaria à sua morte, dias depois.

O caso aconteceu em março, mas os agentes apenas foram detidos um dia após os advogados da família terem divulgado as imagens da detenção captadas pela própria polícia, onde se vê os agentes a taparem a cabeça do homem com um capuz quando já estava no chão.

Nem sempre os protestos são pacíficos, como muitas vezes anunciados. Em Portland, no estado do Oregon, a marcha prevista para este sábado transformou-se numa batalha campal. Manifestantes arremessaram coquetéis molotov contra a polícia. Esta considerou que a manifestação “não autorizada” transformou-se num “motim” e respondeu com gás lacrimogéneo e outras munições “não letais”.

Esta revolta generalizada leva já 100 dias nas ruas. Começou na sequência do assassínio de George Floyd, sufocado pelo joelho de um polícia, a 25 de maio, em Minneapolis, e vai sendo alimentada por outros casos tornados públicos.

O último destes casos aconteceu a 23 de agosto e envolveu o afroamericano Jacob Blake, baleado sete vezes nas costas, pela polícia, em Kenosha, estado do Wisconsin. Na terça-feira passada, o Presidente Donald Trump visitou a cidade e atribuiu os protestos à esquerda radical e ao “terrorismo doméstico”.

Na quinta-feira, um estudo elaborado pelo US Crisis Project revelou que 93% dos protestos realizados desde a morte de George Floyd foram pacíficos e não causaram destruição. Uma conclusão que contraria diretamente a visão dos acontecimentos expressa pelo Presidente do país.

(FOTO Detenção de uma manifestante no exterior do edifício da polícia CARLOS BARRIA / REUTERS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 6 de setembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Protestos em Hong Kong, em defesa da democracia

Milhões manifestam-se nas ruas desde há meses contra o Governo, visto como um fantoche da China

Podia até ser uma campanha de charme, mas no contexto sociopolítico que Hong Kong atravessa mais soa a desespero. Esta semana, jornais influentes de todo o mundo publicaram um anúncio de página inteira, pago pelo Governo desta Região Administrativa Especial chinesa, destinado a sossegar potenciais investidores e visitantes. “Tem sido difícil, mas vamos continuar. A economia caiu, mas vamos recuperar em força. Hong Kong continua a ser uma sociedade livre e acolhedora e os nossos fundamentos são fortes”, leu-se nos norte-americanos “The New York Times” e “The Wall Street Journal”, no inglês “Financial Times”, no alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung” e no francês “Le Monde”, entre outras publicações de referência.

A campanha — que custou 7,4 milhões de dólares de Hong Kong (€850 mil) — descreveu um centro financeiro “altamente internacionalizado” e “competitivo”. Em setembro, uma ação de relações públicas do género já tinha realçado “uma sociedade segura, aberta, acolhedora e cosmopolita” e “uma economia dinâmica, vibrante e ligada ao mundo”.

Em circunstâncias normais, este seria um retrato impossível de contrariar. Hong Kong surgiu, este ano, em quarto lugar no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, que compara riqueza, alfabetização, educação, expectativa de vida, natalidade, entre outros fatores. Mas os tempos são de grande agitação nesta antiga colónia britânica, mergulhada na sua pior crise política desde a transferência da soberania para a República Popular da China, em 1997.

Desde 9 de junho que o território está tomado por gigantescos protestos antigovernamentais. Na mobilização do dia 16 desse mês, estima-se que tenham desfilado dois milhões de pessoas — a população total ronda os 7,5 milhões.

Batalhas no metro e na universidade

Os protestos nasceram pacíficos, mas, face à inação do Governo em corresponder às reivindicações das ruas, evoluíram para jornadas de violência, que provocaram, até ao momento, dois mortos. Sem liderança visível e identificada, os manifestantes já irromperam pelo Conselho Legislativo (LegCo, o Parlamento local), usaram estações de metro para batalhas campais com a polícia, paralisaram o aeroporto internacional e levaram à suspensão das aulas no campus universitário.

Hong Kong quer mais democracia e refuta medidas que instalem no território as garras de Pequim

O rastilho da turbulência foi aceso vai para um ano. Em fevereiro, o Executivo liderado por Carrie Lam propôs uma nova lei da extradição, que semeou a revolta. Ao prever que cidadãos de Hong Kong fossem levados e julgados na China continental, permitia a interferência de Pequim no sistema judicial.

O primeiro grande protesto, a 9 de junho, teve como principal slogan “Não à extradição para a China”. Mas a “surdez” do Governo — o diploma só seria retirado do circuito legislativo a 23 de outubro — provocou os manifestantes, que aumentaram a lista de condições para abandonarem as ruas. Agora exigem também uma investigação independente à atuação da polícia, uma amnistia para os manifestantes presos, a reformulação do discurso das autoridades para quem os protestos são “motins” e a eleição do chefe de Governo por sufrágio direto e universal.

A última exigência, em particular, não é nova nas ruas de Hong Kong. Em 2014, o desejo de mais democracia fez sair à luz do dia o Movimento dos Guarda-Chuvas. Dinamizado, sobretudo, por estudantes, bloqueou o centro da cidade durante 77 dias. A presença de guarda-chuvas nos protestos de 2019 — que invocam a resistência possível aos gases tóxicos disparados pela polícia — recorda que essa reivindicação continua por cumprir.

Hong Kong tem Parlamento e Governo próprios, mas o povo só elege metade dos 70 deputados do LegCo e os conselheiros distritais. O chefe do Governo é escolhido por um colégio eleitoral.

A arma do voto

Enquanto o status quo se mantém, os cidadãos descontentes lutam com todas as armas possíveis, incluindo… o voto. Nas últimas eleições locais, a 24 de novembro, visando a escolha dos conselheiros distritais, os candidatos pró-democracia averbaram uma vitória arrasadora, conquistando 388 dos 452 lugares em disputa. Ainda que simbólica — dado que estes cargos são de mero aconselhamento —, esta foi uma vitória legitimada por uma taxa de afluência às urnas superior a 71%.

Hoje, como em 2014, há uma preocupação maior na mente de quem se manifesta. Hong Kong está em contagem decrescente rumo a um futuro desconhecido. Desde a entrega da soberania à China que o território beneficia de uma transição de 50 anos que garante aos seus 7,5 milhões de habitantes direitos e liberdades não extensíveis aos 1500 milhões da China continental — a fórmula “um país, dois sistemas”.

Em Hong Kong há liberdade de expressão e de imprensa, liberdade de religião e de manifestação, livre comércio e fluxo de capitais. Em contraste, na China vinga a doutrina do Partido Comunista e, desde o ano passado, o “Pensamento de Xi Jinping”, o chefe de Estado chinês, foi incluído na Constituição. Com 2047 no horizonte — e o receio de Pequim passar a pôr e dispor no território —, os cidadãos desta região administrativa pressionam por mais democracia e refutam medidas que transportem as garras de Pequim sobre o território e sobre as vidas de cada um.

“Imagine que Espanha decidia que há uma nação ibérica, reivindicava Portugal, impunha a língua espanhola ao povo português e dizia que para se ser ibérico você teria de adotar a identidade, cultura e tradições espanholas. E também que teria de esquecer a sua própria história e concentrar-se na história de Espanha.” Era nestes termos que, a dada altura, um cidadão de Hong Kong explicava ao Expresso o que estava em causa. A sua esperança é que, chegados a 2047, a dinâmica de Hong Kong tenha contagiado a restante China — ainda que esta pareça empenhada em provocar o movimento inverso.

(FOTO Protestos em Hong Kong, em meados de 2019 STUDIO INCENDO / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso”, a 21 de dezembro de 2019. Pode ser consultado aqui

Cerco na universidade. “Os mantimentos estão a acabar. E eles estão completamente cercados”

Os protestos em Hong Kong duram há quase meio ano. O mais recente palco de contestação é a Universidade Politécnica onde esta terça-feira continuavam barricados “cerca de 100 estudantes”, testemunhou ao Expresso o fotojornalista Eduardo Leal, que acredita que o desfecho está para breve

Numa estratégia de permanente desafio às autoridades de Hong Kong, a população desta região administrativa especial chinesa vai conquistando sucessivos palcos de confronto, que começou de forma pacífica — com um milhão de pessoas nas ruas a 9 de junho — e já ganhou contornos de verdadeira guerra.

Passada a fase inicial das mega manifestações de rua, catalisadas pela proposta de uma nova e polémica lei da extradição, os protestos irromperam de forma violenta pelo edifício do Conselho Legislativo (1 de julho), transformaram estações de metro em arenas de luta corpo a corpo entre revoltosos e agentes da polícia e obrigaram ao cancelamento de centenas de voos, após a ocupação do principal terminal do Aeroporto Internacional de Hong Kong.

Na semana passada, o motor da contestação transferiu-se para o campus universitário. Os mais ferozes e irredutíveis estão dentro do Politécnico, que está cercado pela polícia desde domingo. “Neste momento, estão uns 100 estudantes barricados no interior, talvez até menos”, disse ao Expresso esta terça-feira ao início da tarde o fotojornalista português Eduardo Leal, que esteve dentro do Politécnico. “Na sua maioria são estudantes, muitos deles menores. Mas há também ex-alunos e voluntários que ajudam na organização dos protestos, como enfermeiros.”

Na segunda-feira, a polícia efetuou cerca de 1100 detenções. Muitos manifestantes procuravam formas de fugir dali, uns cansados, outros amedrontados, todos tentando antecipar-se a um previsível banho de sangue. “Os menores de idade saíam com liberdade para irem para casa, mas podem ainda vir a ser acusados. Os maiores de 18 anos eram imediatamente detidos.”

O repórter refere que esta terça-feira havia negociações envolvendo pais, políticos e pastores, com o objetivo de retirar do local os últimos jovens entrincheirados. “Julgo que não haverá mais violência”, diz Eduardo Leal. “No interior, estão a acabar os mantimentos e eles estão completamente cercados, por isso estão a sair. Além disso, esta terça-feira tomou posse um novo Comissário da Polícia de Hong Kong. Imagino que queira iniciar funções com uma vitória que será resolver esta situação.”

Esta terça-feira, em entrevista à publicação “South China Morning Post”, Chris Tang Ping-keung defendeu que o corpo de 31 mil agentes não consegue, por si só, acabar com a agitação social inédita no território, e que necessita do apoio da população. “Já chega”, disse o novo comissário. “Quaisquer que sejam as vossas crenças, não glorifiquem nem tolerem a violência. Não deixem que a multidão se motive mais e se radicalize mais.”

Há muito que os protestos em Hong Kong perderam o seu cunho pacífico. No interior do Politécnico, havia cenas dignas de quem parece preparar-se para uma batalha apocalíptica. Vestidos de negro e com o rosto tapado por passa-montanhas, alguns manifestantes montavam vigia armados com arco e flecha, outros enchiam garrafas com misturas explosivas (que testavam arremessando algumas para a piscina vazia), outros ainda improvisavam catapultas ou erguiam muros de tijolo.

Esta terça-feira, a imprensa local noticiou a descoberta de 8000 “cocktails molotov” em várias universidades, destinados a serem usados nas ruas, nos próximos protestos. Três universidades denunciaram à polícia o roubo de químicos dos seus laboratórios durante a agitação. Carrie Lam, a contestada e odiada chefe do Governo de Hong Kong, referiu-se às universidade como “fábricas de armas”.

Ainda que o cerco ao Politécnico termine sem vítimas a lamentar, Eduardo Leal acredita que “os protestos não vão acabar”. Por um lado, “a China está a desautorizar o Supremo Tribunal de Hong Kong em relação à lei das máscaras” que esta terça-feira considerou anticonstitucional a proibição do uso de máscaras em protestos decretada pelo Governo de Carrie Lam a 5 de outubro. Por outro, acrescenta o repórter, Hong Kong tem eleições locais marcadas para domingo. “Já se fala que serão canceladas. Se isso acontecer deve haver mais contestação nas ruas.”

(FOTO Estrada de acesso ao Politécnico bloqueada pelos estudantes, a 17 de novembro de 2019 WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de novembro de 2019. Pode ser consultado aqui

Assalto ao aeroporto com uma preocupação em mente: o futuro do território após 2047

Os protestos em Hong Kong conquistaram, esta segunda-feira, um palco inédito com milhares de pessoas a bloquearem o aeroporto, um dos mais movimentados do mundo. Pequim afirmou que a escalada dos protestos revela “sinais de terrorismo”

Milhares de manifestantes subiram, esta segunda-feira, a fasquia dos protestos em Hong Kong e ocuparam o terminal do aeroporto da cidade — o oitavo mais movimentado do mundo. Vestidos de negro, rumaram ao aeroporto após o meio-dia e sentaram-se no chão do terminal, inviabilizando a circulação característica de passageiros e trolleys.

Há quatro dias que já havia manifestantes no aeroporto. Andavam por ali pacificamente, distribuindo panfletos aos turistas para os sensibilizar para a sua causa. Esta segunda-feira, o reforço de ativistas obrigou ao cancelamento de todas as partidas previstas, afetando cerca de 180 voos.

Em cartazes ou através de gritos de ordem, os manifestantes justificaram a ação com a revolta provocada pela brutalidade da polícia na véspera. Uma nova jornada de protestos redundou em violência inédita, com a polícia a lançar gás lacrimogéneo dentro de estações de metro. Há também notícias de que foram disparadas balas de pimenta a curta distância.

Entre os manifestantes feridos, está uma mulher “alegadamente atingida por um saco de feijão [uma arma supostamente não-letal usada pela polícia para neutralizar os manifestantes] na zona de Tsim Sha Tsui”, lê-se na publicação “South China Morning Post”. “Um médico conhecedor do caso disse que ela pode perder o olho direito.”

No aeroporto, muitos manifestantes solidários taparam um olho com gaze, outros mostravam cartazes com um olho desenhado e em algumas paredes havia grafitis onde podia ler-se “olho por olho”.

Com o cair da noite, o número de manifestantes não ia além das centenas. A Autoridade Aeroportuária informou que espera que os voos sejam normalizados pelas seis da manhã desta terça-feira.

“Há muita revolta após a atuação da polícia no domingo”, diz ao Expresso Evan Fowler, um cidadão de Hong Kong a viver no Reino Unido. “É incerto o que os manifestantes pretendem fazer agora. O rumor / ameaça de bloqueio por parte da polícia pode ser determinante.”

A China reconheceu, esta segunda-feira, que a situação em Hong Kong atingiu um “ponto crítico” e que a escalada das ações dos manifestantes — a quem Pequim chama “desordeiros” — revela “sinais de terrorismo”, em especial contra as forças policiais. No domingo, um agente ficou ferido atingido por um cocktail Molotov arremessado pelos manifestantes.

“Este tipo de atividade criminosa violenta tem de ser combatida de forma enérgica no respeito pela lei, sem hesitação ou compaixão”, afirmou Yang Guang, porta-voz do Gabinete dos Assuntos de Hong Kong e Macau, do Governo chinês.

Em conferência de imprensa esta segunda-feira, a polícia de Hong Kong informou que, desde sexta-feira, foram presas 149 pessoas, acusadas de reunião ilegal ou ataque à polícia, entre outros. A libertação dos detidos — destes e de outros protestos passados — é outro ponto do rol de exigências dos manifestantes.

Dois meses nas ruas

Os protestos em massa estão nas ruas de Hong Kong desde 9 de junho. O gatilho foi uma nova lei da extradição, proposta pelo Governo local, que colocaria os cidadãos à mercê de serem transferidos e julgados na China Continental.

Mas desde então, e perante a recusa do Governo em retirar definitivamente a lei do circuito legislativo — apenas a suspendeu —, os manifestantes têm ampliado as exigências. Passaram a pedir a demissão da chefe do Governo Carrie Lam, o rosto da lei da extradição em quem não confiam e a quem encaram como porta-voz e ‘um pau mandado’ de Pequim.

Em pano de fundo, há uma preocupação permanente que toma os manifestantes: o futuro do território após 2047. Até 1997, Hong Kong foi uma colónia cedida ao Império Britânico pela dinastia Qing, no fim da Primeira Guerra do Ópio, em 1842. Há 22 anos, Londres e Pequim acordaram a transferência de soberania para a China, passando Hong Kong a beneficiar — durante 50 anos — de um estatuto especial com elevado nível de autonomia, a nível executivo, legislativo e judicial.

Essa fórmula “um país, dois sistemas” não confere aos cidadãos de Hong Kong o direito a elegerem o chefe de Governo por voto direto e universal — outra exigência dos manifestantes. Mas permite-lhes que protestem nas ruas como não é possível em nenhuma outra parte da China — o que têm feito em defesa das liberdades que (ainda) têm e em nome da uma maior democracia (que desejam). Com 2047 em mente, sabem que o tempo corre a favor do regime de Pequim.

(FOTO Protesto contra a lei da extradição, a 16 de junho de 2019, em Hong Kong STUDIO INCENDO / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 12 de agosto de 2019. Pode ser consultado aqui