Arquivo da Categoria: Irmandade Muçulmana

O porquê de mais um massacre no Egito

As forças de segurança egípcias dispersaram pela força duas manifestações que exigiam a reinstalação no poder do Presidente islamita deposto pelos militares

Mohamed Morsi, o Presidente eleito após a deposição de Hosni Mubarak, foi afastado pelos militares no passado dia 3 de julho. Desde então, milhares de apoiantes — maioritariamente adeptos da Irmandade Muçulmana, de que Morsi era dirigente — não mais abandonaram as ruas do Cairo, denunciando o golpe militar e exigindo a restituição no cargo de Mohamed Morsi, que permanece detido em sítio desconhecido.

Os manifestantes pró-Morsi concentraram-se, em permanência, com tendas montadas, em duas praças do Cairo. Uma mais pequena, junto à Universidade do Cairo, em Giza; a mais aparatosa, junto à mesquita Rabaa al-Adawiya, na área de Nasr City.

Indiferentes às ordens de dispersão do Governo, as duas vigílias eram o sintoma visível da grande divisão política no Egito: de um lado, a Irmandade Muçulmana, vencedora de todas as eleições pós-Mubarak; do outro, a oposição, sobretudo setores laicos e revolucionários.

Esperar ou dispersar?

A situação tinha duas soluções possíveis: a dispersão das manifestações pela força, com consequências previsivelmente sangrentas; ou esperar que as manifestações se eternizassem e fossem vencidas pelo cansaço.

A 31 de julho, o Governo interino, empossado após o golpe militar, decretou que as duas manifestações eram uma “ameaça à segurança nacional” e anunciou que tinha começado a tomar “todas as medidas necessárias” para resolver a situação.

O General Abdel Fattah el Sisi, simultaneamente chefe das Forças Armadas e ministro da Defesa, afirmou que estava mandatado para combater “terroristas”. A dispersão pela força passou a ser uma questão de tempo.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de agosto de 2013. Pode ser consultado aqui

Golpe militar no Egito

O Presidente Mohamed Morsi foi afastado do poder pelos militares. O poder foi entregue ao Presidente do Supremo Tribunal Constitucional

Mohamed Morsi foi afastado da presidência do Egito. O anúncio foi feito pelo chefe de Estado do Exército, num comunicado lido em direto na televisão, três horas após ter terminado o ultimato dado ao Presidente para chegar a acordo com a oposição.

Ladeado por líderes militares e religiosos, Abdul Fatah Khalil al-Sisi anunciou a suspensão temporária da Constituição e a transferência da presidência do país, a título interino, para o Presidente do Supremo Tribunal Constitucional, Adli Mansour, até à realização de eleições presidenciais.

Entretanto, será formado um Governo de coligação, bem como um comité para emendar os artigos da Constituição mais polémicos.

“Espero que este plano seja o ponto de partida para um recomeço da revolução de 25 de janeiro”, reagiu Mohamed ElBaradei, em nome da Frente de Salvação Nacional, a principal coligação da oposição.

Festa na Praça Tahrir

“As Forças Armadas ficarão sempre fora da política”, afirmou ainda o general Al-Sisi. “O povo egípcio apelou às Forças Armadas para que cumpra os objetivos da revolução.”

O militar apelou ao povo egípcio para que não recorra à violência. Momentos antes da comunicação ao país, veículos militares tomaram posições em vários pontos do Cairo, especialmente nas áreas onde estavam concentrados milhares de egípcios, uns críticos de Morsi (na Praça Tahrir) e outros partidários do Presidente (Nasr City).

Militante da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi foi eleito Presidente do Egito a 17 de junho de 2012 com 52% dos votos.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de julho de 2013. Pode ser consultado aqui

 

Nos braços do inimigo

EUA dialogam com a Irmandade Muçulmana, grupo que inspirou Bin Laden. Contactos intensificaram-se este ano

Símbolo da Irmandade Muçulmana Síria SÍTIO OFICIAL

Na Casa Branca, fala-se do assunto em sussurro, não vá tornar-se um embaraço. Nos últimos meses, políticos e diplomatas norte-americanos reuniram-se discretamente com membros da Irmandade Muçulmana — o movimento sunita mais influente, que inspira grupos como o Hamas e a Al-Qaeda. “É um segredo muito mal guardado”, confidenciou ao Expresso um membro do Departamento de Estado dos EUA, a coberto do anonimato. “Nós falamos com membros da Irmandade Muçulmana egípcios, iraquianos, jordanos, porque não com os sírios?”

Tradicionalmente, os EUA não equacionam qualquer tipo de diálogo com a Irmandade Muçulmana. Porém, a ascensão política do Irão e o reforço da tendência xiita no Médio Oriente — acentuada com o novo poder em Bagdade — precipitou a discussão em Washington sobre como explorar as potencialidades de uma eventual parceria com a organização islâmica. Afinal, na Síria ela é a principal alternativa ao regime de Bashar al-Assad, na Jordânia é o partido mais representado no Parlamento (Frente para a Acção Islâmica) e no Egipto, apesar de ilegalizada, conta com 88 deputados, eleitos como independentes (20% da assembleia).

Um dos encontros mais importantes aconteceu em Janeiro, no Cairo, e teve como interlocutor do lado americano Steny Hoyer, o líder da maioria democrata na Câmara dos Representantes. Durante uma recepção na residência do embaixador norte-americano, Hoyer foi apresentado ao deputado Mohammed Saad el-Katatni, um conhecido líder da Irmandade. “Uma coisa deste género teria sempre de ser aprovada ao mais alto nível”, disse ao Expresso um alto funcionário do Congresso. “Claro que uma vez que Hoyer é um democrata podia-se sempre dizer que o encontro nada tinha a ver com a Administração, mas o pessoal na nossa embaixada no Cairo encontra-se regularmente com elementos da Irmandade”.

São várias as razões que ‘empurram’ os EUA para um diálogo forçado com a Irmandade Muçulmana. Desde logo, a necessidade de “encontrar moderados islâmicos para contrabalançar os modelos da Al-Qaeda. Se a Irmandade se encaixa nessa descrição ou se se revelará mais do mesmo, está por provar”, continua o membro do Departamento de Estado. “Há quem diga que apesar da Al-Qaeda e a Irmandade partilharem objectivos, como um novo califado ou a lei islâmica (sharia), não estão de acordo sobre como executá-los. A Irmandade sempre condenou oficialmente a violência, mas foi uma fonte intelectual para Bin Laden, já para não falar de recrutas. Terão sido essas consequências involuntárias dos ensinamentos da Irmandade?”, interroga.

Uma mulher na presidência?

O Expresso entrevistou Ali Sadreddine al-Bayanouni, o líder do braço sírio da Irmandade Muçulmana e um dos fundadores da Frente de Salvação Nacional (FSN), o maior grupo de opositores sírios no exílio. Al-Bayanouni confirma a realização de várias reuniões “desde o início do ano, em Washington” entre membros da Administração Bush e a FSN. Exilado em Londres desde 2000, revela não ter participado nos encontros por serem “restritos aos membros da FSN residentes nos EUA”. Mas confessa que não declinaria um convite para conversar com George W. Bush: “Estou disponível para um diálogo directo com quem quer que seja, no sentido de tentar compreender os seus pontos de vista”, afirma.

Considerado um moderado, Al-Bayanouni diz que a Irmandade não tem ambições políticas na Síria — onde, desde 1980, a militância na organização é punida com pena de morte. “Tudo o que exigimos é uma mudança democrática com a participação de todas as cores da sociedade”, diz. Porém, não se furta a descrever o regime de Damasco se a Irmandade ditasse leis. “Defendemos o estabelecimento de um Estado civil, com instituições resultantes de eleições livres e democráticas. Logo, temos de aceitar os resultados, quer o vencedor seja homem ou mulher, muçulmano ou não”. A teocracia é, pois, um mito.

Unidos contra Bashar

São dos homens mais procurados na Síria. Ali Sadreddine al-Bayanouni (de óculos), 68 anos, lidera o braço sírio da Irmandade Muçulmana. Fugiu do país em 1979 durante uma campanha de repressão contra a organização islâmica. Abdul Halim Khaddam, 74 anos, foi vice-presidente da Síria entre 1971 e 2005, altura em que se rebelou contra o regime de Bashar al-Assad e se refugiou em Paris. Hoje, são parceiros numa estratégia que visa a mudança de regime na Síria — expressa na Declaração de Damasco de Outubro de 2005. Em Março de 2006, formaram a Frente de Salvação Nacional, uma coligação de forças de oposição, no exílio, que já está em diálogo com a Casa Branca.

IRMANDADE MUÇULMANA

Origem
Fundada em 1928 por Hassan al-Banna, um professor egípcio de 22 anos, a “Sociedade dos Irmãos Muçulmanos” assume-se como um movimento sunita revivalista posterior à queda do Império Otomano. Opõe-se à disseminação dos ideais seculares e ocidentais pelo Médio Oriente.

Slogan
“Alá é o nosso objectivo, o Profeta é o nosso líder, o Alcorão é a nossa lei, a Jihad (guerra santa) é a nossa via e a morte em nome de Alá é a maior das nossas aspirações”.

Objectivos
Formar o indivíduo muçulmano; formar a família muçulmana; formar a sociedade muçulmana; formar o Estado muçulmano; formar a ‘Khilafah’ (a unidade entre Estados islâmicos); dominar o mundo através do Islão.

Implantação
A Irmandade Muçulmana tem ramos em cerca de 70 países, da Somália aos Estados Unidos. Reivindicam a participação em conflitos como as guerras israelo-árabes, na Argélia, no Afeganistão ou na Caxemira.

Sítio oficial (em inglês)
www.ikhwanweb.com
À hora de fecho desta edição, num inquérito aos internautas sobre se a Irmandade devia encetar o diálogo directo com os EUA, 51,8% diziam sim.

Artigo publicado no Expresso, a 4 de agosto de 2007