Com manifestações nas ruas há três semanas, contra a candidatura do Presidente a um quinto mandato, o goveno argelino antecipou as férias escolares. Essa decisão é uma tentativa de desmobilizar os estudantes, um dos motores dos protestos
O Governo argelino determinou, este sábado, a antecipação em dez dias do início das férias escolares da Primavera, previstas para começar a 21 de março. Por determinação do Ministério do Ensino Superior e da Investigação Científica, os estudantes universitários argelinos ficam em casa já a partir deste domingo e até 4 de abril.
A decisão é um bónus “forçado”, já que visa desmobilizar os estudantes envolvidos nas manifestações antirregime que têm agitado a Argélia nas últimas três semanas, e que já foram consideradas as maiores desde o movimento da Primavera Árabe, em 2010-2012.
Em causa está a perspetiva do atual chefe de Estado recandidatar-se, aos 82 anos, a um quinto mandato consecutivo. Abdelaziz Bouteflika é um homem muito debilitado desde que, em 2013, sofreu um AVC. Vive confinado a uma cadeira de rodas e raramente é visto em público, originando suspeitas de que possa estar a ser usado como candidato fantoche.
As eleições presidenciais estão marcadas para 18 de abril e as universidades têm estado no coração dos protestos que começaram a 22 de fevereiro. Como forma de pressão, quer professores quer estudantes já realizaram várias jornadas de greve.
It's impossible to deny the influence football supporters have had in leading chanting against President Bouteflika's fifth term.
Here hundreds sing USM Alger's 'La Casa Del Mouradia', which usually can be heard in the stadium. pic.twitter.com/CmosJJioG1
Apesar das imediações do Palácio Presidencial em Argel serem dos principais focos de concentração dos manifestantes, Bouteflika não os ouve. O Presidente está internado há duas semanas em Genebra, na Suíça, para “exames médicos de rotina”, informou o seu gabinete.
Na quinta-feira, anteciando-se a uma nova sexta-feira de protestos, o Presidente fez o seu primeiro aviso aos manifestantes, afirmando que a continuação dos protestos criariam o “caos” no país.
Esta semana, a Comissão Constitucional da Argélia vai pronunciar-se sobre a validade das candidaturas eleitorais apresentadas. Se Bouteflika for aprovado, muito dificilmente os estudantes passarão as férias dentro de casa.
(FOTO Protesto popular na Argélia, em março de 2019 WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de março de 2019. Pode ser consultado aqui
Zona de Argel, junto ao Museu Nacional do Mujahidin MARGARIDA MOTA
No Norte de África, apenas a Argélia parece ter escapado à vaga contestatária que atingiu o mundo árabe. “Houve protestos, mas não tiveram tanto peso como no Egito, Tunísia e Iémen. Isso deriva da experiência de conflitos recentes que amedronta a população na hora de sair à rua”, afirmou ao “Expresso” Eugene Rogan, professor na Universidade de Oxford. “Receiam o caos político. Sabem que o preço a pagar por desafiar o statu quo pode ser terrível e hesitam. Mas não para sempre. O mundo árabe evolui depressa e novos padrões estabelecidos num país vão influenciar os outros. A Argélia vai sentir a pressão. Seguirá o modelo marroquino, tentando fazer tantas mudanças que a oposição não exija mais? Ou como na Síria e Líbia resistirá pela força?”
No século XX, a Argélia viveu dois períodos traumatizantes: a guerra contra o colonizador francês (1954-1962), que segundo Argel fez 1,5 milhões de mortos; e uma década de violência islamita, após a anulação, pela cúpula militar, da vitória da Frente Islâmica de Salvação (FIS) na primeira volta das legislativas de 1991, que provocou 150 mil mortos. Hoje, a memória desse sofrimento parece falar mais alto na hora de protestar. Um caso elucidativo aconteceu a 29 de abril último. Rechak Hamza, um vendedor ambulante de 25 anos, imolou-se pelo fogo em Jijel (360 km a leste de Argel) após uma altercação com a polícia. Houve protestos mas logo esmoreceram. Nada como o levantamento que se seguiu à imolação do tunisino Mohamed Bouazizi, em dezembro de 2010, que culminou na queda de Ben Ali.
A 10 de maio último, o Governo de Argel foi posto à prova quando os argelinos votaram nas legislativas, as primeiras pós-Primavera Árabe. “A vitória da Frente de Libertação Nacional (FLN, ex-partido único) é um reflexo da gestão da Primavera Árabe pelo regime”, comentou ao “Expresso” Catarina Mendes Leal, autora da obra “Magrebe, Islamismo e a relação energética de Portugal”. “Apesar do descontentamento da população no início da ‘Primavera’, a aplicação de determinadas medidas atenuou e mitigou a propagação desse tipo de manifestações.”
Além da vitória da FLN, do Presidente Bouteflika — que conseguiu 220 dos 462 deputados —, o escrutínio revelou um país em contraciclo relativamente aos países da Primavera Árabe, onde as eleições têm catapultado partidos islamitas para o poder: o Movimento Ennahda (Tunísia) e o Partido Justiça e Desenvolvimento (Marrocos e Egito). Apostada na vitória, a Aliança Argélia Verde — coligação de três partidos islamitas moderados — ficou em terceiro, com 48 deputados, menos 11 do que antes.
“A Argélia tem deficiências político-institucionais, incluindo falta de participação política e repressão dos grupos de oposição”, diz a docente da Universidade Nova de Lisboa. “Há, também, uma acumulação de tensões sociais crescentes que têm a sua base no desequilíbrio demográfico que, combinado com problemas estruturais económicos, conduziu a elevadas taxas de desemprego entre os jovens. Além disso, há um conflito de valores entre as elites de influência ocidental (sobretudo francófona) e a maioria da população”.
Por consequência, “enquanto houver manutenção do statu quo do atual poder argelino, o cenário de 1991 não poderá repetir-se. A grande incerteza em torno da evolução da Argélia será após a saída de cena de Bouteflika.”
Dependente do gás argelino (50% das importações), Portugal tem razões para temer uma ‘Primavera’? “Não me parece que a integração do Islão político moderado venha a ser um foco de instabilidade que ameace o abastecimento energético a Portugal”, diz a professora. “O que pode haver é um endurecimento negocial” da parte de Argel.
Artigo publicado no “Expresso”, a 7 de julho de 2012
Em 1960, a ONU consagrou o princípio da autodeterminação dos povos. Recentemente, uma conferência em Argel denunciou “as novas formas de colonialismo” do século XXI. Reportagem na Argélia
A Nobel da Paz Rigoberta Menchú Tum e a representante do Sara Ocidental na Holanda defenderam o papel das mulheres na emancipação dos povos MARGARIDA MOTA
“No Gana, 70% dos trabalhadores agrícolas são mulheres. Elas são as grandes contribuintes para a economia do país. Porém, isso não se reflete nos centros de poder”. Por lei, 10% dos 230 lugares no Parlamento do Gana deveriam ser ocupados por mulheres, mas a quota não preenche.
Samiya Nkruma falava durante um pequeno-almoço de trabalho, no âmbito da Conferência Internacional de Argel, comemorativa do 50º aniversário da Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais (Resolução 1514, da Assembleia Geral da ONU), que se realizou a 13 e 14 de dezembro.
Na plateia, pontuavam antigos chefes de Estado, como o argelino Ben Bella, nacionalistas do passado e do presente, como Marcelino dos Santos (Frelimo) e Mohamed Abdelaziz (Frente Polisário), dirigentes de organizações internacionais, como Amr Mussa (Liga Árabe), e ilustres da sociedade civil, como a Prémio Nobel da Paz guatemalteca Rigoberta Menchú Tum e o antigo futebolista argelino e embaixador da UNESCO Rabah Madjer. O Expresso participou a convite do Governo argelino.
No Palácio das Nações, é a vez do discurso de Amr Mussa, secretário-geral da Liga Árabe MARGARIDA MOTA
Cinquenta anos após a aprovação da resolução – que reconhece que “todos os povos têm o direito à autodeterminação” —, mais de 100 territórios viram concretizado o sonho da emancipação colonial. O mapa-mundo redesenhou-se, mas, no Palácio das Nações de Argel, questionou-se a qualidade das independências…
“Será que em pleno século XXI, os Estados soberanos são verdadeiramente independentes?”, interrogou-se a ex-Vice-Presidente do Vietname, Ngueyen Thi Binh. “A forma de exploração cínica do passado é substituída hoje por outra dominação subtil, não menos pérfida: o domínio tecnológico, económico, comercial…”
Escutados com especial atenção, ex-Presidentes africanos revezaram-se no púlpito discorrendo sobre os principais desafios dos países menos desenvolvidos. “Temos de analisar a qualidade das nossas lideranças”, afirmou o sul-africano Thabo Mbeki. “Não podemos continuar cativos dos imperativos e dos interesses económicos dos outros.” Já o nigeriano Olusegun Obasanjo referiu-se à tecnologia como “um novo instrumento de dominação e exploração”.
Porém, seria o zambiano Kenneth Kaunda quem mais primou pela originalidade. Recuperando uma célebre música que o próprio compôs em tempos para mobilizar o povo no combate a uma das maiores epidemias africanas, Kaunda subiu à tribuna e, com voz afinada e palmas a compasso, cantou: “Devemos lutar e conquistar a sida” (“We shall fight and conquer aids”).
Kenneth Kaunda foi o primeiro Presidente da Zâmbia após a independência do país do Reino Unido. Governou entre 1964 e 1991 MARGARIDA MOTA
16 TERRITÓRIOS POR DESCOLONIZAR
Segundo a ONU, subsistem 16 territórios por descolonizar: um na Europa (Gibraltar), outro em África (Sara Ocidental) e os restantes 14 no Atlântico, Caraíbas e Pacífico. Na primeira década do século XXI, apenas Timor Leste acedeu à independência (2002), após realizar um referendo de autodeterminação (1999).
Em Argel, a questão do Sara — juntamente com a da Palestina — quase que monopolizou as discussões. Francesco Bastaglia, ex-enviado especial da ONU para o território, disparou críticas sobre o modelo de abordagem internacional à questão sarauí: “Os acontecimentos recentes revelam que não está a resultar. Há muita deferência em relação ao papel da ONU. A União Africana tem de reclamar um papel mais igualitário”.
Pintura alusiva à independência da Argélia, em 1962, no Museu do Mujahedine MARGARIDA MOTA
PORQUÊ TIMOR E NÃO O SARA?
O português Pedro Pinto Leite, da Plataforma Internacional de Juristas por Timor-Leste, traçou as semelhanças entre os casos sarauí e timorense. “Não há qualquer alternativa à autodeterminação”, concluiu.
Longe de qualquer envolvimento apaixonado com estas questões, Abdul G. Koroma, um dos 15 juízes do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), apontou o caminho a seguir: “Há que pedir à Assembleia Geral e ao Conselho de Segurança da ONU que apliquem as decisões do TIJ sobre o Sara (1975) e sobre a Palestina (2004)”. O juíz serraleonês defendeu que o Sara nunca foi parte integrante de Marrocos nem da Mauritânia. Impõe-se, por isso, duas conclusões: Marrocos é o ocupante ilegal; Espanha é a responsável pela descolonização do território.
“Da mesma forma que os muçulmanos vão a Meca, os movimentos de libertação vão a Argel”, proclamou o ministro sarauí dos Negócios Estrangeiros, Uld Salek. A capital argelina é um marco na história dos movimentos de libertação e vários conferencistas prestaram-lhe homenagem. O jornalista norte-americano David Ottaway, que aterrou em Argel em 1962 para cobrir, para o “The New York Times” e para a “Time”, “a confusão” aquando da independência, recordou a passagem de Humberto Delgado pela capital argelina. O “general sem medo” seria o único português invocado pelo plenário. Mas outros políticos portugueses viveram exilados na Argélia: Manuel Alegre e, mais longínquo no tempo, o ex-Presidente Manuel Teixeira Gomes, que acabaria por falecer em Bougie (Cabília), em 1941.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 23 de dezembro de 2010. Pode ser consultado aqui
O nosso país está cada vez mais presente no Norte de África. Mas os povos continuam de costas voltadas. No Magrebe, conhece-se o futebol português e pouco mais
Os portugueses não hesitam em ir de férias a Marrocos ou à Tunísia, sabem que a Líbia tem um Presidente um pouco excêntrico e que foi por causa de um ataque terrorista na Mauritânia que o Lisboa-Dakar foi cancelado. E partilham do fascínio universal de, um dia, avistarem as Pirâmides de Gizé. No Estreito de Gibraltar, escassos 14,4 quilómetros de mar impedem que o Sul da Europa e o Norte de África se toquem. Mas, nas duas margens do Mediterrâneo, a imagem que os povos projectam do ‘outro’ permanece refém de estereótipos e de ideias feitas.
Amanhã e segunda-feira, decorre em Argel a II Cimeira Luso-Argelina. Em paralelo, será inaugurada a Feira Internacional de Argel que em 2007 recebeu mais de 1,5 milhões de visitantes e que, este ano, tem como convidado de honra Portugal. “Sempre tivemos uma relação excelente do ponto de vista político e diplomático. A Argélia desempenhou um papel muito importante na formação da nossa revolução”, recorda o embaixador português em Argel, Luís de Almeida Sampaio. “Aquilo que não existia, como agora, era o aprofundamento da dimensão económica”, diz.
Cerca de metade do gás natural consumido pelos portugueses é importado da Argélia. Por força dessa dependência energética, a balança comercial é altamente deficitária para Portugal, mas, aos poucos, empresas portuguesas vão cunhando a paisagem local. Foi à Parque Expo, por exemplo, que foi adjudicada a elaboração do Plano Director do Reordenamento Urbano de Argel, até 2010.
Geograficamente, Argel está mais próxima de Lisboa do que Paris ou Bruxelas — uma constatação ainda mais válida para Rabat. “Neste momento, há mais de 130 PME portuguesas em Marrocos, que dão trabalho a 30 mil pessoas”, refere o embaixador em Rabat, João Rosa Lã. Um dos logotipos de Marrocos no estrangeiro, o Hotel La Mamounia (Marraquexe), está a ser recuperado pela empresa Casais, de Braga.
Hoje, 58% do total de exportações portuguesas para o Norte de África vão para Marrocos e 90% do mercado das parabólicas é português. “Estamos dependentes da situação que se viver no Magrebe. Se houver um surto terrorista ou problemas relacionados com a imigração clandestina, Portugal e Espanha serão os primeiros a sofrer”, alerta Rosa Lã.
Na corrida das empresas lusas ao mercado magrebino, o Egipto — ficou claramente para trás. Ainda assim, a Cimpor, por exemplo, controla 10% do mercado do cimento. É o mais longínquo dos países da orla Sul e tem uma vocação diferente do ponto de vista geopolítico — é um palco, por excelência, do diálogo israelo-árabe. “Uma das funções da embaixada é seguir os trabalhos da Liga Árabe. Em 2007, Portugal assinou um Memorando de Entendimento com a organização que nos permite assistir às reuniões. Poucos países da União Europeia têm-no”, refere Paulo Martins Santos, cônsul no Cairo.
A funcionar há pouco mais de um ano, a embaixada em Tripoli já constatou o potencial de um país com dimensão para ‘engolir’ a Península Ibérica. Só no primeiro trimestre de 2008, foram assinados contratos que rondam os 1000 milhões de euros. Mas para o diplomata Rui Lopes Aleixo, “a nossa imagem não pode ser só a das empresas que chegam aqui. Há que mostrar a cultura portuguesa e aquilo que somos capazes de fazer noutros domínios”, diz. Recentemente, três investigadores das Universidades de Coimbra, Porto e do Centro de Mértola visitaram a Líbia e receberam luz-verde das autoridades para apresentarem um projecto de elaboração do mapa arqueológico do país.
No término das conversas que o “Expresso” manteve com representantes de quatro das cinco missões diplomáticas portuguesas no Norte de África, é impossível iludir o forte contributo do futebol na imagem que os povos do Sul têm dos portugueses. No Cairo, Manuel José, que treina o Al-Ahly — um clube com 50 milhões de adeptos… — é um ídolo. Já em Argel, é o embaixador Almeida Sampaio que não passa despercebido na rua… “As cores de um dos principais clubes de Argel — o Mouloudia — são o verde e o vermelho. Quando fico parado no trânsito, os miúdos vêm dar beijos à flâmula (pequena bandeira) que tenho no carro. Apanho banhos de multidão por causa das nossas cores”.
O que nos une
Durante a ocupação islâmica da Península Ibérica, entre os séculos VIII e XV, o território recebeu o nome de Al-Andalus. Situado em Granada, o palácio de Alhambra é o expoente máximo desse legado. Mas mais do que um património comum, hoje, os países da Península partilham com a orla árabe fóruns de diálogo que visam a aproximação entre as margens do Mediterrâneo: o Diálogo 5+5 (os cinco países da UMA, da Mauritânia à Líbia, e cinco do Sul da Europa) e o Processo de Barcelona da União Europeia (37 membros). A União para o Mediterrâneo, de Nicolas Sarkozy, será a próxima ‘ponte’ sobre o ‘Mare Nostrum’.
MAURITÂNIA Aprendeu a falar português a bordo dos barcos de pesca luso-mauritanos, ao largo do Sara. Hoje, Yussuf, um mauritano de 37 anos imigrado há oito em Portugal, tem no português a sua língua de trabalho, num posto de combustível de Portimão. “Integrei-me bem. Há pessoas que não gostam de imigrantes, mas não ligo”. Nas férias, vai à Mauritânia de carro. “O trajecto é fácil, há sempre estrada até lá”, durante 4000 quilómetros.
MARROCOS Quando chegou a Portugal há nove anos, para fazer investigação, Omar, de 35 anos, teve de fazer “uma grande ginástica” para evitar a carne de porco e “adaptar-se à comida portuguesa”. Hoje, este professor de Estudos Árabes diz apreciar “a capacidade de desenrascar” dos portugueses. E critica a “falta de pontualidade e o ‘deixa andar’”, atitudes, confessa, também marroquinas.
ARGÉLIA Em Portugal há 24 anos, Farida tem um sonho: “Criar uma associação de amizade luso-argelina. Temos uma história comum que deve ser publicada”, diz esta consultora internacional na área alimentar, de 58 anos. “Temos uma geração de casamentos mistos. O que vai ser feito dela? Não há uma escola de língua árabe, não temos onde praticar e mostrar a nossa cultura”. Preocupa-a o futuro do neto luso-argelino.
TUNÍSIA A vida de Amel deu uma volta de 180 graus desde que chegou a Portugal, há 10 anos. Então, seguira o marido até um novo posto profissional; hoje, administra o Santarém Hotel e gere o operador turístico ‘Beauty Village’. “Gostamos muito do país, não é muito diferente da Tunísia, desde logo no clima. E o contacto entre as pessoas é muito caloroso”.
LÍBIA O bigode escuro faz Saud, muitas vezes, passar na rua por português. Nascido há 48 anos, a 60 quilómetros de Tripoli, veio para Portugal como bolseiro e por cá ficou. “Gostei do país e da forma como fui tratado”. As duas filhas apreciam ir à Líbia de férias, mas “falam pouca coisa” de árabe. Gostava que os portugueses fossem “mais ambiciosos” e que “não dramatizassem tanto”. Faz de tudo um pouco na embaixada líbia. E torce pelo Sporting.
EGIPTO “Nós, orientais, acreditamos muito no destino”, diz Badr. E o destino quis que este egípcio de 46 anos viesse a Portugal há 12 estudar a língua de Camões. “Gosto de fado e conheço todas as casas no Bairro Alto. É um tipo de música muito próxima da música árabe. Fala de pátria, saudade e amor”. Se dependesse de si, os portugueses não seriam tão passivos: “Recentemente, no Egipto, aumentou o preço do pão e houve logo protestos”.
Artigo publicado no “Expresso”, a 7 de junho de 2008
Uma mulher é consolada no exterior do hospital Zmirli, em Argel, para onde foram levadas as vítimas de um massacre, a 23 de setembro de 1997. Esta foto, que ficou conhecida como “Madonna de Bentalha”, venceu o World Press Photo em 1998 HOCINE ZAOURAR / WORLD PRESS PHOTO
Entrevista a Bruce Riedel ex-agente da CIA e investigador nos Estados Unidos
Há meio ano, Bruce Riedel, antigo agente da CIA durante 29 anos, alertou, num artigo na revista “Foreign Affairs”, para as “oportunidades” que se abrem em África ao extremismo islâmico. Esta semana, em entrevista ao “Expresso”, este investigador da Brookings Institution (Washington) disse que os atentados na Argélia são a prova de que a organização de Osama bin Laden está em força às portas da Europa.
O terrorismo no Norte de África beneficia dos conflitos no Afeganistão e no Iraque? O que vimos, esta semana, em Argel é uma indicação muito dramática de que a Al-Qaida abriu com sucesso uma nova frente da “jihad” global no Norte de África. Essa frente está a ser muito dirigida por Osama bin Laden e pelos seus comandantes a partir de bastiões ao longo da fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão. A escolha de alvos, especialmente o ataque às Nações Unidas, demonstra que é a liderança de Bin Laden que está a tomar as decisões, uma vez que a ONU é um alvo da “jihad” global e não da “jihad” argelina. Nesse sentido, as movimentações da Al-Qaida estão a beneficiar muito da guerra, especialmente no Paquistão e no Afeganistão, que está a correr mal e que lhes está a proporcionar portos de abrigo para desencadearem operações e expandirem a “jihad” para o Norte de África. A guerra no Iraque também os beneficia no sentido de que fornece motivação e é um terreno para desenvolver e testar todos os tipos de novas técnicas.
Podemos então dizer que a seguir ao Afeganistão, ao Paquistão e ao Iraque, a Argélia é o país onde a Al-Qaida está mais activa? Sim. Há mais de um ano, a liderança da Al-Qaida decidiu afectar recursos para tornar a Argélia a próxima frente da guerra. O objectivo visa não só desestabilizar a Argélia mas também criar uma base no seio da diáspora argelina para atacar a Europa Ocidental, sobretudo a França.
E porquê a França? A maior comunidade magrebina na Europa está em França. O objectivo é usar a Al-Qaida para o Magrebe Islâmico e penetrar as comunidades argelina, marroquina e tunisina na Europa Ocidental, Portugal incluído. É preciso dizer que a esmagadora maioria dos magrebinos na Europa Ocidental são cidadãos honestos e moderados. A Al-Qaida procura uma pequena minoria para poder recrutar e usar na expansão da “jihad” para fora da Argélia e para dentro da Europa.
Como pode a Europa combater esta ameaça? Os serviços secretos europeus estão muito concentrados neste problema. Para assegurar a derrota da Al-Qaida no Magrebe e impedir que se instale uma base forte na Argélia há que procurar formas de fortalecer as forças moderadas em Argel. Nos últimos anos, muitos esforços da União Europeia para fazer progredir o Processo de Barcelona foram sensatos. Provavelmente, são precisos mais meios. Uma política inteligente é apostar num Magrebe mais próspero para prevenir a expansão do extremismo islâmico. Outra é intensificar os esforços em redor do núcleo da Al-Qaida no Sul da Ásia, onde está o quartel-general da organização. Isto implica um papel mais forte da NATO no Afeganistão e pressão sobre o Paquistão para que acabe com a permissividade aos portos de abrigo.
Os Estados Unidos preocupam-se com o terrorismo no Norte de África? Há uma preocupação considerável nos Estados Unidos, mas a Administração Bush afectou todos os recursos da luta contra o terrorismo na guerra do Iraque. Foi um erro nas prioridades porque por muito sério que seja o problema iraquiano não é lá que estão situados os quartéis-generais da Al-Qaida. O centro do movimento para a “jihad” global está no Paquistão e no Afeganistão. Os nossos recursos foram usados erradamente.
A captura de Osama bin Laden deveria ser a prioridade das prioridades? Sem dúvida. Os ataques desta semana em Argel provam que ele é ainda uma força activa nesta “jihad” global. O comunicado do grupo que levou a cabo os atentados diz que eles seguem Osama bin Laden. Chamam-lhe “o nosso emir”.
DE CASABLANCA A ARGEL
16/05/2003 — Casablanca (Marrocos) Cinco ataques suicidas contra um restaurante espanhol, um hotel de luxo e um centro judeu matam 45 pessoas.
11/04/2007 — Argel (Argélia) Várias bombas matam 33 pessoas em ataques reivindicados pela Al-Qaida.
06/09/2007 — Batna (Argélia) Um ataque suicida, antes de uma visita do Presidente Abdelaziz Bouteflika, mata 20 pessoas e fere 107.
08/09/2007 — Porto de Dellys (Argélia) Um carro-bomba mata 37 pessoas nas casernas da guarda costeira.
11/12/2007 — Argel (Argélia) Duas explosões matam 31 pessoas: uma bomba visou o Conselho Constitucional, a outra a representação das Nações Unidas.
(Foto: Pintura exposta no Museu Nacional do Mujahidin, em Argel MARGARIDA MOTA)
Artigo publicado no “Expresso”, a 15 de dezembro de 2007
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.