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Assad ganha na ONU e surge na TV síria

O Conselho de Segurança da ONU falhou a aprovação de sanções ao Governo sírio. Russos e chineses temem uma intervenção externa, como aconteceu na Líbia

Rússia e China vetaram, hoje à tarde, no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CS), um projeto de resolução proposto pelo Reino Unido que ameaçava diretamente o Governo sírio com sanções.

Onze países votaram a favor (incluindo Portugal) e dois abstiveram-se (Paquistão e África do Sul). Foi a terceira resolução vetada por russos e chineses, em defesa do regime de Bashar al-Assad.

A resolução dava um ultimato de dez dias ao Presidente sírio para que aplicasse o plano de paz mediado por Kofi Annan (enviado da ONU e da Liga Árabe) e aceite por Assad há três meses.

Intervenção externa na forja?

“O projecto de resolução que foi votado era tendencioso”, afirmou o embaixador russo Vitayy Churkin. “A ameaça de sanções foi feita exclusivamente ao Governo da Síria, e não reflete a realidade atual do país. É especialmente ambígua à luz do que aconteceu (ontem) com o grave atentado terrorista que tomou lugar em Damasco”, acrescentou.

O homólogo britânico, William Hague, afirmou que o agravamento da crise confirmou “a necessidade urgente de uma resolução do Conselho de Segurança ao abrigo do Capítulo VII da Carta da ONU”.

O Capítulo VII permite que os 15 membros do CS autorizem ações que vão desde sanções económicas e diplomáticas à intervenção militar.

Os EUA esclareceram que a resolução proposta previa apenas sanções e não qualquer intervenção militar, mas russos e chineses acreditam que aprovar a resolução seria viabilizar a repetição de um cenário “à líbia.”

“Não podemos aceitar um documento subordinado ao Capítulo VII”, disse o embaixador russo, justificando o veto de Moscovo. “Abriria o caminho a um envolvimento externo armado nos assuntos internos sírios.”

Assad deu sinais de vida

Paralelamente, a televisão nacional síria divulgou imagens do Presidente sírio, as primeiras desde o atentado de ontem. Bashar al-Assad apareceu na cerimónia de tomada de posse do novo ministro da Defesa, general Fahad Jassim al-Freij. Não foi divulgado o local onde a cerimónia decorreu.

Entretanto, os combates continuam em Damasco, pelo quinto dia consecutivo. Esta amanhã acercaram-se da sede do Conselho de Ministros.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de julho de 2012. Pode ser consultado aqui

Razia no aparelho de segurança sírio

Um atentado suicida atingiu, hoje, a célula de crise do regime sírio, matando ministros e altos responsáveis pela segurança do Estado. O atacante trabalhava como guarda-costas no círculo próximo do Presidente Bashar al-Assad

Um atentado suicida no interior do quartel-general da Segurança Nacional, no bairro de Rawda, em Damasco, provocou uma razia no aparelho securitário do regime sírio. Entre os mortos constam o ministro do Interior, Mohammed Ibrahim al-Shaar, o ministro da Defesa, General Daoud Rajha, e o seu vice, Assef Shawkat, cunhado do Presidente Bashar al-Assad.

O Observatório Sírio para os Direitos Humanos classificou a morte de Shawkat como um “duro golpe para o regime sírio uma vez que ele desempenhava o papel principal nas operações do Exército regular visando o esmagamento da revolução”.

No ataque, morreram também Hafez Makhlouf, chefe do departamento de investigação dos serviços secretos, e o General Hassan Turkmani, um ex-ministro da Defesa e atual conselheiro do Vice-Presidente sírio. Entre os feridos com gravidade está o chefe do gabinete de Segurança Nacional, General Hisham Ikhtiyar.

Guarda-costas e inflitrado

O ataque foi perpetrado por um guarda-costas do círculo próximo do Presidente que terá detonado um cinto de explosivos dentro da sala onde estava reunida a chamada Célula de Crise. Este grupo era constituído pelos principais ministros e responsáveis pela segurança do Estado e obedecia a ordens diretas do Presidente Al-Assad. Duas organizações reivindicaram o atentado.

O Exército Sírio Livre (o grupo rebelde que tem sido o principal motor dos combates contra o Exército de Assad) congratulou-se com as “boas notícias relativamente à operação espetacular” que matou oficiais “responsáveis por massacres bárbaros”. Na sua página no Facebook, o grupo islamita Liwa al-Islam (Brigada do Islão) também assumiu a autoria do atentado.

Pressão aumenta na ONU

Em 16 meses de contestação anti-regime, este foi o atentado mais mortífero contra as esferas políticas próximas de  Bashar al-Assad. E aconteceu horas antes de um importante debate no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre novas sanções à Síria. Mais uma vez, na ONU, espera-se um braço de ferro entre as potências ocidentais e, em defesa do regime sírio, a Rússia e a China.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de julho de 2012. Pode ser consultado aqui

Asma Assad no país das maravilhas

O cosmopolitismo da primeira-dama síria fez dela a relações públicas perfeita de um dos países mais fechados do mundo. Mas as extravagâncias privadas e a forma como se alheou da repressão ordenada pelo marido tornam-na uma vilã

Asma Assad e o marido, Bashar RICARDO STUCKERT / WIKIMEDIA COMMONS

Naquele dia, Bashar al-Assad deve ter sido o homem mais falado em todo o mundo, pelas piores razões. À sua ordem, na véspera, forças de segurança apontaram armas à cidade de Homs — um dos principais bastiões rebeldes do “despertar sírio” — e cometeram uma das piores chacinas desde o início da revolução. Em Damasco, o Presidente não se deixou afetar e entregou-se àquilo que, verdadeiramente, era importante para si naquele momento.

Usando o pseudónimo Sam, escreveu um email à esposa, Asma. Absteve-se de quaisquer referências aos tumultos em curso, descarregou do iTunes o tema ‘God Gave Me You’ (Deus deu-te a mim), do cantor country Blake Shelton, e transcreveu a letra, num aparente ato de autocomiseração: “I’ve been a walking heartache / I’ve made a mess of me / The person that I’ve been lately / Ain’t who I wanna be” (Tenho sido uma dor de coração ambulante / Fiz de mim mesmo uma trapalhada / A pessoa que tenho sido nos últimos tempos / Não é a pessoa que quero ser), diz o primeiro verso.

Estava-se a 5 de fevereiro de 2012, o Presidente levava já quase um ano de contestação, e os Assad pareciam viver num casulo, incapazes de acordar para a realidade e admitir o que era visível para o resto do mundo — o regime tinha os dias contados.

A mensagem de Bashar consta de um conjunto de cerca de 3000 emails a que o diário britânico “The Guardian” teve acesso recentemente, após as contas pessoais dos Assad terem sido intercetadas por membros da oposição. A sensação de autismo em que parece viver a ‘primeira família’ acentuou-se com a revelação de algumas extravagâncias da primeira-dama.

Ao longo do ano passado, quando a contestação ao marido já estava nas ruas, Asma esbanjou dezenas de milhares de dólares em artigos de luxo, encomendados através do iPhone e do iPad: sapatos Christian Louboutin, joias de Paris, mobílias de Chelsea, peças de decoração do Harrods, lustres, cortinas e pinturas. Para contornar as sanções impostas a Bashar, ela socorreu-se de um nome falso — Alia Kayali — e de moradas falsas, em Londres ou no Dubai.

Enquanto o marido ordenava a repressão do mais pequeno sinal de dissidência, no aconchego do lar a primeira-dama parecia tomada por uma terapia consumista, empenhada em concretizar os últimos desejos do clã Assad, particularmente dos filhos Hafez, Zein e Karim. Entre as compras feitas, consta o filme “Harry Potter e as Relíquias da Morte”, um kit para fondue e downloads com fartura do iTunes, de Chris Brown a LMFAO e Right Said Fred.

Bashar vivia o período mais difícil em quase 12 anos de poder. No exterior, cada vez mais vozes acusavam-no de crimes contra a humanidade, quase que sentenciando a sua morte política. Os Assad alhearam-se, mas, após a revelação da ostentação em que vivem, algo mudará: a União Europeia já anunciou que tenciona adicionar o nome de Asma à lista de personalidades sírias alvo de sanções.

Uma rosa britânica no deserto

Nascida em Londres, em 1975, Asma Fawaz al-Akhras é oriunda de uma família sunita (e não alauita, como o marido e a minoria que governa a Síria). Os pais — o cardiologista Fawas Akhras, natural de Homs, e a diplomata Sahar Otri, de Alepo — tinham emigrado para o Reino Unido na década de 50, muito antes de Hafez al-Assad, pai de Bashar, subir ao poder.

Em casa, falava-se árabe, e as férias eram passadas na Síria. Mas, habituados a viver numa sociedade liberal, os progenitores fizeram os possíveis para que a filha crescesse como uma inglesa. Frequentou um colégio anglicano em Acton — onde lhe chamavam Emma — e, depois, o renomado King’s College, onde cursou Ciências da Computação e Literatura Francesa. Ingressou no sector bancário, como analista de fusões e aquisições, primeiro do Deutsche Bank e depois do JP Morgan, em Paris e Nova Iorque.

Em dezembro de 2000, abandonou o Reino Unido para se casar com Bashar — era ele Presidente havia cinco meses. Conheciam-se desde a juventude e aproximaram-se durante os estudos universitários. Após licenciar-se em Medicina, em Damasco, Bashar foi para Londres fazer a especialização em Oftalmologia. Como se horrorizava com sangue, optou pelos olhos, um órgão pouco dado a hemorragias.

A história de amor escapou aos tabloides britânicos. Na Síria, por seu turno, a união entre Bashar e Asma era sentida também como uma aliança política: ele era alauita (um ramo do Islão xiita) e ela sunita, a maioria que, nos anos 80, tentara derrubar o regime do pai Hafez.

A juventude e sofisticação de Asma rapidamente elevaram-na ao patamar das mulheres mais elegantes do mundo, rivalizando com Carla Bruni, Michelle Obama ou Rania da Jordânia. Asma era a relações públicas por excelência da fechada Síria. Do “60 Minutes” ao “Oprah Show”, choviam pedidos de entrevistas. Em 2008, a “Elle” francesa elegeu-a “a primeira-dama mais bem vestida do mundo”. “Glamorosa, jovem e muito chique. É a mais refrescante e a mais magnética das primeiras-damas”, acrescentaria a revista “Vogue”, num artigo que haveria de causar grande polémica.

Publicado a 25 de fevereiro de 2011, o texto — intitulado “Uma Rosa no Deserto” — abriu as portas do moderno apartamento habitado pelos Assad, no bairro Malki, em Damasco, como não era habitual. Podia ler-se: “Asma al-Assad esvazia uma caixa de mistura de fondue para uma panela, para fazer o almoço. A vida de casa é gerida, naturalmente, por princípios democráticos. ‘Todos nós votamos naquilo que queremos e onde queremos’, diz ela. O candeeiro por cima da mesa de jantar é feito de recortes de livros de desenhos animados. ‘Eles [os filhos] derrotaram-nos por 3-2 nessa votação.’”

A democracia era válida em casa, mas não fora dela, onde um regime de partido único praticava a tolerância zero à dissidência. A “Vogue” acusa o embaraço e retira o artigo do seu sítio na Internet. As revoluções na Tunísia e no Egito já tinham derrubado ditadores e as ruas sírias ensaiavam as primeiras ações de contestação a Bashar. Asma sai em defesa do marido. “O Presidente é o Presidente da Síria, não uma fação de sírios, e a primeira-dama apoia-o nessas funções”, disse num email enviado ao “The Times”.

Há cada vez mais vozes a referirem-se a Asma como a Maria Antonieta árabe

A lealdade conjugal sobrepunha-se a qualquer hesitação moral. Em 2005, Asma fundara a organização Massar, destinada a promover a “cidadania ativa” e a participação dos jovens na política, mas quando essa intervenção cívica visou o marido a sua causa caiu pela base.

Num dos emails tornados públicos, AAA — como Asma al-Assad assina as mensagens de carácter pessoal — confidenciava a uma amiga, a 14 de dezembro de 2011: “E, no que toca a ouvir, eu sou o verdadeiro ditador, ele não tem hipótese.” Ainda que o comentário tenha sido feito em tom de brincadeira, revelava que Asma reconhecia ser essa a imagem do marido. E que ela convivia bem com isso.

Asma parece confortável neste mundo de fantasia, mas os emails tornados públicos revelam igualmente que, entre as abastadas elites do Médio Oriente, há quem tenha lucidez e procure aconselhar os Assad a refugiarem-se… num exílio dourado. Num email trocado com Asma, Mayassa al-Thani, filha do emir do Qatar, apelou-lhe que abandonasse o “estado de negação” em que parecia mergulhada. “Só rezo para que convenças o Presidente a aproveitar esta oportunidade para sair sem ter de enfrentar acusações”, escreveu a princesa do Qatar. “A região necessita de estabilidade e tu precisas de paz de espírito. Estou certa que têm muitos lugares para onde ir, incluindo Doha.”

Em tempos, a revista francesa “Paris Match” descreveu Asma como “a luz num país pleno de zonas obscuras”. O próprio Presidente francês, Nicolas Sarkozy, alertado pelos assessores para a faceta ditatorial de Bashar al-Assad, terá desabafado: “Com uma mulher tão moderna, ele não pode ser completamente mau.” A verdade é que, fruto da defesa incondicional que faz do marido — paralelamente ao aumento de mortos, sobretudo civis, resultante do impasse da crise síria —, há cada vez mais vozes a referirem-se a Asma al-Assad como a “Maria Antonieta árabe”.

Artigo publicado na Revista do Expresso, a 24 de março de 2012, e republicado no “Expresso Diário”, a 15 de dezembro de 2016. Pode ser consultado aqui

Portas: “A inação não só é inaceitável como irresponsável”

Discurso integral do ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas no Conselho de Segurança da ONU sobre a situação na Síria, a 31 de janeiro

Muito obrigado Senhor Presidente, e muito obrigado por ter convocado esta reunião tão importante.

Quero dar as boas vindas a este Conselho a Sua Excelência o Xeque Hamad, Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros do Qatar, e ao Dr. Nabil al-Arabi, Secretário-Geral da Liga Árabe.

Quero também agradecer-lhes pelos “briefings” abrangentes e louvar os seus grandes esforços tendo em vista resolver a crise na Síria.

Decidi participar neste debate do Conselho de Segurança pela simples razão de que aquilo que se passa na Síria é tão grave, a inação da comunidade internacional é tão chocante, uma solução árabe é tão urgente, e uma decisão das Nações Unidas é tão essencial, que me senti obrigado a participar e a fazer tudo ao meu alcance para transformar o impasse numa solução e a hesitação em decisão.

Excelências,

A situação na Síria é inaceitável e insustentável. Há dez meses que presenciamos a repressão mais brutal contra civis e a mais flagrante e sistemática violação dos seus direitos humanos mais fundamentais. A brutalidade das autoridades sírias causou milhares de mortos e muitos mais feridos, detidos e torturados, demonstrando o seu desprezo pelos direitos humanos e a sua recusa em proteger a sua própria população. 

De acordo com a UNICEF, cerca de quatrocentas crianças perderam a vida na Síria. Esta é, sem dúvida, uma boa medida das atrocidades cometidas. A única aspiração dos sírios, inspirados pelos seus irmãos de outros países árabes, era simplesmente exprimir o seu protesto e abrir caminho para uma sociedade democrática. Foi o que fizeram, e responderam-lhes com balas, espancamentos e detenções. Estas vítimas e as suas famílias merecem toda a nossa solidariedade.

À medida que a violência continua, a situação na Síria encaminha-se perigosamente rumo à guerra civil, com sérios riscos para a paz e a segurança da região. Apesar disso, o Conselho de Segurança não foi capaz de cumprir plenamente o seu dever para com a Síria e o povo sírio, bem como de desempenhar o seu papel enquanto principal órgão responsável pela paz e segurança internacionais.

Permitam-me ser claro: o argumento aduzido durante estes dez meses de que na Síria a escolha seria entre a inação e a guerra civil não colhe, tendo em conta aquilo que vemos, ouvimos e lemos todos os dias: o país está a cair na guerra civil. Só existe agora verdadeiramente escolha entre a escalada do conflito e uma solução política controlada e negociada.

Senhor Presidente,

Portugal apoia integralmente os esforços da Liga Árabe rumo a uma solução pacífica para a crise na Síria. Uma solução que assegure ao mesmo tempo o fim da violência e permita o exercício de um processo político sério, que estabeleça uma Síria livre e democrática. Aplaudimos já o envio da Missão Árabe de Observação e a decisão de prolongar o seu mandato. Apesar da missão, o regime continua a sua opressão violenta contra as vozes do protesto pacífico e as suas violações disseminadas, sistemáticas e grosseiras dos direitos humanos, conforme documentado pela Comissão de Inquérito do Conselho de Direitos Humanos.

As informações prestadas pela Comissão são arrepiantes e os responsáveis por estas violações brutais têm de ser responsabilizados. Estamos chocados com o assassinato, na semana passada, do chefe de uma delegação do Crescente Vermelho Árabe Sírio. Devemos reiterar, firme e inequivocamente, que tomar como alvo, deliberadamente, pessoal humanitário é um ato simplesmente bárbaro. 

Excelências,

Ao ignorar consistentemente numerosos apelos para pôr termo à repressão sangrenta, as autoridades da Síria alimentaram a escalada e a violência. Ainda que sujeita à repressão, confiamos em que o movimento de oposição sírio manterá a natureza pacífica dos seus legítimos objetivos. Tenho que reiterar a urgência do fim imediato de toda a violência.

Do mesmo modo, o início de um processo político sério que conduza a um sistema político democrático e plural no qual todos os cidadãos, independentemente das suas orientações políticas, etnias ou crenças, sejam tratados por igual e possam realizar as suas legítimas aspirações. Há alguns meses o Presidente Assad anunciou reformas. Não cumpriu, no entanto, estas promessas nem os compromissos assumidos para com a Liga Árabe. Em situações como estas, o velho princípio de que basta mudar algumas coisas para que tudo fique na mesma não se aplica. Muito pelo contrário, a lição da História é esta: onde não há reformas, haverá revoluções.

Portugal defende a soberania, independência e integridade territorial da Síria. Quanto mais se arrastar a crise, maiores serão as cicatrizes na sociedade síria. Senhor Presidente, O meu país valoriza muito o papel das organizações regionais e a sua contribuição para a paz e a segurança. Acreditamos que a Liga Árabe é a organização mais apropriada para liderar os esforços destinados a solucionar uma crise que implica riscos diretos e ameaças para muitos dos seus Estados membros.

Como referi:

Apoiamos inteiramente os esforços da Liga Árabe; Apoiámos sem hesitar o pedido para agendar esta reunião; Apoiamos firmemente a decisão da Liga Árabe de 22 de janeiro e o roteiro político aí adotado, como o único caminho viável para o estabelecimento de um diálogo político credível entre todos os sírios, conduzindo a uma transição política pacífica.

Instamos todas as partes, facções e atores sírios a responder positivamente a esta proposta. Portugal subscreve inteiramente a necessidade da formação de um Governo de Unidade Nacional e apela fortemente ao Presidente Assad para que delegue autoridade plena no seu Vice-Presidente, de modo a conseguir uma transição política pacífica, em conformidade com o que foi sublinhado pelo Primeiro-Ministro do Qatar.

Sintetizando:

Apelamos a todos os membros deste Conselho para que não encarem a Síria com o olhar do passado, na esteira de antigas divisões. O que está em jogo na Síria é uma iniciativa árabe para um problema que é, antes de mais, árabe. Esta é uma crise que o mundo e as Nações Unidas não podem ignorar. Todos os membros deste Conselho se deveriam sentir confortáveis com a iniciativa da Liga Árabe, pois nenhum membro deste Conselho está confortável com os massacres diários perpetrados na Síria.

Senhor Presidente,

A inação não só é inaceitável como irresponsável. É tempo de assumirmos as nossas responsabilidades, e correspondermos às solicitações legítimas do povo sírio e às expectativas dos países da região. Devemos unir-nos no envio de uma mensagem forte e clara às autoridades sírias.

A credibilidade do Conselho de Segurança também se encontra em jogo. Devemos dizer-lhes, de forma inequívoca, que o morticínio deverá terminar e que deverá ser procurada uma solução política, baseada nas propostas da Liga Árabe. É por estes motivos que Portugal saúda Marrocos por ter submetido um projeto de resolução com estes objetivos em vista.

Continuaremos a concertar-nos de boa fé com todos os membros do Conselho de modo a aprovar rapidamente esta resolução. A situação na Síria já provocou sérias perturbações para os seus vizinhos. Desejo, neste contexto, expressar o profundo reconhecimento do meu país pelo auxílio que os países da região, nomeadamente a Turquia, se encontram a prestar aos que procuram fugir à violência, à perseguição e à repressão.

Mas sejamos claros. Se não agirmos, estaremos não só a condenar o povo sírio a mais violência e a mais repressão, como também a aumentar os riscos para a paz e a segurança de toda a região. Não há pois mais tempo a perder.

Excelências, Senhoras e Senhores,

Há um ano atrás, o povo da Tunísia colocou em marcha uma onda que rapidamente mudou o mundo árabe. Depois de décadas de silêncio e medo, pessoas comuns libertaram-se dos grilhões do medo. Manifestaram-se, saíram corajosamente para as ruas e fizeram ouvir a sua voz. Lutaram pela liberdade, pela igualdade e pelo seu direito a edificar um estado democrático e à sua cidadania. Recusaram-se a resignar-se à sua submissão. Estas são também as aspirações do povo sírio, e também ele recusa submeter-se ao uso desproporcionado e brutal da força.

O Presidente Roosevelt incluiu nas suas célebres quatro liberdades a Liberdade do Medo. É nosso dever auxiliar o povo sírio a libertar-se do medo que lhe é diariamente infligido.

Para colocar um termo ao morticínio;

Para permitir uma solução pacífica;

Devemos agir, e devemos agir agora!

Tal como Dostoievski referiu: “Viver sem esperança é deixar de viver”.

Cabe-nos a nós dar esperança e proteger as vidas do povo sírio. Agradeço-vos pela vossa atenção.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de fevereiro de 2012. Pode ser consultado aqui

Conselho de Segurança discute futuro da Síria

Liga Árabe apresenta hoje no Conselho de Segurança da ONU um projeto de resolução que prevê o afastamento de Bashar al-Assad. O regime sírio conta com a proteção da Rússia

O Conselho de Segurança das Nações Unidas reúne-se, hoje à tarde, em Nova Iorque, para discutir um projeto de resolução sobre a crise na Síria, de iniciativa dos países árabes.

Nabil al-Arabi, secretário-geral da Liga Árabe, tem prevista uma intervenção para apresentar as grandes linhas da proposta, que passam pelo fim da violência, pela transferência de poderes do Presidente Bashar al-Assad para o seu vice-presidente e pela abertura de negociações com a oposição.

“A renúncia de Assad é a condição para qualquer negociação sobre a transição para um Governo democrático na Síria”, reagiu Burhan Ghalioun, líder do Conselho Nacional Sírio (CNS), que agrupa a oposição ao regime. No passado dia 3, Ghalioun esteve em Lisboa, onde foi recebido por Paulo Portas e solicitou apoio à diplomacia portuguesa.

Portugal é membro não-permanente no Conselho de Segurança para o biénio 2011-2012. O ministro dos Negócios Estrangeiros português estará presente hoje em Nova Iorque, tal como os homólogos dos EUA (Hillary Clinton), França (Alain Juppé) e Reino Unido (William Hague).

Em várias intervenções públicas, Paulo Portas tem-se mostrado favorável a uma “iniciativa árabe” no Conselho de Segurança como saída para a crise na Síria.

Objeções da Rússia

A Rússia tem sido, na comunidade internacional, o grande apoiante do regime de Assad e — por força do seu direito de veto no Conselho de Segurança — o grande obstáculo à sua condenação, desde que começaram as manifestações antirregime, há 11 meses.

Moscovo tem uma importante base naval na Síria, em Tartus — com origem num acordo de 1971 — que é uma peça importante do velho desígnio geoestratégico russo de estar presente nos “mares quentes”.

Hoje, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Gennady Gatilov, escreveu no Twitter: “O projeto de resolução ocidental do Conselho de Segurança sobre a Síria não conduz a um compromisso. Defender esta resolução é meio caminho para a guerra civil”.

As objeções russas levaram o ministro francês dos Negócios Estrangeiros a admitir, ontem, que ainda não estavam reunidas as condições para que fosse adotada uma resolução condenatória do regime sírio. Mas para Alain Juppé sobram razões para ir à reunião no Conselho de Segurança: “Vou a Nova Iorque fazer a máxima pressão para que acabe esta matança”, disse.

Violência diária no terreno

A cada dia que passa, a situação na Síria assemelha-se a uma guerra civil. Hoje, o Conselho Nacional Sírio (CNS) apelou, em comunicado, para que seja realizado um “dia de luto e cólera”. A coligação opositora lamentou a ausência de “medidas rápidas”, por parte da comunidade internacional, “para proteger os civis com todos os meios disponíveis” e defendeu que o regime de Bashar al-Assad “se aproveita” das divisões internacionais para “acentuar a repressão”.

Com os jornalistas estrangeiros impedidos de entrar no país — na última edição do Expresso, o repórter Paulo Nunes dos Santos relata como correu perigo de vida durante sete dias em território sírio —, os relatos da repressão chegam, sobretudo, através do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, com sede em Londres.

Segundo informações dos Comités Locais de Coordenação, só na segunda-feira terão morrido mais de 100 civis. Os ativistas acusam o regime de utilizar carros de combate e armas pesadas no bombardeamento a bairros onde, estimam, estão escondidos desertores do exército sírio.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 31 de janeiro de 2012. Pode ser consultado aqui