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“Há duas semanas, acordamos numa Europa diferente.” A UE já tem um plano para acabar com a dependência da Rússia

Reunidos durante dois dias, no Palácio de Versalhes, chefes de Estado e de Governo da União Europeia adotaram medidas com vista ao fim da dependência energética em relação à Rússia. O anfitrião Emmanuel Macron considerou a guerra na Ucrânia “um ponto de viragem do projeto europeu”

Há uma nova data no horizonte da União Europeia (UE): 2027. Por essa altura, os 27 Estados membros querem declarar o fim da atual dependência energética em relação à Rússia e afirmarem a soberania do projeto europeu.

“Nós podemos cooperar, queremos estar abertos ao mundo, mas queremos escolher os nossos parceiros e não ficarmos dependentes de ninguém. É isto que entendemos por soberania. Não se trata de protecionismo, nem de fechar a porta a ninguém”, defendeu esta sexta-feira o Presidente francês.

Emmanuel Macron falou no fim de um Conselho Europeu, realizado no Palácio de Versalhes, inicialmente convocado para se dedicar à recuperação económica europeia e que acabou por ser muito condicionado pela guerra na Ucrânia e suas consequências, designadamente ao nível energético.

“É nosso dever continuarmos a assegurar o fornecimento de energia fiável, segura e acessível aos consumidores europeus”, acrescentou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “A médio prazo, isto significa livrarmo-nos da nossa dependência do gás russo, através da diversificação do fornecimento e de um investimento massivo em renováveis.”

A alemã desvendou um plano da Comissão Europeia para o sector energético, designado “REPower EU”. “Em meados de maio, apresentaremos uma proposta para eliminar gradualmente a nossa dependência do gás, petróleo e carvão russos até 2027.”

Energia, defesa e economia

Esta foi uma das principais conclusões da reunião dos 27 chefes de Estado e de Governo, na quinta e sexta-feiras. Os líderes aprovaram formalmente a Declaração de Versalhes, que assenta em três pilares principais:

  1. Energia. Para além da estratégia de redução de dependência da Rússia, os líderes europeus abordaram a subida abrupta dos preços da energia e comprometeram-se com uma otimização dos mercados de eletricidade no sentido de um apoio à transição verde. Foram adotadas medidas a curto prazo para aliviar os gastos de cidadãos e comerciantes e foi desencadeado um plano de reabastecimento do território europeu a pensar no próximo inverno.
  2. Defesa e segurança. Os líderes concordaram que a invasão russa da Ucrânia realçou a urgência em investir na defesa europeia. Está já em curso uma estratégia operacional visando indentificar ações e investimentos necessários e tudo será feito em coordenação com a NATO, a mais forte aliança militar do mundo.
  3. Consolidação da base económica da UE. Este pilar assenta na promoção da paz, da segurança e da prosperidade como um pilar económico da região europeia.

A Declaração de Versalhes “permanecerá nos anais dos projetos europeus”, disse o presidente do Parlamento Europeu, Charles Michel. “Já há algum tempo entendemos que é essencial adotar uma agenda de soberania, de autonomia estratégica para a UE”, que traduz a ambição do bloco europeu, mas também procura corrigir e fortalecer as suas fragilidades.

A “guerra de Putin”

Este foi um Conselho Europeu profundamente marcado pela guerra na Ucrânia. “Desde há 15 dias que a escolha do Presidente Putin foi fazer regressar a guerra à Europa”, disse Emmanuel Macron. “Temos plena consciência que é um ponto de viragem para as nossas sociedades, para os nossos povos e para o nosso projeto europeu.”

Os responsáveis europeus elogiaram a resposta unida, sólida e robusta da UE na adoção de sanções “sem precedentes” à Rússia. Na conferência de imprensa, a presidente da Comissão Europeia anunciou um quarto pacote de sanções em breve que “isolará ainda mais a Rússia” e acentuar “os custos da invasão” da Ucrânia.

Emmanuel Macron disse que outras sanções seguirão e que todas as opções estão sobre a mesa e que os líderes discutiram as possíveis consequências dessa decisão nas próximas semanas e meses. O Presidente francês defendeu que há que manter a “pressão” e um “diálogo exigente” com Moscovo para que seja alcançado um cessar-fogo na Ucrânia e “um rápido regresso à paz”.

Ucrânia, Geórgia e Moldávia na fila

À mesa do diálogo, os 27 não esqueceram os pedidos de adesão à UE expressos por Ucrânia, Geórgia e Moldávia. “Os nossos destinos estão ligados. A Ucrânia é membro da família europeia. A agressão de Vladimir Putin contra a Ucrânia é um ataque contra todos os princípios que nos são queridos, um ataque contra a democracia, soberania de Estados, contra a liberdade das pessoas escolherem o seu destino e desenharem o seu futuro”, complementou Ursula von der Leyen.

A presidente da Comissão saudou o aumento com os gastos nacionais com a Defesa anunciados por alguns Estados membros e referiu-se ao conflito na Ucrânia como “a guerra de Putin”.

(FOTO Foto de família do Conselho Europeu, em Versalhes, França LUDOVIC MARIN / AFP / GETTY IMAGES)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de março de 2022. Pode ser consultado aqui

Refugiados ucranianos são bem-vindos. Os outros nem por isso

Enquanto a União Europeia, de forma unânime, abre as portas ao acolhimento de cidadãos ucranianos em fuga à guerra, milhares de migrantes e refugiados de outras origens, já em território comunitário, continuam a viver em péssimas condições. Uma recente missão do Parlamento Europeu à Letónia e Lituânia testemunhou candidatos a asilo a viver em regime de detenção

Nuvem de palavras relativas à crise de refugiados ucranianos WORDCLOUD.APP

“Se nós desaparecermos — Deus não o permita —, Letónia, Lituânia, Estónia, etc. irão a seguir. Até ao Muro de Berlim, acreditem!” Este cenário dramático, em que a Rússia não se contentaria em dominar apenas a Ucrânia e avançaria Europa fora, foi profetizado, na semana passada, pelo Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

Não se trata de propaganda ucraniana. O receio de que a guerra possa alastrar a outros países do leste da Europa é real e foi testemunhado, há dias, por sete deputados do Parlamento Europeu durante uma visita à Letónia e à Lituânia, ex-repúblicas soviéticas vizinhas da Rússia. “Senti apreensão face àquilo que está a acontecer. E senti preocupação em relação a uma possível agressão”, disse ao Expresso a eurodeputada portuguesa Isabel Santos, que integrou a missão.

“Estes países vêm manifestando, já há algum tempo, um profundo receio de que possa ocorrer uma agressão. No Parlamento Europeu, assistimos várias vezes às intervenções dos nossos colegas [oriundos desses países] a expressarem esse tipo de preocupações. É algo que está muito presente nesses países. E neste momento, face ao que está a acontecer na Ucrânia, ainda mais receio existe. No Ocidente, se calhar, desvalorizamos um pouco esse sentimento de insegurança…”

Arma de arremesso de Lukashenko

A visita dos eurodeputados aos dois países bálticos — que são membros da NATO e da União Europeia — foi agendada numa altura em que não era previsível o rebentar desta guerra. O objetivo da missão era observar in loco as condições de acolhimento dos requerentes de asilo que, no verão passado, chegaram às fronteiras destes países empurrados pela Bielorrússia.

“Foi um movimento migratório forçado e criado artificialmente por [Aleksandr] Lukashenko”, o ditador bielorrusso, que fez destas pessoas desesperadas “uma arma de arremesso contra a União Europeia”, acusa a eurodeputada. “Este movimento de migrantes e refugiados é identificado por estes países [Letónia e Lituânia] como uma ameaça híbrida, outra forma de fazer a guerra e de os agredir. Há grande apreensão face a qualquer coisa que possa ocorrer, até porque a Bielorrússia, nesta matéria, furta-se a qualquer diálogo.”

Em tempos normais, Letónia e Lituânia recebem, em média, cerca de 100 pedidos de asilo por ano. A manobra de Lukashenko, de incentivo a que milhares de migrantes e refugiados seguissem viagem até à fronteira da UE, levou a que já tenham chegado à Letónia mais de 500 pessoas e à Lituânia cerca de 4500.

“Nós não tentaremos apanhar-vos, bater-vos ou prender-vos atrás do arame farpado”

Aleksandr Lukashenko, Presidente da Bielorrússia, dirigindo-se aos migrantes em território bielorrusso, em novembro passado

“Encontramos as pessoas em centros cuja configuração é de detenção. As pessoas não podem sair desses centros, há famílias de 4-6 pessoas a viver num quarto e quartos com péssimas condições para acomodar tanta gente. A situação é bastante má do ponto de vista dos cuidados de saúde, das condições de higiene, de alimentação e, sobretudo, da saúde mental das pessoas que há meses se veem confinadas a um quarto, corredor e pouco mais. A situação que encontramos na Lituânia é absolutamente dramática. Havia pessoas a dizer-nos: ‘Nós só queremos liberdade’.”

Em causa estão refugiados oriundos, principalmente, da Síria, Afeganistão e Iraque e, em menor número, de países como Camarões, Congo, Iémen e Eritreia. Muitos relatam ter sofrido eletrochoques e outro tipo de agressões, “que configuram tortura”, diz Isabel Santos, para quem “isto não pode ser tolerado”. “Tem de haver vontade política e apoio da União Europeia. O tratamento dado a estas pessoas tem de ser algo que dignifique a sua condição humana”, prossegue a socialista. No caso da Lituânia, “há um discurso muito negativo por parte de vários atores políticos”.

“Há pessoas que nos descreveram terem estado semanas e meses em constantes pushbacks, empurrados da Bielorrússia para as fronteiras da Lituânia e da Letónia e destas para a Bielorrússia. É evidente que se tem de responder à forma como a Bielorrússia viola o direito internacional ao promover este género de movimentos — transforma-se quase num Estado que faz tráfico de pessoas —, mas não podemos dar uma resposta desumanizada e violadora do direito internacional. Não podemos ter dentro da UE um padrão que viola completamente o que está inscrito na Convenção de Genebra [relativa à proteção das pessoas civis em tempo de guerra] e na Carta dos Direitos Fundamentais [da União Europeia].”

A forma como estes migrantes são tratados contrasta com a abertura demonstrada por estes países para receberem cidadãos ucranianos em fuga à guerra. “É muito positivo que haja essa boa vontade e essa grande disponibilidade de acolhimento”, conclui a eurodeputada. “Mas seria bom que esta mobilização positiva em torno dos refugiados vindos da Ucrânia se estendesse também àqueles que já se encontram em território europeu” — e que não são eslavos.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de março de 2022. Pode ser consultado aqui

A UE exigiu e a Albânia cumpriu. Então porque não arranca o processo de adesão?

A Albânia está na fila de espera para aderir à União Europeia, mas as negociações tardam em começar. Não por culpa dos albaneses, mas por o seu processo estar, por vontade dos 27, acoplado ao dossiê de adesão da Macedónia do Norte. Uma eurodeputada portuguesa, recentemente regressada da Albânia, descreve ao Expresso sinais de desilusão pela demora de Bruxelas em iniciar as negociações com Tirana

Nos últimos dois anos, a União Europeia (UE) foi confrontada com perspetivas de divórcio que desgastaram a sua imagem de um bloco político irresistível. Primeiro foi a saída do Reino Unido (‘Brexit’), concretizada a 31 de janeiro de 2020. Já este ano, diferendos entre a UE e a Polónia em torno de questões de Estado de Direito aventaram a possibilidade de um ‘Polexit’. E de tempos a tempos, fragilidades macroeconómicas têm confrontado países como a Grécia, por exemplo, com a possibilidade de saída do euro (‘Grexit‘).

Toda esta turbulência não obsta a que vários outros países olhem para a UE como o seu projeto de futuro e se esforcem para que Bruxelas lhes abra as portas e estenda a mão. É o caso da Albânia.

“A UE pediu uma série de reformas à Albânia. Não vou dizer que o país é um paraíso e que atingiu um nível exemplar em todas as áreas, mas houve um esforço sério para cumprir com as metas que lhe foram exigidas. Temos de o reconhecer”, diz ao Expresso Isabel Santos, relatora do Parlamento Europeu para o processo de adesão da Albânia à UE.

Regressada de uma visita à Albânia, a eurodeputada do PS recorda que o esforço das autoridades de Tirana para corresponder às exigências de Bruxelas não se refreou, apesar do contexto pandémico e do terramoto de 26 de novembro de 2019, que devastou o noroeste do país, provocou 51 mortos e teve impacto na economia nacional. “Apesar de tudo isso, a Albânia fez progressos naquilo que foram as reformas pedidas pela UE.”

Neste jogo político, a bola está no meio-campo da UE, de quem a Albânia (des)espera pelo agendamento da primeira Conferência Intergovernamental (CIG), que iniciará formalmente o processo de adesão. “Infelizmente, a situação tem sido de uma certa paralisia por parte da UE em dar a resposta à marcação dessa primeira CIG”, lamenta a eurodeputada.

Espera-se que o assunto seja debatido no próximo Conselho Europeu, de 16 e 17 de dezembro, em Bruxelas, mas há uma circunstância a determinar uma grande dose de pessimismo quanto ao desfecho final. Por decisão dos 27, o processo albanês decorre em paralelo ao da Macedónia do Norte. “Formalmente, não há nada que obrigue a que os processos de negociação para adesão dos dois Estados sejam feitos em simultâneo”, explica ao Expresso Pascoal Pereira, professor na Universidade Portucalense.

“Contudo, a associação destes dois processos foi feita, de modo implícito, a partir do momento em que foram abertas as negociações para a adesão ao mesmo tempo, em 2020. A aceleração do processo de adesão de um, deixando o outro para trás, seria entendido como retrocesso desmoralizador para a Macedónia do Norte, que, para iniciar as negociações, teve de esperar 15 anos desde que lhe foi atribuído o estatuto de candidata, em 2005, enquanto a Albânia apenas teve de esperar seis anos.”

Na prática, a perspetiva de adesão conjunta traduz-se no congelamento do dossiê albanês, já que o processo macedónio se tem revelado mais espinhoso. “As recentes disputas entre a Macedónia do Norte e a Bulgária tornaram-se um obstáculo para a Albânia progredir nas suas negociações”, recorda ao Expresso a albanesa Isilda Mara, economista no Instituto para os Estudos Económicos e Internacionais de Viena (WIIW, na sigla internacional). Ironicamente, “a UE confirmou que a Albânia fez o trabalho de casa e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que as conversações de adesão deveriam começar ainda este ano.”

Nas reuniões do Conselho da UE, havendo um Estado que levante objeção, a unanimidade requerida deixa de ser possível e qualquer processo de adesão fica bloqueado. Foi para contornar um impasse desse género que, a 11 de janeiro de 2019, o Parlamento da Macedónia aprovou a mudança do nome oficial do país para Macedónia do Norte, no que foi interpretado como capitulação diante da Grécia (Acordo de Prespa, de 2018). Esta reivindicava que apenas a sua província do norte poderia chamar-se Macedónia, e com essa posição vetava a adesão do país vizinho, agora Macedónia do Norte.

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países são candidatos a entrarem na UE. São eles, além da Albânia, a Macedónia do Norte, o Montenegro, a Sérvia e a Turquia

Resolvido o problema com os gregos, os búlgaros são agora a dor de cabeça dos macedónios. “Esta pressão exercida pela Bulgária não deixa de recordar uma posição análoga que a Grécia teve em relação à Macedónia durante anos (que tinha que ver com o seu nome oficial e com a utilização de símbolos nacionais que considerava exclusivamente seus)”, lembra Pascoal Pereira. “A diferença é que Atenas manteve essa posição de forma quase constante desde 1991, enquanto só muito recentemente Sófia adotou esta postura em relação a Skopje.”

O académico arrisca uma explicação: “Esta preocupação repentina do Governo búlgaro em relação ao seu pequeno vizinho pode não passar de um surto nacionalista momentâneo que terá sido usado como instrumento de mobilização política interna, num momento de grande instabilidade política na Bulgária”. Os búlgaros já votaram três vezes em legislativas este ano.

No contencioso entre a Macedónia do Norte e a Bulgária estão em causa, essencialmente, obstáculos de “natureza identitária”, relacionados com “o reconhecimento mútuo de línguas (as línguas búlgara e macedónia são muito próximas, quase coincidentes), factos históricos que ambos os países reivindicam como seus, bem como a nacionalidade de determinados heróis nacionais”, explica Pascoal Pereira.

A 6 de outubro passado, à margem da cimeira UE-Balcãs Ocidentais, na Eslovénia, o Presidente búlgaro, Rumen Radev, disse que o seu país está disposto a deixar de bloquear a adesão da Macedónia do Norte à UE se Skopje parar com o seu “apagamento subtil” da identidade dos macedónios búlgaros. Enquanto o braço-de-ferro durar, será a Albânia a pagar a principal fatura. “Aquilo que tenho vindo a reclamar, como relatora, é que se marque a primeira CIG, uma vez que a Albânia cumpriu as cinco reformas que lhe foram pedidas”, diz Isabel Santos.

  • Reforma judicial
  • Reforma administrativa
  • Combate à corrupção
  • Combate ao crime organizado
  • Direitos humanos

“Em todas essas áreas houve avanços legislativos significativos”, refere a eurodeputada. “O mais significativo de todos foi o chamado vetting process”, um instrumento chave na luta contra a corrupção que passa por uma avaliação dos juízes e promotores do país quanto a ativos, antecedentes e proficiência. “Este processo já levou a que 62% dos juízes reavaliados tivessem sido destituídos ou se tivessem demitido do exercício de funções. Isto mostra o grau de exigência desta reforma judicial e a resposta firme que foi dada pela Albânia.”

Há 30 anos, a Albânia ascendia ao clube das democracias europeias após décadas de governação de um dos regimes estalinistas mais fechados do continente. Nas ruas de Tirana, gigantescas manifestações populares exigiam que o país se tornasse “como o resto da Europa”.

Esse desafio continua por cumprir. Isilda Mara enumera os benefícios que a adesão à UE pode trazer à Albânia.

  1. ECONOMIA: “O país beneficiará em termos económicos através de melhor acesso aos mercados da UE, intensificação das relações comerciais e maior integração económica e financeira com a UE.”
  2. POLÍTICA: “Os benefícios advirão da reforma do sistema judicial e da consolidação das instituições e do Estado de Direito, em conformidade com o acervo da UE.”
  3. SOCIEDADE: “Maior integração e ser membro da UE têm efeitos positivos no que diz respeito à coesão social, livre circulação de pessoas e trabalhadores, bem como melhoria das perspetivas de vida na Albânia.”

Na Albânia, a eurodeputada portuguesa Isabel Santos percebeu que o desejo de pertencer à UE é transversal a todos os partidos políticos e transcende o mero interesse económico. “Visitei alguns projetos financiados pela UE, mas não é só fundos que as pessoas querem… reivindicam serem cidadãos da UE.”

Com quase três milhões de habitantes, a Albânia faz fronteira com a Grécia e está apenas separada da Itália pelo Estreito de Otranto, que liga os mares Adriático e Jónico.

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INFOGRAFIA Jaime Figueiredo

Para a economista albanesa, que no WIIW investiga os casos da Albânia e do Kosovo (antiga província sérvia de maioria albanesa, declarada independente em 2008), este será um processo longo. “Há uma certa relutância por parte de países da UE em trazer a Albânia e outros países dos Balcãs Ocidentais para a UE, porque querem evitar parte dos erros vividos em processos anteriores de alargamento da UE, em 2004, 2007 e 2013”, explica Isilda Mara.

  • 2004: Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, República Checa, Roménia
  • 2007: Bulgária e Roménia
  • 2013: Croácia

“A aspiração dos albaneses em tornarem-se membros da UE é das mais fortes entre os países dos Balcãs Ocidentais”, acrescenta Mara. “No entanto, a expectativa de que o processo demore muito está a gerar frustração e desilusão entre os albaneses, que continuam a deixar o país em massa e a mudarem-se para a UE, em vez de esperarem pela adesão do país.”

Em Tirana, Isabel Santos testemunhou indícios de desapontamento. “Não é um sentimento marcante, porque a esmagadora maioria da população é muito pró-europeia, mas já se nota algum ceticismo face ao não desenvolvimento do processo”, diz. “Visitei uma universidade, encontrei-me com jornalistas, representantes da sociedade civil e estudantes, e percebi o grau de desilusão provocado pelo facto de não haver resposta da UE. Há dois anos, 97% dos albaneses tinham uma posição muito pró-europeia.”

E conclui: “Esta é uma opção clara do país e isso continuou a ser-me afirmado pelos diversos atores políticos. Num encontro com jovens, um deles perguntou-me: ‘Quando é que avançam com a primeira CIG?’ Para mim, foi espantoso ouvir um jovem tão informado acerca do processo. Colocou uma carga emocional muito grande na pergunta e expressou uma expectativa muito forte em relação ao impacto que a adesão terá no seu futuro e no da sua geração.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui

“Não podemos ter mais um Estado falhado naquela região”

O Líbano está em diálogo com o Fundo Monetário Internacional para elaborar um plano que resgate o país daquela que é considerada uma das crises económicas mais graves dos últimos 150 anos, em todo o mundo. A União Europeia está disposta a ajudar, mas não a qualquer preço. Ao Expresso, a eurodeputada Isabel Santos, regressada de uma visita ao país, traça linhas vermelhas que os 27 não querem ver ultrapassadas para continuar a ajudar o Líbano

Os números não deixam margem para dúvidas. A União Europeia (UE) tem sido uma parceira de todas as horas do Líbano, muito em especial nos maus momentos. Nos últimos 10 anos, a UE desembolsou mais de 1500 milhões de euros para ajudar o Líbano em contextos não humanitários e em situações de emergência, como o acolhimento de refugiados, a pandemia de covid-19 ou a grande explosão no porto de Beirute, a 4 de agosto de 2020, considerada um dos maiores rebentamentos não nucleares da História.

Todo este apoio económico não estancou, porém, a vertiginosa queda do Líbano no abismo de uma crise tal que levou o Banco Mundial, no início de junho, a posicionar a situação libanesa “possivelmente no top-3 das crises mais graves em todo o mundo desde meados do século XIX”.

Esta crise, bem como alguns aspetos políticos que estão na sua origem, está a forçar a uma redefinição da relação entre o Líbano e a União Europeia — que têm um Acordo de Associação em vigor desde 2006.

“A UE não pode continuar a apoiar sem que se encontre um plano de recuperação para o país”, afirmou ao Expresso a eurodeputada Isabel Santos, acabada de regressar de uma visita de dois dias ao Líbano, onde chefiou uma delegação do Parlamento Europeu. “É importante que se chegue a acordo com o Fundo Monetário Internacional [FMI] e que, com base nesse apoio, a UE também possa participar.”

“Os atores políticos libaneses têm de entender, de uma vez por todas, que não há mais espaço para falhanços. Tem de haver um compromisso muito sério de todos na reconstrução do país. Não podemos estar sempre à espera de que haja algo ou alguém que nos salve. A solução para o Líbano tem de vir de dentro.”

O Líbano está, há cerca de um mês, em conversações com o FMI na busca de um plano de resgate para o país. No início desta semana, o primeiro-ministro libanês, o empresário milionário Najib Mikati, assegurou que as negociações preliminares estão a avançar. “Não sei qual vai ser o acordo, mas parece-me claro que o FMI exigirá transparência, regras de boa governação e de combate à corrupção”, comentou a eurodeputada do PS.

“Claro que a ajuda humanitária continua a ser disponibilizada através de organizações no terreno, que fazem chegar esse apoio às pessoas necessitadas”, continuou Isabel Santos. “Mas há todo um processo de assistência macrofinanceira que só pode ser desenvolvido depois desse acordo com o FMI.”

Salário de $3000 passou a valer $200

Em especial nos últimos dois anos, a crise irrompeu de forma impiedosa pelas casas dos libaneses. “A maioria da população só tem acesso a eletricidade duas horas por dia”, exemplificou Isabel Santos. “A libra libanesa desvalorizou 90%”, o que atirou “74% da população para uma situação de pobreza”.

“E este é um país que acolhe 1,5 milhões de refugiados… Garantir condições mínimas para estas pessoas também pesa na sociedade libanesa. Algumas delas já estão no país há 60 anos, como os refugiados palestinianos”, acrescenta a eurodeputada.

Uma reportagem publicada esta semana pela agência Reuters ilustra de forma particular a dramática perda do poder de compra no país. Os salários dos cerca de 100 músicos da Orquestra Sinfónica Nacional passaram de 3000 dólares para cerca de 200. Os instrumentistas estrangeiros foram embora, mas, escreve a Reuters no título do artigo, “como no Titanic, a orquestra do Líbano continua a tocar enquanto o país afunda”.

“É dramático vermos um país que foi considerado a Suíça do Médio Oriente num estado absolutamente deplorável”, comentou Isabel Santos.

Um sistema que só bloqueia

Em pano de fundo desta esta crise, há um estado de ingovernabilidade permanente que decorre da especificidade do sistema político. “Se houve algo comum nas conversas que a delegação do Parlamento Europeu teve com os diversos atores é que este sistema assente no modelo confessional não funciona e cria constantes bloqueios ao funcionamento do país”, disse a deputada.

“É preciso que se encontre a fórmula para uma reforma de todo o sistema e que se abandone, de uma vez por todas, um sistema baseado em quotas que tem por base a confessionalidade de diferentes grupos presentes na sociedade.”

Esse apelo foi repetido por representantes da sociedade civil, mas também por membros da classe política. “Mas há que colocar uma grande questão: se a classe política expressa essa vontade, porque não empreende as reformas?”, questiona Isabel Santos.

“Há uma classe política que está instalada, que faz um discurso que sabe que vai ao encontro daquilo que é a opinião da sociedade civil, no sentido de que é preciso mudar, mas que não se mexe para mudar. É uma classe política instalada num esquema muito próprio de equilíbrios que tem por base a pertença a grupos religiosos. E todos ganham com isso.”

Grupos confessionais

  • Oficialmente, a lei libanesa reconhece 18 grupos religiosos.
  • O poder político é distribuído de forma proporcional pelas várias comunidades, consoante o seu peso demográfico.
  • O Presidente libanês é sempre um cristão maronita, o primeiro-ministro um sunita e o presidente do Parlamento um xiita.
  • As 18 confissões reconhecidas são: xiitas, sunitas, alauitas, ismaelitas, maronitas, ortodoxos gregos, católicos gregos, ortodoxos arménios, católicos arménios, ortodoxos siríacos, católicos siríacos, assírios nestorianos, caldeus, coptas, católicos romanos, protestantes, drusos e judeus.

“É um sistema que só bloqueia”, comenta a eurodeputada portuguesa. “Quando se fala na necessidade de substituir um ministro que faz parte de determinada fação religiosa, logo essa fação proclama a saída de outro ministro de outro grupo político. Isto não é aceitável. As pessoas têm de governar por competência e não por pertença a um ou outro grupo identitário.”

Na prática, esta complexa teia político-religiosa contribui, muitas vezes, para períodos de paralisia. As últimas eleições gerais, por exemplo, realizadas a 6 de maio de 2018, estavam originalmente marcadas para… 2013 (foram adiadas em 2013, 2014 e 2017). As próximas eleições deverão realizar-se a 27 de março de 2022.

O Governo atual, em funções desde 10 de setembro, surgiu após um impasse político de 13 meses. Mas tinha apenas um mês de vida quando foi desafiado por poderosos interesses sectários. A meio de outubro, em Beirute, uma manifestação convocada pelos movimentos xiitas Hezbollah e Amal originou tiroteios de que resultaram seis mortos — e o receio do regresso à guerra civil (1975-1990).

O protesto teve como objetivo exigir o afastamento do juiz Tarek Bitar, que lidera a investigação à explosão no porto da capital libanesa — provocada pelo armazenamento, sem condições de segurança, de 2750 toneladas de nitrato de amónio, que provocou 214 mortos, mais de 6500 feridos e a destruição de vários bairros da cidade. O magistrado quer interrogar políticos de todos os quadrantes, o que se tem revelado desafiante.

Protestos deste tipo indiciam uma tentativa de boicote à investigação, para que não avance, “ou pelo menos não avance num certo sentido”, afirmou Isabel Santos ao Expresso.

“Há políticos que se negam a comparecer diante do juiz e a prestar declarações, o que não é de todo aceitável. Ninguém está acima da lei e a impunidade não pode ser lei em lado nenhum”, acrescentou. “Os acontecimentos em torno da investigação à explosão têm sinais muito preocupantes de ingerência no poder judicial, o que não pode ser de todo aceite pela UE. A justiça não pode ser condicionada no seu funcionamento. Essa é uma linha vermelha que não pode ser ultrapassada.”

O poder das milícias

Insanáveis diferenças identitárias aliadas à degradação económica contribuem para um quotidiano altamente explosivo. “As forças de segurança vivem numa situação muito má, estão com restrições nos vencimentos, com condições de vida absolutamente precárias. Tudo isto acrescenta muita preocupação”, desde logo em relação à segurança do país, disse Isabel Santos. “O Líbano não pode ficar na mão de milícias, sejam elas de que grupo forem.”

Em Beirute, a delegação da UE encontrou-se com o Presidente Michel Aoun, com o presidente do Parlamento, com o vice-primeiro-ministro (que tutela a negociação com o FMI) e com o ministro da Administração Interna (que tem a seu cargo as questões de segurança e a gestão do processo eleitoral).

Os quatro eurodeputados reuniram-se com membros da sociedade civil, que expressaram “um grau enorme de desconfiança em relação a todo o sistema político”, e familiares das vítimas da explosão no porto. “Foi um encontro muito marcante, pela carga emocional que comporta e pelo sentimento de injustiça que estas pessoas trazem dentro de si, e que ultrapassa a explosão e a perda dos seus familiares”, concluiu Isabel Santos.

“O sucedido no porto de Beirute é só o acontecimento mais visível do acumular de muitas coisas num Estado canibalizado pela corrupção, pela impunidade, pela desordem total. É preciso encontrar uma saída. Não podemos ter mais um Estado falhado naquela região.”

(FOTO A missão do Parlamento Europeu, na companhia do Presidente libanês, Michel Aoun (ao centro), no Palácio Baabda, em Beirute. Isabel Santos está de vestido GETTY IMAGES)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui

A “joia da coroa” das presidências portuguesas

A Índia é assunto querido à diplomacia portuguesa. Foi em 2000, durante uma presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, que se realizou a primeira cimeira UE-Índia, em Lisboa. Este sábado, no Porto, uma nova edição tenta reatar as negociações comerciais entre ambas, paralisadas há oito anos. Para a UE, este caminho para a Índia revela a procura de alternativas à dependência da China. Para Portugal, é o continuar de uma relação histórica com mais de 500 anos. “Portugal pode desempenhar o papel de um facilitador especial e fazer a ponte entre a Índia e a Europa”, diz ao Expresso uma investigadora indiana

A Índia é um país tão grande e diversificado que a dúvida se instala com legitimidade: é a Índia um país ou será mais um continente? Em superfície, o mapa indiano engole os 16 territórios menores da União Europeia (UE). Já em termos populacionais, estima-se que dentro de cinco anos ultrapasse a China e se torne o país mais populoso do mundo.

É este colosso geográfico e demográfico que este sábado se vai ‘sentar à mesa’, ainda que de forma virtual, com a União Europeia. A cimeira decorrerá no Palácio de Cristal do Porto e foi, desde a primeira hora, rotulada por António Costa de “joia da coroa” da presidência portuguesa do Conselho da UE, em matéria de política externa.

“Tanto Portugal como a UE reconhecem que é necessário aprofundar as relações com a Índia para depender menos da China. Mas o desafio é que, ao contrário da China, a Índia tem sido um ator económico menos relevante e também relutante em relação à liberalização do comércio e dos investimentos, com negociações que se arrastam desde 2007, e que foram interrompidas em 2013”, comenta ao Expresso Constantino Xavier, investigador no Centro do Progresso Económico e Social de Nova Deli. “A cimeira de sábado deverá indicar um novo compromisso político para aprofundar a dimensão económica, reatando negociações.”

A relação entre a UE e a Índia — duas das maiores economias do mundo — formalizou-se em 1994, através de um Acordo de Cooperação bilateral. O objetivo maior de um acordo de livre comércio nunca viu a luz do dia, inviabilizado por divergências, sobretudo a nível das tarifas alfandegárias a pagar pela indústria automóvel e da livre circulação de determinadas categorias profissionais. A cimeira do Porto ambiciona desbloquear o impasse e relançar o diálogo.

COMÉRCIO UE-ÍNDIA

10º

lugar é a posição da Índia no ranking dos parceiros comerciais da União Europeia

posição é a que a União Europeia ocupa na lista de destinos das exportações indianas

“A Índia tem procurado aprofundar o seu relacionamento com a Europa desde meados dos anos 2000, como parte de um impulso geral na política externa indiana para diversificar as suas parcerias em todo o mundo. A novidade é que a Índia começou a envolver-se, além de Berlim, Paris e Bruxelas, com outros estados europeus, incluindo Portugal, Espanha, países nórdicos, da Europa Central e Oriental também”, diz ao Expresso a indiana Garima Mohan, investigadora no German Marshall Fund. “Enquanto a Índia tenta recuperar das consequências da pandemia, precisará de trabalhar mais com a Europa, também na questão da distribuição equitativa de vacinas.”

Tanto para Bruxelas como para Nova Deli, a cimeira do Porto servirá para tomarem o pulso uma à outra. “Do lado europeu, vai permitir aferir quão tangível é o interesse da Índia em cooperar mais com a UE, e em que setores a cooperação pode ser acelerada”, comenta ao Expresso Tiago André Lopes, professor de Relações Internacionais na Universidade Portucalense.

“Para a Índia, permite a Modi aferir das intenções da UE no que toca a objetivos geopolíticos e geoeconómicos. Nova Deli tem a grande expectativa de a cimeira resultar num empurrão ao Acordo de Cooperação de 1994 e procura alavancar a iniciativa ‘Make In India’ (que tem por mote ‘Zero Defeitos e Zero Efeitos’), através da qual se posiciona como alternativa viável à ideia da China como fábrica do mundo. A Índia procura parceiros que a confirmem como uma potência regional emergente, alicerçada na ideia de tailored-by-size diplomacy [diplomacia à medida].”

2000, 2007 e 2021

A confirmar-se o relançamento das negociações entre europeus e indianos, será mais um marco na afirmação de Portugal como ponte entre a Índia e a Europa, alicerçada numa relação histórica bilateral com mais de 500 anos.

“O facto de este histórico encontro de líderes decorrer sob a presidência portuguesa tem sido amplamente notado na Índia”, diz Mohan. “Portugal pode desempenhar o papel de um facilitador especial e fazer a ponte entre a Índia e a Europa.”

Foi durante uma presidência portuguesa do Conselho da UE, a 28 de junho de 2000, que se realizou a primeira cimeira UE-Índia, em Lisboa. Foi ainda na presidência portuguesa do segundo semestre de 2007 que foram lançadas as negociações com vista a um acordo de comércio livre, que agora se tenta retomar.

“A Índia é a maior democracia à escala global e nós temos de valorizar, tendo um relacionamento cada vez mais estreito, designadamente pelo contributo que poderemos dar em conjunto para componentes fundamentais dos processos de transição climática e digital. Falo do desenvolvimento da inteligência artificial ou da ciência de dados. Europa e Índia podem desenvolver uma aliança estreita para o futuro.”

António Costa primeiro-ministro português

“Portugal tem desempenhado um papel importante na aproximação entre Nova Deli e Bruxelas, agindo essencialmente como facilitador de diálogo”, acrescenta Tiago André Lopes. “O facto de ser, uma vez mais, em Portugal que se discutem as relações entre o bloco europeu e o gigante asiático permite-nos, como anfitriões, gozar de um canal de influência não apenas como moderadores da discussão, mas como parte ativa na fixação da agenda. O sucesso desta cimeira irá firmar o crédito de Portugal no seio da UE como ponte e porta-voz dos 27 na relação com a Ásia e com África.”

A cimeira deste sábado não pode deixar de ser enquadrada na Nova Estratégia de Cooperação no Indo-Pacífico, que a UE lançou a 19 de abril e que tentará injetar “estabilidade”, “segurança”, “prosperidade” e “desenvolvimento sustentável” numa região que é palco de grande concorrência geopolítica e revela muitas tensões. “Durante a sua presidência, Portugal tem tido um papel pioneiro na revisão da política europeia para a Ásia, que nos últimos anos tem pendido para a China, culminando no polémico acordo de investimentos de 2020”, diz Constantino Xavier.

“Portugal cedo reconheceu que é necessária uma política para a Ásia mais equilibrada, não só com a Índia, mas também com o Japão, e que essa diversificação europeia contribui para uma Ásia mais multipolar e estável. É nesse sentido que a UE está a assumir um perfil mais estratégico na Ásia, além de uma mera abordagem mercantilista, focada sobretudo nos grandes negócios da China. Seja na Índia ou no resto da Ásia, esse papel de peso da UE é recebido de braços abertos, como mais uma alternativa para preservar uma Ásia multipolar, menos exposta ao crescente poderio e centralidade da China.”

A ÍNDIA E PORTUGAL

0,2%

das exportações portuguesas tiveram como destino a Índia, em 2020. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), a Índia é o 46º cliente das exportações portuguesas de bens

0,9%

do total de importações portuguesas vêm da Índia. É o 15ª mercado onde mais Portugal compra

17.619

cidadãos estrangeiros de origem indiana vivem em Portugal, segundo o Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) referente a 2019. São, na esmagadora maioria (13.235), homens

“O fator China é uma explicação importante para a aproximação entre UE e Índia. As perceções europeias sobre a Índia têm mudado à medida que aumentam as tensões com a China”, diz Garima Mohan. “Revigorar a parceria com a Índia é também um pilar fundamental da estratégia Indo-Pacífico da UE.”

“Da mesma forma, a resposta da Índia ao desafio da China concentrou-se no fortalecimento de parcerias, dissociação económica e diversificação. Isso inclui não só o fortalecimento dos laços com os seus parceiros do grupo Quad (Austrália, Japão e Estados Unidos) e com o Sueste Asiático, mas também com a Europa. Não é por acaso que assuntos da agenda UE-Índia — como a segurança marítima no Oceano Índico, alternativas à Belt and Road Initiative (Nova Rota da Seda), tecnologias emergentes, 5G e Inteligência Artificial —, todos têm elementos de competição com a China.”

A relação entre europeus e indianos tem potencial para exercer um impacto geopolítico maior. “UE e Índia também procuram liderar esforços para proteger a ordem internacional da crescente rivalidade sino-americana”, alerta Constantino Xavier.

“Seja na luta contra as alterações climáticas, na regulação das novas tecnologias ou no desenvolvimento sustentável, Bruxelas e Nova Deli estão a coordenar posições comuns para oferecer soluções globais, especialmente pela via do multilateralismo. Ambas reconhecem que para depender menos dos Estados Unidos ou da China, têm de aprofundar as suas relações e coordenar as suas políticas com outras potências e blocos regionais.”

É todo este longo caminho que a presidência portuguesa do Conselho da UE tem promovido e que a cimeira do Porto quer ajudar a trilhar.

(FOTOS A 24 de junho de 2017, António Costa recebeu Narendra Modi, no Palácio das Necessidades, em Lisboa GABINETE DO PRIMEIRO-MINISTRO DA ÍNDIA)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de maio de 2021. Pode ser consultado aqui