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O indisfarçável incómodo dos súbditos caribenhos em relação ao chefe de Estado sentado em Londres

Carlos III terá um grande desafio a milhares de quilómetros de distância do Palácio de Buckingham. Na região das Caraíbas, vários países que o reconhecem como chefe de Estado contestam, cada vez mais, esse vínculo e defendem a opção pela república. Nos últimos anos, casos como o assassínio de George Floyd, nos Estados Unidos, ou visitas reais desastradas aos territórios contribuíram para esse sentimento. Ao Expresso, um professor jamaicano diz que no país se olha para a monarquia britânica como “um fardo insultuoso explicitamente racista”, que não trouxe “nada de bom”

Mapa dos países membros da Commonwealth BRITANNICA

Ao longo da História, a primazia de alguns poderes políticos sobre grandes extensões geográficas cunhou, na terminologia das relações internacionais, a expressão “império onde o sol nunca se põe”. O rótulo chegou a aplicar-se ao império britânico, com domínios, colónias, protetorados, mandatos e territórios governados ou administrados por Londres desde o Canadá até à Nova Zelândia.

O império não resistiu aos ventos da descolonização, mas não erodiu completamente. Hoje, a Commonwealth — originalmente denominada Comunidade Britânica de Nações — é um espaço de cooperação atrativo, que integra 56 países, de colonização britânica e não só. Os francófonos Gabão e Togo foram as últimas adesões, em junho de 2022. O lusófono Moçambique aderiu em 1995.

No caso específico de 14 membros, há uma ligação umbilical que se mantém com a antiga metrópole e que não se rompeu com a independência desses territórios: continuam a reconhecer o monarca britânico como seu chefe de Estado.

14 PAÍSES SÚBDITOS

  • AMÉRICAS E CARAÍBAS (9): Antígua e Barbuda, Bahamas, Belize, Canadá, Granada, Jamaica, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas.
  • PACÍFICO (5): Austrália, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão e Tuvalu.

A substituição no trono britânico de Isabel II — uma líder respeitada — por Carlos III — uma incógnita — está a agitar alguns desses países, que, nos últimos anos, vêm expressando posições antimonárquicas e sonhos republicanos. Esses desejos são especialmente vocais nos oito Estados súbditos na região das Caraíbas, a começar pela Jamaica.

“A morte de Isabel II vai acelerar um diálogo crescente e, em última instância, uma rutura prometida com a coroa britânica enquanto chefe de Estado jamaicano”, defende ao Expresso Jahlani Niaah, professor na Universidade de West Indies, sediada em Kingston (Jamaica).

“Há críticas crescentes dos nacionalistas caribenhos sobre as razões que levaram cidadãos que passaram por histórias de exploração e opressão colonial às mãos dos britânicos a decidirem, voluntariamente, ficar em segundo plano em relação a uma instituição racista representada pela coroa pelo tratamento dado a povos não europeus.”

No dia seguinte à morte de Isabel II, “The Gleaner”, um dos principais jornais da Jamaica, noticiava em manchete: “A morte da rainha é o fim de uma era” e “vai facilitar a rutura da Jamaica com a monarquia”.

No país de Bob Marley, há muito que a submissão ao rei de Londres deixou de ser uma questão meramente académica. A 7 de junho deste ano, Marlene Malahoo Forte, a ministra dos Assuntos Legais e Constitucionais, informou que o processo de transição do país para uma república “começou formalmente”, com a formação de um Comité de Reforma Constitucional, que inclui membros da oposição.

Mal haja acordo no Parlamento, o assunto será submetido a referendo popular. As autoridades de Kingston querem concluir o processo a tempo das eleições gerais previstas para 2025.

Um farol chamado Barbados

“A decisão tomada em 2021 pelo Estado irmão de Barbados, tradicionalmente mais ligado à cultura britânica [era chamado “Little England”], no sentido de remover a rainha [da chefia de Estado], amplificou o debate”, continua Niaah. “E deixou antever ações a nível regional em torno do absurdo que é a coroa e a missão civilizadora da Grã-Bretanha por via de ter um chefe simbólico a morar no Palácio de Buckingham e de haver assuntos de Estado a precisar de aprovação desse gabinete.”

A 6 de outubro de 2021, uma emenda constitucional aprovada por unanimidade no Parlamento de Barbados transferiu para um recém-criado Presidente as competências até então nas mãos do governador-geral do território. Independente do Reino Unido desde 1966, Barbados tornou-se uma república, como já o são, na região, Guiana, Dominica e Trinidad e Tobago.

No mês seguinte, o príncipe Carlos marcou presença na tomada de posse da primeira Presidente de Barbados, Sandra Mason, numa cerimónia em Bridgetown. No uso da palavra, pôs o dedo na ferida: “Desde os dias mais sombrios do nosso passado e da terrível atrocidade da escravatura, que mancha para sempre a nossa história, o povo desta ilha forjou o seu caminho com extraordinária coragem”.

“O passar das décadas ensinou-nos que chegou o tempo de São Cristóvão e Névis rever o seu sistema de governo monárquico e começar o diálogo para avançarmos para um novo estatuto”

Shawn Richards
vice-primeiro-ministro de São Cristóvão e Névis, a 24 de abril de 2022

Para os povos das Caraíbas cujo chefe de Estado é o monarca britânico, esta subserviência em nada corresponde às suas atuais necessidades e aspirações. Igualmente, a instituição tem falhado em tomar medidas que compensem os povos, de alguma forma, pelo histórico papel da coroa no tráfico de escravos.

“Há uma noção comum de que estes são Estados anões e imaturos e que são incapazes de se autogovernarem”, diz Jahlani Niaah. “Mais importante ainda, o soberano permaneceu impassível perante a necessidade de assumir a responsabilidade pelo sofrimento prolongado dos povos coloniais, recusou envolver-se em qualquer forma de justiça reparadora e devolver objetos do património cultural.”

Comparação com George Floyd

No rasto da Jamaica, também o arquipélago de Antígua e Barbuda anunciou recentemente a intenção de convocar um referendo à possibilidade de se tornar uma república. “Provavelmente nos próximos três anos”, disse o primeiro-ministro Gaston Browne já após a morte de Isabel II. “Não se trata de um ato de hostilidade”, explicou, “mas a etapa final para completar o círculo da independência, para assegurarmos que somos uma nação verdadeiramente soberana”.

Niaah desvenda o porquê deste crescente incómodo caribenho: “A distração que representa a vergonhosa exibição de opulência extraída de legados roubados, apresentados como laços empáticos para com uma comunidade [Commonwealth], está a ser cada vez mais encarada com menos ignorância e mais como uma marca à volta do nosso pescoço, um fardo insultuoso explicitamente racista que não nos trouxe nada de bom”.

O professor recua até 2020 quando, nos Estados Unidos, a morte de um negro asfixiado pelo joelho de um polícia teve repercussão mundial. Na Jamaica, o caso voltou os holofotes para uma insígnia do governador-geral, com a imagem de S. Miguel Arcanjo a pisar Satanás, que surge caracterizado em tudo parecido a um homem negro.

Esta polémica, “ao surgir na esteira do caso George Floyd e do movimento #Blacklivesmatter [nos EUA], desencadeou mais desdém por parte dos locais em relação à flagrante audácia dos legados racistas sufocantes que os laços com o Reino Unido representam”.

O governador-geral Patrick Allen comprometeu-se a não mais usar a medalha de honra da Ordem de São Miguel e de São Jorge, que lhe tinha sido presenteada por Isabel II. Houve mesmo apelos para que a insígnia fosse redesenhada.

A realeza britânica é hoje a face visível de um passado colonial que os caribenhos querem esquecer, e nem as gerações mais jovens não escapam ao rótulo. Este ano, dois casais reais perceberam-no da pior forma. Em março, os duques de Cambridge, William e Kate, realizaram um périplo por Belize, Bahamas e Jamaica. No mês seguinte, os condes de Wessex, Eduardo e Sofia, deslocaram-se a Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas e Antígua e Barbuda.

O pretexto das visitas foi a comemoração do Jubileu de Platina de Isabel II — o 70.º aniversário da sua coroação. Mas estas ofensivas de charme foram percecionadas por muitos locais como manifestações de superioridade e transformaram-se em oportunidades para expressarem a revolta.

À chegada ao Belize, o neto de Isabel II e a mulher viram ser cancelado o primeiro ponto do programa — a visita à aldeia de Indian Creek, para visitar uma fazenda de cacau —, perante a indignação de residentes. “Não queremos que eles aterrem na nossa terra, é essa a mensagem que queremos enviar”, disse Sebastian Shol, o chefe da aldeia, citado pelo jornal britânico “Daily Mail”.

O Belize é outro país que pode vir a dispensar o chefe de Estado instalado em Londres. As autoridades já anunciaram a intenção de realizar uma revisão constitucional e, em março, no rasto da visita real, o ministro da Função Pública, Reforma Constitucional e Política, Henry Charles Usher, afirmou no Parlamento: “Talvez seja hora do Belize dar o próximo passo para realmente possuir a independência. É um assunto que o povo de Belize deve decidir.”

Um possível efeito dominó

Por ser, entre os oito, o Estado maior e o mais populoso, a Jamaica é a referência. Se optar pela república, é possível que origine um efeito dominó e leve outros Estados caribenhos a desvincularem-se da coroa britânica.

Nas vésperas da visita dos duques de Cambridge, 100 personalidades do país divulgaram uma carta aberta exigindo a Londres um pedido de desculpa e o pagamento de compensações pelos anos de escravatura e fazendo um alerta ao neto de Isabel II, que é hoje o próximo na linha de sucessão a Carlos III: “Durante os seus 70 anos no trono, a sua avó não fez nada para reparar e expiar o sofrimento dos nossos antepassados que ocorreu durante o seu reinado e/ou durante todo o período de tráfico britânico de africanos, escravatura, servidão e colonização.”

Durante a escala de William e Kate na Jamaica, houve mais momentos que mexeram com a sensibilidade dos jamaicanos ansiosos por virar a página da relação com o Reino Unido. Os príncipes foram especialmente criticados por terem cumprimentado locais através de vedações em arame, durante a sua deslocação a Trenchtown, uma favela nos subúrbios de Kingston onde nasceram e viveram grandes cantores de reggae.

Igualmente, também o desfile de pé na caixa aberta de um Land Rover pareceu uma recriação de visitas de Isabel II e da nostalgia do passado colonial. Nas ruas, o casal foi acusado de beneficiar do “sangue, suor e lágrimas” de escravos.

Eduardo e Sofia também ouviram o que não queriam em Antígua e Barbuda. O primeiro-ministro Gaston Browne pediu-lhes que usassem a sua “influência diplomática” para que fosse feita “justiça reparadora”. E explicou o porquê de não haver “cartazes no ar” a recebê-los. “Terão notado que aqui não há protestos”, disse, acrescentando que o país acredita numa “discussão aberta e muito objetiva”.

“Continuamos a ter a rainha como chefe de Estado, mas terei de dizer que aspiramos, em algum momento, a tornarmos-nos uma república”, disse Browne. Viria a público que o filho mais novo de Isabel II disse não ter tomado notas dos pedidos de Browne.

Já na escala em São Vicente e Granadinas, houve mesmo cartazes no ar a exigir medidas compensatórias.

Mais recentemente, no Reino Unido, o chamado escândalo Windrush contribuiu para cavar ainda mais o fosso entre os súbditos caribenhos e a coroa. Por força do endurecimento da política de imigração no Reino Unido, aprovado em 2012, centenas de descendentes da chamada geração Windrush foram erradamente detidos, deportados ou viram direitos serem-lhe negados.

Tratava-se de caribenhos que chegaram ao Reino Unido entre 1948 e 1971, a convite do governo britânico, para suprirem carências no mercado de trabalho justificadas com a II Guerra Mundial. Em junho de 1948, cerca de 500 jamaicanos chegaram a bordo do navio MV Empire Windrush, que atracou na cidade inglesa de Tilbury. O rótulo aplicado a esta geração vem daí.

Para acentuar o sentimento discriminatório, em 2003 o Reino Unido passou a exigir vistos aos jamaicanos e, consequentemente, o pagamento de taxas de entrada incomportáveis. Para os caribenhos, foi a confirmação de que a suposta relação especial é afinal inútil.

A coroa “está a ser cada vez mais percecionada por todo o Caribe [outra designação para Caraíbas] como uma instituição ofensiva que investe pouco em fazer a coisa certa para aqueles que são vítimas do seu poder”, conclui o professor Niaah. “Esta é a instituição britânica chave. A política britânica usa a Coroa como instrumento para tirar o pulso aos reinos sob hegemonia britânica, medir o sucesso da violência polida da sua missão civilizadora.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de setembro de 2022. Pode ser consultado aqui

Mudança de monarca incentiva súbditos que preferem a república

Carlos III é chefe de Estado de 14 países além do Reino Unido. Vários, sobretudo nas Caraíbas, querem cortar esse laço e enterrar o passado colonial

Bandeira da Comunidade das Nações (Commonwealth) WIKIMEDIA COMMONS

A substituição de Isabel II — uma líder respeitada — por Carlos III — uma incógnita — está a agitar alguns dos 14 países que, apesar de independentes, mantêm o monarca britânico como chefe de Estado. O epicentro da contestação à monarquia localiza-se na região das Caraíbas.

“A morte de Isabel II vai acelerar um diálogo crescente e, em último caso, uma rutura prometida com a coroa britânica enquanto chefe de Estado da Jamaica”, diz ao Expresso Jahlani Niaah, da Universidade de West Indies (Jamaica). “Há críticas crescentes dos nacionalistas caribenhos em relação às razões que levaram cidadãos que passaram por histórias de exploração e opressão colonial por parte dos britânicos a decidir voluntariamente ficar em segundo plano em relação a uma instituição racista representada pela coroa ao nível do tratamento dado a povos não europeus.”

Um farol chamado Barbados

A realeza britânica é hoje o rosto de um passado de escravidão que os caribenhos querem esquecer. No dia seguinte à morte de Isabel II, “The Gleaner”, um dos principais jornais jamaicanos, titulava: “A morte da rainha é o fim de uma era” e “facilitará a rutura da Jamaica com a monarquia”.

Há muito que a submissão a Londres deixou de ser uma questão académica. A 7 de junho deste ano, Marlene Malahoo Forte, ministra dos Assuntos Legais e Constitucionais, disse que o processo de transição para uma república “começou formalmente”. Kingston quer concluir o processo até às eleições de 2025.

“A decisão tomada em outubro de 2021 pelo Estado irmão Barbados, tradicionalmente mais ligado à cultura britânica (era chamado Little England), no sentido de remover a rainha da chefia de Estado, amplificou o debate”, diz Niaah. “E deixou antever ações a nível regional em torno do absurdo que é a coroa e a missão civilizadora da Grã-Bretanha por via de um chefe simbólico a morar no Palácio de Buckingham e de haver assuntos de Estado a precisar de aprovação desse gabinete.”

No rasto da Jamaica, também o arquipélago de Antígua e Barbuda planeia convocar um referendo à república, “provavelmente nos próximos três anos”, disse o primeiro-ministro Gaston Browne. “Não se trata de um ato de hostilidade”, explicou, “mas a etapa final para completar o círculo da independência e assegurar que somos uma verdadeira nação soberana”.

A insignificância política dos países das Caraíbas pode levar à tentação de se relativizar o impacto de um possível divórcio da coroa britânica. Mas esse poderá ser também o rumo de grandes países como a Austrália. Esta semana, o primeiro-ministro Anthony Albanese — um republicano confesso que, pela primeira vez, dotou o governo de um “ministro-adjunto para a república” — descartou haver urgência no assunto. “Questões maiores sobre a nossa Constituição não são chamadas agora”, disse na britânica Sky News.

Um insulto aos indígenas

Uma sondagem divulgada quatro dias após a morte de Isabel II revelou que 60% acham que a Austrália deve permanecer uma monarquia. “Os republicanos defendem que o país deve ter um chefe de Estado australiano, que manter a monarquia é um insulto aos primeiros australianos (indígenas), devido ao passado colonial, e que ‘é hora’ de mudar”, diz ao Expresso Cindy McCreery, da Universidade de Sydney.

Alerta para o facto de o inquérito ter sido feito na emoção da proclamação do novo rei. “Suspeito que as atitudes mudem com o tempo e que a monarquia se torne menos popular. Mas não haverá um referendo sobre a questão republicana nos próximos três anos. No primeiro mandato, Albanese quer concentrar-se em introduzir uma voz indígena no Parlamento.”

Na vizinha Nova Zelândia, a república parece ser também uma questão de tempo. A primeira-ministra, Jacinda Ardern, já disse acreditar que o país a adote no seu tempo de vida. Já o maior entre os grandes não hesita. “Afirmamos a nossa lealdade ao novo rei do Canadá, sua majestade o Rei Carlos III, e oferecemos-lhe o nosso apoio total.” O Canadá foi o país mais visitado por Isabel II, num total de 24 deslocações.

Artigo publicado no “Expresso”, a 16 de setembro de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui

Isabel II. 37 imagens que revelam uma longa vida de união com o reino

Isabel II dedicou 70 dos seus 96 anos de vida a servir o país onde nasceu

Elizabeth Alexandra Mary nasceu a 21 de abril de 1926, em Londres. Na foto, surge (à esq.) na companhia da mãe e da irmã mais nova, Margaret Rose, falecida em 2002 HULTON ARCHIVE / GETTY IMAGES
Neste retrato real, Isabel surge ao colo do pai, o rei Jorge VI, a quem sucederia no trono UNIVERSAL HISTORY ARCHIVE / GETTY IMAGES
Saudar os súbditos à varanda do Palácio de Buckingham foi um hábito que acompanhou Isabel desde a infância BETTMANN / GETTY IMAGES
A paixão por cavalos manifestou-se em tenra idade BETTMANN / GETTY IMAGES
A 9 de julho de 1947, tinha Isabel 21 anos, ficou noiva de Filipe Mountbatten, nascido Filipe da Grécia e Dinamarca HULTON ARCHIVE / GETTY IMAGES
Durante a II Guerra Mundial, as princesas Isabel e Margarida participam numa emissão radiofónica destinada às crianças do império britânico TOPICAL PRESS AGENCY / GETTY IMAGES
Com o noivo, os pais e a irmã, pouco tempo antes de se casar BETTMANN / GETTY IMAGES
No Castelo de Balmoral, na Escócia, na companhia de um dos seus corgis, em 1952 BETTMANN / GETTY IMAGES
Retrato oficial, com a tiara e a faixa da Ordem da Jarreteira, a mais antiga ordem militar de cavalaria britânica BETTMANN / GETTY IMAGES
Em 1960, com o marido e os três filhos mais velhos, nos jardins do Castelo de Balmoral BETTMANN / GETTY IMAGES
Isabel e Filipe casaram-se a 20 de novembro de 1947, na Abadia de Westminster, em Londres HULTON DEUTSCH / CORBIS / GETTY IMAGES
Estiveram casados quase 74 anos. Só a morte de Filipe, em 2021, os separou MICHAEL OCHS ARCHIVES / GETTY IMAGES
Isabel foi coroada rainha a 2 de junho de 1953, na Abadia de Westminster. Tinha 27 anos HULTON ARCHIVE / GETTY IMAGES
Quando ascendeu ao trono, Isabel e Filipe estavam casados há seis anos PRINT COLLECTOR / GETTY IMAGES
Nos tempos de princesa, cumprimentando Winston Churchill, que foi primeiro-ministro nos reinados de Jorge VI e Isabel II KEYSTONE-FRANCE / GETTY IMAGES
As temporadas em Balmoral e as tardes passadas nos jardins do castelo tornaram-se oportunidades fotográficas para a família BETTMANN / GETTY IMAGES
Com os filhos mais velhos, Carlos e Ana. Nasceriam ainda André e Eduardo HULTON DEUTSCH / GETTY IMAGES
Em finais da década de 1960, num avião Andover, em tempos o transporte aéreo da família real britânica BETTMANN / GETTY IMAGES
No dia do casamento de Carlos, o seu primogénito, com Diana Spencer, a 29 de julho de 1981 PRINCESS DIANA ARCHIVE / GETTY IMAGES
Com os netos William e Harry, na tribuna real de um clube de pólo, em 1987 TIM GRAHAM / GETTY IMAGES
Dona de um sentido de humor particular, pôs o Presidente Ronald Reagan às gargalhadas, durante uma visita aos Estados Unidos, em 1983 BETTMANN / GETTY IMAGES
Com Margaret Thatcher, a sua principal interlocutora política entre 1979 e 1990, enquanto primeira-ministra do reino BETTMANN / GETTY IMAGES
Um momento de animação no seio de uma família muitas vezes noticiada por episódios de tensão e tristeza KENT GAVIN / GETTY IMAGES
Sorrisos e cor, durante uma visita ao México, em 1975 SERGE LEMOINE / GETTY IMAGES
A relação com a princesa de Gales foi-se degradando ao longo dos anos e Isabel II não o escondeu PRINCESS DIANA ARCHIVE / GETTY IMAGES
Os súbditos não compreenderam o silêncio de Isabel II quando Diana morreu e criticaram-na JEFF OVERS / GETTY IMAGES
A rainha ouviu a insatisfação do povo e percorreu os ‘mares de flores’ depositadas pelos súbditos em tributo à princesa, este em Balmoral MATHIEU POLAK / GETTY IMAGES
O afastamento dos duques de Sussex dos compromissos oficiais e protocolares da família real desgostou Isabel II nos últimos anos de vida MAX MUMBY / INDIGO / GETTY IMAGES
A 13 de julho de 2016, Isabel II recebeu a conservadora Theresa May, a quem convidou a formar governo DOMINIC LIPINSKI / GETTY IMAGES
Com o príncipe herdeiro, no Palácio de Westminster, a 14 de outubro de 2019, na cerimónia de abertura do Parlamento, tomado pela batalha do ‘Brexit’ PAUL EDWARDS / GETTY IMAGES
Em 2015, com o duque de Edimburgo, à saída de uma cerimónia em honra das tropas britânicas estacionadas no Afeganistão CHRIS JACKSON / GETTY IMAGES
A pandemia de covid-19 acabou com as audiências semanais presenciais entre rainha e chefe de governo. Esta imagem regista o primeiro encontro com Boris Johnson passada a tormenta DOMINIC LIPINSKI / GETTY IMAGES
À chegada a um banquete em sua honra, durante uma visita à Alemanha, aos 89 anos de vida. Só muito recentemente, Isabel II começou a falhar compromissos oficiais SEAN GALLUP / GETTY IMAGES
Chegou a confessar em público ter vivido um “annus horribilis”, em 1992, o ano do divórcio de três dos seus quatro filhos. Mas o sorriso doce ficará como uma das suas imagens mais genuínas SAMIR HUSSEIN / WIREIMAGE / GETTY IMAGES
Sozinha e com a tristeza escondida atrás da máscara, a 17 de abril de 2021, Isabel II assistiu ao funeral do marido, o companheiro de uma longa vida JONATHAN BRADY / GETTY IMAGES
Isabel II foi monarca do Reino Unido e de 14 outros países, reunidos na Commonwealth ANDREW WINNING / GETTY IMAGES
Dois dias antes de falecer, Isabel II recebeu em audiência Liz Truss, em Balmoral, e convidou-a a assumir o cargo de primeira-ministra. A frescura aparente, numa mulher de 96 anos, não indiciava uma partida iminente JANE BARLOW / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de setembro de 2022. Pode ser consultado aqui ou aqui

Como no Brexit, no desporto o Reino Unido é um país desunido, que pode desdobrar-se em cinco (e mais uma invulgar derivação)

No Reino Unido, o desporto ignora fronteiras. Fora de portas, o país ora compete com uma equipa única ora permite que ingleses, escoceses, galeses e norte-irlandeses vão a jogo com seleções próprias. E casos há em que as duas Irlandas se “reunificam” para defrontar os outros britânicos

O processo de saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) pôs às claras sensibilidades várias que, do lado de lá do Canal da Mancha, expõem… um Reino desunido. Se ingleses e galeses votaram “sim” no referendo que legitimou o “adeus” à Europa, já escoceses e norte-irlandeses querem continuar a pertencer ao bloco europeu.

Estas divergências não terão impacto no desfecho do Brexit, que se aplicará ao “Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte”, como o país é oficialmente designado, ainda que muitas vezes responda por “Inglaterra”, “Grã-Bretanha”, “Reino Unido” ou até “Ilhas Britânicas” (ver glossário no fim).

O desporto é porventura das áreas onde os britânicos mais fórmulas usam para se apresentarem em público. Nos Jogos Olímpicos, por exemplo, os atletas representam o Reino Unido mas participam sob a chancela “Team GB” (Equipa Grã-Bretanha).

“Team GB” de regresso a casa, no Aeroporto de Heathrow, após os Jogos Olímpicos de 2016 FOTO STUART C. WILSON / GETTY IMAGES

Esta marca existe desde 1999 e foi desenvolvida pela Associação Olímpica Britânica (BOA) visando “unificar a equipa como um todo, independentemente da modalidade específica de cada atleta”. O curioso é que sendo a Grã-Bretanha composta por Inglaterra, Escócia e País de Gales, a “Team GB” pode também levar aos Jogos desportistas… da Irlanda do Norte.

“Os termos Grã-Bretanha e Reino Unido são invariavelmente misturados, o que não ajuda. Embora a filiação no Comité Olímpico Internacional (COI) seja concedida ao Reino Unido, que inclui a Irlanda do Norte, há atletas desta última que representam a República da Irlanda nos Jogos Olímpicos”, explica ao Expresso o escocês Alan Bairner, professor de Teoria Social e do Desporto, na Universidade de Loughborough, Inglaterra.

Os norte-irlandeses podem escolher entre competir pela equipa britânica ou pela irlandesa. Em 2016, dos 29 norte-irlandeses que fizeram os mínimos para os Jogos do Rio, apenas oito optaram pela “Team GB”. Entre os 21 que integraram a equipa da Irlanda esteve o pugilista Patrick Barnes, nascido em Belfast, que foi o porta-bandeira na cerimónia de inauguração.

A Irlanda já conquistou 31 medalhas nos Jogos Olímpicos. A Grã-Bretanha, que participou em todas as edições, é um colosso, com 883 FOTO KAI PFAFFENBACH /REUTERS

Quando falta menos de um ano para os Jogos de Tóquio, que começam a 24 de julho, os atletas norte-irlandeses já começaram a tomar posição sobre o assunto. Recentemente, o golfista norte-irlandês Rory Mcilroy, nº 1 do ranking mundial em 2012 e 2014 (em 2013 perdeu para Tiger Woods), anunciou que vai alinhar pela Irlanda.

O Partido Unionista Democrático (DUP), da Irlanda do Norte, tem o assunto na agenda e tem pressionado para ver a designação alterada. A resistência começa no seio da própria Associação Olímpica Britânica — que funciona com fundos privados —, para a qual “Team GB” é a marca comercialmente mais eficaz.

Dada a margem para a controvérsia, impõe-se uma questão: se “Team GB” realça a Grã-Bretanha (da qual não faz parte a Irlanda do Norte), por que não optar pela designação “Team UK” (“Equipa Reino Unido”)?

Dois pugilistas britânicos, durante um treino nos Jogos do Rio de Janeiro FOTO PETER CZIBORRA / REUTERS

“A Associação Olímpica Britânica é o Comité Olímpico Nacional da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, da Ilha de Man, das Ilhas do Canal e dos Territórios Ultramarinos do Reino Unido (incluindo as Malvinas e Gibraltar)”, esclareceu a Associação. Todos estes territórios têm por isso porta aberta da “Team GB”. No caso de uma “Team UK”, campeões como Mark Cavendish, que já averbou 30 vitórias em etapas do Tour de França, ficariam em casa. O ciclista é natural da Ilha de Man, uma dependência da Coroa Britânica que formalmente não faz parte do Reino Unido, apesar da sua Defesa e Relações Externas serem da responsabilidade… do Reino Unido.

“Nem ‘UK’ nem ‘GB’ descreve com precisão as competências da Associação, nem seriam representativas de todos os territórios que se enquadram na sua jurisdição”, concluiu a Associação Olímpica Britânica.

Parada do Liverpool, após vencer a Liga dos Campeões 2018/2019. Nas provas da UEFA, há clubes ingleses, galeses, escoceses e norte-irlandeses FOTO PHIL NOBLE / REUTERS

Se nos Jogos Olímpicos, o Reino Unido participa com uma seleção única, nos torneios de futebol — por seleções ou clubes —, os países participam individualmente. “Isto acontece porque a Irlanda do Norte (inicialmente Irlanda), a Escócia, o País de Gales e a Inglaterra (que foram as primeiras equipas de futebol a nível internacional) aderiram à UEFA e à FIFA como nações separadas”, explica Alan Bairner.

A história explica também por que razão nos campeonatos do mundo de râguebi e de críquete, as duas Irlandas competem unidas numa equipa única. “A Associação Irlandesa de Futebol foi estabelecida como um órgão para toda a Irlanda, em Belfast, em território que se tornaria Irlanda do Norte, enquanto a União Irlandesa de Críquete e a União Irlandesa de Râguebi foram estabelecidas em Dublin antes da cidade se tornar a capital do Estado Livre Irlandês (posteriormente República da Irlanda)”, explica Alan Bairner. “Com a Irlanda dividida, emergiram duas associações de futebol, mas o râguebi e o críquete continuaram a ter os órgãos administrativos de toda a Irlanda com sede em Dublin.”

No râguebi, a equipa irlandesa (de verde) é composta por jogadores das duas Irlandas. A foto refere-se a um Irlanda-País de Gales, a 7 de setembro passado FOTO PHIL NOBLE / REUTERS

Com tantas combinações possíveis, o Reino Unido mais parece um país de ficção. Mas os britânicos convivem bem com isso. No medalheiro olímpico, só norte-americanos, russos e alemães têm mais títulos.

GLOSSÁRIO

Ilhas Britânicas
É o conjunto de duas grandes ilhas (a Grã-Bretanha e a Irlanda) e de milhares de pequenas ilhas, a esmagadora maioria desabitadas.

Grã-Bretanha
É a maior das Ilhas Britânicas. Está dividida em três países não-soberanos: Inglaterra, Escócia e País de Gales.

Irlanda
Está dividida entre a Irlanda do Norte (que pertence ao Reino Unido) e a República da Irlanda, que é um país independente.

Reino Unido
É o Estado soberano, composto pela Grã-Bretanha e pela Irlanda do Norte.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 17 de dezembro de 2019. Pode ser consultado aqui

O que dizem os votos na Escócia e na Irlanda do Norte? Os dois territórios “distanciaram-se” de Londres

Na Escócia, os nacionalistas reforçaram a sua representação na Câmara dos Comuns. Na Irlanda do Norte, os unionistas perderam lugares. Nas eleições de quinta-feira, os dois territórios que, em 2016, rejeitaram o “Brexit” mandaram recados a Londres

Escócia e Irlanda do Norte, os dois territórios que, no referendo de 23 de junho de 2016, votaram contra a saída do Reino Unido da União Europeia (“Brexit”) aproveitaram as eleições de quinta-feira para mandar recados a Londres quanto ao futuro que pretendem para si.

Na Escócia — que elege 59 deputados para a Câmara dos Comuns (composta por 650 deputados) —, o Partido Nacionalista Escocês (SNP) viu a sua representação parlamentar ser reforçada em 13 assentos. A formação liderada por Nicola Sturgeon obteve 45% dos votos — mais 8,1% do que nas últimas eleições, em 2017 — elegendo 48 deputados.

Nicola Sturgeon considerou o resultado “uma mensagem clara” quanto ao futuro da Escócia — onde o Brexit foi rejeitado por 62% — e disse sentir-se agora com “um mandato renovado e reforçado”. “Boris Johnson tem um mandato para tirar a Inglaterra da União Europeia mas tem de aceitar que eu tenho um mandato para dar à Escócia a escolha sobre um futuro alternativo”, reagiu a primeira-ministra escocesa.

A estratégia do SNP passará pela realização de um segundo referendo à independência do território ainda que sem certezas absolutas de que o resultado seria diferente do que saiu da consulta popular de 18 de setembro de 2014, quando os escoceses rejeitaram a independência por 55% dos votos.

Feridas (ainda) abertas na Irlanda

Outro território britânico onde o futuro é uma grande incerteza é a Irlanda do Norte, que elege 18 deputados para Westminster. Estas eleições ditaram uma perda de influência dos unionistas (protestantes), partidários de manutenção da Irlanda do Norte como parte integrante do Reino Unido.

O Partido Democrático Unionista (DUP) perdeu dois deputados, ficando-se agora pelos oito. Uma perda simbólica envolveu o até agora líder parlamentar, Nigel Dodds, que ficou sem o assento que ocupava desde 2001. O seu lugar foi conquistado pelo “mayor” de Belfast, militante do Sinn Féin (partido republicano) cujo pai foi morto por paramilitares unionistas em 1989, durante o conflito na Irlanda do Norte.

“Não consigo deixar de pensar no meu pai e de onde viemos, não apenas como família, mas também como sociedade”, reagiu John Finucane. Durante a campanha no círculo de Belfast Norte, por onde foi eleito, Finucane apresentou-se como “o único candidato anti-Brexit que pode vencer!”.

Partidário da reunificação com a República da Irlanda, o Sinn Féin — que ganhou sete deputados — tem por hábito não concretizar a posse dos parlamentares que elege por não reconhecer a soberania do Parlamento britânico sobre a Irlanda do Norte.

A Irlanda é um dos quebra-cabeças das negociações que se seguirão entre Londres e Bruxelas relativamente aos termos em que se vai concretizar o Brexit. O Norte da ilha está obrigado a seguir Londres, o Sul é um Estado independente, membro de pleno direito da União Europeia. A Norte, o acordo de paz entre unionistas e nacionalistas tem apenas 21 anos de vida. Muitas feridas continuam abertas e o Brexit pode agravá-las.

(IMAGEM Bandeiras da Irlanda do Norte, Inglaterra, Escócia e País de Gales WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de dezembro de 2019. Pode ser consultado aqui