De olho no Hezbollah, Israel fez dois ataques em território sírio. A sua repetição pode incendiar o Médio Oriente

Ainda não há data, mas o apoio dos Estados Unidos e da Rússia já está garantido. “Assim que for viável, possivelmente no final deste mês”, realizar-se-á uma conferência internacional sobre a guerra civil na Síria — anunciaram, na terça-feira, John Kerry e Sergei Lavrov, respetivamente, chefes da diplomacia norte-americana e russa, após um encontro em Moscovo. “É a primeira notícia a dar esperança a um país infeliz faz muito tempo”, reagiu o enviado na ONU e da Liga Árabe para a Síria, Lakhdar Brahimi.
No conflito sírio, Washington e Moscovo estão em lados opostos da barricada. Para os EUA, Bashar al-Assad não é opção para a fase de transição: “É impossível para mim, como pessoa, compreender como é que a Síria poderia ser governada no futuro pelo homem que fez as coisas que todos sabemos”, disse Kerry. Já a Rússia — aliada do Presidente sírio desde a primeira hora — não está “interessada no destino de pessoas em concreto”, disse Lavrov, sem mencionar o nome de Assad.
“Há razões para ceticismo quanto aos planos da Rússia e dos EUA em relação a uma conferência internacional sobre a Síria — os diplomatas, muitas vezes, propõem reuniões quando não têm soluções”, escreveu, quarta-feira, em editorial, o influente “The New York Times”. “Mas, numa altura em que a guerra civil está a piorar em todos os aspetos, esta iniciativa é um sinal de esperança.”
A ‘linha vermelha’ de Israel
A realizar-se, será a primeira vez que regime e oposição se sentam à mesa do diálogo, após dois anos de guerra que já fez mais de 70 mil mortos, 4,25 milhões de deslocados internos e mais de um milhão de refugiados — “o pior conflito desde o fim da Guerra Fria”, disse António Guterres, alto comissário da ONU para os Refugiados (ACNUR).
Entretanto, a guerra civil síria ameaça extravasar como conflito regional. Domingo passado, a força aérea israelita bombardeou o Centro de Investigação Jamraya, nos arredores de Damasco. Dois dias antes, já tinha atacado o que se pensa ser um carregamento de armas para o Hezbollah, que incluía mísseis Fateh-110, de fabrico iraniano, que colocariam Telavive ao alcance dos rockets do movimento xiita libanês.
“Se Israel atacar, será das coisas mais perigosas para o Médio Oriente”, reagiu segunda-feira o Presidente da Turquia, Abdullah Gül, a bordo do avião que o trazia para Portugal, que visitou durante três dias. “Vai arruinar tudo. O regime (sírio) vai beneficiar disso”, disse, citado pelo jornal turco “Today’s Zaman”.
À semelhança da Administração Obama — que tem no uso de armas químicas o alerta para intervir no conflito —, também Israel tem a sua “linha vermelha”: o Hezbollah, fortemente apoiado pelo Irão. “Com o Hezbollah a empenhar talvez metade das suas forças na Síria, ajudando o regime do ditador Assad a lutar pela sobrevivência, a organização xiita libanesa vai querer ‘recompensas’ para as suas ações”, lê-se numa análise publicada pelo diário israelita “The Jerusalem Post”. “O Hezbollah e o seu patrono Irão poderão ter pedido a Assad que mande para o Líbano armas mais sofisticadas (leia-se mísseis ou gases).”
ONU na mira rebelde
Do ponto de vista tático, os ataques israelitas serviram os interesses rebeldes. Mas entre a oposição, a entrada em cena de Israel é incómoda. “O regime (sírio) usou as suas forças para reprimir as exigências de mudança do povo, enfraquecendo a defesa síria e assim permitindo que forças externas ocupantes (da Palestina) atinjam posições sírias”, lê-se num comunicado da Coligação Nacional da Revolução Síria e das Forças da Oposição, publicado no seu site.
Quarta-feira, forças leais a Assad reconquistaram uma cidade estratégica no sul da Síria — Khirbet Ghazaleh, situada junto à autoestrada que liga Damasco e Amã (Jordânia). Entre os rebeldes, parece reinar a desorientação. Na terça-feira, a Brigada dos Mártires Yarmouk, um grupo rebelde formado há menos de um ano, raptou quatro capacetes azuis da UNDOF — a missão da ONU que, desde 1974, superintende o cessar-fogo entre Israel e a Síria, nos Montes Golã (ocupados por Israel em 1967). Os rebeldes afirmam que os quatro filipinos foram detidos “para sua própria proteção”.
IMPACTO DA GUERRA
40%
da população da Jordânia será composta por refugiados sírios em 2014, se o fluxo continuar
4,25
milhões de sírios (um quinto da população) são deslocados internos, a maioria em Alepo e nas áreas rurais de Damasco
ATAQUES NA ERA BASHAR
JULHO 2001
Com Bashar al-Assad há um ano no poder, aviões israelitas atacam um radar militar sírio instalado no Líbano (país ocupado pela Síria), em resposta a um ataque do Hezbollah a bases israelitas nas Quintas Shebaa (ocupadas por Israel e reivindicadas pelo Líbano).
OUTUBRO 2003
Israel bombardeia o campo de Ain es Saheb (25 km a noroeste de Damasco), usado por militantes palestinianos, respondendo a um ataque suicida em Haifa (Israel), horas antes, feito pela Jihad Islâmica.
JUNHO 2006
F-16 israelitas sobrevoam a Síria e o Líbano, a baixa altitude, num voo de intimidação a Damasco. Os caças passam sobre a residência de verão de Bashar al-Assad, em Latakia.
SETEMBRO 2007
Israel desencadeia a Operação Pomar: raides aéreos noturnos contra um reator nuclear sírio, perto da cidade de Deir ez-Zour.
NOVEMBRO 2011
Com a revolta contra Bashar al-Assad em curso, Israel dispara contra território sírio, em resposta a tiros de morteiro contra os Montes Golã (ocupados por Israel em 1967).
JANEIRO 2013
Israel ataca uma coluna que transportava armamento antiaéreo sofisticado, com origem no centro de investigação científica de Jamraya (noroeste de Damasco) e que teria como destino o Hezbollah, no Líbano.
MARÇO 2013
Israel destrói uma posição militar síria, como retaliação por disparos contra soldados israelitas nos Montes Golã.
MAIO 2013
Caças israelitas bombardeiam Jamraya, alegadamente atingindo um carregamento de mísseis de fabrico iraniano destinados ao Hezbollah.
Artigo publicado no “Expresso”, a 11 de maio de 2013






