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Os ‘tweets’ mais populares de Donald Trump: do covid à pose Rocky Balboa

John Fitzgerald Kennedy inventou as conferências de imprensa em direto, Bill Clinton expôs-se em late-night talk shows, Franklin Delano Roosevelt elegeu a rádio como forma preferencial de comunicar com os norte-americanos e Donald Trump revelou-se um mestre no Twitter. O anúncio de que estava infetado com o novo coronavírus valeu ao Presidente dos EUA um recorde de popularidade nessa rede social

Da Casa Branca para o povo, há mais de 100 anos que sucessivos presidentes dos Estados Unidos da América vêm inovando na forma de comunicar com os norte-americanos. Franklin Delano Roosevelt (FDR), que foi chefe de Estado entre 1933 e 1945, instituiu o hábito de “conversar” com regularidade aos microfones da rádio. Através das suas fireside chats (“conversas à lareira”), transmitidas à noite, tornava-se visita de casa de milhões de pessoas.

FDR aproveitava para explicar as suas políticas, desmantelar boatos e serenar os ânimos em épocas turbulentas, como foram os anos da Grande Depressão e da II Guerra Mundial. No primeiro episódio (que pode ser escutado aqui), transmitido a 12 de março de 1933, o Presidente explica o funcionamento do sistema bancário e o porquê de esse sector estar em crise à época.

“Vejo a escolha do Twitter por parte de Donald Trump como estando em linha com uma longa lista de métodos que os presidentes têm usado para chegar diretamente ao público”, diz ao Expresso o académico David Greenberg, professor de História e de Jornalismo e Estudos de Media na Universidade Rutgers (Nova Jérsia). “Muitos outros presidentes foram inovadores ao tentar ‘contornar’ a imprensa e comunicar ‘diretamente’ com o povo.”

Chegar a quem não vê motícias

Além dos programas radiofónicos de FDR, Greenberg cita a criação de uma sala de imprensa na Casa Branca na época de Theodore Roosevelt (1901-1909) onde o Presidente se encontrava frequentemente com repórteres. Refere as conferências de imprensa de Woodrow Wilson (1913-1921), os discursos de Dwight D. Eisenhower (1953-1961), as conferências de imprensa em direto de John Fitzgerald Kennedy (1961-1963). E também a utilização que fez Bill Clinton (1993-2001) de meios de transmissão de nicho, como os canais por cabo, que se multiplicavam na altura, e a participação em late-night talk shows para chegar a pessoas que não viam notícias.

“Neste contexto, Trump não está a romper de modo radical com as práticas anteriores, mas simplesmente — na tradição de muitos antecessores — a explorar novas plataformas de comunicação que se tornaram disponíveis.”

Fazer as coisas à sua maneira

Com mais de 87 milhões de seguidores no Twitter — só 16 países têm população superior —, Trump faz-se “ouvir” com profusão várias vezes ao dia na conta @realDonaldTrump, abdicando de comunicar através da conta oficial do Presidente (@POTUS).

“Julgo que Trump usa a sua conta porque já tinha angariado muitos seguidores antes de ser Presidente”, diz Greenberg. “Mas também revela a propensão para fazer as coisas à sua maneira, e não de acordo com as regras ou os protocolos oficiais. Recorde-se como olhou diretamente para o eclipse solar [a 21 de agosto de 2017] ou não usa máscara durante esta pandemia.”

Trump abriu a conta em março de 2009, quando a sua notoriedade decorria do mundo da televisão. Apresentava o reality show “The Apprentice” e detinha os direitos sobre os concursos de beleza Miss Universo e Miss América. Era também multimilionário.

Nem sempre usou o Twitter da mesma forma desenfreada como hoje faz, mas pelo menos dois dos seus tweets mais populares foram publicados antes de ser Presidente — ambos visando… Barack Obama. Segue-se o top-10 de tweets de Trump que mais agitaram as redes.

1. APANHEI O COVID

“Esta noite, a primeira-dama e eu tivemos testes positivos de covid-19. Iremos começar a nossa quarentena e processo de recuperação imediatamente. Passaremos por isto juntos!” (918.700 partilhas e 1,8 milhões de ‘gostos’)

Na madrugada de 2 de outubro, Trump anunciou que estava infetado com o novo coronavírus. Este tweet tornou-se o mais popular de sempre do atual Presidente dos EUA, com quase um milhão de partilhas e dois milhões de ‘gostos’, reações ora solidárias com o estado de saúde de Trump, ora de grande ironia, dada a forma irresponsável como este tem abordado a pandemia.

2. TRUMP VERSUS CNN

(464.100 partilhas e 505.000 ‘gostos’)

Sem necessidade de recorrer a palavras e com a hashtag #FraudNewsCNN (Notícias fraudulentas CNN), a 2 de julho de 2017, Trump publicou um vídeo onde, junto a um ringue de wrestling, um homem com a cabeça de Trump derruba e agride violentamente outro homem, que tem no lugar da cabeça o logotipo da CNN. O vídeo desencadeou críticas e acusações de que o Presidente estava a promover a violência contra a comunicação social. Este é um tweet cujos números de partilhas e ‘gostos’ continuam a crescer, dada a permanente hostilidade do Presidente ao canal de televisão sediado em Atlanta.

3. O GORDO DO KIM

“Por que razão haveria Kim Jong-un de insultar-me, chamando-me ‘velho’, quando eu nunca lhe chamaria ‘baixo e gordo’? Ah bem, eu tentei tanto ser amigo dele — e talvez um diz isso venha a acontecer!” (417.600 partilhas e 536.100 ‘gostos’)

A 12 de novembro de 2017, durante uma viagem ao continente asiático, Trump provoca o líder da Coreia do Norte com este tweet. Ter-se-á tratado de reação a uma declaração da agência noticiosa oficial norte-coreana, que se referiu a Trump como um “velho lunático”.

A tensão entre os dois países estava ao rubro, alimentada por sucessivos testes com mísseis realizados pela Coreia do Norte, que levaram Trump a chamar little rocket man a Kim. Exatamente sete meses após a provocação de Trump no Twitter, os dois líderes fizeram história e encontraram-se pela primeira vez, em Singapura.

4. A AMÉRICA VOLTA A SER GRANDE

“Hoje fizemos a América grande outra vez!” (328.600 partilhas e 499.600 ‘gostos’)

Foi desta forma que Trump celebrou no Twitter a sua vitória eleitoral, a 8 de novembro de 2016. Make America Great Again foi o principal mote da campanha que elegeu Trump para o cargo de 45.º Presidente dos Estados Unidos.

5. OBAMA, ESSE ÓDIO DE ESTIMAÇÃO I

“Você tem permissão para impugnar um Presidente por incompetência grosseira?” (324.700 partilhas e 231.600 ‘gostos’)

Publicado a 4 de junho de 2014, quando na Casa Branca estava ainda Obama, este tweet alude a um acordo polémico entre os EUA e os talibãs afegãos, que levou à libertação de Bowe Bergdahl. Em 2009, este soldado norte-americano tinha sido feito refém da Rede Haqqani, grupo insurgente alinhado com os talibãs. O acordo que tornou possível a libertação do militar, a 31 de maio de 2014, envolveu a libertação de cinco membros dos talibãs detidos na base de Guantánamo, desencadeando grande contestação.

6. É TERRORISMO INTERNO

“Os Estados Unidos da América irão designar a ANTIFA uma organização terrorista.” (315.000 partilhas e 794.400 ‘gostos’)

A 31 de maio de 2020, seis dias após a morte do afroamericano George Floyd, asfixiado por um polícia em Minneapolis, Trump declara guerra ao movimento Antifa. Formado por grupos de esquerda, defende o recurso à violência no confronto com forças que classificam como fascistas, autoritárias, racistas, xenófobas ou homofóbicas. O Antifa sobressaiu nos protestos contra a violência policial que saíram às ruas de cidades norte-americanas, o que levou Trump a qualificar os protestos antirracistas como “terrorismo doméstico”.

7. EM SOCORRO DO RAPPER

“A$AP Rocky foi libertado da prisão e está a caminho de casa para os Estados Unidos desde a Suécia. Foi uma semana dura, vem para casa assim que possível A$AP!” (309.700 partilhas e 818.200 ‘gostos’)

A$AP Rocky, rapper norte-americano, fora detido na Suécia após uma altercação numa rua de Estocolmo que envolveu três outros membros da sua comitiva, a 30 de junho de 2019. Foi preso e levado a julgamento, onde foi declarado inocente. A 2 de agosto, num tweet entusiasmado em que utiliza o nome do artista para fazer trocadilhos, Trump congratulou-se com a sua libertação. Esta foi a publicação de Trump mais partilhada e com mais ‘gostos’ em 2019.

8. OBAMA, ESSE ÓDIO DE ESTIMAÇÃO II

“Preparem-se, há uma pequena hipótese de a nossa horrível liderança estar, sem saber, a levar-nos à III Guerra Mundial.” (291.200 partilhas e 176.700 ‘gostos’)

Publicado a 31 de agosto de 2013, visa diretamente a Administração Obama e a sua estratégia de intervenção na Síria. Este tweet voltou a circular com força quatro anos depois, quando, com Trump na Casa Branca, os Estados Unidos bombardearam uma base de forças governamentais sírias com 59 mísseis Tomahawk, a 6 de abril de 2017.

9. COMO UM RAMBO

(283.300 partilhas e 650.500 ‘gostos’)

Sem qualquer mensagem de texto associada, Trump assume-me como peso-pesado e partilha esta imagem a 27 de novembro de 2019. O rosto é seu, o corpo é da personagem Rocky Balboa, o pugilista a que deu vida Sylvester Stallone, na saga cinematográfica “Rocky”. No Congresso norte-americano decorriam as audições relativas ao seu processo de impugnação (impeachment). Trump sairia ileso desse combate.

10. NÃO TENHAM MEDO DO COVID

“Vou deixar o grande Centro Médico Walter Reed hoje às 18h30. Sinto-me mesmo bem! Não tenham medo do covid. Não deixem que isso domine as vossas vidas. Nós desenvolvemos, sob a Administração Trump, alguns medicamentos e conhecimentos mesmo excelentes. Sinto-me melhor do que há 20 anos!” (282.700 partilhas e 593.000 ‘gostos’)

Foi a mensagem partilhada na passada segunda-feira, horas antes de o Presidente dos EUA deixar o hospital militar no estado de Maryland, onde esteve internado desde a sexta-feira anterior, infetado com covid-19.

(ILUSTRAÇÃO GDJ / PIXABAY)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

Revolução de mulheres à solta no Twitter

Uma jovem saudita fugiu do país expondo a atual fragilidade do Reino

Imagem de um vídeo de Rahaf Mohammed al-Qunun, feito dentro do quarto onde se barricou, no aeroporto de Banguecoque TWITTER RAHAF MOHAMMED

Três meses após o macabro assassínio do jornalista Jamal Khashoggi, que implicou o regime da Arábia Saudita, fragilizando-o na cena internacional, aquele que é um dos países mais poderosos e conservadores do mundo está novamente posto à prova. Rahaf Mohammed al-Qunun, de 18 anos, filha do governador de Al-Sulaimi (norte), ousou fugir do Reino e de um futuro traçado pelos rígidos códigos sociais que subordinam a vida das mulheres à vontade dos homens da família.

Determinada a exilar-se na Austrália, após acusar a família de maus tratos, foi intercetada na Tailândia, onde o passaporte lhe foi confiscado. Para resistir ao repatriamento forçado barricou-se num quarto de hotel no aeroporto de Banguecoque e exigiu falar com o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados. “Se a jovem não quer partir, não será enviada contra a sua vontade”, declarou o chefe da polícia tailandesa de Imigração. A ONU acabaria por entrevistá-la, validar a sua história e levá-la para “local seguro”. Tudo isto em 48 horas.

“Há certamente um ‘efeito Khashoggi’ neste caso”, comenta ao Expresso a ativista dos direitos humanos suíço-iemenita Elham Manea. “Em 2017, num caso semelhante, Dina Ali ia para a Austrália e foi parada no aeroporto de Manila [Filipinas]. Foi arrastada contra a vontade para um avião que a levou de volta para a Arábia Saudita. O mundo limitou-se a assistir. Ninguém sabe o que lhe aconteceu depois…”

A arma do telemóvel

“Sem o ‘efeito Khashoggi’, a fuga teria passado despercebida à comunidade internacional e a ONU não teria agido de forma rápida e decisiva”, diz ao Expresso Manuel Almeida, investigador no Centro do Médio Oriente, da Escola de Economia e Ciência Política de Londres. “A morte do jornalista fica apenas atrás do 11 de Setembro como mancha permanente na reputação saudita.”

À hora de fecho desta edição, Rahaf continuava sob tutela da ONU, à espera de notícias da Austrália. Ontem, massacrada com ameaças de morte, suspendeu a conta no Twitter, o canal com o mundo sem o qual, uma semana após ter fugido, não manteria acesa a esperança num futuro em liberdade. Diante de jornalistas tailandeses, o encarregado de negócios saudita afirmaria que, em vez do passaporte, as autoridades locais deveriam ter-lhe apreendido… o smartphone.

A odisseia de Rahaf é rápida de contar. De férias com a família no Kuwait — onde, ao contrário da Arábia Saudita, as mulheres não necessitam de autorização masculina para viajar sozinhas —, Rahaf comprou uma viagem com destino à Austrália. Travada na escala em Banguecoque faz hoje uma semana abriu uma conta no Twitter quando se sentiu apertada pelas autoridades. Foi o tiro de partida para uma revolução em sua defesa, que galgou as fronteiras digitais graças, em especial, ao empenho de várias mulheres.

Atenta aos tweets desesperados da jovem, Sophie McNeill, uma jornalista australiana da televisão ABC, foi ao seu encontro conseguindo que ela lhe abrisse a porta do quarto. Rahaf haveria de agradecer-lhe essa “proteção”. No Twitter, a feminista egípcia Mona Eltahawy deu visibilidade ao caso, levando um exército de seguidores a fazer pressão junto de organizações, embaixadas e deputados de todo o mundo. E após Rahaf obter proteção da ONU, três jovens sauditas foram importantes para não deixar o caso morrer. Desde a Austrália, a Suécia e o Canadá, foram-se revezando na gestão do Twitter.

Manuel Almeida não prevê que o caso de Rahaf tenha consequências diretas no sistema de tutela masculina em vigor. “Mas acredito que o país caminha a passos largos para a sua abolição. Na Arábia Saudita, há mais mulheres do que homens a estudar, e obtêm melhores resultados em ciências, engenharia e matemática. Há mais mulheres a formarem-se e um número crescente a entrar no mercado de trabalho. Com o tempo, o sistema de tutela masculina será insustentável política, económica e socialmente.”

Artigo publicado no Expresso, a 12 de janeiro de 2019. Pode ser consultado aqui

 

Irão levanta bloqueio à aplicação Telegram

Fim das restrições coincide com abrandamento dos protestos antigovernamentais. Teerão acusa o popular serviço de troca de mensagens de ajudar à mobilização dos manifestantes

O Irão levantou as restrições impostas ao popular serviço de mensagens Telegram, noticiou, este domingo, a agência iraniana IRNA. “A rede social Telegram está agora disponível nas redes sem fios e de dados.”

O serviço foi normalizado no sábado à noite, coincidindo com um abrandamento nos protestos antigovernamentais que tomaram as ruas de cerca de 80 cidades iranianas desde finais de dezembro. Para o Governo de Teerão, esta rede social é uma poderosa ferramenta de mobilização dos manifestantes.

“As manifestações tornaram-se violentas em alguns locais como resultado de provocações por parte de certos elementos estrangeiros que usaram o serviço de mensagens Telegram”, justifica a IRNA.

A aplicação — que tem cerca de 40 milhões de utilizadores, numa população de 80 milhões — ficou sob fogo do regime dos “ayatollahs” após ter sido usada para incitamento a “conduta odiosa, ao uso de cocktails Molotov, à revolta armada e agitação social”, como denunciou, no Twitter, o ministro iraniano das Telecomunicações, MJ Azari Jahromi.

No mesmo dia, o fundador e CEO da Telegram fez “mea culpa”, anunciou a suspensão do canal onde esse incitamento foi feito e alertou os utilizadores para a existência de “linhas que não devem ser atravessadas”, twitou Pavel Durov.

https://twitter.com/durov/status/947179988213624832?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E947179988213624832%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fexpresso.pt%2Finternacional%2F2018-01-14-Irao-levanta-bloqueio-a-aplicacao-Telegram

O bloqueio da aplicação Telegram foi uma das medidas tomadas pelo Governo iraniano para tentar conter os maiores protestos antigovernamentais realizados no país desde o Movimento Verde de 2009, que contestou a reeleição do Presidente conservador Mahmud Ahmadinejad.

Outras medidas passaram pelo uso da força: a repressão das forças de segurança provocou, pelo menos, 22 mortos e mais de 1000 detidos.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de janeiro de 2018. Pode ser consultado aqui

A ironia de uma imagem

Durante as movimentações militares, o Presidente Erdogan recorreu ao Facetime para dizer aos turcos que controlava o país. Ele, que odeia as redes sociais

BURAK KARA / GETTY IMAGES

Há cerca de duas semanas, após visitar o aeroporto de Istambul, onde 45 pessoas morreram e mais de 200 ficaram feridas na sequência de um ataque suicida, Recep Tayyip Erdogan fez um discurso violento contra a internet. “Sou contra as redes sociais. Fui atacado muitas vezes por causa disto. Sou contra o Twitter e todas as outras e não publico nada. Não as uso.”

Nessa altura, o Governo suspendera o acesso sobretudo ao Twitter e ao Facebook e muitos ultilizadores que conseguiam contornar o bloqueio através de acessos privados criticavam a mordaça imposta que impedia a partilha de contactos visando a ajuda a vítimas do atentado.

Esta sexta-feira, quando estava em curso uma tentativa de golpe de Estado e a televisão estatal estava sem emissão, Erdogan falou com a CNN Turca via Facetime — o “software” desenvolvido pela Apple que só funciona com rede de internet — para garantir que estava aos comandos do país. Secretamente, terá tido a esperança que a internet que tanto odeia pudesse ajuda-lo a travar o golpe.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 16 de julho de 2016. Pode ser consultado aqui