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Rússia revê estratégia: “libertação” do Donbas passa a ser a prioridade

O Ministério da Defesa da Rússia reconheceu a morte de 1351 militares, na Ucrânia

As forças russas na Ucrânia estarão na iminência de realizar uma mudança de estratégia na sua ofensiva. Esta sexta-feira, o Ministério da Defesa russo esclareceu que a primeira fase da “operação especial militar” — como Moscovo designa a invasão da Ucrânia — está “praticamente concluída”.

De agora em diante, esclareceu Sergey Rudskoy, vice-chefe de Estado General das Forças Armadas da Rússia, o objetivo principal será a “libertação completa” do território de Donbas, de que fazem parte as regiões de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia.

O Ministério da Defesa da Rússia alega que as forças separatistas, radicadas no Donbas, controlam atualmente 93% do território na região de Luhansk e 54% em Donetsk.

Escreve o diário espanhol “El País” que, a confirmar-se, esta mudança de estratégia, significa “uma redução dos objetivos militares iniciais, que, nas palavras do Presidente russo, Vladimir Putin, passavam pela ‘desnazificação’ da Ucrânia”.

O Ministério da Defesa reconheceu também a morte de 1351 soldados, nas suas hostes. E acrescentou que as forças separatistas apoiadas por Moscovo controlam 93% da região de Luhansk e 54% de Donetsk. Três dias antes do início da invasão da Ucrânia, a Rússia reconheceu a independência destas duas regiões ucranianas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 25 de março de 2022. Pode ser consultado aqui

Um mês de combates em 10 números

Dezenas de ataques russos a hospitais e clínicas, centenas de mortos, milhares de provas de crimes de guerra, milhões de pessoas em fuga. O conflito na Ucrânia em números

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dossiês estão sobre a mesa das negociações entre russos e uranianos.

São eles:

  • o estatuto de neutralidade da Ucrânia que, na prática, inviabiliza a adesão do país à NATO;
  • o desarmamento e garantias mútuas de segurança;
  • o processo que a Rússia designa de “desnazificação” da Ucrânia;
  • a remoção de obstáculos à utilização generalizada da língua russa no território ucraniano;
  • o estatuto da região de Donbass, no leste do país;
  • o estatuto da península da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014.

O fim da guerra está dependente de um acordo entre Moscovo e Kiev em todos eles.

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ucranianos, numa população total de cerca de 45 milhões de pessoas, já foram obrigados a abandonar as suas casas em fuga à guerra. A denúncia foi feita por Filippo Grandi, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.

Este grande êxodo humano — o pior na Europa desde a II Guerra Mundial — transformou muitos ucranianos em deslocados internos e muitos outros em refugiados, acolhidos em países terceiros.

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ucranianos já beneficiaram de pedidos de proteção temporária, concedidos por Portugal (atualização feita pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, às 13h de quarta-feira). Cerca de um terço desses cidadãos são menores. Pelo menos 500 crianças e jovens ucranianos já estão inscritos no sistema educativo português.

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mortos e 1594 feridos é o total de vítimas deste conflito apuradas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Há 81 crianças entre os mortos. Esta agência da ONU salienta, porém, que as cifras reais deverão ser “consideravelmente superiores”.

O número de vítimas civis e militares tornou-se uma arma de arremesso entre Moscovo e Kiev. No terreno, a dificuldade em apurar, de forma independente, os custos humanos da guerra é evidente, nomeadamente no leste do território ucraniano, onde se travam os combates mais intensos.

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provas de crimes de guerra e crimes contra a humanidade atribuídos à Rússia foram já recolhidos pela Procuradoria-Geral da Ucrânia. Existe, para o efeito, um site ao qual qualquer cidadão ucraniano pode aceder para registar evidências de atrocidades a que assista.

“Hoje, cada ucraniano é uma testemunha valiosa e, num futuro próximo, membro de uma equipa de muitos milhões”
 Procuradoria-Geral da Ucrânia

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hospitais e clínicas foram atingidos por fogo russo, contabilizou a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Outros edifícios onde eram prestados cuidados de saúde estão a ser avaliados por potencial ataque russo.

Um dos casos mais chocantes foi o ataque a uma maternidade, em Mariupol, de que resultaram três mortos e 17 feridos.

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partidos políticos ucranianos foram suspensos devido a ligações à Rússia.

A maioria eram pequenas formações, mas um deles, a Plataforma de Oposição — Para a Vida, lidera a oposição, com 44 deputados eleitos no Parlamento ucraniano. Um dos seus líderes mais influentes é Viktor Medvedchuk, um oligarca amigo pessoal de Putin. A guerra trava-se também no primeiro plano da política, em Kiev.

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por cento é a percentagem de dependência de países como a Somália e o Benin em relação ao trigo cultivado na Rússia e na Ucrânia.

Segundo a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), há 16 países africanos que dependem em mais de 50% do trigo produzido nesses dois países.

Recentemente, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou para “um furacão de fome e um colapso do sistema alimentar global” em consequência da guerra na Ucrânia.

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Parlamentos já assistiram, ainda que de forma virtual, a discursos do Presidente da Ucrânia, já com a guerra em curso. Foram eles o Parlamento Europeu e dez Parlamentos nacionais: Reino Unido, Polónia, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Israel, Itália, Japão e França.

Na quarta-feira, dirigindo-se aos deputados japoneses, Volodymyr Zelensky recordou os horrores do uso do nuclear, que os japoneses sofreram na pele em Hiroshima e Nagasaki e os ucranianos em Chernobyl. Fe-lo para lançar um alerta de que pode também acontecer durante este conflito.

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anos separam os nascimentos de Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky. Mais do que uma curiosidade, esta diferença de idades determina uma experiência abismal entre o antigo espião russo e o ex-comediante ucraniano, no palco da política.

No ano em que Zelensky nasceu (1978), já Putin escalava posições na secreta soviética (KGB). Em 1980, foi colocado em Dresden, na Alemanha Oriental, onde assistiu à queda do Muro de Berlim (1989) na primeira fila. Muitas dessas memórias estarão bem presentes na forma como conduz esta guerra.

(IMAGEM TALKING ECONOMICS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de março de 2022. Pode ser consultado aqui

A guerra em imagens: um mês de destruição e muito sofrimento

As tropas russas ainda não entraram em Kiev, mas a capital ucraniana já não escapa à destruição da guerra. De Irpin chegam imagens de grande sofrimento humano, com população ansiosa à espera de uma trégua para fugir para um local mais seguro. A Ucrânia é um país cada vez mais despovoado e destruído

NEGRO. É o tom dos céus da Ucrânia e do futuro do país, num momento em que ainda não se adivinha o fim da guerra ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
ÊXODO. Podia ser apenas um dia de trânsito caótico em Kiev. É um gigantesco engarrafamento provocado por quem procura fugir à guerra PIERRE CROM / GETTY IMAGES
INOCÊNCIA. Vidas interrompidas, à espera de atravessar a fronteira para a Polónia. O mais novo entretido, a mais velha resignada com a partida forçada WOJTEK RADWANSKI / AFP / GETTY IMAGES
ADAPTAÇÃO. Na normalidade possível num país em guerra, uma criança diverte-se num baloiço que sobreviveu intacto aos combates, em Kiev PIERRE CROM / GETTY IMAGES
INFERNO. Um edifício de apartamentos consumido pelas chamas, na capital ucraniana, após um bombardeamento. A guerra não distingue alvos militares de civis ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
VAZIO. Está longe o olhar (e o pensamento) deste ucraniano, ferido durante os combates com os russos, na região de Luhansk ANATOLII STEPANOV / AFP / GETTY IMAGES
SOBREVIVÊNCIA. É tudo o que significa a ajuda deste militar a uma mulher idosa, na cidade de Irpin ARIS MESSINIS /AFP / GETTY IMAGES
DOR. No corpo e na alma desta mulher de Chuguiv, no leste da Ucrânia, por ver o seu país atacado e destruído ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
SOCORRO. Para os militares ucranianos, fazer a guerra é também ajudar a transferir os mais vulneráveis das zonas dos combates SERGEI SUPINSKY / AFP / GETTY IMAGES
SEPARAÇÃO. Mulheres e crianças partiram. Os homens entre os 18 e os 60 anos ficaram para servir na guerra. Não há garantias de que se voltem a encontrar BULENT KILIC / AFP / GETTY IMAGES
SOLIDÃO. A presença do fiel amigo não ilude o isolamento e a expressão de tristeza desta idosa ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
FUGA. A ponte já não está intacta, mas ainda assim é uma escapatória preciosa para permitir a evacuação de Irpin ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
CAOS. Destruição total na cidade de Bucha, a oeste de Kiev ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
PARTIDA. Este autocarro leva ucranianos para a vizinha Moldávia. Ficar pode ser sinónimo de morte NIKOLAY DOYCHINOV / AFP / GETTY IMAGES
DESTRUIÇÃO. Imagens obtidas por satélite mostram um ataque a uma zona residencial, em Chernihiv GETTY IMAGES
SUSTO. Parece um ataque acidental a um prédio de Kiev. Mas na “guerra de Putin” , como muitos lhe chamam, tudo pode ser um alvo DANIEL LEAL / AFP / GETTY IMAGES
DESÂNIMO. A casa deste homem, na região de Chuguiv, no leste da Ucrânia, ficou transformada num monte de escombros ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
RESILIÊNCIA. Um homem limpa destroços junto a um prédio de apartamentos, num subúrbio da capital ucraniana DANIEL LEAL / AFP / GETTY IMAGES
FÉ. Preces a Deus para que ponha fim a uma guerra travada entre dois países cristãos (ortodoxos) DANIEL LEAL / AFP / GETTY IMAGES
ESPERA. Em redor da praça junto à Câmara Municipal de Kharkiv, há ucranianos armados à espera que os russos apareçam SERGEY BOBOK / AFP / GETTY IMAGES
ANSIEDADE. Abrigados sob uma ponte destruída, aguardam por uma trégua nos combates para saírem de Irpin para um sítio mais seguro DIMITAR DILKOFF / AFP / GETTY IMAGES
ATAQUE. Bombardeamento contra uma zona industrial, em Chernihiv. O fumo negro sai de tanques de armazenamento de petróleo GETTY IMAGES
ARMA. Garrafas usadas por voluntários para produzir cocktails Molotov, em Lviv DANIEL LEAL / AFP / GETTY IMAGES
ESTRAGOS. Este apartamento, em Kiev , escapou ao embate de um míssil, intercetagdo pelas forças ucranianas, mas não ao impacto dos estilhaços CHRIS MCGRATH / GETTY IMAGES
DESORIENTAÇÃO. Uma mão amiga transmite segurança a uma idosa visivelmente assustada, durante a evacuação de Irpin ANDRIY DUBCHAK / GETTY IMAGES
DEVASTAÇÃO. Na cidade de Moschun, não parece haver mais vida GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de março de 2022. Pode ser consultado aqui

A Rússia não está isolada no seu ataque à Ucrânia: estes são os seis países que estão solidários com Moscovo

A condenação generalizada à invasão russa de território da Ucrânia não teve repercussão num conjunto de países. A maioria deles é castigada, há anos, por sanções económicas aplicadas pelos Estados Unidos

BIELORRÚSSIA

A entrada de tropas russas na Ucrânia concretizou-se por três frentes, uma das quais a partir de território bielorrusso. O país liderado por Aleksandr Lukashenko, que está no poder desde 1994 — longevidade que lhe vale o epíteto de “o último ditador da Europa” —, é um sólido aliado da Rússia.

Entre 10 e 20 de fevereiro, a realização de exercícios militares entre forças russas e bielorrussas contribuiu fortemente para a escalada da tensão na região. E com razão, já que no dia depois de terminarem, Moscovo reconheceu a independência das repúblicas separatistas ucranianas de Donetsk e Luhansk, ao que se seguiu a invasão da Ucrânia.

A permanência das tropas russas em território bielorrusso terminadas as manobras militares conjuntas indiciava o pior. A Bielorrússia deve lutar pela “sua independência” e contra a “ditadura”, apelou então a líder da oposição Svetlana Tikhanovskaya — tida pelo Ocidente como a vencedora das presidenciais de 2020 e que vive exilada —, considerando que a soberania do seu país estava ameaçada pela presença militar russa.

No próximo domingo, poderá ser dado mais um passo no crescente domínio de Moscovo sobre Minsk. Os bielorrussos estão convocados para se pronunciarem num referendo sobre alterações à Constituição e entre os assuntos em questão está a possibilidade de o Presidente Lukashenko autorizar a instalação de armas nucleares russas naquela antiga república soviética.

VENEZUELA

“A Venezuela está com Putin e com a Rússia, está com as causas corajosas e justas do mundo, e vamo-nos aliar cada vez mais”, reagiu, de forma inequívoca, Nicolás Maduro, às notícias da invasão russa da Ucrânia. O Presidente venezuelano acrescentou que a NATO e os Estados Unidos querem acabar militarmente com a Rússia por estarem “habituados a fazer o que querem no mundo”.

Na semana passada, quando da passagem por Caracas do vice-primeiro-ministro russo Yuri Borisov, os dois países assinaram um acordo de cooperação militar. Maduro defendeu que este compromisso “confirmou o caminho para uma poderosa cooperação militar entre Rússia e Venezuela para defender a paz e a soberania”.

As relações entre Moscovo e Caracas estreitaram-se sobretudo com Hugo Chávez, o antecessor de Maduro que ocupou o Palácio de Miraflores entre 1999 e 2013. Então, o venezuelano aproveitou o boom do petróleo, de que a Venezuela é produtora, e comprou aos russos centenas de milhões de dólares em armamento e equipamentos militares.

Para a Venezuela, a Rússia é um mercado que permite contornar o efeito das sanções internacionais decretadas ao país. Este alinhamento entre os dois países já se fez sentir noutras crises. Em 2008, a Venezuela foi dos poucos países a reconhecer a independência das regiões da Abecásia e da Ossétia do Sul, em território da Geórgia.

SÍRIA

O grande aliado da Rússia na conturbada região do Médio Oriente tornou-se o segundo Estado em todo o mundo a reconhecer a independência de Donetsk e Luhansk. A decisão confirma a solidez da relação entre estes dois países.

É na Síria — em Tartus — que Moscovo tem a sua única base militar que lhe permite o acesso aos mares quentes (no caso o Mediterrâneo) e por isso navegáveis. A conservação deste local estratégico, num país que está em guerra desde 2011, justifica o apoio direto e incondicional da Rússia a Bashar al-Assad, que deve a Vladimir Putin a sua permanência no poder.

No atual contexto, foi a vez do regime sírio colocar-se ao lado das opções belicistas de Moscovo. “A Síria apoia a decisão do Presidente Vladimir Putin de reconhecer as repúblicas de Luhansk e Donetsk”, afirmou Faisal Mekdad, o ministro sírio dos Negócios Estrangeiros. “O que o Ocidente está a fazer contra a Rússia é igual ao que fizeram contra a Síria durante a guerra terrorista.”

À semelhança da Venezuela, também a Síria reconheceu, no passado, as ex-repúblicas georgianas da Abecásia e da Ossétia do Sul como Estados independentes.

NICARÁGUA

Daniel Ortega, na presidência da Nicarágua desde 2007, esteve com a Rússia desde a primeira hora desta crise. “O Presidente Putin deu hoje um passo com o qual o que fez foi reconhecer algumas repúblicas que, desde o golpe de 2014, não reconheceram os governos golpistas [na Ucrânia] e estabeleceram o seu governo e lutaram”, disse na segunda-feira, na sequência do reconhecimento russo da independência de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia.

Ao mencionar o golpe de 2014, Ortega referia-se à deposição do então Presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, na sequência das manifestações populares que duraram meses e que ficaram conhecidas como Euromaidan. Este protesto saiu, pela primeira vez, às ruas de Kiev na noite de 21 de novembro de 2013, após a decisão do Governo de suspender a assinatura de um Acordo de Associação entre a Ucrânia e a União Europeia (UE). Hoje, Yanukovych vive exilado na Rússia.

Para o líder da Nicarágua, a UE e os Estados Unidos “vêm cercando e ameaçando a Rússia” desde 2014. “A Ucrânia está a procurar uma maneira de entrar na NATO, e entrar na NATO é dizer: vamos à guerra com a Rússia. Isso explica porque a Rússia age do jeito que age. Está simplesmente a defender-se.”

A boa relação entre a Rússia e a Nicarágua decorre muito da experiência guerrilheira de Daniel Ortega, na década de 1980, nas fileiras da Frente Sandinista (marxista). Na cadeira do poder, continua a verbalizar a sua oposição à influência dos Estados Unidos na América Central e — como o revela o problema da Ucrânia — em todo o mundo.

Os EUA, por seu turno, consideraram fraudulentas as eleições presidenciais de 7 de novembro do ano passado, na Nicarágua — que oficialmente Ortega venceu com 76% dos votos — e impuseram sanções a representantes do Estado.

CUBA

É outro país castigado por sanções internacionais, que vive sob embargo dos Estados Unidos desde 1958. Já com a ofensiva russa sobre a Ucrânia em curso, uma delegação parlamentar da Rússia, encabeçada pelo presidente da Duma (Parlamento), Vyacheslav Volodin, realizou uma visita de dois dias à ilha que é governada pelo Partido Comunista há mais de 60 anos.

“A determinação dos Estados Unidos em impor a progressiva expansão da NATO até às fronteiras da Federação Russa constitui uma ameaça à segurança nacional deste país e à paz regional e internacional”, defendeu o Ministério cubano dos Negócios Estrangeiros, num comunicado divulgado pouco antes da chegada dos políticos russos. “Cuba defende uma solução diplomática através do diálogo construtivo e respeitoso.”

https://twitter.com/cubaminrex/status/1496694614954237958

A visita à ilha caribenha foi facilitada por uma decisão, esta semana, da câmara baixa da Duma, no sentido de adiar para 2027 o pagamento devido por Havana de algumas tranches da dívida cubana. Em causa está uma verba de 2300 milhões de dólares (2000 milhões de euros), concedidos pela Rússia a Cuba entre 2006 e 2019, para investimentos nas áreas da energia, dos metais e em infraestruturas de transportes.

NAURU

Antes de qualquer explicação, impõe-se localizar este país no mapa-mundo. Independente do Reino Unido desde 1968, Nauru é uma ilha do Pacífico que, em 1999, aderiu às Nações Unidas. Nesta organização, Nauru representa também os interesses da Ossétia do Sul, uma ex-república separatista da Geórgia que autoproclamou a sua independência em 2008, prontamente reconhecida pela Rússia.

A relação privilegiada entre Nauru e a Ossétia do Sul começou a ganhar forma em 2009 quando a pequena ilha seguiu a posição de Moscovo e também procedeu ao reconhecimento da soberania desse território, e também da Abecásia.

Hoje, esse precedente faz com que Nauru seja apontado como já tendo reconhecido a independência das regiões secessionistas ucranianas de Donetsk e Luhansk, embora não haja conhecimento de qualquer declaração governamental nesse sentido.

A expectativa surge em função da relação próxima que Nauru tem desenvolvido com a Rússia. Para um território com poucos recursos, qualquer assistência económica é sempre bem-vinda e gera consequências políticas — foi o que aconteceu entre os dois países. O início desta proximidade terá sido uma conferência de doadores, em 2005, organizada pelas autoridades de Nauru para apresentação da sua Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável e angariação de financiamento. A Rússia correspondeu como nenhum outro país.

A relação foi sendo sucessivamente alimentada com outros cheques. Segundo o jornal russo “Kommersant”, em 2009 — pouco antes da ilha reconhecer a independência das duas repúblicas do Cáucaso —, Moscovo desembolsou 50 milhões de dólares (45 milhões de euros) em ajuda humanitária a Nauru.

(FOTO Visita de Vladimir Putin e Bashar al-Assad, Presidentes da Rússia e da Síria, à Catedral Ortodoxa de Damasco, a 7 de janeiro de 2020, na Síria KREMLIN)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de fevereiro de 2022. Pode ser consultado aqui

Donbass e Kosovo: descubra as diferenças

A turbulência à volta do reconhecimento russo da independência das regiões de Donetsk e Luhansk originaram comparações com o processo de emancipação do Kosovo em relação à Sérvia. O mais jovem país europeu fez, na semana passada, 14 anos

Às primeiras horas, se não minutos, do anúncio do reconhecimento da independência de Donetsk e de Luhansk, feito por Vladimir Putin, outro país — além da Ucrânia e da Rússia — ganhou destaque nas discussões que dispararam nas redes sociais: o Kosovo.

Na habitual troca de argumentação entre “prós” e “antis”, não faltou quem recordasse a autoproclamação da independência daquela província sérvia de maioria albanesa para atribuir legitimidade às pretensões das repúblicas separatistas russófilas ucranianas. Independentemente dos argumentos apaixonados de um e outro lado, há semelhanças entre os dois processos.

INDEPENDÊNCIA UNILATERAL

A independência do Kosovo foi proclamada unilateralmente pelos líderes albaneses locais, através de uma declaração aprovada na Assembleia do Kosovo, a 17 de fevereiro de 2008. Esta posição fudamentou a sua legitimidade num referendo realizado em 1999, que apurou que 99,98% dos votantes desejavam viver num país soberano. Todo o processo contou com forte oposição da Sérvia — país aliado da Rússia —, que ainda hoje considera o Kosovo “parte integrante” do seu território.

No caso das repúblicas separatistas ucranianas de Donetsk e Luhansk, a autoproclamação da independência ocorreu em 2014, na sequência de dois referendos — cujos resultados não foram reconhecidos por nenhum país — convocados com o intuito de legitimar a criação das duas repúblicas enquanto Kiev estava tomada por manifestações pró-Ocidente. Todo o processo decorreu à revelia da Ucrânia, que nunca deixou de reivindicar a região de Donbass, de que fazem parte Donetsk e Luhansk.

RECONHECIMENTO INTERNACIONAL

Um dia depois de o Kosovo declarar a sua independência, os Estados Unidos reconheceram o novo Estado e estabeleceram relações diplomáticas com ele. O então Presidente George W. Bush defendeu que um Kosovo independente “traria paz à região cicatrizada pela guerra” e que a posição de Washington era “irreversível”. Ela precipitou a de vários outros países, num processo político-diplomático desconcertado que foi particularmente penoso para a União Europeia. A França e o Reino Unido acompanharam os EUA no mesmo dia, Alemanha e Itália demoraram uns dias mais e Portugal uns meses (só reconheceu o Kosovo a 7 de outubro de 2008). Ainda hoje, cinco países da UE, a braços com diferendos territoriais internos, não reconhecem o Kosovo: Espanha, Grécia, Roménia, Eslováquia e Chipre.

Para Donetsk e Luhansk, o principal reconhecimento está conseguido, o da Rússia, mas com sanções internacionais a visarem os “novos Estados”. A dependência em exclusivo do vizinho gigante pode tornar-se um grande fardo para Moscovo. Pode acontecer com estes novos “Estados” o mesmo que às repúblicas georgianas da Abecásia e da Ossétia do Sul, que a Rússia reconheceu como independentes em 2008, na sequência de uma guerra de onze dias entre a Geórgia e essas “regiões rebeldes”. Ao abrigo do direito internacional, estes territórios continuam a fazer parte da Geórgia, mas cinco países, além da Rússia, reconhecem-lhes soberania: Nicarágua, Venezuela, Síria, Nauru e Vanuatu.

DEFESA E SEGURANÇA

Filhos de um parto tão complicado, estes territórios tendem a crescer sob grande vulnerabilidade. No Kosovo, a NATO lidera no terreno, desde 1999, uma operação de apoio à paz, ali estabelecida na sequência dos 78 dias de bombardeamentos da Aliança Atlântica à Sérvia de Slobodan Milosevic. Estão no território 3750 militares de 28 países. Já em Luhansk e Donetsk, que de ora em diante passam a sentir-se como a nova fronteira de um braço de ferro Leste-Oeste que não se sabe onde se irá revelar a seguir, a maior segurança virá também do exterior, da vizinha Rússia.

Já no decurso da atual crise entre a Ucrânia e a Rússia, estes dois contextos intercetaram-se, não se sabe ainda se no domínio da realidade ou da conspiração. Sexta-feira passada, órgãos de informação russos noticiaram que o ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov estava a investigar relatos relativos à presença de mercenários da Albânia, da Bósnia-Herzegozina e do Kosovo na região de Donbass, em apoio das forças ucranianas. O Governo kosovar rejeitou “categoricamente” as acusações, defendendo que a legislação do país “proíbe a participação dos seus cidadãos em guerras no estrangeiro”. Pristina acusou Moscovo de querer desestabilizar os Balcãs Ocidentais.

(MAPA EURASIA REVIEW)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de fevereiro de 2022. Pode ser consultado aqui