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Pequenos territórios, grandes problemas: conheça cinco pedaços de terra que podem ser rastilhos de grandes guerras

Os países não se medem aos palmos e estes cinco territórios, em particular, são prova disso. Mais pequenos do que Portugal, Kosovo — que esta sexta-feira assinala 15 anos de independência unilateralmente declarada —, Taiwan, Caxemira, Nagorno-Karabakh e Faixa de Gaza têm potencial para originar grandes conflitos e contagiar outros países para guerras de consequências imprevisíveis

Se a dimensão de um país é um ativo que pode ser usado para projetar poder e influência, não se pode aferir com igual imediatismo o impacto que isso tem ao nível da conflitualidade. No atual mapa geopolítico do mundo, algumas das disputas com maior potencial explosivo estão localizadas em territórios pequenos. São exemplos disso o Kosovo, Taiwan, Caxemira, Nagorno-Karabakh e a Faixa de Gaza.

Somada, a área de todos corresponde sensivelmente ao tamanho de Portugal. Mas se, ano após ano, o retângulo luso tem posição garantida nos primeiros lugares do Índice Global de Paz, estes cinco territórios têm capacidade para deixar o mundo à beira de um ataque de nervos.

KOSOVO

Ferida aberta nos Balcãs

O segundo país mais jovem do mundo — só mais velho do que o Sudão do Sul — faz esta sexta-feira 15 anos. O Kosovo nasceu de parto difícil, na sequência do desmembramento da Jugoslávia, em 1991, que originou várias guerras e bombardeamentos da NATO durante 78 dias, justificados com a urgência em estancar a repressão das forças sérvias à população do Kosovo.

Antiga província da Sérvia (cristã ortodoxa) de maioria albanesa (muçulmana), o Kosovo é para os sérvios a terra de origem da sua nacionalidade. Essa circunstância está na origem da tensão que ainda hoje se vive neste território com menos de dois milhões de habitantes.

Concentrada sobretudo no norte, uma minoria sérvia de cerca de 50 mil pessoas é um desafio à estabilidade do país. Declara-se leal às autoridades de Belgrado e não acata ordens do Governo de Pristina.

No mais recente braço de ferro, os sérvios kosovares recusaram-se a alterar as placas de matrícula dos seus carros — que têm letras correspondentes às cidades onde vivem (KM para Kosovska Mitrovica, por exemplo) — para as letras RKS (República do Kosovo). A tensão levou a Sérvia a colocar as suas forças em alerta máximo de prontidão para combate, em dezembro passado.

Presente no território desde 1999, uma missão da NATO (KFOR) é garantia de segurança, ainda que transforme o Kosovo numa espécie de protetorado, limitado na sua afirmação internacional.

A nível diplomático, o reconhecimento enquanto Estado soberano marca passo. Entre outros, Rússia e China (membros permanentes do Conselho de Segurança) e também cinco países da União Europeia, um deles Espanha, negam-lhe esse estatuto. Por essa razão, o Kosovo ainda não conseguiu aderir às Nações Unidas.

TAIWAN

Barril de pólvora no Pacífico

Também chamada China Nacionalista, Taipé ou Formosa, a República da China (nome formal de Taiwan) é garante de águas agitadas no Oceano Pacífico. Situada a uma distância média de 180 quilómetros da costa da República Popular da China, é um Estado soberano reconhecido por 12 países e pela Santa Sé (Vaticano).

Esta ilha — onde vivem cerca de 24 milhões de pessoas — está no epicentro da disputa entre China e Estados Unidos pelo domínio da região da Ásia-Pacífico.

Para Pequim, a pretensão independentista da sua província rebelde — como lhe chama desde que os nacionalistas se retiraram para a ilha, em 1949, após serem derrotados na guerra civil contra os comunistas — representa uma alternativa ao projeto político da China Única. É também um entrave à implantação da revolução maoísta em todo o território chinês, na lógica que já se estendeu a Hong Kong (com contestação visível nas ruas) e Macau.

Para os Estados Unidos, o outro gigante geopolítico da região do Pacífico, apoiar Taiwan é forma fragilizar o grande rival. Outrora um dos quatro “tigres asiáticos”, esta democracia é hoje a 21ª economia mais desenvolvida do mundo, numa classificação em que Portugal ocupa o 50º lugar.

De tempos a tempos, as incursões aéreas de caças chineses na área de defesa de Taiwan, bem como a visita de altos responsáveis políticos norte-americanos à ilha — caso da então presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, em agosto passado — soam a provocação e fazem disparar alertas.

A perspetiva de conflito aberto levou as autoridades de Taiwan a aumentarem o tempo de serviço militar obrigatório de quatro meses para um ano, a partir de 2024. Uma guerra em torno da ilha que lidera a produção mundial de chips para tecnologia civil e militar implicaria duas potências militares e nucleares, numa grande ameaça à paz mundial.

CAXEMIRA

Cobiçada por potências nucleares

Índia, Paquistão e China partilham entre si partes do território da Caxemira, nos Himalaias. No respeito pela Linha de Controlo, que funciona como fronteira, a Índia controla 45% da região, o Paquistão 35% e a China 20%.

Os problemas que fazem soar alarmes em todo o mundo estão localizados na área administrada pela Índia. Este é um país de maioria hindu e Caxemira, a sua região mais setentrional e uma barreira natural a infiltrações exteriores, é a única de maioria muçulmana.

A origem da disputa remonta a 1947, ano da partição da Índia Britânica. A Índia alega que a Caxemira lhe pertence por ter sido parte integrante dos estados governados por marajás. O Paquistão diz que é a população que deve decidir em referendo. Estima-se que estejam ativos no território cerca de 300 militantes armados, num desafio à autoridade de Nova Deli sobre a região.

A dinâmica separatista da região, bem como o facto de ser um depósito de água dos glaciares e principal fonte de abastecimento hídrico de Índia e Paquistão, já originou três guerras (1947, 1965, 1999) entre o país do Mahatma Gandhi (1400 milhões de habitantes) e o de Malala Yousafzai (230 milhões). Direta ou indiretamente, tiveram origem na disputa pela Caxemira.

Frente a frente estão duas potências nucleares, não signatárias do Tratado de Não Proliferação Nuclear, em vigor desde 1970. Para indianos e paquistaneses, a disputa por Caxemira é um jogo de soma zero: quem a controlar representa uma ameaça existencial ao inimigo. Se é verdade que o Paquistão está muito exposto a tudo o que acontece no Afeganistão, é a rivalidade com a Índia que mais consome a república islâmica.

NAGORNO-KARABAKH

O calcanhar do Cáucaso

É uma disputa que se trava no interior do antigo território da União Soviética e que já era foco de conflito antes da desintegração da mesma. Na zona do Cáucaso, Azerbaijão e Arménia já se envolveram em duas guerras pelo controlo do enclave montanhoso de Nagorno-Karabakh, a última das quais em 2020 (a primeira em 1988 e durou mais de seis anos).

Com população de maioria arménia, este pedaço de terra é reconhecido internacionalmente como parte integrante do Azerbaijão, ainda que na prática seja governado, em parte, por uma entidade apoiada pela Arménia.

A República Artsaque declarou a independência em 1992, sendo reconhecida enquanto tal por três outras repúblicas separatistas, elas próprias com deficiente reconhecimento internacional: as georgianas Abecásia e Ossétia do Sul e a moldava Transnístria, todas elas criadas a partir de declarações de secessão auspiciadas por Moscovo (consulte aqui informação sobre os símbolos nacionais deste “país”.)

Na ausência de um tratado de paz permanente, as tréguas são violadas regularmente. Sempre que as hostilidades se reacendem, dois grandes países entram em cena, em apoio de cada uma das partes: a Rússia ao lado da Arménia (ambas cristãs ortodoxas) e a muçulmana sunita Turquia em apoio do Azerbaijão xiita.

Em 1992, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) — a mais abrangente das associações europeias, com 57 países — formou o Grupo de Minsk, para discutir uma solução para o problema. Presidido por França, Rússia e Estados Unidos, não são de esperar progressos enquanto durar a guerra da Ucrânia.

FAIXA DE GAZA

Prisão a céu aberto

Quem vive neste território palestiniano junto ao Mediterrâneo — conquistado por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e devolvido à Autoridade Palestiniana em 2005 — não tem muito por onde fugir. Desde 2007 que as fronteiras da Faixa de Gaza, terrestres, aéreas e marítimas, são objeto de controlo absoluto por parte de Israel e do Egito.

Essa camisa de forças, em que vivem cerca de dois milhões de palestinianos, num retângulo de 40 quilómetros de comprimento por 12 de largura, foi a resposta de Israel a dois anos de grande agitação no território, que se explica em três datas:

  • a 22 de agosto de 2005, Israel retirou-se definitivamente de Gaza após desmantelar os colonatos judeus;
  • a 25 de janeiro de 2006, o movimento islamita Hamas venceu as eleições legislativas palestinianas (as últimas que se realizaram);
  • a 15 de junho de 2007, o Hamas tomou o poder em Gaza pela força.

A liderança bicéfala palestiniana — com a Autoridade Palestiniana a controlar a Cisjordânia e o Hamas na Faixa de Gaza — e a falta de diálogo entre ambos, a que acrescem gerontocracia e corrupção, contribuem mais para o problema do que para a solução.

Em paralelo, as frequentes incursões militares israelitas em Gaza condenam quem lá vive a um quotidiano de frustração, pobreza e violência. Nos últimos 15 anos, foram quatro de grande impacto (2008, 2012, 2014 e 2021).

No seu livro “The Ethnic Cleansing of Palestine” (A limpeza étnica da Palestina), o historiador israelita llan Pappé qualificou a “guetização” de Gaza de forma de “apartheid”. O termo é forte, remontando ao regime racista e segregacionista da África do Sul (1948-91), mas não parece mobilizar. A disputa em torno da Palestina é das mais antigas do mundo mas, não obstante, das que mais têm caído no caixote da indiferença e do esquecimento.

(INFOGRAFIAS JAIME FIGUEIREDO)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de fevereiro de 2023. Pode ser consultado aqui

17 respostas para 2023: da guerra na Ucrânia aos protestos na China e no Irão, passando por epidemias e acordos globais

Podemos prever o futuro? Provavelmente não, tal como não escapamos a apostar no desenvolvimento dos temas que acompanhamos ao longo do ano. Aqui ficam as respostas da equipa do Internacional às perguntas que colocaram por si, leitor

1 A Guerra na Ucrânia vai acabar?
Sem vontade de procurar uma solução diplomática, a guerra só pode terminar no terreno com uma conquista suficientemente esmagadora (ou, no caso da Ucrânia, uma reconquista) que obrigue o outro lado a capitular ou a aceitar negociações de paz. O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, diz que a paz pressupõe que a Rússia entregue a Kiev todos os territórios anexados desde 2014, o que é pouco realista. Do lado russo continuam os ultimatos e ameaças. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov, disse que a Ucrânia tem de completar o processo de “desnazificação e desmilitarização”, ou “o assunto será resolvido pelo exército russo”.

2 A próxima COP (28) conseguirá um acordo de redução dos combustíveis fósseis?
O elefante no meio da sala das conferências globais das Nações Unidas para o Clima permanece a ausência de acordo para a redução das emissões de gases com efeito de estufa de modo a impedir que o aumento da temperatura média do planeta ultrapasse os 1,5º, o que já é uma irrealidade em si. A vitória da COP27 foi o reconhecimento das “perdas e danos” e “falar-se” em indemnizações para os países mais prejudicados pelas ondas de calor prolongadas, secas agudas prolongadas, subida do nível da água do mar, acidificação dos oceanos, incêndios selvagens, inundações bíblicas e extinção de espécies no chamado Sul global. O lóbi dos combustíveis fósseis não perdeu ainda terreno.

3 Lula da Silva vai governar o Brasil à esquerda?
O homem que, pela terceira vez, toma posse como Presidente a 1 de janeiro tem de privilegiar as políticas sociais e ambientais para cumprir as promessas feitas na campanha eleitoral. O grande desafio do novo Governo é conseguir atribuir verbas para a Cultura, Educação, Saúde e Ambiente – sobretudo no combate ao desmatamento da Amazónia – e manter o equilíbrio das contas públicas para evitar uma escalada inflacionista. A resposta executiva passa, em boa parte, pelo trabalho dos futuros titulares da pasta da Fazenda, Fernando Haddad, e da pasta do Planeamento, Simone Tebet.

4 Cyril Ramaphosa é destituído da presidência da África do Sul?
Em 13 de dezembro, Cyril Ramaphosa sobreviveu a um voto de destituição na Assembleia Nacional pedido pelos partidos da oposição. O Presidente da República e do ANC, que sucedeu a Jacob Zuma após escândalos de corrupção sem precedentes e captura do Estado, prometeu voltar a pôr o país nos eixos. Porém viu-se envolvido num processo cujas acusações combate ainda em tribunal, o qual pode vir a acusar Ramaphosa de “má conduta e violação da Constituição”. Ainda que tenha vencido até agora, o ANC, tem perdido eleitores em cada eleição desde 1994. Por enquanto, Ramaphosa conta com o apoio do ANC para limpar o seu nome sem perder a credibilidade política. Até quando, se 2023 é ano de eleições gerais?

5 Como vai acabar a revolta no Irão?
Os protestos já contam mais de 100 dias e as imagens que nos chegam do Irão mostram que as pessoas continuam a acorrer às ruas apesar dos castigos aplicados serem cada vez mais severos. Pelo menos 506 pessoas já perderam a vida e outras 40 aguardam execução, segundo uma investigação da CNN. Sem liderança coesa e com este nível de repressão, tortura, prisão e morte é pouco provável que a liderança dos aiatolas venha a ser derrubada, porém os iranianos dizem que algumas mudanças já são visíveis nas ruas. Um exemplo é a recusa de muitas mulheres em usar o lenço sobre os cabelos.

6 O regime chinês vai ceder aos protestos?
Semanas depois de o Presidente Xi Jinping assumir um terceiro mandato na liderança do Partido Comunista da China emergiram protestos em várias cidades do país contra a política de ‘zero casos’ de covid-19. Foram a maior demonstração pública de descontentamento desde o massacre de Tiananmen em 1989. A ida à rua parece ter resultado. Várias medidas foram relaxadas no seu seguimento e demonstrou a capacidade da população em manifestar-se apesar da censura existente no país. No entanto, é incerto quais são as políticas estatais que podem vir a gerar oposição com esta capacidade de mobilização.

7 As pandemias e vírus assustadores vieram para ficar?
O risco de novas epidemias é certo e os especialistas alertam os Estados para que tenham respostas enérgicas. Tal como os tsunamis, a covid-19 convenceu da necessidade de sistemas de alerta que permitam detetar os problemas de forma a controlá-los. Antes da Sars-cov-2, a década de 1980 conheceu a sida. Porém, foi “a partir do ano 2000 que se assistiu a uma série de acontecimentos que traduzir a emergência inesperada de fenómenos epidémicos de natureza zoonótica”, como lembra Francisco George, ex-diretor-geral de Saúde de 2005 a 2017, referindo-se a doenças que têm origem em agentes infecciosos que têm animais como reservatório.

8 Erdogan perde a presidência da Turquia?
É possível. Porém não se sabe ainda se é provável, uma vez que a oposição, grande parte dela unida com o único propósito de derrotar Erdogan, ainda não apresentou candidato. As sondagens, contra um opositor desconhecido, dão ao incumbente cerca de 34% das intenções de voto, o mesmo valor atribuído ao seu partido, Justiça e Desenvolvimento (AKP), nas eleições parlamentares, também em 2023, o ano do centenário do país. Não chega para a vitória. O declínio da economia vai ser o tema principal da campanha. Resta saber a quem vai o povo atribuir a culpa.

9 A Itália de Giorgia Meloni vai continuar nas boas graças de Bruxelas?
Giorgia Meloni – líder do partido de extrema-direita Irmãos de Itália – foi eleita primeira-ministra de Itália em setembro. A postura de euroceticismo gerou preocupação, porém Meloni tem procurado acalmar a esfera internacional assumindo um discurso mais moderado. Perante o Parlamento repudiou o fascismo e mostrou oposição a “qualquer forma de racismo”; em viagem a Bruxelas afirmou querer uma defesa dos interesses nacionais “dentro da dimensão Europeia”. A reação foi positiva, com a Presidente da Comissão Europeia a agradecer Meloni pelo “forte sinal” ao escolher Bruxelas como a primeira viagem enquanto líder do governo italiano.

10 A Índia vai continuar a comprar petróleo à Rússia?
É provável. A Rússia tornou-se o principal fornecedor de petróleo da Índia em novembro, com importações a chegarem aos 908 mil barris por dia. As declarações de figuras do governo indiano não sugerem mudanças de rumo. Em dezembro, o ministro dos Negócios Estrangeiros deu a entender que se a Europa pode priorizar as suas necessidades energéticas, não deve pedir à Índia para nao priorizar as suas também. Em outubro, a Assembleia Geral das Nações Unidas votou numa resolução a condenar os referendos ilegais de anexação realizados pela Rússia em territórios da Ucrânia. A Índia foi um dos 35 países a absterem-se.

11 O regime talibã vai ser reconhecido internacionalmente?
Não é de esperar. Os talibãs estão há mais de um ano no poder, o tempo suficiente para que algum país os reconhecesse como governo legítimo. Na década de 1990, quando governaram pela primeira vez, foram reconhecidos por Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Paquistão. Decisões como a recente proibição do acesso das mulheres afegãs às universidades tornam embaraçoso o reconhecimento do regime. A medida foi criticada de forma generalizada, inclusive por países muçulmanos: a Arábia Saudita expressou “espanto e desapontamento” e a Turquia considerou a decisão “nem islâmica nem humana”.

12 O conflito no Nagorno-Karabakh voltará a escalar?
É inevitável. Não há um processo de paz digno desse nome neste conflito que opõe dois países tornados independentes após o desmembramento da União Soviética: a cristã Arménia e o muçulmano Azerbaijão. De um lado e do outro, há apoios importantes que conferem a este conflito, que se arrasta desde finais da década de 1980, uma dimensão geopolítica: a Rússia apoia os arménios e a Turquia os azeris. Esta disputa pelo enclave de Nagorno-Karabakh, no sul do Cáucaso, que oscila entre períodos de guerra aberta e outros de tensão latente, ressente-se muito do estado da relação entre estes dois países.

13 O embargo dos EUA a Cuba vai terminar?
Não é provável, ainda que as razões que sustentam o bloqueio económico à ilha sejam cada vez mais indefensáveis. O embargo dura há décadas basicamente por uma questão de política interna dos EUA. É ponto de honra da imensa comunidade cubana que vive na Florida, que odeia o regime cubano e que, a cada ato eleitoral, vota em função da posição dos partidos / candidatos em relação a Cuba. A eleição de Joe Biden, que não venceu na Florida, prova que o voto cubano não é imprescindível. A nível internacional, os EUA estão praticamente isolados nesta questão: na ONU apenas Israel vota ao seu lado.

14 Ron DeSantis vai entrar na corrida presidencial?
É muito possível. A menos de dois anos das presidenciais de 2024, ele é visto como o republicano melhor posicionado para bater o pé a Donald Trump, que já anunciou que irá disputar as primárias do partido do elefante. O potencial de Ron DeSantis decorre da reeleição como governador da Florida, em novembro, derrotando o candidato democrata com quase 60% dos votos. Entre os republicanos, também o antigo vice-presidente de Trump, Mike Pence, dá cada vez mais sinais de querer aventurar-se na corrida à Casa Branca: lançou um livro e tem-se desdobrado em viagens pelo país, discursos e entrevistas.

15 Isabel dos Santos pode ir parar à prisão?
Desde que a investigação do Luanda Leaks começou a ser divulgada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, no início de 2020, a filha do antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, tem confiado nos melhores escritórios de advogados dos vários países europeus onde os negócios que ali fazia se transformaram em problemas. Autoridades de Portugal e da Holanda arrastaram contas bancárias, imobiliário e participações em empresas e, mais recentemente, o Supremo Tribunal de Angola autorizou o arresto preventivo dos bens da empresária Isabel dos Santos no valor de mil milhões de dólares, a pedido do Ministério Público. As múltiplas camadas usadas nos negócios ainda a protegem, porém, o cerco aperta-se.

16 A China vai invadir Taiwan?
A China afirma que Taiwan é “uma questão interna” e “a primeira linha vermelha que não deve ser cruzada” nas relações com os Estados Unidos. A aliança internacional que os EUA e a União Europeia mostraram contra a Rússia pode levar a China a ser mais cautelosa nos passos para uma reunificação com Taiwan, mas as tensões têm-se vindo a agravar e mantêm-se os receios de um escalar da situação. No Congresso do Partido Comunista da China, o líder Xi Jinping afirmou que o objetivo é uma reunificação pacífica ainda que o país não renuncie ao uso da força. Em outubro, o almirante americano Mike Gilday alertou que pode ocorrer uma invasão até 2024.

17 Irá Donald Trump ser acusado formalmente pelo Departamento de Justiça norte-americano?
Há vários indicadores nesse sentido, sim. Porém o caso é muito sensível uma vez que Trump já apresentou a candidatura à Casa Branca e levá-lo a tribunal poderia ser considerado um ato desenhado especificamente para o impedir de voltar à presidência, e provocar uma divisão ainda maior no país. No entanto, o homem que neste momento dirige as investigações, Jack Smith, já enviou diversas intimações para depor a várias pessoas que estiveram em contacto com Trump durante as suas tentativas para interferir com o resultado das presidenciais de 2020.

Texto escrito com Ana França, Cristina Peres, Manuela Goucha Soares e Salomé Fernandes.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de dezembro de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui

Uma acendalha num barril de pólvora

Para Pequim, a ilha simboliza a dificuldade de estender a revolução maoista a todo o território chinês. Para os EUA, é uma forma de fragilizar a China

INFOGRAFIAS DE JAIME FIGUEIREDO

Há países ‘minúsculos’ que têm a capacidade de se agigantar perante vizinhos poderosos, numa espécie de versão geopolítica do episódio bíblico de David contra Golias. Taiwan é um deles. Situada a cerca de 180 quilómetros da costa da República Popular da China, a ilha tem pouco mais de um terço do território de Portugal, embora mais do dobro da população. Reconhecido como Estado independente por apenas 15 países, Taiwan tem enorme potencial para incendiar a região e, por arrasto, todo o mundo, por implicar na definição do seu futuro a China e os Estados Unidos.

“Para a República Popular da China, Taiwan simboliza a dificuldade de implantar a revolução maoista em todo o território chinês. Não devemos esquecer que foi a República da China de Taiwan que ganhou assento como país fundador da ONU, mantendo-se nessa posição até 23 de novembro de 1971. Para a China, Taiwan representa um projeto político alternativo, que é uma ameaça putativa ao sistema político de Pequim”, explica ao Expresso Tiago André Lopes, docente na Universidade Portucalense. “Para os Estados Unidos, a instrumentalização de Taiwan é forma de fragilizar a China, num momento de expansão e projeção de poder no Pacífico onde Washington tem interesse estratégico.”

Ameaças de invasão

Taiwan sempre foi uma questão central na relação entre a China e os EUA, desde 1949. Fruto da guerra civil, a República da China dividiu-se em duas: a República Popular da China (também designada China continental ou comunista) e a República da China (Taiwan, Formosa ou China nacionalista).

“A República Popular da China há muito que ameaça invadir Taiwan”, diz ao Expresso Ming-sho Ho, professor no Departamento de Sociologia da Universidade Nacional de Taiwan, que identifica três razões para a mais recente tensão em torno da ilha: “Agravamento das relações China-EUA em muitas frentes, como guerra comercial e Hong Kong; chegada ao poder, em Taiwan, do Partido Democrático Progressista, em 2016, que se inclina para a independência; e intrusão recente e cada vez mais frequente de caças chineses no espaço aéreo taiwanês.”

Na próxima semana, a Cimeira pela Democracia corre o rico de atiçar ainda mais a fogueira. Convocada por Joe Biden, decorrerá de forma virtual, quinta e sexta-feira, com representantes de 111 países, entre eles Portugal. As intervenções far-se-ão em torno de três eixos: rejeição do autoritarismo, luta contra a corrupção e respeito pelos direitos humanos.

Taiwan foi convidada para a cimeira, mas não a China nem a Rússia. Num artigo conjunto, publicado a 26 de novembro no sítio do jornal conservador norte-americano “The National Interest”, os embaixadores chinês e russo nos EUA, Qin Gang e Anatoly Antonov, respetivamente, defenderam que a iniciativa é “produto evidente da mentalidade de Guerra Fria” de Washington, que “vai estimular o confronto ideológico e uma fenda no mundo, criando novas ‘linhas divisórias’”.

A ironia de Biden

Tiago André Lopes constata uma “ironia” na forma como o Presidente americano estende a mão a Taiwan. “É curioso notar que os EUA só passaram a reconhecer a China continental em detrimento de Taiwan em dezembro de 1978, com o Presidente Jimmy Carter, do Partido Democrata. Existe alguma ironia histórica em ser o Presidente Joe Biden, do mesmo partido, a olhar de novo para Taiwan como alavanca da sua ação política.”

A 15 de novembro, Biden e Xi Jinping reuniram-se pela primeira vez, numa cimeira virtual. Taiwan veio à baila e as diferenças de abordagem ficaram expostas. Segundo a Casa Branca, Biden reafirmou o apoio de longa data dos EUA à política da “China Única”, segundo a qual há apenas um Estado soberano que é a China e Taiwan faz parte dele, e a oposição aos esforços unilaterais para mudar o statu quo ou minar a paz em torno do estreito de Taiwan. Já a agência estatal chinesa Xinhua noticiou que Xi defendera que quem busca a independência em Taiwan, e aqueles que os apoiam nos EUA, estão “a brincar com o fogo”.

“Suspeito que Biden preferisse que Taiwan não fosse nada importante para os EUA”, diz ao Expresso Alan Bairner, professor na Universidade de Loughborough (Reino Unido). “No entanto, a posição americana contém em si uma contradição fundamental que não é fácil de resolver. A vontade de defender Taiwan, em conjunto com a aceitação da política da China Única, pura e simplesmente não pode ser sustentada em circunstâncias em que a China ameace invadir ou assumir o controlo de Taiwan por outros meios.”

Olhando para o planisfério, o estreito de Taiwan surge como putativa acendalha numa região percorrida por aparatosos dispositivos militares, tornando o Pacífico um cenário de jogos de guerra. Uma interrogação persiste nas análises ao potencial de conflito da zona: estará a China disposta a recorrer à guerra para submeter a sua província rebelde?

“Os especialistas estão divididos”, diz Ming-sho Ho. “Alguns acham que a República Popular está apenas a fazer bluff, enquanto outros acham que é um cenário cada vez mais provável.” “É impossível prever”, acrescenta Alan Bairner. “Diria que é improvável, mas não totalmente implausível.”

A paciência das elites chinesas

“Em política tudo é impossível até se tornar possível”, sugere Tiago André Lopes. “A ameaça de uma invasão militar pela China, se Taiwan avançar com reivindicações de soberania política, não é nova e culmina na famosa Lei Antissecessão de 2005, que materializa juridicamente essa possibilidade.” O diploma prevê o uso da força contra Taiwan se falharem os meios pacíficos para a reunificação, como aconteceu com Hong Kong e Macau.

“Contudo, Pequim está consciente de que qualquer intervenção musculada em Taiwan abriria portas a que a comunidade internacional se sentisse legitimada em usar a força contra a China”, continua o académico português. “Ou seja, o ganho de assimilar Taiwan por via bélica é menor do que a manutenção do statu quo e a expectativa de que, a longo prazo, as novas gerações de Taiwan venham a ser progressivamente menos nacionalistas e pró-soberanistas. Não podemos olhar para as escolhas políticas da China no curto prazo: as elites políticas chinesas sabem ser pacientes.”

A estratégia de Pequim passa também por apertar o cerco a países que invistam na relação com Taiwan. O alvo mais recente foi a Lituânia, onde a ilha abriu recentemente uma missão diplomática. A 21 de novembro, a China reduziu a categoria do seu representante em Vilnius de embaixador para encarregado de negócios e fez dois bombardeiros com capacidade nuclear sobrevoar o sul de Taiwan, numa clara ação de intimidação, destinada a exercer pressão.

“É provável que a maioria das pessoas em Taiwan esteja disposta a aceitar a continuação do entendimento atual. Sabem, no entanto, que depende do Partido Comunista Chinês aceitar o estatuto de quase independência de Taiwan, que concede à ilha um reconhecimento internacional muito limitado”, diz Alan Bairner. “Nos corações, muitos preferem a independência formal e um assento na ONU, mas não vejo como é que isso pode acontecer nas atuais circunstâncias. A única esperança seria convencer mais países a reconhecer Taiwan e, assim, pressionar a China para que desistisse da sua reivindicação. Mas por enquanto, demasiados Estados estão dependentes da China para que isso aconteça.”

Artigo publicado no “Expresso”, a 4 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui