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As preocupações (e as imagens) de António Guterres durante a viagem que o colocou na capa da “Time”

O secretário-geral das Nações Unidas foi, pela primeira vez, ao Pacífico, a linha da frente do combate às alterações climáticas. Visitou três países insulares que correm o risco de ficarem submersos. Em discursos e no Twitter, antónio Guterres expressou preocupações e apelou ao envolvimento global num drama que, mais cedo ou mais tarde, baterá à porta de todos

A viagem de António Guterres ao Pacífico Sul que levou a revista “Time” a dar-lhe honras de capa resulta de uma grande ironia. Ilhas Fiji, Tuvalu e Vanuatu — os pequenos Estados insulares visitados pelo secretário-geral das Nações Unidas entre 14 e 18 de maio — são paraísos à face da Terra que lutam para se manter à tona. Perdidos na imensidão do mar, testemunham diariamente a subida das águas, numa ameaça à sua sobrevivência visível aos olhos.

“Estou de partida para Tuvalu, uma nação insular do Pacífico onde o ponto mais alto tem menos de cinco metros [de altura]. Enfrenta uma ameaça existencial face à subida do nível do mar”, escreveu Guterres no Twitter, a 16 de maio. “Temos de impedir que Tuvalu se afunde e que o mundo se afunde juntamente com Tuvalu.”

A fotografia que ilustra a capa da “Time” foi tirada precisamente em Tuvalu. Com a água do Pacífico pelos joelhos, e uma expressão séria, Guterres surge na posição de um vulgar cidadão daquele país que vê, diariamente, o mar cada vez mais perto de lhe entrar casa adentro.

“Em nenhum outro lugar vi tão claramente impactos tão devastadores da situação crítica climática global como em Tuvalu, onde conheci famílias cujas casas estão ameaçadas pela contínua subida dos mares”, twitou a 17 de maio.

Tuvalu foi a segunda etapa do périplo de Guterres pelas pequenas ilhas — a viagem à região teve uma primeira paragem na Nova Zelândia. Antes de Tuvalu, esteve nas Ilhas Fiji.

Num discurso no Fórum das Ilhas do Pacífico, realizado em Suva (capital das Fiji), o secretário-geral da ONU fez um alerta para todo o mundo: “Em 2016, mais de 24 milhões de pessoas em 118 países e territórios foram deslocadas por causa de desastres naturais — três vezes mais do que o número de deslocados por conflitos.”

Guterres procurou também dar visibilidade a projetos locais verdes, como a embarcação “Uto ni Yalo”, uma embarcação tradicional polinésia que trabalha a vento e energia solar.

A visita ao Pacífico terminou na ilha de Vanuatu, “um dos países mais propensos a desastres, o que é agravado pelas alterações climáticas”, enfatizou Guterres.

A 18 de maio, em jeito de alerta final, divulgou um comunicado chamando a atenção para o facto destes Estados contribuírem muito pouco para o drama global das alterações climáticas e serem aqueles que mais afetados são, correndo mesmo riscos de sobrevivência.

“O que é notável acerca destes países é que perante este desafio enorme, eles decidiram não desistir. Estão determinados a encontrar soluções e a desenvolveram formas de aumentar a sua resiliência e adaptação. Estão a liderar o caminho da redução de emissões [de dióxido de carbono para a atmosfera] e são um exemplo que o resto do mundo devia seguir.”

FOTOGALERIA

António Guterres sobrevoa Tuvalu. A parte de trás do avião abre-se para ser mais percetível o avanço do mar sobre as pequenas ilhas UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Em território de Tuvalu, observando uma costa que parece morta UN PHOTO / MARK GARTEN
À conversa com uma habitante de Tuvalu UN PHOTO / MARK GARTEN
Durante a maré alta, esta calçada fica completamente submersa UN PHOTO / MARK GARTEN
Na companhia do primeiro-ministro das Ilhas Fiji, Frank Bainimarama UN PHOTO / MARK GARTEN
O secretário-geral da ONU percorreu os locais por via aérea, terrestre e marítima também UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Nas Ilhas Fiji, experimentou viajar numa embarcação especial, que combina sabedoria tradicional e moderna tecnologia… UN PHOTO / MARK GARTEN
… o “Uto ni Yalo” funciona a energia eólica e solar UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Nas Ilhas Fiji, crianças mostram cartazes com mensagens apelando à preservação do ambiente UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Num mercado de Vanuatu, interessado em conhecer no impacto económico local das alterações climáticas UN PHOTO / MARK GARTEN
Na pele de um residente de Vanuatu UN PHOTO / MARK GARTEN
Plantando uma árvore, nas Ilhas Fiji… UN PHOTO / MARK GARTEN
… outra em Tuvalu UN PHOTO / MARK GARTEN
Pequenos paraísos perdidos na imensidão do Pacífico em risco de ficarem submersos UN PHOTO / MARK GARTEN
Cinco dias de visita a populações em risco de sobrevivência que têm em António Guterres um grande aliado UN PHOTO / MARK GARTEN

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de junho de 2019. Pode ser consultado aqui

Fotogaleria: A viagem de António Guterres ao Pacífico Sul

As pequenas ilhas do Pacífico estão na linha da frente do combate às alterações climáticas. O secretário-geral da ONU quis ver o drama de perto e visitou as Ilhas Fiji, Tuvalu e Vanuatu

António Guterres sobrevoa Tuvalu. A parte de trás do avião abre-se para ser mais percetível o avanço do mar sobre as pequenas ilhas UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Em território de Tuvalu, observando uma costa que parece morta UN PHOTO / MARK GARTEN
À conversa com uma habitante de Tuvalu UN PHOTO / MARK GARTEN
Durante a maré alta, esta calçada fica completamente submersa UN PHOTO / MARK GARTEN
Na companhia do primeiro-ministro das Ilhas Fiji, Frank Bainimarama UN PHOTO / MARK GARTEN
O secretário-geral da ONU percorreu os locais por via aérea, terrestre e marítima também UN PHOTO / MARK GARTEN
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Nas Ilhas Fiji, experimentou viajar numa embarcação especial, que combina sabedoria tradicional e moderna tecnologia… UN PHOTO / MARK GARTEN
… o “Uto ni Yalo” funciona a energia eólica e solar UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Nas Ilhas Fiji, crianças mostram cartazes com mensagens apelando à preservação do ambiente UN PHOTO / MARK GARTEN
UN PHOTO / MARK GARTEN
Num mercado de Vanuatu, interessado em conhecer no impacto económico local das alterações climáticas UN PHOTO / MARK GARTEN
Na pele de um residente de Vanuatu UN PHOTO / MARK GARTEN
Plantando uma árvore, nas Ilhas Fiji… UN PHOTO / MARK GARTEN
… outra em Tuvalu UN PHOTO / MARK GARTEN
Pequenos paraísos perdidos na imensidão do Pacífico em risco de ficarem submersos UN PHOTO / MARK GARTEN
Cinco dias de visita a populações em risco de sobrevivência que têm em António Guterres um grande aliado UN PHOTO / MARK GARTEN

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As preocupações (e as imagens) de António Guterres durante a viagem que o colocou na capa da “Time”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de junho de 2019. Pode ser consultado aqui

Como Guterres foi parar à capa da “Time”

A revista “Time” acompanhou o secretário-geral da ONU num périplo pelo Pacífico onde há países que, face às alterações climática, lutam para não serem engolidos pelo mar. Na capa, António Guterres surge em pose dramática, com a água do Pacífico já pelos joelhos. Mas a mensagem é de esperança: “Os países mais atingidos pelas alterações climáticas estão a lutar — e a obter resultados”, diz a “Time”. E Guterres tem sido um grande aliado

As alterações climáticas não se compadecem com as hesitações políticas dos governantes do mundo e vão desbravando o planeta com violência. Aos poucos, há países que estão, literalmente, a desaparecer do mapa. É a eles que a revista “Time” dedica o tema principal da sua mais recente edição.

Na capa, António Guterres surge na pele de um cidadão de Tuvalu, um dos territórios mais ameaçados pela subida dos oceanos. Com a água do mar pelos joelhos e o rosto carregado, o secretário-geral das Nações Unidas coloca-se na posição dramática que, mais cedo ou mais tarde, afetará qualquer habitante à face da Terra.

“O que tentamos dizer ao mundo é que quando nós nos afundarmos, todas as cidades se afundarão também”, alerta Tuilaepa Malielegaol, primeiro-ministro da Samoa, outro país vulnerável à subida do nível da água do mar.

No artigo da “Time”, Guterres poderia ser também um habitante da aldeia de Vunidogoloa, nas Ilhas Fiji. Outrora uma comunidade com mais de 100 pessoas, a aldeia de Vunidogoloa foi tomada pelo avanço da floresta tropical e das águas salgadas do Pacífico. A vida tornou-se impossível e, há cinco anos, o Governo das Fiji construiu uma cidade nova mais acima na colina. Foi a primeira comunidade nas Fiji a ser relocalizada por causa das alterações climáticas, mas outras 40 já estão sinalizadas e deverão mudar de sítio nos próximos anos. “Penso nas alterações climáticas todos os dias”, diz à reportagem da “Time” o primeiro-ministro Frank Bainimarama.

Em maio passado, António Guterres testemunhou pessoalmente o drama de quatro países do Pacífico Sul durante um périplo que o levou à Nova Zelândia, Ilhas Fiji, Vanuatu e Tuvalu, onde foi feita a fotografia da capa da “Time”. Não foi uma simples visita.

O português tem em mãos a organização de uma Cimeira pela Ação Climática, prevista para setembro, em Nova Iorque, que reunirá chefes de Estado, homens de negócios e líderes da sociedade civil. Com ela, Guterres pretende dar palco às nações mais vulneráveis e levar os países desenvolvidos a comprometerem-se com metas mais ambiciosas, nomeadamente ao nível da redução das emissões de dióxido de carbono.

“Guterres está a trabalhar no sentido de posicionar as pequenas nações insulares não só como o centro político do debate, mas também como o centro moral”, diz a “Time”.

Os pequenos países têm-se mexido com sucesso no sentido de pôr este assunto no mapa político. Articulados, contribuíram para dar forma ao Acordo de Paris de 2015 e para a elaboração de um importante relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, que enfatiza a urgência em limitar o aquecimento do planeta a 1.5º C até 2100.

Podemos ficar sentados a observar, questiona a “Time”

“O relatório chamou mais a atenção do que até a aprovação do próprio Acordo de Paris”, escreve a “Time”, “e inspirou o empurrão para um Green New Deal (Novo Acordo Verde) nos Estados Unidos bem como novos e mais agressivos planos climáticos num punhado de outros países”.

“O sucesso destes países resulta numa grande lição: nenhuma nação pode resolver sozinha um problema tão complexo como as alterações climáticas, mas juntas as nações podem fazer a diferença”, conclui a “Time”. “Podemos ficar sentados a observar as pequenas ilhas do Pacífico a desaparecerem — mas quem acham que será atingido a seguir?”

António Guterres — um entusiasta confesso do multilateralismo — está ativamente empenhado em contrariar essa letargia. É esse o reconhecimento que a “Time” lhe faz.

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Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 14 de junho de 2019. Pode ser consultado aqui

Oito nomes, oito estilos

Perante escassos poderes executivos, a personalidade do secretário-geral das Nações Unidas pode fazer a diferença

“Já conversou com o novo secretário-geral? Discutiram uma saída para a Síria?” Vitaly Churkin, embaixador russo na ONU, acabava de confirmar o nome de António Guterres para secretário-geral quando uma jornalista lhe recordou o grande desafio que a organização tem pela frente. Mas a Carta da ONU não dá margem para ilusões. “O secretário-geral poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que, na sua opinião, ameace a paz e a segurança internacionais”, lê-se no artigo 99.º. Perante as grandes expectativas e os escassos poderes, só a personalidade do secretário-geral pode fazer a diferença. “Contas feitas”, reconheceu ainda em funções Kofi Annan, “os únicos meios de que disponho são a razão e a persuasão. Não posso chamar aviação nem exército.”

TRYGVE LIE (1946-1952) — PRAGMÁTICO
Nascido em Oslo, foi ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega do Governo no exílio, durante a II Guerra Mundial. Ganhou fama de político pragmático e determinado quando apoiou o Conselho de Segurança na sua decisão de combater pelas armas a invasão da Coreia do Sul pelos norte-coreanos, originando, com essa posição, a hostilidade da União Soviética. Na mesma altura, enfrentou, dentro da ONU, a “caça às bruxas” anticomunista desencadeada nos EUA pelo senador McCarthy. Não concluiu o mandato, demitindo-se em novembro de 1952. Quando recebeu o seu sucessor no aeroporto Idlewild (atual JFK) em Nova Iorque, disse: “Bem-vindo, Dag Hammarskjöld, ao trabalho mais impossível à face da Terra”.

DAG HAMMARSKJÖLD (1953-1961) — ESTADISTA
Homem do terreno, este diplomata sueco visitou 21 territórios africanos entre 18 de dezembro de 1959 e 31 de janeiro de 1960. A sua quarta viagem de mediação à República do Congo, recém-independente e varrida pela guerra civil, terminou tragicamente com a queda do seu avião na Rodésia do Norte (atual Zâmbia), a 18 de setembro de 1961. O desastre foi justificado com um erro do piloto, mas investigações independentes concluíram que o Douglas DC-6 foi abatido. Hammarskjöld venceu o Nobel da Paz a título póstumo. “Foi o maior estadista do nosso século”, disse dele o Presidente dos EUA John F. Kennedy.

U THANT (1961-1971) — MEDIADOR
Foi um negociador ativo na crise dos mísseis de Cuba (1962), uma das mais graves entre EUA e URSS durante a Guerra Fria. “U Thant colocou o mundo profundamente em dívida para com ele”, reconheceu John F. Kennedy, um dos protagonistas da crise juntamente com o Presidente soviético, Nikita Khrushchov. Os bons ofícios do diplomata birmanês colocaram-no entre os favoritos para receber o Nobel da Paz, o que nunca aconteceria. “Não está o secretário-geral a fazer o seu trabalho apenas quando trabalha para a paz?”, disse ele. U Thant está também na origem da missão de manutenção da paz da ONU na ilha de Chipre, em 1964, ainda em funções.

KURT WALDHEIM (1972-1981) — PROSCRITO
Cumpriu dois mandatos, mas quando morreu, a 14 de junho de 2007, foi o seu passado pró-nazi e não o seu legado na ONU que mais títulos fez nos obituários publicados. As revelações de que integrara uma unidade do exército alemão responsável por atrocidades nos Balcãs, na II Guerra Mundial, surgiram já ele era Presidente da Áustria (1986-1992). Na ONU, tornou-se o primeiro secretário-geral a visitar a Coreia do Norte, em 1979. No ano seguinte, voou até Teerão para tentar negociar a libertação dos reféns norte-americanos. O “ayatollah” Khomeini recusou-se a recebê-lo.

JAVIER PÉREZ DE CUÉLLAR (1982-1991) — NEGOCIADOR
Foi o último secretário-geral da Guerra Fria. Envolveu-se nas negociações que resultaram na libertação de reféns no Líbano, na retirada soviética do Afeganistão e no fim do conflito no Camboja. Considerou a missão de manutenção de paz neste último “provavelmente a mais importante e a mais complexa da história da ONU”. Mas foi com o cessar-fogo na guerra Irão-Iraque (1980-88) que este embaixador peruano obteve o maior reconhecimento diplomático.

BOUTROS BOUTROS-GHALI (1992-1996) — INEFICAZ
Antigo ministro dos Negócios Estrangeiros do Egito, foi secretário-geral durante uma sucessão de graves crises — com o massacre no Ruanda (1994) à cabeça, que fez mais de um milhão de mortos — sem que a ONU tenha revelado capacidade para as travar. Foi apupado na Somália, Etiópia e Bósnia. Em Sarajevo, chocou os locais ao dizer que sem querer minimizar os horrores daquela guerra havia outros países onde “a mortandade era maior”. Os EUA vetaram a sua reeleição.

KOFI ANNAN (1997-2006) — HUMANISTA
Na era do terrorismo internacional pós-11 de Setembro, o ganês Kofi Annan elegeu como prioridade a reforma orçamental da ONU e os direitos humanos. Em 2000, lançou os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio que pretendeu constituírem uma ponte entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Em 2001, partilhou com a própria ONU o Nobel da Paz. Opôs-se, derrotado, à invasão do Iraque. Numa entrevista à BBC em 2004, considerou-a “ilegal”.

BAN KI-MOON (2007-2016) — DISCRETO
À semelhança do seu antecessor, este sul-coreano concentrou-se na agenda da ONU para o mundo — Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável — em detrimento dos fogos que se foram ateando em seu redor: Primavera Árabe, guerra na Síria, surgimento do Daesh. Em final de mandato, Ban Ki-moon celebrará a entrada em vigor, a 4 de novembro próximo, do Acordo de Paris sobre o Clima (COP-21), negociado no quadro da ONU.

(Imagem: Bandeira da Organização das Nações Unidas)

Artigo publicado no Expresso, a 8 de outubro de 2016