A cada cinco anos, a sede da ONU acolhe uma conferência de revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Este ano, o Presidente do Irão, Mahmud Ahmadinejad, quer marcar presença
O Presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, pediu um visto de entrada nos Estados Unidos para participar na conferência de revisão do Tratado de Não Proliferação (TNP), que se realizará em Nova Iorque, entre 3 e 28 de Maio.
“Temos certas responsabilidades enquanto país que acolhe a sede da ONU”, afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Philip Crowley. “Se um responsável estrangeiro quer ir à ONU por um motivo oficial, normalmente concedemos-lhe um visto”, explicou. Nos últimos anos, Ahmadinejad tem recebido visto para participar na sessão anual da Assembleia Geral das Nações Unidas.
O Irão apresentou os pedidos de vistos ontem de manhã na embaixada norte-americana em Berna. Recorde-se que, dado que os dois países não têm relações diplomáticas oficiais, os contactos bilaterais fazem-se através da Suíça.
EUA não colocam obstáculos
Philip Crowley afirmou ainda que os EUA não questionarão se os iranianos decidirem que é Mahmud Ahmadinejad a chefiar a delegação persa na conferência sobre o TNP. “É um assunto deles. Não colocaremos obstáculos.”
Mais de 30 ministros dos Negócios Estrangeiros participarão na sessão de abertura da conferência, na próxima segunda-feira, um evento que se realiza de cinco em cinco anos. O Irão, que alguns países acusam de querer obter armamento nuclear ao abrigo do seu programa nuclear, justificado para fins energéticos, é signatário do Tratado de Não Proliferação. Ahmadinejad deverá ser um dos poucos chefes de Estado a participar na conferência.
Barack Obama entrou para a história dos Estados Unidos da América ao tornar-se o primeiro chefe de Estado negro. Mas à semelhança dos 18 Presidentes que o precederam — eleitos desde o início do século XX —, Obama somará sucessos e não escapará a reveses
FALTA INFOGRAFIA
Texto Margarida Mota infografia Sofia Miguel Rosa
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 16 de janeiro de 2009. Pode ser consultado aqui
Na Casa Branca, fala-se do assunto em sussurro, não vá tornar-se um embaraço. Nos últimos meses, políticos e diplomatas norte-americanos reuniram-se discretamente com membros da Irmandade Muçulmana — o movimento sunita mais influente, que inspira grupos como o Hamas e a Al-Qaeda. “É um segredo muito mal guardado”, confidenciou ao Expresso um membro do Departamento de Estado dos EUA, a coberto do anonimato. “Nós falamos com membros da Irmandade Muçulmana egípcios, iraquianos, jordanos, porque não com os sírios?”
Tradicionalmente, os EUA não equacionam qualquer tipo de diálogo com a Irmandade Muçulmana. Porém, a ascensão política do Irão e o reforço da tendência xiita no Médio Oriente — acentuada com o novo poder em Bagdade — precipitou a discussão em Washington sobre como explorar as potencialidades de uma eventual parceria com a organização islâmica. Afinal, na Síria ela é a principal alternativa ao regime de Bashar al-Assad, na Jordânia é o partido mais representado no Parlamento (Frente para a Acção Islâmica) e no Egipto, apesar de ilegalizada, conta com 88 deputados, eleitos como independentes (20% da assembleia).
Um dos encontros mais importantes aconteceu em Janeiro, no Cairo, e teve como interlocutor do lado americano Steny Hoyer, o líder da maioria democrata na Câmara dos Representantes. Durante uma recepção na residência do embaixador norte-americano, Hoyer foi apresentado ao deputado Mohammed Saad el-Katatni, um conhecido líder da Irmandade. “Uma coisa deste género teria sempre de ser aprovada ao mais alto nível”, disse ao Expresso um alto funcionário do Congresso. “Claro que uma vez que Hoyer é um democrata podia-se sempre dizer que o encontro nada tinha a ver com a Administração, mas o pessoal na nossa embaixada no Cairo encontra-se regularmente com elementos da Irmandade”.
São várias as razões que ‘empurram’ os EUA para um diálogo forçado com a Irmandade Muçulmana. Desde logo, a necessidade de “encontrar moderados islâmicos para contrabalançar os modelos da Al-Qaeda. Se a Irmandade se encaixa nessa descrição ou se se revelará mais do mesmo, está por provar”, continua o membro do Departamento de Estado. “Há quem diga que apesar da Al-Qaeda e a Irmandade partilharem objectivos, como um novo califado ou a lei islâmica (sharia), não estão de acordo sobre como executá-los. A Irmandade sempre condenou oficialmente a violência, mas foi uma fonte intelectual para Bin Laden, já para não falar de recrutas. Terão sido essas consequências involuntárias dos ensinamentos da Irmandade?”, interroga.
Uma mulher na presidência?
O Expresso entrevistou Ali Sadreddine al-Bayanouni, o líder do braço sírio da Irmandade Muçulmana e um dos fundadores da Frente de Salvação Nacional (FSN), o maior grupo de opositores sírios no exílio. Al-Bayanouni confirma a realização de várias reuniões “desde o início do ano, em Washington” entre membros da Administração Bush e a FSN. Exilado em Londres desde 2000, revela não ter participado nos encontros por serem “restritos aos membros da FSN residentes nos EUA”. Mas confessa que não declinaria um convite para conversar com George W. Bush: “Estou disponível para um diálogo directo com quem quer que seja, no sentido de tentar compreender os seus pontos de vista”, afirma.
Considerado um moderado, Al-Bayanouni diz que a Irmandade não tem ambições políticas na Síria — onde, desde 1980, a militância na organização é punida com pena de morte. “Tudo o que exigimos é uma mudança democrática com a participação de todas as cores da sociedade”, diz. Porém, não se furta a descrever o regime de Damasco se a Irmandade ditasse leis. “Defendemos o estabelecimento de um Estado civil, com instituições resultantes de eleições livres e democráticas. Logo, temos de aceitar os resultados, quer o vencedor seja homem ou mulher, muçulmano ou não”. A teocracia é, pois, um mito.
Unidos contra Bashar
São dos homens mais procurados na Síria. Ali Sadreddine al-Bayanouni (de óculos), 68 anos, lidera o braço sírio da Irmandade Muçulmana. Fugiu do país em 1979 durante uma campanha de repressão contra a organização islâmica. Abdul Halim Khaddam, 74 anos, foi vice-presidente da Síria entre 1971 e 2005, altura em que se rebelou contra o regime de Bashar al-Assad e se refugiou em Paris. Hoje, são parceiros numa estratégia que visa a mudança de regime na Síria — expressa na Declaração de Damasco de Outubro de 2005. Em Março de 2006, formaram a Frente de Salvação Nacional, uma coligação de forças de oposição, no exílio, que já está em diálogo com a Casa Branca.
IRMANDADE MUÇULMANA
Origem Fundada em 1928 por Hassan al-Banna, um professor egípcio de 22 anos, a “Sociedade dos Irmãos Muçulmanos” assume-se como um movimento sunita revivalista posterior à queda do Império Otomano. Opõe-se à disseminação dos ideais seculares e ocidentais pelo Médio Oriente.
Slogan “Alá é o nosso objectivo, o Profeta é o nosso líder, o Alcorão é a nossa lei, a Jihad (guerra santa) é a nossa via e a morte em nome de Alá é a maior das nossas aspirações”.
Objectivos Formar o indivíduo muçulmano; formar a família muçulmana; formar a sociedade muçulmana; formar o Estado muçulmano; formar a ‘Khilafah’ (a unidade entre Estados islâmicos); dominar o mundo através do Islão.
Implantação A Irmandade Muçulmana tem ramos em cerca de 70 países, da Somália aos Estados Unidos. Reivindicam a participação em conflitos como as guerras israelo-árabes, na Argélia, no Afeganistão ou na Caxemira.
Sítio oficial (em inglês) www.ikhwanweb.com À hora de fecho desta edição, num inquérito aos internautas sobre se a Irmandade devia encetar o diálogo directo com os EUA, 51,8% diziam sim.
Artigo publicado no “Expresso”, a 4 de agosto de 2007
O sentimento não é consensual, mas há quem considere que a guerra no Irão é já uma realidade. “Silenciosamente, pela calada, escondida das câmaras, a guerra no Irão já começou. Várias fontes confirmam que os Estados Unidos, empenhados na desestabilização da República Islâmica, aumentaram a ajuda a movimentos armados entre as minorias étnicas azeri, baluque, árabe e curda, que correspondem a cerca de 40% da população iraniana” — é assim que Alain Gresh, editor do ‘Le Monde Diplomatique’ e especialista em Médio Oriente, inicia um artigo divulgado esta semana.
Ao Expresso, Gresh explica o raciocínio: “Os planos militares de que ouvimos falar nos EUA não visam a invasão. Os americanos não têm tropas para isso, mas pensam que se bombardearem massivamente as instalações nucleares e os comandos político e militar beneficiarão da impopularidade do regime e da ajuda dos azeris, árabes e curdos e provocarão uma mudança de regime”. Em Abril, a televisão ABC noticiou que os EUA tinham apoiado o grupo baluque Jund al-Islam (Soldados do Islão), responsável por um ataque que matou guardas revolucionários iranianos. “Este tipo de apoioé perigoso”, diz Gresh. “Pressupõe que no Irão não há nacionalismo persa, que há azeris, curdos e que podemos usá-los. Isto foi feito no Iraque com o resultado que conhecemos…” Acredita-se que equipas de operações especiais e da CIA foram já colocadas no terreno no Irão para assinalar alvos, estudar o território e fomentar a rebelião. Pelo menos desde 2002 que grupos de planeamento da força aérea estão a “listar alvos” e os chefes de estado-maior completaram recentemente planos de contingência que permitiriam a Bush atacar o Irão em 24 horas.
Pelo menos desde 2002 que grupos de planeamento da Força Aérea dos EUA estão no Irão para listar alvos, estudar o território e fomentar a rebelião
O Pentágono tem dois porta-aviões no Golfo Pérsico que dão aos EUA a capacidade de manter uma longa campanha de bombardeamentos. O novo comandante militar regional, almirante William Fallon, é perito na coordenação do tipo de operações combinadas terra-ar.
Rufam os tambores da guerra
No círculo próximo do Presidente dos EUA não falta quem considere que é uma obrigação moral tratar do Irão antes de Bush deixar a Casa Branca. O vice-presidente Dick Cheney disse-o em público e John Bolton, o pouco diplomático ex-embaixador dos EUA na ONU, já começou a rufar os tambores. “Se a escolha é entre um Irão com capacidade nuclear e o uso da força, então temos de usar a força”, disse Bolton ao ‘The London Telegraph’. Para ele, vive-se um momento comparável àquele em que Hitler deveria ter sido parado, após a ocupação alemã dos Sudetas, e o mundo não fez nada.
Vincent Cannistraro, ex-chefe do departamento de contraterrorismo da CIA, disse ao Expresso que “a decisão de atacar o Irão foi adiada e é pouco provável que seja tomada este ano”. Cannistraro, ainda hoje próximo dos corredores da segurança nacional, não duvida que uma decisão para atacar o Irão seja possível, embora informações recentes estimem que as reacções a um tal assalto seriam “terríveis”, pois “destruiria a última hipótese de Bush estabilizar o Iraque”. No palco iraquiano, multiplicam-se entretanto sinais de nervosismo em relação a um conflito iminente: aviões de vigilância americanos sobrevoam o espaço aéreo iraniano; tropas americanas invadiram o consulado persa no Norte do Iraque capturando seis iranianos; os EUA têm açambarcado “stocks” de petróleo; milhares de ‘marines’ têm sido deslocados para a fronteira Iraque-Irão e a aviação é usada com cada vez mais agressividade.
Para Alain Gresh, um grande conflito armado no Irão não é “inevitável”. A situação no Iraque e a contestação interna desaconselham a Administração Bush a uma nova frente de guerra. Mas há motivações para o conflito. “A principal é talvez a forma como Bush vê o mundo. Ele vê-se como o líder de uma nova guerra mundial, à semelhança de Churchill na II Guerra. Bush já deixou claro que a luta é ideológica”. Em pleno Congresso o ex-conselheiro para a Segurança Nacional, Zgbniew Bzrezinski, considera que os EUA estão a caminho de um “pântano que durará 20 anos ou mais e estender-se-á ao longo do Iraque, Irão, Afeganistão e Paquistão”.
Artigo escrito em colaboração com TonyJenkins, correspondente em Nova Iorque
OUTRAS OPERAÇÕES SECRETAS
1953, Irão A CIA e o MI6 orquestram a deposição do primeiro-ministro, Mohammed Mossadegh, e a subida ao poder do Xá
1961, Cuba A CIA patrocina a malograda invasão da Baía dos Porcos e várias tentativas para assassinar Fidel Castro
1967, Bolívia Uma operação militar organizada pela CIA culmina na captura e execução de Che Guevara pelo Exército boliviano
1968, Iraque A CIA apoia o golpe contra Rahman Arif que coloca o Partido Baas no poder
1975, Angola EUA começam a apoiar a UNITA
1979, Nicarágua Início do apoio aos Contras, opositores do Governo sandinista
“DESTRUIR 30 ALVOS IMPLICA CHUVA DE BOMBAS”
Para o israelita Ely Karmon, investigador do Herzlya, centro de contraterrorismo, Irão, Síria, Hamas e Hezbollah formam o “eixo da desestabilização”. Entrevista
Como antevê o desfecho da crise nuclear iraniana? Não creio que as sanções vão resultar. A Rússia parou de construir a central de Bushehr e de fornecer urânio, mas se calhar é tarde de mais… Outra opção é uma acção militar por parte dos EUA. Uma terceira é permitir que o Irão se nuclearize e depois ser dissuadido, mas não creio que esta seja a melhor solução pois permitirá aos iranianos serem muito mais agressivos.
Israel pode atacar o Irão como fez em 1981 contra o reactor iraquiano de Osirak? Não é possível. Os peritos militares dizem que para destruir as cerca de 30 instalações nucleares, algumas enterradas a grande profundidade, seriam necessárias pelo menos duas a três semanas de bombardeamentos permanentes, o que é uma missão muito difícil, mesmo para Israel.
Teme uma proliferação nuclear no Médio Oriente? Já começou, na Jordânia, no Egipto, nos países do Golfo… Na Turquia discute-se o assunto. A Turquia beneficia do chapéu nuclear da NATO mas não sei se o considera suficiente. Acho que a Turquia vai optar pelo nuclear.
Tem havido contactos oficiais entre os EUA e a Síria… Também os europeus têm tentado tirar a Síria deste ‘eixo’. Os sírios continuam a entregar armas ao Hezbollah e a liderança do Hamas que está a sabotar o processo de paz está em Damasco. O regime sírio tem medo das consequências da paz e prefere correr o risco e continuar…
A alternativa a este regime é a Irmandade Muçulmana? O problema é exactamente esse. Após a Síria sair do Líbano, houve pressões para mudar o regime. Depois pararam. Israel já declarou ter aconselhado americanos e europeus a não mudar o regime. Por isso a Síria continua a assassinar pessoas no Líbano e a apoiar Hezbollah e Hamas.
A imprensa israelita fala numa guerra contra a Síria. Não creio que a Síria vá atacar Israel. O Hezbollah pode provocar, mas isso dependerá da decisão do Irão. Israel será reactivo.
Irão e Síria são países-chave para a estabilização do Iraque? O Irão não quer desestabilizar o Iraque, quer controlar o Governo para poder discutir o processo nuclear. O Irão foi inteligente: em 2003 deixou os EUA atacar o Iraque sem intervir; esteve o tempo todo em contacto com a oposição xiita e pediu-lhe que não cooperasse com os EUA durante a guerra. No fim, saiu vencedor.
Artigos publicados no “Expresso”, a 19 de maio de 2007
Crescem em todo o mundo para impedir a circulação humana. Travam terroristas, ilegais e dividem populações
Há quem diga que, com os seus 6352 quilómetros de comprimento, a Grande Muralha da China é a única construção humana visível a partir da Lua. Nunca um astronauta o confirmou, mas tal não belisca o estatuto daquela fortaleza histórica, construída ao longo de 14 séculos. Em 1987, a UNESCO consagrou-a património da Humanidade — algo impensável em relação aos muros que hoje crescem um pouco por todo o mundo. À sombra de argumentos antiterroristas ou anti-imigração ilegal, ou em nome de reivindicações políticas, erguem-se autênticos ‘muros da vergonha’.
Esta semana, numa conferência realizada na Fundação Calouste Gulbenkian, intitulada ‘A União Europeia e a Imigração’, o vice-presidente da Comissão Europeia, Franco Frattini, afirmou: “Não imagino uma Europa fortaleza”, defendendo que a “Europa tem de estar mais próxima de África”. Ora, é impossível ignorar que, em matéria de imigração, a relação Europa-África tem esbarrado contra muros, nomeadamente em Ceuta e Melilla. Mas como comentou ao “Expresso” o ex-comissário europeu António Vitorino: “A imigração ilegal não se combate com nenhum tipo de muro. Isso não significa que não tenha que haver mecanismos de controlo das fronteiras. Os espaços têm um limite à capacidade de integração de pessoas que vêm de fora”. Os muros são “uma parte de uma política mais geral de controlo dos fluxos migratórios. Por si só, não pode resolver tudo”, acrescentou.
Mas 17 anos após a queda do Muro de Berlim (ícone da Guerra Fria que dividiu fisicamente a Europa e ideologicamente o mundo), o Velho Continente continua a enfrentar a necessidade de derrubar tais obstáculos. Na Irlanda do Norte, sobretudo em Belfast e em Derry, cerca de 40 barreiras separam protestantes e católicos. Ironicamente chamam-se Linhas de Paz.
MÉXICO-EUA: GRANDE MURALHA ÀS PORTAS DO ‘EL DORADO’
A cidade mexicana Tijuana e a norte-americana San Diego estão separadas por uma vedação metálica, onde, do lado do México, pregadas cruzes (umas identificadas, outras anónimas) que homenageiam migrantes que morreram ao tentar atravessar a fronteira TOMAS CASTELAZO / WIKIMEDIA COMMONS
Ainda que muitas muralhas se estendam mar adentro, como é o caso do Muro da Tortilla — o maior dos vários pedaços de vedação espalhados ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e o México —, nem sempre conseguem conter a criatividade humana. Do histórico deste muro, erguido para travar a imigração ilegal entre Tijuana e San Diego, consta o feito de um acrobata que, certo dia, com o passaporte na mão, se meteu dentro de um daqueles canhões usados pelos homens-bomba no circo e, tal qual um duplo no cinema, voou para o lado de lá do muro.
A proeza não fez escola, mas ainda hoje cavar túneis é uma técnica popular para quem arrisca entrar clandestinamente nos EUA: já foram descobertos túneis pavimentados, com trilhos férreos e até com electricidade. Mas não são os túneis a maior preocupação da Casa Branca. A 26 de Outubro passado, o Presidente George W. Bush assinou o Decreto Vedação Segura (Secure Fence Act), que prevê a construção de novos 1125 quilómetros de vedação.
Os obstáculos criados pelo muro, equipado com um sofisticado sistema de vigilância, têm levado cada vez mais candidatos a imigrantes a contornar dificuldades atravessando zonas inóspitas, tais como o Deserto Sonoran e a Montanha Baboquivari, no Arizona. Em alguns casos, percorrem 80 quilómetros antes de encontrar a primeira estrada. Mas há quem nunca a alcance.
Também Melilla se tornou um território mais blindado após o drama humano do Verão de 2005. Na sequência de sucessivas avalanchas de subsarianos que tentaram saltar a dupla cerca metálica de 11 quilómetros que percorre a fronteira entre aquele enclave espanhol e Marrocos, as autoridades de Madrid introduziram alterações físicas e tecnológicas para tornar a vedação mais eficaz e… mais humana. Ordenaram então a construção de uma terceira vedação, tridimensional, que, além de retardar o tempo que o clandestino demora a superar os obstáculos, impede que se lesione.
ISRAEL-CISJORDÂNIA: TÃO POLÉMICO QUANTO O CONFLITO
Os receios terroristas em relação ao vizinho do lado são os alicerces de alguns muros. Israel, Índia, Marrocos e Arábia Saudita ergueram barreiras em nome da segurança interna
Grafiti do misterioso artista britânico Banksy no chamado “muro da Cisjordânia”. Intitulado “Balloon Debate”, foi desenhado num troço da vedação em Ramallah MARGARIDA MOTA
Nenhum outro muro provocou tanta polémica como o que Israel está a construir, desde 2003, junto ao território palestiniano da Cisjordânia. Para Israel, esta “vedação anti-terrorista” visa a protecção dos seus cidadãos ante a infiltração de bombistas suicidas; para os palestinianos, trata-se de um ‘muro’ que dificulta a vida na Palestina ao expropriar milhares de hectares agrícolas fundamentais à subsistência de muitas famílias palestinianas.
Projectado com 720 quilómetros, o muro faz várias incursões em território palestiniano, violando a fronteira anterior à guerra de 1967. Há dois anos, o Tribunal Internacional de Justiça considerou-o ilegal. Mas para Israel construir a cerca em cima da Linha Verde seria descurar as reais necessidades de segurança dos israelitas em prol de uma mera declaração política.
Também na Índia, a ameaça terrorista levou à construção de muros nos dois lados da fronteira. A oeste, junto ao Paquistão, uma vedação de 550 quilómetros, em arame, electrificada e equipada com sensores de movimento estende-se ao longo da Linha de Controlo, na disputada região de Cachemira.
A leste, junto ao Bangladesh, está em curso a construção de uma outra cerca, com 3286 quilómetros de comprimento e três metros de altura. Visa não só impedir a infiltração de terroristas como também de contrabandistas e de imigrantes ilegais.
Tanto num lado como no outro, a afectação de terras férteis, que as autoridades indianas justificam com a necessidade de criar uma ‘terra de ninguém’ junto às vedações, gerou protestos por parte dos agricultores locais, subitamente privados do principal meio de subsistência.
Neste caso, contra números não há argumentos. Segundo as autoridades indianas, esta política reduziu em 80% a entrada de terroristas. Igualmente, em Israel, a redução drástica do número de atentados parece dar razão aos defensores do muro.
Distante das atenções da comunidade internacional está o muro do Sara Ocidental — tão distante quanto o próprio conflito o está das agendas dos políticos. Construído nos anos 80, consiste em 2720 quilómetros de barreiras de pedras e areia com três metros de altura, artilhadas com “bunkers”, cercas e minas.
Na ausência de qualquer tipo de diálogo entre Marrocos e a Frente Polisário — que reclama a independência do Sara Ocidental —, as autoridades marroquinas apostam nesta muralha defensiva para conter as incursões dos guerrilheiros sarauis.
Preocupações terroristas, bem como a prevenção de movimentações não-autorizadas de pessoas e bens através da fronteira, estiveram na base da construção de uma vedação entre a Arábia Saudita e o Iémen. Já este ano, Riade apresentou um projecto multimilionário de construção de uma barreira de segurança ao longo dos 900 quilómetros de fronteira com o Iraque.
COREIAS: A ÚLTIMA FRONTEIRA
Conflitos latentes ou mal resolvidos transformaram algumas fronteiras em locais de grande tensão. Na península coreana e na ilha de Chipre há dois exemplos que perduram
“Zona tampão” administrada pelas Nações unidas, em Nicósia, e proibida a “veículos militares e pessoais” MARGARIDA MOTA
O ex-Presidente americano Bill Clinton afirmou tratar-se do “lugar mais assustador à face da Terra”. A apreciação pode ser subjectiva, mas a fronteira entre as duas Coreias é seguramente o sítio mais patrulhado do mundo. Cerca de dois milhões de militares concentram-se nos dois lados da vedação de 248 quilómetros, repleta de sensores, torres de vigia, arame farpado, minas, artilharia automática, armadilhas para tanques e armamento pesado. A cerca divide, desde 1953, a península coreana pela metade e é tida como a última fronteira da Guerra Fria.
Igualmente, em Chipre subsiste uma demarcação em arame com mais de 30 anos. Com quase 180 quilómetros, a chamada Linha Verde separa, desde 1974, as partes turca e grega da ilha. Até 2003, era uma fronteira inultrapassável. Hoje, há cinco pontos de passagem.
Artigo publicado no “Expresso”, a 25 de novembro de 2006
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.