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Família de Idlib quebra o jejum do Ramadão junto à sua casa destruída

Na cidade de Ariha, província de Idlib, uma família que viu a sua casa ser arrasada por bombardeamentos regressou ao local para quebrar o jejum do Ramadão. Com esta refeição simbólica quis recordar tempos felizes e mostrar ao mundo o sofrimento que se vive na Síria, nove anos após o início da guerra

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Uma família de oito pessoas regressou ao que resta da sua antiga casa, na cidade síria de Ariha, para partilhar uma refeição AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Esta família teve de fugir de casa quando forças do regime sírio, apoiado por bombardeamentos aéreos russos, atacaram Ariha AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
À volta desta mesa estão um casal com quatro filhos, mais a mãe e a irmã do homem AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Ariha é uma cidade da província de Idlib, um dos últimos bastiões da oposição a Bashar al-Assad AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Esta família síria voltou a viver na mesma cidade, num sítio próximo à sua antiga casa AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Afastado o entulho, estende-se colchões para acomodar a família e tornar possível a refeição AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Uma presença humana quase impercetível no meio de tanta destruição AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

Antigos vizinhos regressam à zona onde moravam para um jantar entre ruínas

Viviam todos na mesma zona de Atareb, na província de Alepo, até os bombardeamentos ordenados por Bashar al-Assad ter reduzido o bairro a cinzas. Dezenas de homens regressaram agora para um jantar simbólico

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Estes homens são antigos vizinhos. Moravam nesta zona da cidade síria de Atareb, na província de Alepo, até ser bombardeada AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
A refeição foi organizada por uma organização local de jovens voluntários AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Membros dos Capacetes Brancos desinfetaram o local antes de ser estendida a toalha AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Enquanto esperam que o sol se ponha, para iniciar o “iftar” (a quebra do jejum do Ramadão), estes homens põem a conversa em dia AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Um jantar ao ar livre, rodeado por montes de entulho, na cidade síria de Atareb AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

Porque é que a família de Tareq voltou por um dia para jantar nas ruínas da sua casa

Em duas cidades sírias, habitantes regressaram às casas de onde fugiram durante bombardeamentos, e que agora não passam de um amontoado de destroços, para quebrar o jejum do Ramadão. Um fotógrafo local, que registou esses momentos, explica ao Expresso o porquê destas refeições entre escombros

A guerra obrigou a família de Tareq Abu Ziad a fugir de casa, na cidade síria de Ariha. O cessar-fogo que se lhe seguiu possibilitou que regressasse ao que dela resta, ainda que por apenas um dia, para um ato simbólico: cumprir ali um “iftar”, a refeição após o pôr do sol com que os muçulmanos quebram diariamente o jejum do Ramadão.

Acomodados sobre três colchões de espuma, que ali estenderam após afastarem o entulho para abrir uma clareira, estão oito membros de uma mesma família: Tareq Abu Ziad, de 29 anos, a mulher, quatro filhos, a mãe e a irmã.

Ao centro, sobre um tapete, há copos e embalagens com comida que a família trouxe consigo. À volta, por companhia, apenas edifícios tão esventrados quanto o deles e memórias de tempos felizes.

“Esta família quis fazer esta refeição no meio de casas destruídas para mostrar ao mundo o grande sofrimento que se vivem em Idlib, e especialmente em Ariha”, diz ao Expresso Aaref Watad, o fotógrafo sírio que captou as imagens, algumas delas com recurso a um drone. “Eles queriam partilhar a sua história e, como eu sou jornalista, fizeram-me chegar essa vontade através de conhecidos em comum.”

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Alojamento barato no meio dos destroços

Ariha é uma cidade da província de Idlib, no noroeste da Síria. Nove anos após o início da guerra, a região é um dos últimos focos de resistência ao regime de Bashar al-Assad.

Em finais do ano passado, quando Ariha estava nas mãos de grupos rebeldes e jiadistas, uma ofensiva militar desencadeada por tropas leais ao Presidente e apoiada pela Força Aérea russa provocou o êxodo de cerca de um milhão de pessoas, em poucas semanas.

“Ariha foi completamente destruída”, testemunha o fotógrafo, que vive na cidade de Al-Dana, perto da fronteira com a Turquia, na mesma província. “A maioria das casas foram bombardeadas.”

Com o calar das armas, muitos habitantes arriscaram regressar à cidade e procuraram alojamento barato entre as ruínas. Foi o caso desta família, que voltou a Ariha em abril. “Atualmente, a família vive na cidade, num local próximo da antiga casa”, diz Aaref Watad.

“Eles não têm quaisquer planos para reconstruir a casa. É muito caro e eles não têm meios. E além disso, não é clara a situação em Idlib, não sabemos se a guerra vai começar outra vez ou se vai terminar.”

Vizinhos que a guerra separou

Para leste de Idlib, a província de Alepo — igualmente fronteira à Turquia — é outro bastião da oposição ao regime sírio. Nesta região, o fotógrafo registou outra refeição entre ruínas.

Na cidade de Atareb, uma organização de jovens voluntários designada Maan, que opera em situações de emergência, promoveu uma refeição para antigos vizinhos numa rua agora ladeada por prédios esventrados.

Num espaço a céu aberto, foi estendida no solo uma toalha comprida para colocar embalagens com a comida, garrafas de água e iogurtes líquidos. Rodeados por montes de cascalho, dezenas de homens descalçaram-se antes de se sentarem no chão, à volta daquela mesa improvisada.

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“O objetivo foi reunir antigos moradores daquela rua perto das suas casas em ruínas para tomarem o ‘iftar’ em conjunto. E, ao mesmo tempo, mostrar o nível de destruição em Atareb”, conta o fotógrafo. “Todas estas pessoas continuam a viver no mesmo bairro ou perto. Vivem em casas que não foram danificadas.”

Antes do convívio, membros da Defesa Civil Síria — organização mais conhecida por Capacetes Brancos — desinfetaram o local contra a covid-19. Um novo drama dentro do drama.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

Ramadão: Um desafio para o corpo, para a mente e para os hábitos quotidianos dos muçulmanos

Para os muçulmanos, o Ramadão é muito mais do que um período de jejum. É um exercício de autocontrolo, que os ensina a lidar com o sofrimento da privação e a contornar a tentação

Um quarto da população mundial — cerca de 1800 milhões de pessoas, 50 mil das quais em Portugal — cumpre por estes dias a prática do Ramadão. Durante um mês, desde o nascer até ao pôr do sol, viverão privadas de prazeres mundanos e, por isso, algo condicionadas no seu convívio quotidiano com os não-muçulmanos.

Para estes, revelar sensibilidade e respeito para com familiares, amigos ou colegas de trabalho que professem o Islão passa por evitar comer ou beber na sua presença, não agendar almoços de trabalho ou “esquecer” o colega muçulmano na pausa para o cigarro ou o cafezinho. E também desejar-lhes um bom Ramadão (“Ramadan mubarak”).

Durante este ritual, os crentes devem abster-se de comer, beber (mesmo água), fumar, ter relações sexuais e privar-se de tudo o que possa constituir um deleite para o corpo, como o uso de perfumes. O jejum deve ser cumprido também ao nível do pensamento, estando os crentes obrigados a evitar todo o tipo de pensamentos imorais.

Da mesma forma que o exercício físico fortalece o corpo, os muçulmanos acreditam que o jejum fortifica a vontade, levando-os a lidar com o sofrimento da privação e a contornar a tentação. O Ramadão surge, pois, como um ato de penitência que é encarado também como um exercício de autocontrolo.

Quebrar o jejum em convívio

O Ramadão é obrigatório para todos os muçulmanos de ambos os sexos. Estão dispensados as mulheres grávidas, menstruadas ou que estejam a amamentar, bem como doentes, idosos com fraca saúde e crianças que ainda não atingiram a puberdade, e também crentes que estejam a efetuar viagens longas.

Aqueles que, voluntária ou involuntariamente, rompam o jejum devem compensar esses dias de não-observância noutra ocasião. Terá sido o caso do futebolista egípcio Mohamed Salah que, no ano passado, interrompeu o Ramadão para disputar a final da Liga dos Campeões.

O jejum é o quarto de cinco pilares do Islão: os restantes são a profissão de fé, a oração, a obrigatoriedade da esmola e a peregrinação a Meca. Paralelamente à dimensão pessoal, tem inerente uma vertente social já que as duas refeições permitidas — após o pôr do sol (“iftar”) e antes do nascer do sol (“suhur”) — transformam-se em momentos de confraternização, partilha e celebração da fé que ultrapassam as fronteiras da família.

Ao ritmo da Lua

Contrariamente ao que acontece com o Natal cristão, o Ramadão não tem uma data fixa. A cada ano, o período de jejum antecipa sensivelmente 11 dias em relação ao ano anterior, surgindo desfasado no calendário gregoriano, umas vezes no inverno outras na primavera, e por aí em diante.

Isto acontece porque os muçulmanos regem-se pelo calendário lunar, composto por 354 ou 355 dias. Ramadão é o nome do nono mês do calendário islâmico, que pode ter 29 ou 30 dias, conforme o que a observação da Lua ditar.

Sendo o Ramadão um período de recolhimento, dedicado à meditação e à oração, as últimas dez noites são vividas de uma forma especialmente intensa. “Foi numa dessas noites que o [livro sagrado do] Alcorão começou a ser revelado [ao Profeta Maomé, através do arcanjo Gabriel, no ano de 610 d.C.]”, explica ao Expresso o “sheikh” David Munir, líder espiritual da Mesquita Central de Lisboa.

A essa noite especial os muçulmanos chamam “Laylat al-Qadr” (A Noite do Poder). “O Profeta disse que essa noite pode ser a 21.ª [noite do Ramadão], a 23.ª, a 25.ª, a 27.ª ou a 29.ª. Em termos espirituais, essa é uma noite que equivale a 1000 meses”, pelo que as orações são feitas com especial devoção.

O mês do Ramadão termina com uma grande festa — Id al-Fitr —, que muitas vezes se prolonga durante três dias.

Fogo de artifício nos céus de Sarajevo, Bósnia-Herzegovina, no domingo, para assinalar o início do Ramadão SAMIR YORDAMOVIC / GETTY IMAGES
Mulheres muçulmanas rezam numa mesquita de Jacarta, capital da Indonésia, no primeiro dia do Ramadão WILLY KURNIAWAN / REUTERS
Para além do jejum, durante o Ramadão os muçulmanos entregam-se à meditação e à oração. A imagem é de uma mesquita em Utrecht, Holanda, esta segunda-feira ROBIN VAN LONKHUIJSEN / AFP / GETTY IMAGES
Nesta banca de Rawalpindi, Paquistão, vende-se tâmaras secas, um alimento que não falta na refeição do “iftar”, após o pôr do sol FAROOQ NAEEM / AFP / GETTY IMAGES
Estudantes leem o livro sagrado do Alcorão, esta segunda-feira, na Indonésia, o país muçulmano mais populoso do mundo RAHMAD SURYADI / AFP / GETTY IMAGES
Crianças bósnias largam balões para comemorar o início do Ramadão SAMIR YORDAMOVIC / GETTY IMAGES
Trabalhadores indianos colocam guirlandas de luzes numa mesquita de Chennai, antiga Madrasta ARUN SANKAR / AFP / GETTY IMAGES
Venda de lanternas, uma decoração icónica do mês do Ramadão, esta segunda-feira, num mercado da Faixa de Gaza MAJDI FATHI / GETTY IMAGES
Um grupo de mineiros turcos faz a sua primeira refeição antes do nascer do sol (“suhur”), esta segunda-feira, na região de Kilimli FERDI AKILLI / GETTY IMAGES
Azeitonas e picles, num mercado na Faixa de Gaza, para serem consumidos nas refeições de quebra de jejum MAJDI FATHI / GETTY IMAGES
Mulheres em oração, este domingo, numa mesquita de Sarajevo, Bósnia-Herzegovina ELMAN OMIC / GETTY IMAGES
Meninas indonésias leem o Alcorão, no primeiro dia de Ramadão, em Medan, norte de Sumatra RAHMAD SURYADI / AFP / GETTY IMAGES
O início e o fim do Ramadão é determinado pela observação da Lua, como o fazem (na foto) responsáveis do Departamento Meteorológico de Karachi, Paquistão AKHTAR SOOMRO / REUTERS
“Bom Ramadão”, deseja-se por cima da entrada de uma mesquita em Kiev, a capital da Ucrânia PAVLO CONCHAR / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de maio de 2019. Pode ser consultado aqui