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Uma das cimeiras mais importantes de sempre

Espanha está a investir em África como nunca na sua história. A pensar no desenvolvimento do continente negro mas sobretudo na contenção dos fluxos migratórios ilegais

ILUSTRAÇÃO DO CENTRO MULTIMÉDIA DO PARLAMENTO EUROPEU

José Luis Rodríguez Zapatero qualificou a reunião UE-África de Lisboa “uma das cimeiras mais importantes da história da União Europeia”, considerando que a aposta da Europa no desenvolvimento do continente africano confere-lhe “grandeza política e ética”.

O presidente do governo espanhol afirmou ainda que a Espanha está a apoiar o desenvolvimento de África “como nunca na sua história”, tendo triplicado as ajudas à cooperação — de 500 milhões de euros passou para 1500 milhões de euros em 2008. “É talvez o país europeu e ocidental que mais esforço fez em menos tempo em relação a África relativamente ao cumprimento dos Objectivos do Milénio”.

Zapatero referiu ainda que “a imigração ilegal é um grande fracasso colectivo” e anunciou que propôs aos governantes dos dois continentes a celebração de “um grande acordo Europa-África no sentido de combater a imigração ilegal”. E deu como exemplo a seguir a estratégia espanhola que passa pela reordenação dos fluxos migratórios legais e pelo incremento das possibilidades de emprego nos países africanos.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 9 de dezembro de 2007. Pode ser consultado aqui

Optimismo nas vésperas de Annapolis

A preparação da conferência de Annapolis, com que os EUA querem promover a paz entre israelitas e palestinianos, passou por Lisboa. Foi o tema forte do Euromed, o fórum que reúne os 27 da UE e 12 países do Sul do Mediterrâneo

Já passava largamente da hora de almoço de terça-feira, mas Luís Amado e Javier Solana ainda tinham a cabeça na refeição da véspera. “No jantar de ontem, tivemos um debate muito construtivo e aberto sobre o processo de paz do Médio Oriente”, afirmou o ministro português dos Negócios Estrangeiros e presidente do conselho de ministros da UE, na conferência de imprensa que encerrou a Conferência Euromediterrânica (EuroMed) em Lisboa.

“Construtivo e com bom clima”, corroborou o Alto Comissário para as Relações Externas, Javier Solana. “A relação entre as duas margens do Mediterrâneo está mais madura”, acrescentou o espanhol. O jantar de trabalho de boa memória para Amado e Solana — intitulado “Processo de Paz no Médio Oriente” — sentou à mesma mesa, na segunda-feira, os chefes da diplomacia dos 27 membros da UE e de 12 outros países ribeirinhos do Mediterrâneo.

No centro da conversa esteve a conferência de Annapolis (Maryland), prevista para 27 de Novembro, com que a Administração Bush quer relançar o diálogo entre israelitas e palestinianos. “A grande diferença em relação a experiências do passado é que existe hoje um plano bilateral de negociações entre Israel e a Autoridade Palestiniana”, disse Amado.

Num “briefing” que antecedeu a conferência de imprensa final, a chefe da diplomacia de Israel, Tzipi Livni, admitiu ter feito “um esforço suplementar para vir a Lisboa discutir o futuro da região com parceiros com quem Israel não tem relações diplomáticas”. Porém, alertou a governante israelita, “Annapolis é parte do processo. O mais importante é o dia seguinte a Annapolis”.

Artigo publicado no Expresso Online, a 6 de novembro de 2007. Pode ser consultado aqui

Alemães cantam vitória

Desgastados por um final de presidência inesperadamente turbulento, os germânicos estão satisfeitos com os resultados finais. E estão mesmo convencidos que facilitaram a vida à presidência portuguesa. Reportagem em Berlim 

A escassos dias da transferência para Portugal da presidência da União Europeia, os alemães não disfarçam a sensação do dever cumprido. O Conselho de Bruxelas sobre o futuro tratado da União saldou-se num acordo a 27 e Berlim respirou fundo.

Era claro desde o início que esta presidência iria ser julgada pela questão da Constituição, comentou Hubert Wetzel, jornalista da edição alemã do Financial Times, durante um seminário sobre as conclusões da presidência germânica que decorreu em Berlim.

Verificada a check-list das promessas feitas e dos resultados efectivamente obtidos, a diplomacia alemã estima que 80% dos dossiês fecharam conforme o previsto.

Ao nível dos sucessos, Berlim destaca o reforço do Frontex, sobretudo no campo das fronteiras marítimas, e a adopção do Tratado de Prum, um mecanismo de cooperação policial que, em nome do combate ao crime, prevê o acesso automático a registos de ADN, impressões digitais e registos de veículos.

Também no campo do combate anti-terrorista, e não para espiar ninguém, como refere Thomas Binder, que integrou a task force da presidência do Ministério do Interior, regista-se o lançamento do programa Check the web (Verificar a rede), que visa colocar técnicos europeus a patrulhar a internet em busca de indícios terroristas.

O desenvolvimento desta iniciativa alemã transita agora para a presidência portuguesa.

Com as alterações climáticas na ordem do dia, os alemães elogiam também o acordo obtido ao nível da política ambiental. Angela Merkel foi bem sucedida ao obter um consenso, mas não tão bem sucedida se olharmos ao que temos pela frente, diz Hermann Scheer, deputado pelo SPD e uma autoridade mundial em matéria energética em 1999 recebeu o Prémio Nobel Alternativo e em 2002 foi uma das figuras do ano para a revista Time.

Acérrimo defensor das energias renováveis, o próprio Scheer aconselhou Merkel neste domínio. Ela está num processo de aprendizagem. Ainda não conseguiu alterar a tendência nesta matéria dentro do seu próprio partido (CDU), diz Scheer. Há mais vontade, mas ainda não é suficiente.

À cabeça da lista de frustrações está o malogro na tentativa de negociação de um acordo de parceria e cooperação com a Rússia. Em Berlim, reina a percepção que, pelo menos até às presidenciais de Março de 2008, Moscovo deverá permanecer um parceiro desinteressado em grandes decisões com a UE.

Em estado de graça está Angela Merkel, que se revelou uma negociadora persistente, comentou Daniela Kietz, do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança.

Ela luta pelas coisas sem exagerar, diz. Bem diferente do antecessor, Gerhard Schroeder, que gostava de se pavonear de charuto na mão e de afirmar a sua autoridade dando murros na mesa.

EM OFF

Referendar ou não referendar?, eis a questão

O processo de ratificação do futuro tratado será sempre uma decisão nacional dos 27, mas pelos corredores da presidência alemã prevalece a sensação de que documentos como o Tratado Reformador não são o melhor tipo para serem submetidos a referendo, sobretudo em países que não têm essa tradição política. Na memória está ainda a experiência amarga dos referendos na França e na Holanda que ditaram a morte do Tratado Constitucional na Holanda tratou-se do primeiro referendo de sempre. Por razões constitucionais, a Irlanda irá referendar o tratado. Mas a perspectiva dos referendos serem utilizados como armas de arremesso contra os governos nacionais faz com que essa forma de ratificação não colha muita simpatia em Berlim, mais favorável à aprovação parlamentar.

Portugal, do nervosismo ao brilharete

No início, os alemães sentiam os portugueses nervosos, não fosse a presidência alemã traduzir-se num presente envenenado em matéria de tratado. Durante seis meses, a pressão de Lisboa sobre Berlim para a obtenção de um consenso foi uma constante. No final, obtido o mandato aberto solicitado por Lisboa para a redacção do futuro Tratado Reformador da União Europeia, estão abertas as portas para um brilharete da diplomacia lusa. 90 a 95% do trabalho que Portugal tem agora pela frente é essencialmente técnico. De forma inédita, as querelas políticas foram limadas ainda antes da abertura da Conferência Intergovernamental (CIG), o que, para os alemãs aumenta ainda mais a responsabilidade lusa na conclusão deste dossiê.

Varsóvia não estudou a matéria toda

Em Berlim, há quem esteja convencido que os gémeos Kaczynski, que tantas dores de cabeça deram aos alemães na cimeira de Bruxelas, não estavam conscientes de que a CIG podia ser aberta sem a unanimidade dos 27. Daí que quando Angela Merkel fez tábua rasa das exigências polacas e ameaçou iniciar o processo a 26, só então Varsóvia se apercebeu dessa falha no seu plano. Berlim garante que jogou limpo e que em Abril, em nome da transparência negocial, avisara Varsóvia que, nesta questão, não havia lugar a vetos nacionais. Mas alguém deve ter-se esquecido de alertar os manos Kaczynski que, nos tempos mais próximos, pagarão uma pesada factura ao nível da credibilidade política.

Tony Blair, um enviado polémico

A nomeação do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair como enviado especial do Quarteto para o Médio Oriente não causa particular excitação em Berlim. A presidência alemã tinha na reabilitação do Quarteto (EUA, UE, ONU e Rússia) uma das suas prioridades em matéria de política externa, mas Blair não constava dos planos. Os alemães não escondem inclusive um certo desconforto perante a forma como a nova missão de Blair foi acordada em nome do Quarteto, mas à margem do Quarteto… Daí que em Berlim há quem relembre que o mandato de Blair cinge-se a questões económicas… Não vá Blair, o aliado de George W. Bush na guerra do Iraque, atrever-se a fazer intervenções políticas num Médio Oriente prestes a pegar fogo.

(Imagem: Logotipo da presidência alemã da União Europeia, no primeiro semestre de 2007)

Artigo publicado no Expresso Online, a 28 de junho de 2007. Pode ser consultado aqui

Finlândia aberta aos imigrantes

Mais de uma hora antes da partida do ferry para a capital da Estónia, Tallin, já a rua de acesso ao posto alfandegário na marina de Helsínquia tem uma fila de carros parados, todos de matrícula finlandesa, à espera de embarcar. «Vão às compras, lá é tudo mais barato», diz um jovem funcionário do terminal de mercadorias. Não é necessário visto para viajar entre a Finlândia e a Estónia, e Tallin está apenas a 70 quilómetros de Helsínquia, sendo o golfo da Finlândia percorrido, diariamente. por dezenas de navios.

A menos de quinze meses do alargamento da União Europeia a leste, há quem tente dramatizar dizendo que a Finlândia, um país de fraca imigração, irá, inevitavelmente, ser invadida por milhares de imigrantes oriundos do outro lado do Báltico, mas os finlandeses não parecem preocupados: «Também se dizia isso dos portugueses, espanhóis e gregos, quando entrámos para a UE, que seríamos invadidos por imigrantes. Onde é que eles estão?», questiona em entrevista ao EXPRESSO a Presidente da Finlândia, Tarja Halonen.

É inegável que o país — onde o salário médio ronda os dois mil euros — constitui uma tentação. Porém, há quem pense que a elevada carga fiscal — quase 50% do produto interno bruto — é suficientemente inibidora para abortar à nascença qualquer movimento migratório dos países do Báltico: «Eles teriam de pagar impostos tão altos que acabariam por achar que não compensa», afirma um taxista em serviço perto da marina de Helsínquia.

A Presidente finlandesa não acredita que «haja imigração em massa». O secretário de Estado para os Assuntos Europeus, Alec Aalto, não discorda: «Quando os salários aumentarem na Estónia com a entrada na UE, haverá menos probabilidade de virem imigrantes para a Finlãndia». E se vierem, tal não constituirá um drama: «Nos próximos anos, vamos precisar de mão-de-obra estrangeira, porque a população está a envelhecer. E já hoje precisamos de mais estrangeiros do que os que temos…»

Os finlandeses não parecem recear o alargamento a leste. Pelo contrário, preferem salientar os benefícios, designadamente as excelentes oportunidades de investimento que os países bálticos oferecem. Neste contexto, a relação com a Rússia — com quem a Finlândia partilha mais de 1300 quilómetros de fronteira — assume um papel vital. «As relações são melhores do que nunca, não temos qualquer disputa territorial em aberto, temos poucos problemas políticos e a Rússia não é mais uma ameaça militar», afirma Ari Heikkinen, chefe da Unidade para a Rússia do Ministério dos Negócios Estrangeiros. «Temos ameaças vindas da Rússia a que chamamos leves ameaças à segurança’ — os problemas ambientais e as doenças transmissíveis» — designadamente uma epidemia de sida em S. Petersburgo, cidade muito visitada pelos finlandeses — «e o tráfico de heroína», acrescenta. Por outro lado, o mercado russo está praticamente por desbravar: «A Nokia vende tantos telemóveis na China durante um dia como na Rússia num ano inteiro».

Sete anos após a adesão à UE, a Finlândia convive pacificamente com esse facto: «A UE trouxe-nos segurança económica e no combate ao crime organizado. Cuidar do bem-estar dos nossas cidadãos é mais fácil dentro da União», sublinha Alec Aalto. É, pois, esta Finlândia economicamente confiante e politicamente descomplexada que aguarda o Presidente português, Jorge Sampaio, que na próxima quarta-feira inicia uma visita oficial de três dias — a primeira de um chefe de Estado português ao país dos mil lagos.

Artigo publicado no “Expresso”, a 5 de outubro de 2002

Longa marcha para a morte

A descoberta de 58 chineses mortos no contentor de um camião em Dover (depois de um odisseia de quatro meses) chocou o Mundo e «aqueceu» o debate da imigração ilegal para a Europa. No 10º aniversário da Convenção Schengen

Alertados para a presença de um camião «suspeito», dois funcionários do porto de Dover (Sul de Inglaterra) tentaram, no domingo à noite, que a abordagem fosse tão natural quanto possível.

Habituados às situações mais insólitas, nunca lhes ocorreu, porém, estarem prestes a testemunhar a mais macabra das cenas de horror. Após abrirem as portas de um camião-frigorífico de matrícula holandesa, e abrirem caminho por entre o pequeno carregamento de caixas de tomate, que «disfarçava» a entrada do contentor, depararam com uma pilha de 58 cadáveres.

Os criminosos não deixaram impressões digitais, mas as autoridades policiais não param de apontar o dedo às mafias chinesas, «donas e senhoras» de um dos negócios mais rentáveis deste final de milénio — o tráfico de imigrantes ilegais para a Europa.

Calcula-se que esta trágica odisseia tenha começado em Fevereiro, na província chinesa de Fujian. Agentes locais das mafias da emigração ilegal terão aliciado as vítimas, com o «Eldorado europeu» no horizonte (ver texto nesta página).

Durante uma semana, estes clandestinos terão viajado de comboio até Moscovo, onde terão apanhado outro comboio até Praga. Da República Checa terão passado «a salto», pela montanha, para a Alemanha — entrando, assim, no espaço Schengen —, onde foram albergados junto de familiares ou células das mafias.

Supõe-se que este seja o grupo de chineses que, em Abril, foi encontrado em Bornem e Puurs — duas aldeias belgas, a sul de Antuérpia. Expulsos do país, foram metidos num comboio com destino a Antuérpia. Mas não foram escoltados, pelo que rapidamente se lhes perdeu o rasto.

Entregues a si próprios, os ilegais passaram, desde então, a constituir uma tentação para quem quer que fizesse da ganância o lema de vida. Já com os chineses em mira, Arjen van der Spek, um engenheiro holandês de 24 anos, acabado de sair de uma prisão espanhola, onde cumprira pena por traficar haxixe de Marrocos, criou — três dias antes da tragédia de Dover… — uma companhia de transportes com o seu nome e sediada em Roterdão.

De seguida, preocupou-se em encher um camião com a maior quantidade possível de «cabeças» — no caso, 60 pessoas, todas com menos de 30 anos, entre as quais quatro mulheres — e entregou o volante a Perry Wacker, um holandês de 32 anos, com algumas incursões no roubo de cargas.

A primeira etapa seria feita por terra, até ao porto de Zeebrugge (Norte da Bélgica); a segunda de «ferry» até Dover, a antecâmara da «terra prometida».

Um «descuido»

Mas ainda em Zeebrugge, um «descuido» tinha levantado suspeitas: o pagamento à P&O Stena Line — a transportadora marítima que assegura a rota Dover-Zeebrugge — fora feito em dinheiro, o que não era habitual.

A suspeita atraiu as atenções e novo alerta foi dado: a Van der Spek era uma empresa totalmente desconhecida. Quando, às 19h30 de domingo, o «ferry» partiu para Dover, já aí era disfarçadamente aguardado.

As quatro horas de travessia do canal da Mancha poderão ter sido fatais. Esse dia tinha sido o mais quente do ano, em Inglaterra, com o mercúrio a ultrapassar os 30ºC. Dentro do contentor, hermeticamente fechado e com o sistema de refrigeração desligado — dada a escassez de carga transportada —, o calor terá superado os 50ºC, levando à morte, por asfixia, de 58 clandestinos.

Os dois sobreviventes são agora preciosos para os 60 agentes ingleses que, juntamente com belgas e holandeses, tentam desmontar a teia criminosa.

Três pessoas detidas

O condutor, o pai deste e o dono do camião foram já detidos. O primeiro incorre numa multa de 120 mil libras (cerca de 38 mil contos) — 2 mil libras (cerca de 636 contos) por cada ilegal transportado — e já respondeu ontem em tribunal por homicídio involuntário.

Ao fim de quatro meses, os malogrados imigrantes chineses chegaram finalmente ao destino — mas mortos. «A imigração é uma guerra. Brevemente, será necessário erigir um monumento ao ‘imigrante desconhecido’», comentou «L´Unità», o diário italiano ligado aos democratas de esquerda.

Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de junho de 2000