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As dificuldades de Volodymyr Zelensky para alimentar o guião heroico da guerra

Falta de resultados rápidos na contraofensiva fragiliza narrativa “cinematográfica” do Presidente ucraniano

Dezoito meses passados desde o início da invasão russa, a Ucrânia enfrenta um drama particular dentro da tragédia maior que é a guerra. Com o passar do tempo, o cansaço relativamente ao tema tende a acentuar-se e os espaços informativos dedicam-lhe menos atenção. Mas para Kiev manter o assunto relevante é crucial para não ficar só.

O desafio está entregue em especial ao Presidente, um antigo comediante que com­preendeu, aos primeiros disparos russos, que a importância da comunicação estava ao nível das movimentações militares. “Volodymyr Zelensky percebeu que a Ucrânia só podia ter um combate minimamente equilibrado com a Rússia se conseguisse manter o conflito no topo da agenda político-mediática”, comenta ao Expresso Alexandre Guerra, profissional na área da comunicação e especialista em assuntos internacionais. “Ele sabia que a realidade da guerra, por si só, não chegava para mobilizar a opinião pública interna e a comunidade internacional.”

No espaço da antiga União Soviética duas contendas serviam de aviso a Zelensky. Primeiro, a guerra entre Rússia e Geórgia, em 2008, que culminou com o reconhecimento por parte de Moscovo da independência das repúblicas separatistas georgianas de Ossétia do Sul e Abecásia. E depois, em 2014, a invasão e anexação da península ucraniana da Crimeia, no que é considerado um preâmbulo da guerra atual.

Nos dois casos a agressão russa não suscitou reações práticas. “A realidade não foi sufi­ciente para os aliados europeus e americano se mobilizarem numa resposta perentória à Rússia”, diz o autor do livro “A Política e o Homem Pós-Humano”. “Zelensky tinha essa lição bem estudada. E, estando habituado a amplificar a realidade e até a recriá-la, sabia que teria de criar uma espécie de realidade aumentada da guerra.”

Série com três temporadas

“Por necessidade, e não por capricho”, Zelensky tornou-se realizador e a sua equipa de comunicação argumentista de um ‘guião cinematográfico’, criando heróis e exacerbando conquistas, tudo para tocar as pessoas. O que acontecia no terreno, e que Zelensky comentava em intervenções diárias, “ajudou a enaltecer os feitos como se fossem temporadas de uma série”, ilustra Guerra.

A frase “preciso de munições, não de uma boleia”, atribuída a Zelensky dois dias após a invasão, contribuiu para criar a lenda, sem que haja certeza de que ele a tenha efetivamente dito quando confrontado por uma oferta dos norte-americanos para o resgatar de Kiev. Seguiu-se “a resistência heroica de Kiev, um momento de uma enorme espetacularidade, em que ele não se poupou a puxar pelos feitos dos seus soldados”.

Ao estilo de uma segunda temporada, a reconquista de Kharkiv motivou o Presidente a fazer uma promessa épica: “A bandeira ucraniana retornará a todas as partes do nosso país. Como na região de Kharkiv [Nordeste], os guerreiros ucranianos encontrar-se-ão no Donbas [Leste], no Sul e na Crimeia. Vai acontecer”, disse após visitar a zona de Kharkiv.

“Zelensky sabia que as opiniões públicas internacionais gostam de uma boa história. A dada altura, o próprio começou a alimentar a expectativa de uma grande contraofensiva em múltiplas frentes” — uma terceira temporada da guerra —, “à imagem da II Guerra Mundial. Zelensky nunca escondeu ser muito inspirado por Churchill”.

Contraofensiva silenciosa

A ideia de uma reviravolta na guerra, a expensas da derrocada da Rússia, encaixava nas expectativas dos ucranianos e comprometia o Ocidente com Kiev. Entrou no argumentário de análise ao conflito, mas os resultados tardaram. No terreno, os militares ucranianos, cientes de que as conquistas não surgem por artes mágicas, começaram a fazer-se ouvir. A 30 de junho, ao jornal “The Washington Post”, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia, Valery Zaluzhny, realçava a capacidade militar da Rússia. “Não sentimos que a defesa deles tenha ficado mais fraca”, disse quando questionado sobre o possível impacto do motim do Grupo Wagner no esforço inimigo.

“A contraofensiva era um processo militar que estava em curso de forma lenta e gradual. O problema é que a história que Zelensky quis dar ao mundo era mais espetacular. E a dada altura a sua retórica hollywoodesca ficou muito desfasada da realidade no terreno”, diz Alexandre Guerra. “Os resultados militares não eram compatíveis com aquilo que Zelensky anunciava. E quando se começou a exigir ganhos rápidos, as chefias militares sentiram frustração.” (Ver texto ao lado.)

Este mês, Zelensky despediu os responsáveis de todos os centros de recrutamento militar do país, fragilizados por casos de suborno por parte de ucranianos que não queriam ir combater. Meses antes já tinha demitido de forma abrupta o chefe do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) e a procuradora-geral do Estado, alegando haver funcionários nesses órgãos a colaborar com a Rússia.

“A realidade que Zelensky criou, também a nível interno, passava pela ideia de cidadãos super-heróis, todos eles dispostos a ir para a linha da frente”, conclui Guerra. “Ora, a realidade nunca foi bem assim.”

Sem ser um líder consen­sual, o Presidente tem provado estar à altura do desafio. Deu ímpeto à resistência e injetou esperança no povo. Há dois meses disse à BBC: “Algumas pessoas acham que isto é um filme de Holly­wood e esperam resultados imediatos. Não é. O que está em jogo é a vida das pessoas.” Por breves momentos, Zelensky jogou à defesa.

SEIS MARCOS DA ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO DO PRESIDENTE DA UCRÂNIA

25/2/2022
No dia seguinte à invasão, num vídeo filmado numa rua de Kiev, era já noite, Zelensky mostra-se na companhia de responsáveis políticos. “Boa-noite a todos. O líder do partido está aqui, o chefe de gabinete do Presidente está aqui, o primeiro-ministro [Denys] Shmyhal está aqui, o [principal conselheiro da presidência, Mikhail] Podoliak está aqui, o Presidente está aqui. Estamos todos aqui.” O comandante assegurava que não abandonaria o barco.

1/3/2022
Zelensky intervém, de forma virtual, no Parlamento Europeu. Seria o primeiro de 42 discursos em Parlamentos estrangeiros: 35 por videoconferência (incluindo na Assembleia da República) e sete presencialmente.

3/4/2022
Numa mensagem gravada e transmitida durante a gala dos Prémios Grammy, Zelensky apela ao coração: “Os nossos músicos usam armaduras em vez de smokings.”

21/12/2022
Vai aos Estados Unidos, a primeira deslocação ao estrangeiro. No total, visitou 21 países desde o início da guerra. Foi três vezes à Polónia.

26/12/2022
É Pessoa do Ano da “Time”.

10/1/2023
Fala, por vídeo, nos Globos de Ouro. Em março, Hollywood rejeita ouvi-lo nos Óscares.

QUATRO ‘RALHETES’ AO PRESIDENTE

Contra ofensiva lenta
“Isto não é um show”
Com a contraofensiva nas notícias, a 30 de junho “The Washington Post” entrevista o chefe do Estado-Maior da Ucrânia, que admite que a operação segue ao ritmo possível, atendendo à forte defesa da Rússia. “Isto não é um show a que o mundo inteiro assiste e faz apostas”, disse Valery Zaluzhny. “Cada metro é conseguido com sangue.” O general mostra-se “irritado” com quem se diz frustrado com a falta de resultados. Nove dias antes, à BBC, Zelensky disse que os progressos eram “mais lentos do que o desejado”.

Adesão à NATO
“Não somos a Amazon”
Paralelamente aos pedidos de armas, Zelensky pugnou por adesões rápidas à União Europeia e à NATO. Mas na cimeira da Aliança Atlântica em Vílnius, a 11 e 12 de julho, ele surgiu como um homem só, após ‘levantar a voz’ no Twitter: “É inédito e absurdo que não seja definido um prazo nem para o convite nem para a adesão da Ucrânia.” O post não caiu bem junto dos aliados. O ministro britânico da Defesa verbalizou o que muitos mais terão pensado. “Já lhes tinha dito, no ano passado, quando viajei 11 horas [até Kiev] para receber uma lista [de armamento]… não somos a Amazon”, disse Ben Wallace. “As pessoas querem ver um pouco de gratidão.”

Defesa russa
“Queríamos resultados muito rápidos, mas…”
A 18 de julho, numa entrevista à BBC, Oleksandr Syrskyi, o comandante das forças armadas terrestres ucranianas que liderou a defesa de Kiev e foi o cérebro do contra-ataque em Kharkiv, disse: “Gostávamos de obter resultados muito rápidos, mas é praticamente impossível.” O general explicou que o Leste e o Sul do país estavam saturados com campos minados e barreiras defensivas colocadas pelos russos. São exemplos valas para tanques e fortificações “dentes de dragão”, que desaceleram o avanço dos blindados.

Solução política
“Outra saída é negociar”
Há uma semana, Mark Milley, líder do Estado-Maior conjunto dos EUA, juntou-se ao coro de altas patentes que alertam para uma contraofensiva “longa, lenta e muito sangrenta”. À televisão jordana Al-Mamlaka, o general realçou o complexo sistema defensivo russo e apontou outro caminho: “Derrotar militarmente 200 ou 300 mil soldados russos é muito difícil e desafiador. Outra saída para esta situação é através de negociações.”

(FOTO Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia PRESIDÊNCIA DA UCRÂNIA)

Artigo publicado no “Expresso”, a 1 de setembro de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui

Zelensky, um profissional da comunicação que se inspira em Churchill… e Trump

No dia em que assinala três anos sobre a vitória eleitoral que o levou à presidência da Ucrânia, Volodymyr Zelensky dirige-se ao Parlamento português para mais um discurso mobilizador. Como Winston Churchill, referência na área da comunicação política, o ucraniano sabe que quando a situação no seu país deixar de estar no topo da agenda mediática, ele perde a guerra. Ao Expresso, um especialista em comunicação política defende que “Zelensky quer criar a lenda”

Volodymyr Zelensky era, até há bem pouco tempo, um líder relativamente desconhecido no mundo. Alguns teriam apenas presente o momento da sua eleição como Presidente da Ucrânia, a 21 de abril de 2019, quando foi notícia a vitória de um comediante, eleito nas fileiras de um partido com o mesmo nome da série televisiva que o notabilizou — Servo do Povo.

Hoje, Zelensky é um herói no Ocidente, fruto da inesperada resistência ucraniana à invasão russa, que se esperava rápida e fulgurante, e à frequência e qualidade com que discursa. “Sendo um homem da área do humor, sabe a importância que tem a comunicação naquilo que é a projeção de um político, sobretudo em tempos de guerra”, diz ao Expresso Alexandre Guerra, consultor em comunicação. “Zelensky está a utilizar todas as ferramentas que já dominava e muitas outras que aprendeu ou afinou para construir esse estatuto de herói.”

O especialista defende que, independentemente da estratégia montada pela máquina de comunicação que o rodeia, o Presidente ucraniano tem características inatas de um bom comunicador. “Não se consegue construir um estatuto de herói sem que haja características inatas para serem trabalhadas e aperfeiçoadas. Winston Churchill, [primeiro-ministro britânico por duas vezes (1940-45 e 1951-55) e referência na arte da comunicação política] dizia que ‘a aptidão retórica não é nem inteiramente inata, nem inteiramente adquirida, mas cultivada’ e que ‘o aperfeiçoamento é encorajado pela prática’. Ou seja, nem tudo pode ser fabricado num líder, nem tudo é inato.”

Isto aconteceu com Churchill — que chefiou , motivou e mobilizou o Reino Unido durante a II Guerra Mundial — e está a suceder agora com Zelensky, que se agigantou com a invasão russa. “Churchill teve uma vasta carreira política antes da II Guerra Mundial, que nunca é citada. O mesmo acontece com Zelensky — há um antes e um depois desta guerra.”

Eleito Presidente faz esta quinta-feira três anos, Volodymyr Zelensky foi um líder que não só não se destacou, nos primeiros tempos, por particular brilhantismo, como se deixou arrastar para o lamaçal em que se tornou a política interna nos Estados Unidos.

Um telefonema entre Zelensky e Donald Trump, a 25 de julho de 2019, desclassificado meses depois por ordem do Presidente norte-americano para que se escutasse os seus pedidos a Zelensky para investigar as atividades do rival democrata Joe Biden e do seu filho Hunter no país, revelou um ascendente de Trump sobre o chefe de Estado ucraniano.

Depois de o americano o felicitar pela vitória nas legislativas, Zelensky desfez-se em elogios à figura de Trump. “Conseguimos uma grande vitória e trabalhamos no duro para isso. Mas quero confessar-lhe que aprendi consigo. Usamos algumas das suas habilidades e conhecimento”, admitiu. “Posso dizer-lhe o seguinte: da primeira vez telefonou-me para me parabenizar quando venci as presidenciais, e está a ligar-me agora, pela segunda vez, quando o meu partido ganhou as legislativas. Julgo que poderia candidatar-me mais vezes para que me telefonasse mais vezes e pudéssemos conversar mais vezes”.

Discursos diários para o país e o mundo

Desde 24 de fevereiro, quando os primeiros militares russos entraram em território ucraniano, Zelensky faz-se ouvir várias vezes ao dia. Dirige-se com regularidade ao povo ucraniano, participa por videoconferência em reuniões com dirigentes internacionais e já discursou para pelo menos 25 parlamentos estrangeiros. Esta quinta-feira, fala na Assembleia da República.

Correndo o risco de contribuir para uma ‘fadiga Zelensky’, o Presidente tem como prioridade manter o tema da guerra na agenda mediática internacional. “Zelensky sabe que o tempo corre contra si em duas pistas”, comenta Guerra, simultaneamente especialista em assuntos internacionais. “Por um lado, quanto mais tempo passa, mais guerra há e mais destruição de território e mais mortes se verificam. Por outro lado, mais probabilidades há de o assunto começar a despertar menos interesse junto das televisões e da opinião pública internacional.”

Nos seus discursos, o chefe de Estado ucraniano alterna palavras de agradecimento ao apoio recebido com tiradas mais crispadas para com os aliados europeus, por exemplo, para pressionar e manter o assunto aceso. “Zelensky sabe que, naquilo que é a sua estratégia de liderança e resistência à Rússia, o tema Ucrânia tem de estar no topo da agenda mediática. Se não, a partir desse momento, ele perde a guerra”, diz o consultor de comunicação.

“Esta necessidade permanente de comunicar, de criar fatores de notícia e de, muitas vezes, provocar serve precisamente para manter o assunto no topo da agenda. De outra maneira, torna-se um conflito congelado e, como tantos outros conflitos esquecidos, os países ficam entregues à sua sorte.”

Esquecimento desde 2014

A própria Ucrânia já provou desse esquecimento. Para qualquer ucraniano, a guerra em curso não começou há semanas, mas antes em 2014, quando a Rússia invadiu o país, anexou formalmente a península da Crimeia e forças separatistas pró-Moscovo assumiram o controlo sobre partes do território do Donbas, no leste. “A Ucrânia ficou por sua conta e risco, na gestão desses dois problemas, sem que houvesse grande mobilização internacional”, recorda Guerra.

Para Alexandre Guerra, é claro que Zelensky soube rodear-se de uma equipa de comunicação “muito profissional”, oriunda da televisão, do jornalismo e da consultoria de comunicação, e que tem revelado capacidade para trabalhar sob grande stresse. “Isso nota-se não só nas comunicações de Zelensky, como em toda a estratégia de comunicação a nível governamental, do poder local ou militar que está toda muito bem coordenada. A forma como a estrutura militar ucraniana controla a comunicação no terreno — mostrando o que quer e gerindo o acesso dos jornalistas aos locais — é de um enorme profissionalismo.”

O especialista destaca o trabalho desenvolvido entre o Governo de Kiev e entidades externas, por exemplo empresas de lóbi (como a Yorktown Solutions, de Washington), de relações públicas (como a Karv Communications, de Nova Iorque), personalidades individuais, como o advogado Andrew Mac (que dirige a Asters, firma de advogados ucranianos em Washington, e é assessor de Zelensky) e antigos políticos americanos que estão em contacto permanente com a presidência ucraniana e atuam como influencers junto de decisores políticos e órgãos de informação.

Também a forma como Zelensky se veste é, em si mesma, um instrumento de comunicação. O colete à prova de bala e o capacete que usa quando anda nas ruas assentam-lhe com naturalidade, ajudando a criar uma imagem de credibilidade e a cimentar a sua liderança militar.

Nos gabinetes, surge quase sempre de ‘mangas arregaçadas’ com uma t-shirt verde-tropa no corpo, que já se tornou uma imagem de marca. Quando o visitou, em Kiev, a 1 de abril passado, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, mostrou solidariedade replicando a indumentária.

Tudo contribui para a construção da imagem de um resistente heróico. “Faz tudo parte de um elemento cénico importante. Mesmo os pequenos gestos, tudo tem um propósito, sobretudo quando estamos em presença de pessoas com um sentido de comunicação muito apurado, ao nível político e da gestão de crises. E tudo aquilo que, aparentemente, é espontâneo tem ali um elemento intencional.”

Amigos portugueses…

No discurso que se projeta para a audiência portuguesa, que resulta de um convite endereçado por Portugal, não faltarão os apelos às emoções que pontuaram as intervenções anteriores. “Mais do que um discurso de circunstância, é uma arma que Dmytro Litvin, o speechwriter de Zelensky, lhe coloca nas mãos, uma arma de apelo ao sentimento e às emoções de determinado povo”, descodifica Guerra.

Previsivelmente, dada a proximidade da sessão com o 48º aniversário do 25 de Abril, é possível que Zelensky não se esqueça desse marco para fazer a apologia da liberdade. “Ficaria muito surpreendido se o discurso não tocasse no 25 de Abril, até porque é uma data que celebra a liberdade e a libertação do jugo autoritário. Tenho expectativa para ver se Zelensky irá um pouco mais longe e vá falar do ‘verão quente’ que implicou um confronto entre uma visão democrática e um projeto comunista, alinhado com Moscovo.”

Para Portugal, esta iniciativa é uma demonstração de solidariedade para com a Ucrânia, no principal órgão de soberania do país. Além desse lado simbólico, “Portugal abre mais uma janela comunicacional a Zelensky e deve tentar potenciar ao máximo essa comunicação para os países de língua oficial portuguesa através, por exemplo, da RTP Internacional. Portugal é uma boa plataforma de projeção para outros países. É pequeno mas tem uma capacidade de alcance internacional muito interessante, junto de públicos que até estão um pouco distantes desta guerra”, como em Áfica ou na América do Sul.

A ‘passagem’ de Zelensky por Lisboa será mais uma etapa de uma guerra paralela às hostilidades no terreno — a da comunicação — e na qual surge como a voz principal de uma população com mais de 44 milhões de pessoas. “A partir do momento em que entrou em modo de guerra, como qualquer bom homem da comunicação política, Zelensky quer criar a lenda. E um dos melhores exemplos disso aconteceu nos primeiros dias de guerra, quando foi noticiado que os Estados Unidos tinham oferecido a Zelensky a possibilidade de sair do país e que ele teria dado uma resposta que ficou célebre: ‘Não preciso de boleia, preciso de munições’.”

A citação surgiu, pela primeira vez, num artigo da agência Associated Press de 26 de fevereiro, dois dias após o início da invasão da Rússia. Escreveu a AP: “Zelensky respondeu: ‘A luta está aqui. Preciso de munições, não de uma boleia”, segundo um alto responsável dos serviços de informação norte-americanos com conhecimento direto da conversa”.

“Hoje, esta resposta já faz parte da lenda e não se sabe sequer quem a proferiu e para quem, nem se essa resposta foi sequer dada por alguém”, conclui Guerra. “A frase foi posta a circular de forma credível e define bem aquilo que é Zelensky nesta guerra: Vou ficar aqui até morrer!”

(FOTO Volodymyr Zelensky durante uma intervenção diante da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa PRESIDÊNCIA DA UCRÂNIA)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 21 de abril de 2022. Pode ser consultado aqui

Entrincheirado na Ucrânia, Zelensky deixou 25 reptos a parlamentos do mundo (agora é a nossa vez)

Em quase dois meses de guerra, o Presidente da Ucrânia já se dirigiu, por videoconferência, a 25 Parlamentos estrangeiros. Volodymyr Zelensky apoia-se num guião que oscila entre relatos emotivos das mais recentes atrocidades descobertas em solo ucraniano e a evocação de episódios históricos que aproximem quem o escuta do drama ucraniano. Esta quinta-feira, discursa para a Assembleia da República

O Presidente da Ucrânia tem feito da comunicação a sua principal arma de combate. Em 55 dias que leva a guerra no seu país, já discursou diante de 25 Parlamentos estrangeiros — uma média de uma intervenção a cada dois dias.

Em cada videochamada — que termina, invariavelmente, com a audiência a ovacioná-lo de pé —, Volodymyr Zelensky segue um guião profissional. Descreve, de forma emotiva, as barbaridades atribuídas aos russos, atualiza com especial ênfase o número de crianças mortas e lança pontes com a história do país anfitrião na expectativa de que, proferida a frase final, quem o ouça assuma que a guerra na Ucrânia é também sua.

Quando falou para o Conselho Europeu, a 24 de março passado, Zelensky avaliou o apoio dado à Ucrânia por cada um dos países da União Europeia. De Portugal, disse que “estava quase”. Esta quinta-feira, quando se dirigir aos deputados portugueses, terá oportunidade de esclarecer o que mais pode Portugal fazer pela Ucrânia.

Vestindo, na maioria das vezes, uma t-shirt verde, que já se tornou uma imagem de marca — e que a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, replicou, de forma solidária, quando o visitou, em Kiev, a 1 de abril —, Zelensky coloca na voz a energia que, por vezes, falta-lhe no rosto. Mas não se cansa de fazer pedidos.

PARLAMENTO EUROPEU, 1 de março: “A Ucrânia escolhe a Europa!”

Ao sexto dia de guerra, o Presidente da Ucrânia aproveitou “uma aberta nos bombardeamentos”, como disse, e dirigiu-se ao Parlamento Europeu para reafirmar um sonho do seu país. “Há uma expressão: ‘A Ucrânia escolhe a Europa’. É para isso que nos temos esforçado, e é para onde ainda estamos a ir. Gostaria muito de vos ouvir dizer que a Europa agora escolhe a Ucrânia”, disse Zelensky aos eurodeputados.

A adesão da Ucrânia à União Europeia (UE) esteve no coração do movimento de protesto Euromaidan que, entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014, desafiou o Governo pró-Rússia após este recusar assinar um Acordo de Associação Ucrânia-UE, aprovado pelo Parlamento nacional.

A UE daria um passo na direção da Ucrânia mais de um mês após o início da invasão russa, quando a presidente da Comissão Europeia e o chefe da diplomacia da UE, Ursula von der Leyen e Josep Borrell, foram a Kiev e entregaram a Zelensky o convite formal de adesão. “Vamos acelerar este processo o mais que conseguirmos, garantindo que todas as condições sejam respeitadas”, escreveu Ursula no Twitter.

REINO UNIDO, 8 de março: Determinado como Churchill

Nunca antes o Palácio de Westminster tinha permitido que um líder estrangeiro discursasse para os deputados britânicos — Zelensky tornou-se o primeiro. O ucraniano descreveu cada um dos dias passados sob fogo russo, até então, e citou William Shakespeare: “Ser ou não ser?” E respondeu: “Obviamente, ser. Obviamente, ser livre”.

Numa passagem do seu discurso destinada a realçar a determinação dos ucranianos em resistir, Zelensky trouxe à memória um discurso histórico de Winston Churchill durante a II Guerra Mundial, o célebre “We Shall Fight on the Beaches” (Lutaremos nas Praias), proferido na Câmara dos Comuns, a 4 de junho de 1940, durante a Batalha de França. Disse o ucraniano:

“Lutaremos nos mares, lutaremos no ar, defenderemos a nossa terra, custe o que custar. Lutaremos nos bosques, nos campos, nas praias, nas cidades e aldeias, nas ruas, lutaremos nas colinas… Quero acrescentar: lutaremos sobre os despojos, nas margens do Kalmius e do Dnieper! E não nos renderemos!”

POLÓNIA, 11 de março: A Ucrânia é só o início

Volodymyr Zelensky interveio diante do Sejm, o Parlamento da Polónia, na véspera do país assinalar o 23º aniversário da sua entrada na NATO, um percurso que, como o demonstra a invasão russa, a Ucrânia está por enquanto impedida de fazer.

O ucraniano agradeceu aos polacos o acolhimento de refugiados ucranianos — cerca de 2,6 milhões, até ao dia de hoje. E citou um antigo Presidente polaco para verbalizar a ameaça que significa para ucranianos e polacos a circunstância de serem vizinhos da Rússia. Era 2008, Lech Kaczynski estava em Tbilisi, na Geórgia, e decorria a guerra entre a Rússia e aquele país do Cáucaso, que haveria de levar ao reconhecimento russo da independência das regiões separatistas georgianas da Ossétia do Sul e da Abecásia.

Disse então o polaco: “Sabemos muito bem: hoje Geórgia, amanhã Ucrânia, depois de amanhã os países bálticos e então, talvez, chegue a hora do meu país, Polónia”. Acrescentou agora Zelensky: “A 24 de fevereiro [o início da invasão], esse terrível ‘amanhã’, de que falou o Presidente Kaczyński, chegou à Ucrânia”.

CANADÁ, 15 de março: Nem mais um dólar para a guerra

Num discurso fortemente marcado pela informalidade, Zelensky dirigiu-se ao primeiro-ministro Justin Trudeau apenas por “Justin”, do início ao fim — o canadiano tem 50 anos e o ucraniano 44.

Igualmente, procurou mobilizar de forma especial os 1,4 milhões de canadianos com ascendência ucraniana (numa população de cerca de 38 milhões). “É neste momento histórico que precisamos da vossa ajuda efetiva.”

Despindo-se de emoções, Zelensky apelou ao poder de influência do Canadá — enquanto membro da NATO e uma das sete maiores economias do mundo —, para que exerça mais pressão militar e económica sobre a Rússia.

“Podem forçar ainda mais empresas a deixarem o mercado russo, para que não haja um único dólar para a guerra. Se [as empresas] permanecerem na Rússia e patrocinarem a guerra, não poderão trabalhar no Canadá. Que assim seja — e isso nos dará paz.”

ESTADOS UNIDOS, 16 de março de 2022: Um sonho não concretizado

Com os membros do Congresso dos EUA reunidos num auditório, e não na tradicional sala de debates, Zelensky desafiou-os a recuarem até aos dias negros da história do país para melhor perceberem o sofrimento dos ucranianos.

Recordou o ataque a Pearl Harbor (1941) e o 11 de Setembro (2001) e fez um pedido, ‘ao som’ das palavras do ativista Martin Luther King Jr.: “‘Eu tenho um sonho’ — estas palavras são conhecidas por cada um de vós. Hoje posso dizer: eu tenho uma necessidade. A necessidade de proteger o nosso céu. A necessidade da vossa decisão, da vossa ajuda. E isso significará a mesma coisa que sentem, quando ouvem: eu tenho um sonho”.

Este pedido não produziu efeitos junto da Casa Branca ou do quartel-general da NATO. A desejada zona de exclusão aérea nos céus da Ucrânia, para neutralizar bombardeamentos russos, nunca se concretizaria..

ALEMANHA, 17 de março: Um novo muro na Europa

Diante do Bundestag, o Presidente ucraniano colocou o dedo na ferida aberta na memória coletiva alemã que é a II Guerra Mundial. Recordou o massacre de judeus pelos nazis, em 1941, na localidade ucraniana de Babyn Yar — uma das maiores chacinas de civis na então União Soviética — e referiu que na zona já caíram mísseis russos. “Mortos outra vez, 80 anos depois”, disse.

Insistindo nas lições da história recente da Alemanha, Zelensky “ergueu” uma nova barreira na Europa, por comparação ao Muro de Berlim, derrubado em 1989. “Vós estais como que atrás de um muro novamente. Não o Muro de Berlim, mas no meio da Europa, entre a liberdade e a escravidão. E esse muro fica mais forte a cada bomba que cai na nossa terra, na Ucrânia, com cada decisão que não é tomada em prol da paz.”

“Quando nós dissemos que o [gasoduto] Nord Stream era uma arma e um preparativo para uma grande guerra, ouvimos, como resposta, que era economia, afinal de contas. Economia. Economia. Mas era cimento para um novo muro.”

O ucraniano terminou o discurso reproduzindo uma citação histórica do ex-Presidente dos EUA Ronald Reagan, de visita a Berlim Ocidental, em 1987. “Derrube este muro”, disse, dirigindo-se ao líder soviético, Mikhail Gorbachev. Acrescentou Zelensky: “Quero dizer agora, chanceler [Olaf] Scholz, derrube este muro! Dê à Alemanha a liderança que merece e de que os seus descendentes se orgulhem.”

SUÍÇA, 19 de março: O papel dos bancos na “luta contra o mal”

Os horários da guerra não se compaginam com os hábitos mundanos de quem vive em paz pelo que foi a um sábado que Zelensky falou para “o povo da Suíça”, “um Estado com uma longa história de paz e uma história de influência ainda maior”.

No exterior do edifício do Parlamento, em Berna, milhares de pessoas escutaram, através de um grande ecrã, Zelensky admitir um sonho antigo de “viver como os suíços”, com altos padrões de qualidade, confiança e liberdade, poucas expectativas em relação aos políticos e com a possibilidade de votarem em referendos.

“E assim como eu queria que os ucranianos vivessem como os suíços, eu também quero que vocês sejam como os ucranianos, na luta contra o mal. Para que não haja dúvidas sobre os bancos, os vossos bancos, [é] onde está guardado o dinheiro de todos aqueles que começaram esta guerra.”

O ucraniano não evitou uma dura crítica à empresa Nestlé por se recusar a sair do mercado russo, numa altura em que “a Rússia ameaça outros países europeus, não apenas a Ucrânia”. Pressionada pelas críticas e após ter sido alvo de um ataque informático reivindicado pelo grupo Anonymous, a multinacional suíça anunciou a retirada das suas marcas da Rússia.

ISRAEL, 20 de março: Mediar entre ‘bem’ e ‘mal’ não é aceitável

Nos corredores diplomáticos, Israel tem sido dos poucos países com igual facilidade de diálogo em Kiev e Moscovo. Outro exemplo é a Turquia, que acolheu as últimas conversações entre russos e ucranianos.

A 5 de março, o primeiro-ministro israelita, Naftali Bennett, tornou-se o primeiro líder ocidental a deslocar-se ao Kremlin, desde o início da invasão, para um encontro de três horas com Vladimir Putin.

Quando discursou para o Parlamento israelita (Knesset), Zelensky deixou uma crítica às posições políticas que não escolhem lados. “A mediação pode ser entre Estados, não entre o bem e o mal”, disse. “Pode-se continuar a perguntar por que não podemos obter armas de Israel. Ou por que Israel não impôs sanções fortes contra a Rússia.”

Zelensky reconheceu, no entanto, a grande proximidade entre judeus e ucranianos e citou Golda Meir, uma carismática primeira-ministra israelita nascida em Kiev. “Pretendemos continuar vivos. Os nossos vizinhos querem ver-nos mortos. Esta não é uma questão que deixe muito espaço para compromissos.”

ITÁLIA, 22 de março: “Não sejam um resort para assassinos”

“Falo-vos desde Kiev, a nossa capital. De uma cidade que é tão importante para a nossa região como Roma é para o mundo inteiro.” E da mesma forma que as duas cidades estão associadas a grandes guerras durante a sua história, aspiram igualmente a viver em paz, defendeu Zelensky diante da Camera dei Deputati.

Numa intervenção que foi antecedida por uma conversa telefónica com o Papa Francisco, o líder ucraniano recordou a ajuda médica ucraniana a Itália, nos primeiros tempos da pandemia de covid-19, o socorro italiano, há dois anos, quando a Ucrânia sofreu grandes inundações e exemplificou como a Itália pode ser preciosa no apertar do cerco à elite que rodeia Putin.

“Vocês conhecem aqueles que trouxeram a guerra à Ucrânia. De certeza. Aqueles que ordenam os combates e aqueles que os promovem. Quase todos eles usam a Itália como local de férias. Portanto, não sejam um resort para assassinos. Bloqueiem todos os seus imóveis, contas e iates — desde o [superiate] ‘Scheherazade’ até aos mais pequenos”, ancorados nos portos italianos.

JAPÃO, 23 de março: ONU precisa de reformas

Volodymyr Zelensky foi rigoroso na hora de medir o caminho entre Kiev e Tóquio — 8193 quilómetros, “em média, 15 horas de avião”. Diante do Parlamento japonês, o ucraniano procurou, no entanto, encurtar distâncias e valorizar o que de comum têm os dois povos. Desde logo, as memórias da mortífera exposição ao poder nuclear.

“Cada um de vocês sabe o que é Chernobyl, uma central nuclear na Ucrânia onde ocorreu uma poderosa explosão em 1986”, com consequências registadas em diferentes zonas do planeta. “Há quatro centrais nucleares operacionais no nosso território, 15 reatores nucleares. E estão todos ameaçados.”

O ucraniano criticou a inação das instituições internacionais e defendeu a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde a Rússia é membro permanente e o Japão aspira a ter um assento. “Precisa de uma injeção de honestidade, para se tornar eficaz, para realmente decidir e realmente influenciar, não apenas discutir.”

FRANÇA, 23 de março: Em constante comunicação com Macron

“Liberdade, Igualdade, Fraternidade” foi o lema da Revolução Francesa (1789) ao qual Zelensky recorreu para defender, diante da Assemblée Nationale francesa, a importância da liberdade para os ucranianos.

O Presidente ucraniano comparou a sitiada Mariupol às ruínas de Verdun, cidade-símbolo da Grande Guerra (1914-1918), palco de uma longa batalha entre franceses e alemães. E apelou à liderança francesa para que se empenhe em desbravar o caminho da paz.

“Estamos gratos em relação à ajuda da França e aos esforços do Presidente [Emmanuel] Macron, que demonstrou verdadeira liderança. Estamos em constante comunicação com ele, é verdade, e coordenamos alguns dos nossos passos”, admitiu. Nos dias que antecederam a guerra, Macron multiplicou-se em iniciativas para tentar conter a invasão, com sucessivos telefonemas e visitas a Moscovo e Kiev. Zelensky quer mais:

“As empresas francesas têm de deixar o mercado russo. Renault, Auchan, Leroy Merlin e outras devem deixar de patrocinar a máquina militar russa, patrocinar o assassínio de crianças e mulheres, de violações, roubos e pilhagens por parte do exército russo.”

SUÉCIA, 24 de março: O azul-amarelo da liberdade

Ao primeiro mês de guerra, Zelensky dirigiu-se ao Parlamento da Suécia (Riksdag), com o azul e amarelo das bandeiras dos dois países — as mesmas cores também da União Europeia — a servir de mote para um discurso direto ao coração dos suecos. “Hoje, a bandeira azul e amarela é provavelmente a mais popular do mundo. Essas cores estão associadas à liberdade.”

Após descrever a destruição provocada pela guerra, que o levou a afirmar que “a Europa nunca conheceu um mês tão sombrio desde a II Guerra Mundial”, tentou projetar um futuro risonho para o país e lançou um convite a arquitetos, empresas e ao Estado sueco para que se envolvam na reconstrução da Ucrânia.

E alertou a Suécia — que não pertence à NATO — para grandes desafios à sua segurança. “Os propagandistas russos já discutem na televisão estatal como a Rússia pode ocupar a vossa ilha de Gotland [no Mar Báltico] e como mantê-la sob controlo durante décadas”, avisou Zelensky. “Vocês podem perguntar: com que propósito? Eles dizem que será benéfico para a Rússia implantar sistemas de defesa antiaéreo e uma base militar em Gotland, para cobrir a captura dos Estados bálticos.”

“A Rússia entrou em guerra com a Ucrânia porque espera ir mais longe na Europa. Espera destruir ainda mais a liberdade na Europa. Este é um desafio fundamental para o sistema de segurança europeu.”

DINAMARCA, 29 de março: A guardiã dos Critérios de Copenhaga

À semelhança daquilo que espera da Suécia, também quando interveio no Folketing, Zelensky convidou a Dinamarca a participar ativamente na reconstrução da Ucrânia, terminada a guerra. Propôs-lhe, em concreto, a recuperação de Mykolaiv, a cidade dos construtores navais.

E se, noutros discursos, ele identificou empresas relutantes em abandonar o mercado russo, neste caso, elogiou a Lego, a Maersk e a Carlsberg por terem-no feito.

Com o sonho europeu sempre presente, Zelensky recordou que foi na Dinamarca, em 1993, que a UE acordou as regras que definem se um país é elegível para aderir à União. “São vocês, na Dinamarca, no país de onde vêm os Critérios de Copenhaga, que podem sentir, acima de tudo, como é importante que a solidariedade de toda a Europa trabalhe para pressionar a Rússia.”

NORUEGA, 30 de março: A responsabilidade do fornecimento energético à Europa

Ucrânia e Noruega não partilham fronteira, mas são vizinhos da Rússia, “que nega todos os nossos valores comuns”, disse Zelensky, falando para o Storting. “Julgo que vocês enfrentam novos riscos perto da vossa fronteira com a Rússia. Um número anormal de tropas russas já foi concentrado na região do Ártico. Para quê? Contra quem?”

O chefe de Estado ucraniano recordou que a Noruega é “o país que anualmente atribui o Prémio Nobel da Paz” e que, dado ser um grande produtor mundial de petróleo, tem uma responsabilidade acrescida, num momento em que a Europa procura alternativas para diminuir a sua dependência energética em relação à Rússia.

“São vocês quem pode dar um contributo decisivo para a segurança energética da Europa, fornecendo os recursos necessários tanto para a União Europeia como para a Ucrânia.”

AUSTRÁLIA, 31 de março: Boas recordações do gigante “Mriya”

Entre os territórios da Ucrânia e da Austrália, há quase 15 mil quilómetros de mares, países e cinco a sete fusos horários. Em maio de 2016, o “Mriya”, o maior avião do mundo, percorreu essa distância em dias transportando um gerador de 130 toneladas de que a Austrália necessitava com urgência. Por mar, teria demorado meses a chegar.

O “Mriya” (“sonho”) foi agora destruído pelos russos, no aeroporto de Hostomel. Quando discursou no Parlamento australiano, Zelensky ‘recuperou-o’ para demonstrar como os dois países se valem. E nesta hora difícil para a Ucrânia, toda a ajuda australiana é bem-vinda.

“Por exemplo, vocês têm maravilhosos veículos blindados Bushmaster que podem ajudar significativamente a Ucrânia. Assim como outros modelos de equipamentos e armas que podem fortalecer a nossa posição.”

PAÍSES BAIXOS, 31 de março: Haia, a capital da justiça internacional

Acontecimentos de há 70 anos na Europa, como o bombardeamento da cidade holandesa de Roterdão, realizado pela Luftwaffe, serviram para Zelensky acenar com os fantasmas de outras guerras no Velho Continente se não for travada a Rússia, “este país que esqueceu todas as lições da II Guerra Mundial”, disse, ao discursar no Parlamento holandês.

O Presidente da Ucrânia não esqueceu a importância que pode desempenhar outra cidade holandesa, Haia, uma espécie de capital da justiça internacional, onde está sedeado o Tribunal Penal Internacional, com jurisdição para julgar indivíduos por crimes de guerra e contra a humanidade.

“Exorto-vos a influenciar as instituições internacionais! Os crimes dos ocupantes russos têm de ser punidos. Deportações, massacres, destruição de infraestruturas civis, bombardeamentos de hospitais — tudo isso deve ser respondido diante da comunidade democrática.”

BÉLGICA, 31 de março: O embaraço dos diamantes russos em Antuérpia

A partir do coração da Europa, a Bélgica pode, nas palavras de Zelensky, “inspirar todos os outros europeus a fazerem mais”, disse no Parlamento belga. O ucraniano endereçou palavras de “muita gratidão” pelas dezenas de milhares de ucranianos que o país acolheu e por ter sido dos primeiros países a fornecer apoio militar à Ucrânia. “Nunca o esqueceremos.”

Mas ao caracterizar os dois mundos que se enfrentam nesta guerra, Zelensky não deixou a Bélgica imune a críticas. Por um lado, o mundo dos que lutam pela liberdade contra a tirania. E por outro, aquele dos que estão tão habituados a ter liberdade que nem percebem o que custa lutar por ela — como, por exemplo, “o mundo daqueles que acreditam que diamantes russos em Antuérpia são mais importantes do que a guerra no leste da Europa.” A cidade belga de Antuérpia é conhecida como a capital mundial dos diamantes.

ROMÉNIA, 4 de abril: A loucura dos russos

Numa intervenção marcada pelo massacre de civis em Bucha, nos arredores de Kiev, conhecido horas antes, Zelensky dirigiu-se aos deputados romenos com imagens duras captadas durante a sua deslocação ao terreno. “Quero que vejam o que os ocupantes deixaram para trás. Peço desculpa, o vídeo é brutal, mas é a realidade…”

Apelando a recordações igualmente gráficas da história da Roménia, como a execução do ditador Nicolae Ceaușescu, em 1989, em contexto de sublevação popular motivada pela queda do Muro de Berlim, Zelensky recordou o regime de “intimidação, repressão, brutalidade e engano”, impossível de convencer.

“Também é impossível convencer aqueles que promovem a guerra na Rússia agora. Quem dá ordens criminosas. Quem desenvolve planos para o genocídio do povo ucraniano e a destruição do Estado ucraniano. Essas pessoas são inadequadas, perderam toda a ligação com a realidade e estão dispostas a sacrificar milhões de vidas para concretizar as suas ideias loucas.”

ESPANHA, 5 de abril: Ucrânia como Guernica

Ainda que tal não fosse necessário para facilitar o relato dos horrores da guerra na Ucrânia, Zelensky não resistiu a ir à história espanhola buscar um termo de comparação, quando discursou para deputados e senadores do país vizinho.

“Imaginem as pessoas agora, na Europa, a viver durante semanas em caves para salvar as suas vidas, de disparos, de bombardeamentos. Diariamente! Em abril de 2022, a realidade na Ucrânia é como se fosse a de abril de 1937, quando todo o mundo aprendeu o nome de uma das vossas cidades — Guernica.”

Zelensky agradeceu o apoio espanhol e pediu “sanções mais poderosas”. Apelou a empresas, como a Porcelanosa, que deixem o mercado russo. “Como podemos permitir que os bancos russos gerem lucros enquanto os militares russos torturam civis até à morte em cidades ucranianas? Como podem empresas europeias fazer negócios num Estado que deliberadamente está a destruir o nosso povo?”

“Todos na Europa têm simplesmente de deixar de ter medo, de deixar de serem fracos. Têm de se tornar fortes. Pôr os valores e a democracia acima das ameaças que a Rússia espalha.”

IRLANDA, 6 de abril: Aliados na reconstrução do país

Naquele que foi provavelmente o discurso mais longo diante de um Parlamento nacional até então, Volodymyr Zelensky foi generoso no agradecimento à República da Irlanda o apoio desde o primeiro dia.

“Apesar de serem um país neutro, não permaneceram neutros diante da dor e do sofrimento que a Rússia trouxe aos ucranianos. Estou grato a todos vós por isso.”

À semelhança do que fez em discursos anteriores, propôs aos irlandeses que se envolvam na tarefa da reconstrução da Ucrânia. “Por exemplo, na região de Kherson”, a norte da Crimeia. “A vossa capacidade para valorizar a vida e as pessoas, a vossa capacidade de viver em comunidade, o vosso potencial económico são bem conhecidos. Então vamos unir forças e mostrar que a Ucrânia e a Irlanda juntas podem fazer muito mais do que aquilo que o maior país do mundo planeou destruir.”

GRÉCIA, 7 de abril: Um incómodo chamado batalhão Azov

“Há mais de um mês que as minhas manhãs começam com [a situação em] Mariupol”, assim iniciou Zelensky a sua intervenção no Parlamento helénico. A referência àquela cidade ucraniana não foi de todo inocente. “Esta cidade sempre foi a casa de uma grande comunidade grega. A comunidade grega ucraniana é uma das maiores do mundo. Durante séculos, os nossos povos viveram lado a lado, educaram crianças e construíram o futuro.”

Mas se Mariupol foi um pretexto, na narrativa de Zelensky, para evocar a proximidade entre os dois países, tornou-se num pomo de polémica, no Parlamento. A dado momento da sua videoconferência, Zelensky cedeu a palavra a um soldado greco-ucraniano que combatia em Mariupol e cujo avô tinha lutado contra os nazis na II Guerra Mundial.

O homem identificou-se como membro do batalhão Azov (neonazi), fundado como um grupo paramilitar nacionalista, na região do Donbas. Alguns deputados expressaram a sua revolta, entre os quais os do Syriza (esquerda).

CHIPRE, 7 de abril: ‘Vistos gold’ para russos têm de acabar

Situado na ponta leste do Mediterrâneo, a menos de 500 quilómetros da Síria e, por essa razão, habituado a situações de tensão, o Chipre tem condições únicas para condicionar a Rússia, defendeu o Presidente da Ucrânia, no seu discurso no Parlamento de Nicósia.

“A República de Chipre tem ferramentas extremamente poderosas para influenciar a sociedade russa. Uma força única que pode ser colocada ao serviço da paz. Todos os portos do mundo democrático devem ser completamente fechados aos navios russos. Esta deve ser uma decisão conjunta, ao nível da União Europeia.”

Num apelo semelhante ao que fizera em Roma, Zelensky defendeu também ser possível “pelo menos congelar o uso pelos russos de todos os seus iates e outras embarcações nas águas cipriotas. Vocês podem suspender os atuais privilégios para cidadãos russos, começando pelos chamados ‘vistos gold’ para todos os russos sem exceção e terminando com a dupla cidadania”.

“Eles [os russos] simplesmente não levam a maioria dos países a sério. Não respeitam a maioria das nações. Consideram todos no mundo como alguém que querem usar, ou conquistar, ou intimidar.”

FINLÂNDIA, 8 de abril: Memórias da ocupação russa

Como aconteceu em discursos anteriores, Zelensky dirigiu-se ao Eduskunta (Parlamento da Finlândia) na senda de uma nova tragédia acabada de acontecer no seu país — um ataque com míssil a uma estação ferroviária de Kramatorsk, no leste da Ucrânia. Incentivados pelas autoridades locais, milhares de civis tentavam apanhar um comboio que os levasse para sítios mais seguros.

Perante a barbárie em que se transformou a ocupação russa, Zelensky fez um alerta especial ao povo finlandês, que já viveu sob domínio russo: “Vocês já viram na vossa história a crueldade e o absurdo da invasão da Rússia. Sejamos honestos: a ameaça mantém-se. Tudo deve ser feito para impedir que isto aconteça outra vez”.

“E tenho certeza que vocês percebem que se o exército russo receber ordens para invadir a vossa terra, eles farão o mesmo no vosso país. Eu não vos desejo isso. Eles farão às vossas cidades o que aconteceu em Bucha. Fa-lo-ão às cidades de qualquer país que a liderança da Federação Russa decida que é, alegadamente, parte do seu império, e não terra de outra nação.”

COREIA DO SUL, 11 de abril: Recuo aos tempos da guerra na península

O balanço da guerra que Zelensky tenta fazer a cada nova mensagem para o estrangeiro é sempre a possível. “Ainda não conseguimos determinar o número de mortos. De norte a sul do país — em todas as áreas atingidas por disparos e bombas russos —, o desmantelamento de destroços ainda decorre”, disse diante do Parlamento da Coreia do Sul.

O chefe de Estado ucraniano enumerou cerca de 2000 mísseis já disparados contra cidades ucranianas e 938 escolas e quase 300 hospitais destruídos.

“Vocês lembram-se, sabem como é defender a vossa terra. Lembram-se quando, nos anos 1950, foram atacados por quem queria destruir a vossa liberdade”, disse, aludindo à guerra entre as duas Coreias (1950-53), e que ainda aguarda por um tratado de paz formal.

Mas por muito que anseie pela paz, para já, a prioridade de Zelensky é a guerra. “Nós precisamos de sistemas de defesa antiaérea, aeronaves, tanques e outros veículos blindados, sistemas de artilharia e munições. E vocês têm algo que nos pode ser indispensável. Veículos blindados, armas antiaéreas, antitanque e antinavio.”

LITUÂNIA, 12 de abril: Fechar a torneira do petróleo

Um dia após a primeira-ministra lituana, Ingrida Simonyte, ir à Ucrânia e ter testemunhado, entre outras coisas, o resultado da passagem das forças por Borodyanka, nos arredores de Kiev — que o Presidente da Ucrânia disse ser “mais horrível” do que Bucha —, Zelensky dirigiu-se ao Parlamento da Lituânia (Seimas) com palavras de grande apreço.

A 1 de abril, a Lituânia tornou-se o primeiro Estado membro da União Europeia a acabar com as importações de gás russo, considerada a medida que verdadeiramente pode punir a Rússia pela invasão da Ucrânia. “Foi uma histórica manifestação de liderança. Afinal, o povo lituano, como nenhum outro, compreende como os ocupantes podem destruir a liberdade e a que custo a independência é depois reconstruída”, disse Zelensky, aludindo aos anos em que a Lituânia integrava a União Soviética.

O ucraniano criticou a estratégia da UE de aplicação de sucessivos pacotes de sanções para responder à pior guerra na europa desde a II Guerra Mundial. “E ainda não se sabe se o petróleo estará sujeito a sanções”, disse. “Não podemos esperar pelo sétimo, oitavo, nono, décimo, vigésimo pacote de sanções contra a Rússia para tomarmos decisões realmente poderosas.”

“Quando o continente pensou principalmente em interesses egoístas, e não no que deveria unir a todos, isso sempre levou a tempos terríveis para a Europa como um todo. Discórdia, surtos de revanchismo, guerras — não é disso que os europeus precisam no século XXI. Mas é isso que a Rússia está a tentar trazer de volta.”

ESTÓNIA, 13 de abril: O passado (e o presente) negro das deportações

No mesmo dia em que recebeu, em Kiev, os Presidentes da Polónia e dos três países bálticos — Estónia, Letónia e Lituânia —, Volodymyr Zelensky dirigiu-se ao Parlamento estónio (Riigikogu). O ucraniano recordou uma manifestação solidária para com a Ucrânia, realizada por dezenas de milhar de pessoas, na Praça Vabaduse (Liberdade), em Talin, a 26 de fevereiro, escassos dois dias após a invasão russa da Ucrânia. “Já se tornou uma página gloriosa da nossa história comum.”

Zelensky defendeu que os oito anos de guerra na região de Donbas trouxe de volta ao quotidiano europeu o sofrimento por que passou o povo estónio no passado às mãos dos russos. “Deportações em massa, campos de triagem, uma tentativa consistente de destruição de todos aqueles que apoiam a ideia de nacionalidade. Hoje, mais de 500 mil ucranianos foram deslocados à força” — toda a população de Talin, um terço dos cidadãos estónios.

“As páginas negras da história não devem repetir-se quando ucranianos e estónios deportados permaneceram por muitos anos na Sibéria ou no Extremo Oriente russo. Já existem sepulturas ucranianas e estónias mais do que suficientes, campas daqueles que morreram nas deportações comunistas.”

(FOTO Volodymyr Zelensky durante a sessão da Assembleia da República em que que discursou a partir de Kiev PRESIDÊNCIA DA UCRÂNIA)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de abril de 2022. Pode ser consultado aqui

Quando a realidade eleitoral ultrapassa a ficção

Os ucranianos votam domingo nas eleições presidenciais. O favorito é um ator que já fez de Presidente

Volodymyr Zelensky venceu as eleições presidenciais na Ucrânia à segunda volta, com 73% dos votos WIKIMEDIA COMMONS

Qualquer semelhança entre a ficção e a realidade não será pura coincidência. Será apenas a vontade de muitos ucranianos que querem voltar uma página da história do seu país da qual se sentem excluídos. A Ucrânia vota, domingo, na segunda volta das eleições presidenciais e o candidato que lidera — destacado — as sondagens é um humorista de 41 anos chamado Volodymyr Zelensky.

Há quatro anos protagonizou uma sátira política na televisão sobre a improvável caminhada de um modesto professor que, com um discurso anticorrupção, chega a Presidente do país. A série chamava-se “Servo do Povo”, exatamente o nome do partido político criado há pouco mais de um ano que tem transportado o ator na direção da mais alta cadeira do poder em Kiev.

“A razão para a vitória de Volodymyr Zelensky reside principalmente no desejo da sociedade ucraniana de mudanças drásticas ao nível das elites governantes”, explica ao Expresso Igor Tyshkevitch, do Instituto Ucraniano para o Futuro, de Kiev. “Essas exigências não foram satisfeitas após a Revolução da Dignidade”, as manifestações centradas na Praça Maidan, no centro de Kiev, em 2013 e 2014. Maidan pediu que o sistema político fosse reformado e que as rédeas do país fossem colocadas nas mãos de sangue novo. Em vão.

Quase 40 candidatos

“Para entendermos o que se passa há que olhar para a história ucraniana. Entre 1997 e 1999, o então Presidente Leonid Kuchma trocou a anterior liderança ‘vermelha’ [soviética] por uma nova elite política baseada em oligarcas”, continua Igor Tyshkevitch. Vinte anos passados, “nestas eleições, quase todos os candidatos à presidência [na primeira volta participaram 39 candidatos!] são pessoas que entraram na política nesse período.”

É o caso de Petro Poroshenko, de 53 anos, o adversário de Zelensky na segunda volta de domingo. O atual Presidente — um dos homens mais ricos da Ucrânia — debutou na política em 1998, ano em que foi eleito deputado ao Parlamento. Na presidência desde 2014 (eleito à primeira volta com quase 55%), após as manifestações da Praça Maidan terem forçado o afastamento do chefe de Estado pró-russo Viktor Yanukovytch. Poroshenko vê agora a sua reeleição altamente comprometida por um outsider.

Uma sondagem divulgada ontem atribui a Zelensky 57,9% das intenções de voto e a Poroshenko 21,7%. Na primeira volta (31 de março), tiveram 30,2% e 15,9%, respetivamente.

“A sociologia de 2018 mostra que mais de metade da sociedade ucraniana quer que o país seja liderado por pessoas absolutamente novas. Isto levou quase todos os candidatos presidenciais a tentarem ganhar votos junto da parte minoritária da sociedade que prefere que o país seja liderado por alguém experiente”, diz Igor Tyshkevitch. “Ou seja, Zelensky tornou-se o único a poder ganhar facilmente 40 a 45%. Mesmo que ele não fizesse nada, passaria à segunda volta das eleições.”

À parte a imagem de um candidato novo e diferente, Zelensky não é alguém que cative pelo seu pensamento político (que a maioria dos ucranianos desconhece). Numa lógica antissistema, o ator ignorou a forma tradicional de fazer campanha, não fazendo comícios, dando poucas entrevistas e privilegiando a comunicação através das redes sociais.

Esta semana, faltou a um debate com Poroshenko marcado para o Estádio Olímpico de Kiev, deixando o rival sozinho no pódio perante milhares de pessoas. Ao não se desgastar na exposição pública, alimenta a imagem de um ‘Presidente do povo’ que, à semelhança da sua personagem televisiva, vai para o trabalho de bicicleta.

Tensão chega à Eurovisão

Desde a desintegração da União Soviética (1991), estas serão das eleições na Ucrânia onde a Rússia tem menor ascendente sobre algum dos candidatos. Isto apesar de a situação no terreno: em 2014, Moscovo anexou a península da Crimeia e não poupou no apoio aos separatistas do leste da Ucrânia.

“Para a Rússia, não interessa quem vai ser o novo Presidente da Ucrânia”, conclui Tyshkevitch. “Os russos trabalham para enfraquecer a instituição da presidência aos olhos do povo. Querem que a Ucrânia tenha um Presidente fraco e um Parlamento menos controlável. De tempos em tempos, apoiam um lado e o outro lado, o que cria incerteza no país.”

Ucrânia e Rússia vivem uma tensão transversal. Há dois meses, sem grandes justificações, Kiev retirou-se da Eurovisão, marcada para maio em Israel. Não gostou que a cantora escolhida para representar o país, de nome artístico MARUV, se recusasse a cancelar os concertos que já tinha agendados… na Rússia.

PERFIS

PETRO POROSHENKO
O atual Presidente da Ucrânia é um dos homens mais ricos do país. Nascido em 1965, em Bolgrad (sudoeste), licenciou-se em Economia. Logo se lançou no mundo dos negócios começando a vender grãos de cacau à indústria soviética. Hoje, o império empresarial do “rei do chocolate” inclui um estaleiro naval e um canal de televisão. Em 1998, entrou na política, ao ser eleito deputado. Tem quatro filhos.

VOLODYMYR ZELENSKY
Estudou Direito, mas deixou-se seduzir pela representação. Nascido em 1978, a carreira política deste comediante confunde-se com o seu percurso na ficção. Em 2015, desempenhou o papel de Presidente da Ucrânia na série “Servo do Povo”. É membro do partido Servo do Povo, fundado há um ano. Apoiou os protestos pró-Europa da Praça Maidan, em 2013/14. Tem dois filhos e é filho de judeus.

Artigo publicado no “Expresso”, a 19 de abril de 2019. Pode ser consultado aqui