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O príncipe do Ténéré que protegeu o Dakar

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Quando a rebelião tuaregue estava ao rubro, Mano Dayak foi um amigo do Paris-Dakar

Aos 29 anos de vida, o Dakar — que teve a sua primeira edição em 1979 — sucumbiu aos perigos do deserto. Mas tempos houve em que passava ileso entre quem fazia do assalto a caravanas um modo de vida. O artífice dessa trégua chamou-se Mano Dayak, um tuaregue nascido em 1949, no actual Níger, que os mais antigos participantes do Dakar nunca esquecerão.

“Acredito que, em 1992, foi ele quem garantiu que não houvesse problemas à passagem do Dakar”, recorda ao Expresso o piloto José Megre, que nesse ano fez esta prova pela última vez. “Estive em casa dele e assisti a reuniões acesas entre chefes tuaregues. Chamávamos-lhe o príncipe do Ténéré”.

No Níger, a rebelião tuaregue estava ao rubro, com aquele povo a exigir autonomia e o reconhecimento da sua vida nómada. Por vezes, à passagem dos automóveis, sucediam episódios burlescos. “Numa expedição organizada por mim, os militares do Níger queriam fazer a escolta para me proteger dos tuaregues. Eu ia acompanhado por tuaregues, que tinha contratado para serem meus guias…”, relembra Megre.

Mano Dayak — que escreveu um livro intitulado ‘Nasci com areia nos olhos’ — conquistara os amantes do todo-o-terreno como guia de um dos desertos mais míticos do mundo, o Ténéré. Fluente em inglês e francês, graças aos seus estudos na Universidade de Indiana (EUA) e na Sorbonne (Paris) — proporcionados por programas de apoio aos tuaregues —, fundou, pouco depois, a agência de viagens Tenet, para levar turistas ao deserto e apoiar expedições. “Era ele quem traçava as pistas do Dakar no Níger para o criador do Dakar, Thierry Sabine”, diz Megre. Em 1992, por causa da rebelião tuaregue, o Dakar atravessou o Níger pela última vez. Mas, para Megre, este facto não transformou o povo numa ameaça à prova. “Muito pelo contrário, eram os tuaregues que balizavam as pistas e espetavam paus nas dunas para nós passarmos”.

Não é por acaso que, ainda hoje, o símbolo do Dakar é a silhueta de um tuaregue com a cabeça e os ombros cobertos pelo tradicional “cheche” (turbante). Quem já se aventurou no Dakar jamais lhes fica indiferente. “São nobres e altivos, têm uma presença fantástica e a arte de viver no deserto”, afirma Megre.

Também o jornalista António Mendes Nunes, que cobriu várias provas no Sara, recorda a destreza com que, de noite, Dayak conduzia com as luzes apagadas, orientando-se apenas pelas estrelas. “Era um tuaregue perfeito quando estava em África e um europeu perfeito quando estava na Europa”, conta ao Expresso. “E um líder nato”, acrescenta. Até 1995, quando morreu num acidente de aviação a caminho de conversações com o Presidente do Níger, Mano Dayak vê a guerrilha transformar-se numa ocupação a tempo inteiro.

“Em 1992, cobria eu o Dakar, assisti ao rapto de uns oficiais do Níger. Foi em casa do Mano, com a minha máquina de escrever, que foi escrito o pedido de resgate. Eu próprio o bati”, recorda Mendes Nunes. “Apercebi-me de que ele era o chefe da guerrilha.”

O jornalista conhecera o tuaregue em 1989 quando, a convite de José Megre, Mano participou na Baja de Portugal ao volante de um UMM português. Mendes Nunes foi o seu co-piloto e recorda: “Um dia, fomos treinar para ele conhecer o carro. Quando íamos tomar o pequeno-almoço, vimos uma professora mulata junto de alunos brancos. Ele pediu uma sandes de presunto e uma cerveja. Depois de comer, disse: ‘Portugal é o melhor dos dois mundos: tem um presunto fantástico e professoras pretas que dão aulas a brancos’”.

OS TUAREGUES EM ÁFRICA

5 países acolhem populações tuaregues: Argélia, Líbia, Mali, Níger e Burkina Faso

1,5 milhões de tuaregues vivem no Níger, 1 milhão no Mali e 500 mil noutros países

Artigo publicado no Expresso, a 12 de janeiro de 2008