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“Quero a minha vida de volta”

Jawed Ahmad, um repórter afegão que trabalhava para a televisão canadiana, esteve detido em Bagram, durante quase um ano, sem culpa formada. Libertado a 21 de Setembro, ele descreve ao Expresso o ano mais negro da sua vida

Recém-libertado da prisão de Bagram, perto de Cabul, onde esteve detido 11 meses por suspeitas de ligação aos talibã, o jornalista afegão Jawed Ahmad recorda, em entrevista telefónica ao Expresso, o dia em que foi atraído a uma cilada, em Kandahar, e as posteriores sessões de tortura vividas às mãos dos norte-americanos. Aos 22 anos de idade, “Jojo”, como ficou conhecido entre os ocidentais para quem trabalhou, está determinado em recuperar, na barra dos tribunais, a vida normal que a passagem por Bagram lhe destruiu.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de outubro de 2008. Pode ser consultado aqui. No dia seguinte, foi publicado um artigo sobre o tema no “Expresso” (aqui)

Al-Qaeda, 20 anos a espalhar medo

Nasceu no Paquistão e disseminou-se pelo mundo. O Expresso faz um ‘dicionário’ da organização terrorista

Osama bin Laden (à esquerda) e Ayman al-Zawahiri, durante uma entrevista ao jornalista paquistanês Hamid Mir, a 8 de novembro de 2001 HAMID MIR / WIKIMEDIA COMMONS

A 11 de Agosto de 1988, uma reunião entre Osama Bin Laden, Ayman al-Zawahiri e Sayyed Imam Al-Sharif (dr. Fadl), em Peshawar (Paquistão), criou a Al-Qaeda (AQ) — “a base”. Bin Laden era o garante de uma riqueza extraordinária; Al-Zawahiri, líder da Jihad Islâmica Egípcia, personificava uma crença inabalável no radicalismo islâmico; e o intelectual egípcio dr. Fadl a base filosófica da “jihad”. Vinte anos depois, a AQ tornou-se a organização terrorista mais temida de sempre. De A a Z, o Expresso caracteriza essa hidra.

Aden Foi nesta cidade portuária do Iémen que a AQ atentou pela primeira vez: a 29 de Dezembro de 1992, um ataque contra o Gold Mihor Hotel matou duas pessoas.

Bin Laden Oriundo de uma família rica, próxima da realeza saudita, o líder da AQ nasceu a 10 de Março de 1957, em Riade.

Constelação AQ Mais do que uma organização altamente centralizada, a AQ consiste numa galáxia de grupos regionais que partilham uma ideologia, objectivos estratégicos, “modus operandi” e um ódio fanático aos EUA, a Israel e aos regimes muçulmanos que traem o verdadeiro Islão. Os atentados em Nova Iorque (2001), Bali (2002), Casablanca (2003) e Londres (2005) atestam a eficácia global da AQ.

Documentário Produzido pela BBC, ‘O Poder dos Pesadelos’ (2004) defende que a ameaça do radicalismo islâmico é um mito perpetrado, designadamente, pelos neoconservadores americanos, por forma a unir o povo após o falhanço das ideologias.

Embaixadas A 7 de Agosto de 1998, ataques simultâneos às representações diplomáticas dos EUA em Nairobi (Quénia) e Dar-es-Salaam (Tanzânia) fizeram 224 mortos. Bill Clinton mandou bombardear os campos de treino da AQ no Afeganistão.

Financiamento Criado em 1984, por Abdullah Azzam e Bin Laden, o “Maktab al-Khidamat” foi uma espécie de precursor da AQ. Este escritório angariava fundos e recrutava “mujahedines” estrangeiros para lutar contra os soviéticos no Afeganistão.

Guerra ao terrorismo Esta expressão engloba as acções legais, políticas ou militares adoptadas pelo Governo dos EUA. Oficialmente, visam a contenção de ameaças terroristas.

Hierarquia Se Bin Laden é o rosto da AQ, Ayman al-Zawahiri é o principal estratega. Desconhece-se o paradeiro de ambos.

Internet O ciberespaço é um elemento-chave no processo de treino, planeamento e logística da AQ. Há quem considere a AQ a primeira rede de guerrilha direccionada para a internet.

“Jihad” Recorrendo à “guerra santa”, a AQ — uma organização sunita de inspiração wahabita (uma interpretação conservadora do Islão) — prossegue o fim da influência estrangeira nos países muçulmanos e a instituição de um califado universal.

“Kamikaze” Por razões teológicas, a AQ sempre se opôs à utilização de mulheres em ataques-suicidas. Quando, no Iraque, Al-Zarqawi acolheu voluntárias suicidas, a AQ nunca comentou.

Lawrence Wright Premiado com um Pulitzer, este especialista no mundo muçulmano escreveu um livro sobre o 11 de Setembro (‘A Torre Ameaçadora’) que resulta de entrevistas a “jihadistas”, espiões, peritos, funcionários, amigos, mulheres e amantes de protagonistas. Revela também as fraquezas da AQ.

Manchester Foi nesta cidade britânica que, em Abril de 2000, a Polícia apreendeu um manual da AQ. Nele havia recomendações sobre como conduzir operações de combate, escapar a uma situação de captura ou comportar-se em cativeiro.

Nedal “Laden” ao contrário foi um vírus criado por um “ciberjihadista” chamado ‘Melhacker’. Quando a invasão do Iraque se tornou iminente, ele infectou milhares de “e-mails” nos EUA.

Operação Cannonball Com início previsto para 2006, esta acção da CIA visava a captura de Bin Laden. A rivalidade entre as agências de informação norte-americanas ditou o fracasso.

Pearl A 1 de Fevereiro de 2002, o norte-americano Daniel Pearl, que tinha sido raptado, foi decapitado em Karachi. O jornalista do ‘Wall Street Journal’ investigava alegados laços entre a AQ e a secreta paquistanesa.

Qatar Acolhe a sede da Al-Jazira, a televisão árabe que, após o 11 de Setembro, ganhou mediatismo ao difundir mensagens de Bin Laden. O braço da AQ para os “media” é, porém, a As-Sahab, uma produtora de conteúdos com a chancela AQ.

Reino Unido Os ataques suicidas contra o sistema de transportes de Londres, a 7 de Julho de 2005, matando 52 pessoas, confirmou a Europa como um alvo da AQ. No ano anterior, a 11 de Março, em Madrid, dez explosões em comboios tinham provocado 191 mortos.

Sudão Este país africano deu guarida a Bin Laden entre 1991 e 1996. Após pressão dos EUA, o saudita foi expulso, rumando, de seguida, ao Afeganistão.

Talibã O regime dos “estudantes de Teologia” providenciou um santuário à AQ. Suspeita-se que Bin Laden esteja escondido nas montanhas junto à fronteira entre Paquistão e Afeganistão.

USS Cole Contrária à presença militar norte-americana em solo muçulmano, a 12 de Outubro de 2000, a AQ realizou uma acção suicida que visou o contratorpedeiro USS Cole, no porto de Aden. Morreram 17 marinheiros.

Vídeos Entre boatos que o dão como morto, de tempos a tempos, Bin Laden — que, crê-se, tem uma deficiência glandular chamada doença de Addison — renova as suas ameaças em vídeos e gravações áudio. Desde o 11 de Setembro, já foram difundidas mais de 20 mensagens.

World Trade Centre O mítico edifício de Nova Iorque foi, por duas vezes, alvo da AQ. A 26 de Fevereiro de 1993, uma bomba matou seis pessoas e feriu mais de 1000. A 11 de Setembro de 2001, dois aviões suicidas embateram nas torres-gémeas de 110 pisos, matando 3000. O ataque terá custado 500 mil dólares.

“X-files” Em 1996, a CIA criou a Unidade Bin Laden para seguir o rasto do terrorista saudita. O grupo de trabalho foi desarticulado em 2005. Bin Laden permanece um dos dez terroristas mais procurados pelo FBI.

Yanbu O ataque de quatro atiradores à Petroquímica Yanbu, na Arábia Saudita, a 1 de Maio de 2004, colocou a indústria petrolífera na mira da AQ. Outros ataques seguir-se-iam, com uma tónica semelhante: matar estrangeiros, mas não muçulmanos.

Zarqawi Até ser morto, em 2006, o jordano Abu Musab al-Zarqawi — líder da Al-Qaeda no Iraque — foi um dos principais instigadores da insurgência islamista. Já a ligação de Saddam Hussein a Bin Laden nunca foi provada.

Artigo publicado no “Expresso”, a 9 de agosto de 2008 e republicado no “Expresso Online”, a 2 de maio de 2011. Pode ser consultado aqui

A luta anti-terrorista de Israel é mais humanitária do que a dos EUA

Durante 25 anos, Emanuel Gross foi juiz militar em Israel. Em entrevista ao Expresso, este professor da Faculdade de Direito da Universidade de Haifa, que veio a Portugal falar de “Democracia e Terrorismo”, admite que os militares israelitas cometem erros, mas procuram tirar lições

IMAGEM THE MESSIANIC PROPHECY BIBLE PROJECT

Defende que Israel combate o terrorismo desde o primeiro dia da sua existência, em 1948. Admite que, desde então, as Forças de Defesa de Israel possam ter cometido erros ou dado maus exemplos em matéria de luta contra o terrorismo?

Não tenho dúvidas de que cometemos alguns erros ao longo dos anos. Explicamos isso com o volume de actividade militar que tivemos de executar. Não há nenhum exército no mundo capaz de abordar uma missão deste género sem cometer erros. Temos de fazer um auto-exame, não só no sentido de admitir esses erros como também na forma como nos passamos a comportar depois de termos percebido os erros. E nesse aspecto, Israel não só admitiu os erros como tirou as devidas lições e tentou corrigi-los.

De que forma?

O Supremo Tribunal de Justiça de Israel supervisiona a legalidade das missões militares, declarando algumas ilegais e ordenando aos comandantes que corrijam outras. Por exemplo, quando desenvolvíamos actividades anti-terroristas na Faixa de Gaza, o Supremo percebeu que os militares não estavam a dar importância aos civis mortos ou feridos: não havia planos de evacuação ou de assistência. Então, ordenou aos comandantes que parassem a operação e a repensassem. Em relação ao muro, por exemplo, o Supremo recebeu várias petições de palestinianos e ordenou ao governo e aos militares que redesenhassem o traçado. Muitas vezes, o Supremo considera que, apesar de Israel ter o direito de desenvolver determinado tipo de operações, deve fazê-lo no respeito do princípio da proporcionalidade.

Qual foi a situação mais complicada que enfrentou durante os 25 anos que serviu como juiz militar?

À parte essas funções, a um tribunal marcial, que lida com ofensas cometidos por soldados, e também fui designado para julgar terroristas, sobretudo palestinianos, acusados de envolvimento em violações à segurança. Julguei muitos suspeitos desse tipo de ofensas. Também fui designado para supervisionar casos de “detenções administrativas” de palestinianos. Tentei dar o meu melhor, sabendo que este tipo de detenções não são normais. Mas por vezes, uma democracia como Israel, para se defender, não tem outra hipótese senão desviar-se dos procedimentos normais para deter pessoas e garantir que elas não atentem contra a segurança. Nessas situações, espera-se que um juiz encontre provas e conclua que há uma base legítima para acusar um determinado suspeito. Essa detenção não visa levar o suspeito a um tribunal militar, é antes de mais uma medida preventiva para que não fique em liberdade e constitua uma ameaça à segurança de Israel.

Quais são os limites legais e morais da luta contra o terrorismo?

Há limites muito claros que nunca deveríamos ultrapassar. De tempos a tempos, redefinimos esses limites de acordo com as decisões do Supremo. Por exemplo, durante muitos anos não sabíamos que meios usar nos interrogatórios a suspeitos de actividades terroristas. Os mesmos meios que a polícia usava nos interrogatórios a criminosos? Ou o terrorismo era diferente? Hesitamos durante muitos anos e houve acusações contra a nossa polícia de segurança (Shabak), que usava os chamados ‘meios moderados de pressão física’, tentando explicar que, por vezes, era necessário desviar do que era permitido para ser eficaz e extrair informação dos suspeitos.

Ainda é assim?

Em 1999, o Supremo legislou sobre este assunto e estabeleceu limites, dizendo que a polícia secreta não está acima da lei e, por isso, está sob as mesmas restrições legais que a polícia regular. Outro limite: Não à tortura! Mesmo naquelas situações em que precisamos de combater os militantes mais duros, como nos campos de refugiados de Gaza ou de Jenin, por exemplo, há leis a regular essas actividades – a lei israelita e a lei internacional – que impõem restrições e não permitem a agressão a civis. Se, por erro, o exército não observa esses limites, em Israel, muito rapidamente alguém apresentará uma petição ao Supremo e o tribunal lembrará os limites.

Quem pode apelar ao Supremo?

Qualquer pessoa que se preocupe com a legalidade das acções dos nossos funcionários e que suspeite que o governo, qualquer agência ou os comandantes militares desenvolvem actividades contrárias à lei. Organizações libertárias, organizações humanitárias e os próprios palestinianos podem apresentar petições. A única coisa que lhes é exigida é que sejam representados por um advogado registado em Israel.

Qual o procedimento que deve ser seguido naqueles casos em que Israel decide que determinada pessoa é um grande perigo para Israel e deve ser eliminado? Tomemos como exemplo o caso do xeque Ahmed Yassin (líder espiritual do Hamas, assassinado por Israel em 2004)…

Em primeiro lugar, uma decisão desse tipo, que implica alvejar uma pessoa, deve ser sempre o último recurso. A principal razão para uma decisão destas é tentar impedir uma pessoa de atentar contra a segurança de Israel. Se isso puder ser concretizado de uma forma menos penosa, é o que deve ser feito. Mas uma decisão desse tipo é tomada a alto nível, em consenso entre o governo e os militares. É um assunto político, devido às possíveis implicações na cena internacional. Apenas quando percebemos que não resta alternativa para deter essas pessoas, só então o governo toma esse tipo de decisão e o exército concretiza-a.

 

Algum tribunal é solicitado para sancionar a decisão?

Trata-se de informação classificada, deve permanecer secreta até ser executada. Como tal, ninguém pode apresentar uma petição para que o Supremo intervenha. A priori, o governo nunca admitiria que estava a planear uma operação desse género. A posteriori, é possível questionar a legalidade da acção, mas normalmente o tribunal não interfere porque, nesse caso em particular, Yassin já estava morto. O que o tribunal faz é apresentar limites à política de assassinatos.

Admite que, em algumas circunstâncias, os direitos humanos podem ser sacrificados por razões de segurança?

Isso é normal nas situações de emergência, como aquela que vivemos presentemente em Israel, em que uma democracia tem de se orientar sob ameaças terroristas. Nos períodos de emergência, o governo e os militares deveriam ter mais poderes legais para lidarem, de uma forma mais eficaz, com esse tipo de ameaça. Nessas alturas, o pêndulo deve ser lançado desde o patamar dos direitos humanos para o da segurança. Isto não quer dizer que, mesmo nessas alturas, sacrifiquemos completamente os direitos humanos. Mesmo nestas alturas, há que ter cuidado e termos sensibilidade suficiente sobre o que estamos a fazer. E se for mesmo necessário, deve ser o último recurso, conscientes de que não resta alternativa para conseguir a segurança.

Pode exemplificar?

Há países que, em situações de emergência, encerram os tribunais. Dizem que quando os canhões rolam, deve imperar o silêncio. Em Israel, nunca adoptamos essa atitude extrema, defendemos que os tribunais devem funcionar sempre. Muitas vezes, os comandantes militares não são peritos em direitos humanos, mas antes em como obter o máximo de segurança. Não percebem que quando estão a planear as operações podem estar a pôr em causa liberdades civis. Por isso, os tribunais têm de estar em alerta e responder a esses planos desproporcionais. Em Israel, o tribunal intervém muitas vezes para estabelecer limites. Temos de sacrificar algumas das nossas liberdades civis, mas isso não quer dizer que tenhamos de sacrificar toda a liberdade. Há que encontrar um equilíbrio entre as necessidades de segurança e a das liberdades civis.

Mesmo em situações de emergência?

Em situações de emergência, há uma tendência natural, mesmo por parte dos civis, para renunciar a certos direitos: ‘Estamos em guerra. Porque nos devemos preocupar agora com os nossos direitos civis? Deixemos o exército fazer o seu trabalho’, pensam. Nos aeroportos, temos o direito de não querer que nos revistem as malas ou a carteira, mas de que outra forma Israel pode defender-se dos terroristas que, sabemos, usam os aviões para colocar bombas? A única forma de o fazer é permitir aos funcionários que ofendam alguns dos nossos direitos porque não há alternativa sem que haja invasão da privacidade. Mas sacrificar direitos da nossa esfera privada não significa ofender a dignidade da pessoa, mesmo tratando-se de um terrorista: não se deve despi-lo em público, por exemplo. Não podemos perder nunca a noção de humanidade.

O senhor é um crítico do US Patriot Act (legislação anti-terrirista aprovada nos EUA após o 11 de Setembro)…

É verdade. É típico daquilo que os norte-americanos fazem nos pós-guerras… A reacção dos Estados Unidos ao 11 de Setembro foi histérica. O ‘Patriot Act’ é muito extremo, não há qualquer equilíbrio. A prioridade é dada à segurança descartando quase por completo as liberdades civis. Hoje, não é preciso que um tribunal decrete uma escuta telefónica, a vigia ao tráfego de emails ou um mandado de captura. Ao afastarmos os tribunais como supervisores, perdemos a sensibilidade de como equilibrar as necessidades de segurança e as liberdades civis. Veja-se o que acontece em Guantanamo, onde vigora um desrespeito quase completo mesmo dos direitos dos terroristas: recusa-se a aplicação das convenções internacionais e impede-se que essas pessoas tenham os padrões mínimos de direitos humanos. Não gosto da atitude da Administração Bush, porque põe muito peso nas necessidades de segurança em detrimento do lado humanitário desta luta. Em Israel, não estamos livres de cometer erros, mas pelo menos admitimo-lo e estamos na disposição de corrigir. Israel e EUA conduzem a mesma guerra contra o terrorismo, mas, na minha opinião, Israel fá-lo de uma forma mais avançada e humanitária.

Ironicamente, Guantanamo é promovida por uma das democracias mais fortes no Mundo. Qual é a sua utilidade na luta contra o terrorismo?

Sinceramente, nem sei quem está em Guantanamo. Os Estados Unidos inventaram aquilo a que chamaram de “rendição”, uma definição legal para uma prática grave e hedionda. Em vez de interrogarem o suspeito nos Estados Unidos, enviam-no para um país, onde, sabem, se usa a tortura, em instalações secretas, que eles não admitem existir. Os americanos participam na tortura, talvez não activamente, mas beneficiam dos frutos da tortura. Isto está em completa contradição com a lei internacional e com qualquer compromisso internacional. No início, havia cerca de 700 detidos e agora são menos de 300. A maioria deles foi libertada sem qualquer acusação. Apenas um ou dois foram acusados depois de estarem mais de seis anos sem serem acusados, o que é inédito e inacreditável. Isto é uma grave violação da lei e dos padrões humanitários. Não se pode deter uma pessoa tanto tempo, sem comunicar-lhe minimamente as razões por que está naquela situação, nem privá-la do direito ao “habeas corpus”. Em Israel, isto é impensável. Não me lembro de um caso de alguém ter sido privado de aceder aos tribunais ou de prisões secretas. Isso não existe. Em Israel, é impossível pensar que por estarmos a lidar com terrorismo estamos autorizados a fazer desaparecer pessoas ou a privá-los da possibilidade de questionarem a legalidade da sua detenção, como permite o ‘Patriot Act’.

Em Israel, o 11 de Setembro mudou alguma coisa em matéria de combate ao terrorismo?

Israel não precisou de esperar pelo 11 de Setembro, dada a sua experiência anterior. Já prevíamos que algo de semelhante pudesse acontecer. Seria apenas uma questão de tempo. Percebemos que o terrorismo não é um fenómeno restrito a uma região. Não precisamos do 11 de Setembro para aprender a lição.

 

Os terroristas não respeitam a lei do Estado. Mas como é que Israel pode exigir que os terroristas palestinianos respeitem as leis do Estado se eles não têm Estado? Para Israel, é urgente um Estado palestiniano independente?

Seria muito mais plausível e eficaz lidar com um Estado. É muito mais difícil negociar com organizações não-governamentais. Olhemos para Gaza, onde o Hamas tomou o poder pela força. Desde o primeiro dia que a sua agenda é destruir Israel. Ao abrigo das leis israelitas, o Hamas não é uma facção política mas antes uma organização terrorista. Em Janeiro de 2006, quando das eleições para a Autoridade Palestiniana, pensava-se que Israel iria proibir a participação do Hamas. Nessa altura, eu representei uma petição interposta por um filho do antigo ministro Rehavam Zeevi (assassinado pelo Hamas em 2001) solicitando ao governo que não deixasse o Hamas participar nas eleições. Infelizmente, o Supremo não quis intervir, dizendo tratar-se de um assunto político. Depois tive conhecimento que os americanos estavam a pressionar Israel para mostrar ao mundo que os palestinianos poderiam ser uma sociedade democrática e realizar eleições livres. Olhando para trás, acho que Israel cometeu um erro grave.

Que lição aprendeu Israel com esse episódio?

Nunca permitir a uma organização terrorista que use instrumentos democráticos para se promover. Israel forneceu ao Hamas a legitimidade de ser eleito livremente. Mas depois das eleições, o Hamas permaneceu a mesma organização terrorista. E mesmo agora, para além de não reconhecer Israel, não está na disposição de negociar com Israel. Não há forma possível de lidar com organizações terroristas. Neste caso, Israel negoceia com os egípcios que estão em contacto com o Hamas. A partir do momento em que um dos interlocutores é uma organização não-governamental, que não está na disposição de nos reconhecer o direito a sobreviver, é muito duro conduzir negociações à séria.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de julho de 2008. Pode ser consultado aqui

“Terrorismo abriu nova frente em Argel”

Uma mulher é consolada no exterior do hospital Zmirli, em Argel, para onde foram levadas as vítimas de um massacre, a 23 de setembro de 1997. Esta foto, que ficou conhecida como “Madonna de Bentalha”, venceu o World Press Photo em 1998 HOCINE ZAOURAR / WORLD PRESS PHOTO

Entrevista a Bruce Riedel ex-agente da CIA e investigador nos Estados Unidos

Há meio ano, Bruce Riedel, antigo agente da CIA durante 29 anos, alertou, num artigo na revista “Foreign Affairs”, para as “oportunidades” que se abrem em África ao extremismo islâmico. Esta semana, em entrevista ao “Expresso”, este investigador da Brookings Institution (Washington) disse que os atentados na Argélia são a prova de que a organização de Osama bin Laden está em força às portas da Europa.

O terrorismo no Norte de África beneficia dos conflitos no Afeganistão e no Iraque?
O que vimos, esta semana, em Argel é uma indicação muito dramática de que a Al-Qaida abriu com sucesso uma nova frente da “jihad” global no Norte de África. Essa frente está a ser muito dirigida por Osama bin Laden e pelos seus comandantes a partir de bastiões ao longo da fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão. A escolha de alvos, especialmente o ataque às Nações Unidas, demonstra que é a liderança de Bin Laden que está a tomar as decisões, uma vez que a ONU é um alvo da “jihad” global e não da “jihad” argelina. Nesse sentido, as movimentações da Al-Qaida estão a beneficiar muito da guerra, especialmente no Paquistão e no Afeganistão, que está a correr mal e que lhes está a proporcionar portos de abrigo para desencadearem operações e expandirem a “jihad” para o Norte de África. A guerra no Iraque também os beneficia no sentido de que fornece motivação e é um terreno para desenvolver e testar todos os tipos de novas técnicas.

Podemos então dizer que a seguir ao Afeganistão, ao Paquistão e ao Iraque, a Argélia é o país onde a Al-Qaida está mais activa?
Sim. Há mais de um ano, a liderança da Al-Qaida decidiu afectar recursos para tornar a Argélia a próxima frente da guerra. O objectivo visa não só desestabilizar a Argélia mas também criar uma base no seio da diáspora argelina para atacar a Europa Ocidental, sobretudo a França.

E porquê a França?
A maior comunidade magrebina na Europa está em França. O objectivo é usar a Al-Qaida para o Magrebe Islâmico e penetrar as comunidades argelina, marroquina e tunisina na Europa Ocidental, Portugal incluído. É preciso dizer que a esmagadora maioria dos magrebinos na Europa Ocidental são cidadãos honestos e moderados. A Al-Qaida procura uma pequena minoria para poder recrutar e usar na expansão da “jihad” para fora da Argélia e para dentro da Europa.

Como pode a Europa combater esta ameaça?
Os serviços secretos europeus estão muito concentrados neste problema. Para assegurar a derrota da Al-Qaida no Magrebe e impedir que se instale uma base forte na Argélia há que procurar formas de fortalecer as forças moderadas em Argel. Nos últimos anos, muitos esforços da União Europeia para fazer progredir o Processo de Barcelona foram sensatos. Provavelmente, são precisos mais meios. Uma política inteligente é apostar num Magrebe mais próspero para prevenir a expansão do extremismo islâmico. Outra é intensificar os esforços em redor do núcleo da Al-Qaida no Sul da Ásia, onde está o quartel-general da organização. Isto implica um papel mais forte da NATO no Afeganistão e pressão sobre o Paquistão para que acabe com a permissividade aos portos de abrigo.

Os Estados Unidos preocupam-se com o terrorismo no Norte de África?
Há uma preocupação considerável nos Estados Unidos, mas a Administração Bush afectou todos os recursos da luta contra o terrorismo na guerra do Iraque. Foi um erro nas prioridades porque por muito sério que seja o problema iraquiano não é lá que estão situados os quartéis-generais da Al-Qaida. O centro do movimento para a “jihad” global está no Paquistão e no Afeganistão. Os nossos recursos foram usados erradamente.

A captura de Osama bin Laden deveria ser a prioridade das prioridades?
Sem dúvida. Os ataques desta semana em Argel provam que ele é ainda uma força activa nesta “jihad” global. O comunicado do grupo que levou a cabo os atentados diz que eles seguem Osama bin Laden. Chamam-lhe “o nosso emir”.

DE CASABLANCA A ARGEL

16/05/2003 — Casablanca (Marrocos)
Cinco ataques suicidas contra um restaurante espanhol, um hotel de luxo e um centro judeu matam 45 pessoas.

11/04/2007 — Argel (Argélia)
Várias bombas matam 33 pessoas em ataques reivindicados pela Al-Qaida.

06/09/2007 — Batna (Argélia)
Um ataque suicida, antes de uma visita do Presidente Abdelaziz Bouteflika, mata 20 pessoas e fere 107.

08/09/2007 — Porto de Dellys (Argélia)
Um carro-bomba mata 37 pessoas nas casernas da guarda costeira.

11/12/2007 — Argel (Argélia)
Duas explosões matam 31 pessoas: uma bomba visou o Conselho Constitucional, a outra a representação das Nações Unidas.

(Foto: Pintura exposta no Museu Nacional do Mujahidin, em Argel MARGARIDA MOTA)

Artigo publicado no Expresso, a 15 de dezembro de 2007

Al-QaIda treina às portas da Europa

A possibilidade de um ‘novo’ 11/9 é muito forte, isto porque o nível de ameaça terrorista é o mais elevado de sempre

Infografia publicada no relatório “Terrorism in North Africa and the Sahel in 2016”, Yonah Alexander, Inter-University Center for Terrorism Studies, Março de 2017

Seis anos depois, o mundo está mais inseguro, a Al-Qaida mais forte, a guerra no Iraque ajuda à proliferação da ameaça terrorista e o Norte de África transformou-se num campo de treino onde a organização de Osama bin Laden prepara o ataque à Europa. São estas as ideias fortes dos comentários solicitados pelo “Expresso” a um conjunto de personalidades internacionais sobre o mundo pós-11 de Setembro.

“O grau de ameaça de um ataque devastador como os de Nova Iorque ou Madrid é muito alto porque a liderança e a infra-estrutura da Al-Qaida estão vivas e activas no Sul da Ásia. A sua base junto à fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão está a crescer ao mesmo tempo que a NATO se estende nos dois países em crescente crise interna”, disse ao “Expresso” Bruce Riedel, que operou naquela região até o ano passado, como agente da CIA. Há cerca de três meses escreveu um artigo intitulado a “Al-Qaida ataca de novo”, na revista “Foreign Affairs”.

Para este investigador do Brookings Institute, a guerra no Iraque, onde o número de soldados norte-americanos mortos superou esta semana os 3750, é largamente responsável pelo malogro na contenção dos terroristas. “Os recursos necessários no Afeganistão foram transferidos para o Iraque e esbanjados. Pior, a ocupação do Iraque foi um instrumento poderoso para a Al-Qaida recrutar novos seguidores entre muçulmanos irritados. Agora, está a construir uma base de operações no Norte de África para atacar na Europa”.

Apoiando-se em estatísticas oficiais norte-americanas e em relatórios de especialistas independentes, Noam Chomsky referiu ao “Expresso” que, após a invasão iraquiana, o número de acções terroristas multiplicou-se por sete. “Sinto-me hoje menos seguro, porque as decisões da Administração Bush aumentaram significativamente a ameaça terrorista”, uma acusação que faz dele uma das vozes mais apreciadas pelo chamado movimento alterglobalização. “Não digo que a Administração deseje o terror, certamente que não. Mas proteger os norte-americanos do terrorismo não é uma grande prioridade”, diz.

Chomsky confessa não se sentir fortemente afectado nos seus direitos, mas defende que, após o 11 de Setembro, ficou mais evidente uma dualidade de tratamento. Recorda Jose Padilla, um americano torturado durante quase quatro anos que aguarda sentença, acusado de ligações terroristas: “Os tribunais recusaram considerar a questão da tortura e não decorre qualquer investigação”, denuncia. “Há uma lei para os ricos e privilegiados e outra para os pobres e excluídos”, conclui Chomsky.

Ely Karmon, do Instituto Contra-Terrorismo de Herzliya, Israel, lembra que “a comunidade internacional permitiu, entretanto, que o Irão esteja à beira de adquirir capacidade nuclear”.

Especialista em matéria de imigração, o sueco Jan O. Karlsson diz que a ameaça terrorista não refreou os fluxos migratórios, que envolvem 200 milhões de pessoas, 3% da população mundial. Mas não deixa de constatar que Europa e EUA reagiram de forma diferente ao 11 de Setembro. “A Europa viveu durante décadas com a ETA, o IRA e a RAF sem achar necessário impor grandes restrições aos direitos civis. Os EUA tiveram poucas experiências de terrorismo o que pode explicar as duras medidas da Administração Bush: o campo de Guantánamo, as prisões secretas da CIA, a espionagem telefónica aos cidadãos americanos e o uso de tortura”, disse ao “Expresso” o presidente da Comissão Mundial sobre as Migrações.

John Pike, director do sítio de estudos estratégicos GlobalSecurity.org, adaptou-se às circunstâncias e adoptou um “modus operandi” particular: “Deixei de voar, porque acho muito incómodo estar ali de pé e em fila, a ser revistado e a tirar os sapatos e o cinto. Pago quase tudo em dinheiro. Ganho com isso um prémio de privacidade”.

FRASES

“As decisões da Administração Bush aumentaram a ameaça terrorista”
NOAM CHOMSKY, Massachusetts Institute of Technology

“A Al-Qaida está a construir uma base de operações no Norte de África para atacar na Europa”
BRUCE RIEDEL, Brookings Institute, Washington

“A actual ameaça terrorista é-o mais à paz de espírito do que à segurança física”
JOHN PIKE, Director da GlobalSecurity.org

“Após o 11 de Setembro, não houve qualquer ataque com armas de destruição maciça”
ELY KARMON, Institute for Counter-Terrorism de Herzliya, Israel

“Os acidentes de viação põem em risco a vida de muitas mais pessoas do que o terrorismo”
ALAN KRUEGER, Universidade de Princeton, New Jersey

Artigo escrito em colaboração com Cristina Peres e publicado no Expresso, a 8 de setembro de 2007