EUA dialogam com a Irmandade Muçulmana, grupo que inspirou Bin Laden. Contactos intensificaram-se este ano

Na Casa Branca, fala-se do assunto em sussurro, não vá tornar-se um embaraço. Nos últimos meses, políticos e diplomatas norte-americanos reuniram-se discretamente com membros da Irmandade Muçulmana — o movimento sunita mais influente, que inspira grupos como o Hamas e a Al-Qaeda. “É um segredo muito mal guardado”, confidenciou ao Expresso um membro do Departamento de Estado dos EUA, a coberto do anonimato. “Nós falamos com membros da Irmandade Muçulmana egípcios, iraquianos, jordanos, porque não com os sírios?”
Tradicionalmente, os EUA não equacionam qualquer tipo de diálogo com a Irmandade Muçulmana. Porém, a ascensão política do Irão e o reforço da tendência xiita no Médio Oriente — acentuada com o novo poder em Bagdade — precipitou a discussão em Washington sobre como explorar as potencialidades de uma eventual parceria com a organização islâmica. Afinal, na Síria ela é a principal alternativa ao regime de Bashar al-Assad, na Jordânia é o partido mais representado no Parlamento (Frente para a Acção Islâmica) e no Egipto, apesar de ilegalizada, conta com 88 deputados, eleitos como independentes (20% da assembleia).
Um dos encontros mais importantes aconteceu em Janeiro, no Cairo, e teve como interlocutor do lado americano Steny Hoyer, o líder da maioria democrata na Câmara dos Representantes. Durante uma recepção na residência do embaixador norte-americano, Hoyer foi apresentado ao deputado Mohammed Saad el-Katatni, um conhecido líder da Irmandade. “Uma coisa deste género teria sempre de ser aprovada ao mais alto nível”, disse ao Expresso um alto funcionário do Congresso. “Claro que uma vez que Hoyer é um democrata podia-se sempre dizer que o encontro nada tinha a ver com a Administração, mas o pessoal na nossa embaixada no Cairo encontra-se regularmente com elementos da Irmandade”.
São várias as razões que ‘empurram’ os EUA para um diálogo forçado com a Irmandade Muçulmana. Desde logo, a necessidade de “encontrar moderados islâmicos para contrabalançar os modelos da Al-Qaeda. Se a Irmandade se encaixa nessa descrição ou se se revelará mais do mesmo, está por provar”, continua o membro do Departamento de Estado. “Há quem diga que apesar da Al-Qaeda e a Irmandade partilharem objectivos, como um novo califado ou a lei islâmica (sharia), não estão de acordo sobre como executá-los. A Irmandade sempre condenou oficialmente a violência, mas foi uma fonte intelectual para Bin Laden, já para não falar de recrutas. Terão sido essas consequências involuntárias dos ensinamentos da Irmandade?”, interroga.
Uma mulher na presidência?
O Expresso entrevistou Ali Sadreddine al-Bayanouni, o líder do braço sírio da Irmandade Muçulmana e um dos fundadores da Frente de Salvação Nacional (FSN), o maior grupo de opositores sírios no exílio. Al-Bayanouni confirma a realização de várias reuniões “desde o início do ano, em Washington” entre membros da Administração Bush e a FSN. Exilado em Londres desde 2000, revela não ter participado nos encontros por serem “restritos aos membros da FSN residentes nos EUA”. Mas confessa que não declinaria um convite para conversar com George W. Bush: “Estou disponível para um diálogo directo com quem quer que seja, no sentido de tentar compreender os seus pontos de vista”, afirma.
Considerado um moderado, Al-Bayanouni diz que a Irmandade não tem ambições políticas na Síria — onde, desde 1980, a militância na organização é punida com pena de morte. “Tudo o que exigimos é uma mudança democrática com a participação de todas as cores da sociedade”, diz. Porém, não se furta a descrever o regime de Damasco se a Irmandade ditasse leis. “Defendemos o estabelecimento de um Estado civil, com instituições resultantes de eleições livres e democráticas. Logo, temos de aceitar os resultados, quer o vencedor seja homem ou mulher, muçulmano ou não”. A teocracia é, pois, um mito.
Unidos contra Bashar
São dos homens mais procurados na Síria. Ali Sadreddine al-Bayanouni (de óculos), 68 anos, lidera o braço sírio da Irmandade Muçulmana. Fugiu do país em 1979 durante uma campanha de repressão contra a organização islâmica. Abdul Halim Khaddam, 74 anos, foi vice-presidente da Síria entre 1971 e 2005, altura em que se rebelou contra o regime de Bashar al-Assad e se refugiou em Paris. Hoje, são parceiros numa estratégia que visa a mudança de regime na Síria — expressa na Declaração de Damasco de Outubro de 2005. Em Março de 2006, formaram a Frente de Salvação Nacional, uma coligação de forças de oposição, no exílio, que já está em diálogo com a Casa Branca.
IRMANDADE MUÇULMANA
Origem
Fundada em 1928 por Hassan al-Banna, um professor egípcio de 22 anos, a “Sociedade dos Irmãos Muçulmanos” assume-se como um movimento sunita revivalista posterior à queda do Império Otomano. Opõe-se à disseminação dos ideais seculares e ocidentais pelo Médio Oriente.
Slogan
“Alá é o nosso objectivo, o Profeta é o nosso líder, o Alcorão é a nossa lei, a Jihad (guerra santa) é a nossa via e a morte em nome de Alá é a maior das nossas aspirações”.
Objectivos
Formar o indivíduo muçulmano; formar a família muçulmana; formar a sociedade muçulmana; formar o Estado muçulmano; formar a ‘Khilafah’ (a unidade entre Estados islâmicos); dominar o mundo através do Islão.
Implantação
A Irmandade Muçulmana tem ramos em cerca de 70 países, da Somália aos Estados Unidos. Reivindicam a participação em conflitos como as guerras israelo-árabes, na Argélia, no Afeganistão ou na Caxemira.
Sítio oficial (em inglês)
www.ikhwanweb.com
À hora de fecho desta edição, num inquérito aos internautas sobre se a Irmandade devia encetar o diálogo directo com os EUA, 51,8% diziam sim.
Artigo publicado no “Expresso”, a 4 de agosto de 2007


