O Presidente Mohamed Morsi foi afastado do poder pelos militares. O poder foi entregue ao Presidente do Supremo Tribunal Constitucional
Mohamed Morsi foi afastado da presidência do Egito. O anúncio foi feito pelo chefe de Estado do Exército, num comunicado lido em direto na televisão, três horas após ter terminado o ultimato dado ao Presidente para chegar a acordo com a oposição.
Ladeado por líderes militares e religiosos, Abdul Fatah Khalil al-Sisi anunciou a suspensão temporária da Constituição e a transferência da presidência do país, a título interino, para o Presidente do Supremo Tribunal Constitucional, Adli Mansour, até à realização de eleições presidenciais.
Entretanto, será formado um Governo de coligação, bem como um comité para emendar os artigos da Constituição mais polémicos.
“Espero que este plano seja o ponto de partida para um recomeço da revolução de 25 de janeiro”, reagiu Mohamed ElBaradei, em nome da Frente de Salvação Nacional, a principal coligação da oposição.
Festa na Praça Tahrir
“As Forças Armadas ficarão sempre fora da política”, afirmou ainda o general Al-Sisi. “O povo egípcio apelou às Forças Armadas para que cumpra os objetivos da revolução.”
O militar apelou ao povo egípcio para que não recorra à violência. Momentos antes da comunicação ao país, veículos militares tomaram posições em vários pontos do Cairo, especialmente nas áreas onde estavam concentrados milhares de egípcios, uns críticos de Morsi (na Praça Tahrir) e outros partidários do Presidente (Nasr City).
Militante da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi foi eleito Presidente do Egito a 17 de junho de 2012 com 52% dos votos.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de julho de 2013. Pode ser consultado aqui
O islamita Mohamed Morsi toma hoje posse. Mubarak tem sucessor
Mohamed Morsi, o primeiro Presidente do Egito eleito pela Irmandade Muçulmana CARLOS LATUFF
Mohamed Morsi toma hoje posse como Presidente do Egito — o primeiro eleito pela Irmandade Muçulmana e o primeiro que não saiu das fileiras das Forças Armadas. A cerimónia decorrerá no Cairo, mas o local concreto tem sido objeto de discórdia entre os principais atores da revolução egípcia.
Os militares querem que Morsi faça o seu juramento perante o Supremo Tribunal Constitucional. A acontecer, o novo Presidente reconheceria, implicitamente, o decreto emitido pelos militares em 17 de junho que o priva dos principais poderes em benefício do Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF).
Morsi, pelo seu lado, quer tomar posse no Parlamento, dissolvido dias antes da segunda volta das presidenciais, pelo Supremo Tribunal Constitucional, que o considerou ilegalmente eleito. Recorde-se que 75% dos assentos estavam ocupados por deputados islamitas afetos à Irmandade Muçulmana e ao Partido Nour (salafita).
Na quinta-feira, a União da Juventude Revolucionária emitiu um comunicado apelando a que a cerimónia decorra na praça Tahrir, na presença dos deputados eleitos — mas impedidos de exercer funções — e com transmissão em ecrãs de televisão para as praças de todo o Egito.
Governo a todo o gás
Segundo a imprensa egípcia, hoje ainda deverá ser conhecido o nome do futuro primeiro-ministro. O novo Governo poderá, de resto, tomar posse amanhã. Morsi prometeu escolher uma personalidade independente.
Mohamed ElBaradei — o Prémio Nobel da Paz que foi um dos principais notáveis na contestação a Hosni Mubarak — foi citado na imprensa como um dos nomes que terão participado em negociações com vista à formação do novo Governo, mas não há informações consensuais de que Morsi tenha convidado o líder do Partido da Constituição (criado em finais de abril) para chefiar o Executivo.
SCAF conserva a Defesa
Contrariamente ao cargo de primeiro-ministro, o nome do próximo ministro da Defesa já é conhecido. Trata-se de Mohamed Hussein Tantawi, o líder da Junta militar. “Esta escolha visa evitar quaisquer mudanças nas Forças Armadas neste período crítico que antecede a elaboração da Constituição”, esclareceu, na quinta-feira, Mohamed al-Assar, um dos 19 generais que compõem o SCAF.
Na terça-feira, Mohamed Morsi fez o seu primeiro discurso à nação, onde enumerou cinco prioridades para os primeiros 100 dias de poder: o tráfego, a segurança, a recolha do lixo, a escassez de pão e de combustíveis. Temas simpáticos ao cidadão comum, mas que não iludem a questão principal: sem poderes e com o SCAF — que controla a economia egípcia — dentro do futuro Governo, que margem de manobra terá Morsi para corresponder às expectativas de quem fez a revolução?
COMO NASCEU E CRESCEU A IRMANDADE
É a organização islamita mais antiga e a que tem mais seguidores. Opera em dezenas de países e acaba de subir ao poder no Egito
Hesham Aly vive em Gizé, nos arredores do Cairo, tem 29 anos e uma fé inabalável na Irmandade Muçulmana (IM). “São as melhores pessoas para ajudar o Egito, e outros países árabes, a regressar às civilizações do passado e a acabar com este colete de forças em que vivemos que nos faz sofrer há décadas. Eles praticam a religião muito bem. Nunca irão enganar ou roubar. São honestos. Facilmente, colocaria tudo o que tenho nas mãos deles”, confessa ao Expresso.
Hesham estudou engenharia mecânica, mas alimenta o sonho de ganhar a vida a realizar filmes. Com um grupo de amigos, criou a agência Fekra (Ideia) e produzem documentários — que divulgam no YouTube e nas redes sociais — inspirados na primavera árabe. Cada vídeo é uma espécie de alerta acerca do que tem de mudar, designadamente no novo Egito. “A IM tem gente em todas as áreas profissionais. Em 84 anos, acumulou muito conhecimento e experiência. Será capaz de governar bem o Egito”, conclui o jovem.
Prédicas à mesa do café
Fundada em 1928, a Sociedade dos Irmãos Muçulmanos radica na experiência de vida de Hasan al-Banna, um professor primário nascido em 1906 e destacado em Ismailia, cidade que acolhia a administração da Companhia do Canal do Suez (franco-britânica). O Egito era um protetorado britânico desde 1914.
Oriundo de uma família de posses do Cairo, e filho de um imam, Al-Banna — avô do pensador contemporâneo Tariq Ramadan — incomoda-se com as influências do secularismo e a gradual ocidentalização da sociedade local. Uma constatação agravada pelos acontecimentos na Turquia — herdeira do Império Otomano —, onde, em 1922, Kemal Ataturk refundara o Estado, separando política e religião. A abolição do Califado, na perspetiva de Al-Banna.
Habituado a discursar e a ensinar em mesquitas, Al-Banna concebe uma forma pouco convencional de levar a palavra de Alá ao povo. Empenha-se numa campanha de prédicas em coffe-shops, locais de perdição mas frequentados pelos jovens.
Aos poucos, aquilo que começou como um movimento de renovação da fé na sociedade egípcia transformou-se numa força política que, em finais da década de 1940, rivalizava em influência com os partidos estabelecidos. Al-Banna introduzira aspetos políticos no seu discurso e começara a dar espaço aos jovens para criarem causas islâmicas e anti-imperialistas.
Aos olhos do egípcio comum, mais do que uma corrente religiosa, a IM era uma organização com ampla base social que ensinava analfabetos, criava hospitais e lançava pequenos negócios para os mais pobres.
Para a IM, a defesa do Islão fazia-se também fora de portas. Perante a iminência da criação de um Estado judeu na Palestina, a IM envia batalhões de voluntários em nome da luta (jihad) em nome de territórios muçulmanos ameaçados. Em 1948, Israel é criado e a IM acusa a humilhação. Organiza manifestações de rua que responsabilizam o Governo egípcio pela derrota.
No final desse ano, na sequência de uma vaga de ataques à bomba e de tentativas de assassínio, cuja autoria o Governo egípcio atribui à IM, o primeiro-ministro, Fahmi al-Nuqrashi, aprova a dissolução da organização e dá ordem de prisão a muitos dirigentes. Hasan al-Banna é poupado, mas os seus esforços de reconciliação entre o Governo e as franjas extremistas dentro da IM não surtem efeito.
Repressão e extremismo
A 28 de dezembro de 1948, o primeiro-ministro é assassinado a tiro por um estudante de veterinária, membro da IM. Al-Banna é novamente deixado em liberdade, mas não sobrevive muito tempo à espiral de retaliações e, a 12 de fevereiro de 1949, é abatido a tiro numa rua do Cairo.
Em 1952, o coronel Gamal Abdel Nasser lidera um golpe que depõe a monarquia. A IM apoia a revolução, com limites: não concorda com o carácter secular da nova Constituição. A desconfiança continua e, em 1954, a organização é acusada de tentar assassinar o Presidente Nasser.
A Irmandade é banida pela segunda vez e milhares de membros são encarcerados. Entre eles, Sayyid Qutb, o outro grande ideólogo da IM, que morreria enforcado em 1966. Nascido em 1906, como Al-Banna, e igualmente professor, Qutb ganhara uma bolsa atribuída pelo Governo, em 1948 e fizera um mestrado em Educação nos Estados Unidos, onde se chocara com a competição entre igrejas.
Inspiração da Al-Qaeda
Na prisão, Sayyid Qutb escreve “Milestones” (1964). Nessa obra, discorre sobre as falências do materialismo ocidental e do nacionalismo árabe secular autoritário e apela à promoção de uma sociedade islâmica genuína onde o Islão surge como uma teologia da libertação.
A repressão do regime egípcio e os relatos de tortura feitos por muitos detidos tornam a IM permeável a visões extremistas. Entre os consumidores das ideias de Qutb está Ayman al-Zawahiri, o médico egípcio, que viria a ser o braço-direito de Osama bin Laden à frente da Al-Qaeda. Era membro da IM desde 1965.
Com muitos militantes presos, a IM renuncia oficialmente à violência nos anos 1980 e investe na política. Nessa altura, já a organização tinha ramificado pelo mundo árabe: Jordânia, Bahrain, Tunísia, Argélia, Iraque, Síria, Sudão, Somália, Iémen. Na Palestina, a Carta do Hamas aprovada em 1988 identifica a organização como “Irmandade Muçulmana da Palestina”.
A consagração política chegaria em 2005 quando, sob o lema “o Islão é a solução”, 88 simpatizantes da ilegalizada IM são eleitos deputados, como independentes. Oficiosamente, a IM torna-se assim o maior bloco de oposição a Hosni Mubarak. Este ordena uma nova vaga de detenções e impede a IM de ir a votos nas legislativas seguintes. Até que a praça Tahrir farta-se do clientelismo, corrupção e impunidade que grassavam no regime de Mubarak e substituem-no por um dirigente da Irmandade — Mohamed Morsi — que agora enfrenta a maior prova de fogo da sua história.
Artigo publicado no “Expresso”, a 30 de junho de 2012
Na Casa Branca, fala-se do assunto em sussurro, não vá tornar-se um embaraço. Nos últimos meses, políticos e diplomatas norte-americanos reuniram-se discretamente com membros da Irmandade Muçulmana — o movimento sunita mais influente, que inspira grupos como o Hamas e a Al-Qaeda. “É um segredo muito mal guardado”, confidenciou ao Expresso um membro do Departamento de Estado dos EUA, a coberto do anonimato. “Nós falamos com membros da Irmandade Muçulmana egípcios, iraquianos, jordanos, porque não com os sírios?”
Tradicionalmente, os EUA não equacionam qualquer tipo de diálogo com a Irmandade Muçulmana. Porém, a ascensão política do Irão e o reforço da tendência xiita no Médio Oriente — acentuada com o novo poder em Bagdade — precipitou a discussão em Washington sobre como explorar as potencialidades de uma eventual parceria com a organização islâmica. Afinal, na Síria ela é a principal alternativa ao regime de Bashar al-Assad, na Jordânia é o partido mais representado no Parlamento (Frente para a Acção Islâmica) e no Egipto, apesar de ilegalizada, conta com 88 deputados, eleitos como independentes (20% da assembleia).
Um dos encontros mais importantes aconteceu em Janeiro, no Cairo, e teve como interlocutor do lado americano Steny Hoyer, o líder da maioria democrata na Câmara dos Representantes. Durante uma recepção na residência do embaixador norte-americano, Hoyer foi apresentado ao deputado Mohammed Saad el-Katatni, um conhecido líder da Irmandade. “Uma coisa deste género teria sempre de ser aprovada ao mais alto nível”, disse ao Expresso um alto funcionário do Congresso. “Claro que uma vez que Hoyer é um democrata podia-se sempre dizer que o encontro nada tinha a ver com a Administração, mas o pessoal na nossa embaixada no Cairo encontra-se regularmente com elementos da Irmandade”.
São várias as razões que ‘empurram’ os EUA para um diálogo forçado com a Irmandade Muçulmana. Desde logo, a necessidade de “encontrar moderados islâmicos para contrabalançar os modelos da Al-Qaeda. Se a Irmandade se encaixa nessa descrição ou se se revelará mais do mesmo, está por provar”, continua o membro do Departamento de Estado. “Há quem diga que apesar da Al-Qaeda e a Irmandade partilharem objectivos, como um novo califado ou a lei islâmica (sharia), não estão de acordo sobre como executá-los. A Irmandade sempre condenou oficialmente a violência, mas foi uma fonte intelectual para Bin Laden, já para não falar de recrutas. Terão sido essas consequências involuntárias dos ensinamentos da Irmandade?”, interroga.
Uma mulher na presidência?
O Expresso entrevistou Ali Sadreddine al-Bayanouni, o líder do braço sírio da Irmandade Muçulmana e um dos fundadores da Frente de Salvação Nacional (FSN), o maior grupo de opositores sírios no exílio. Al-Bayanouni confirma a realização de várias reuniões “desde o início do ano, em Washington” entre membros da Administração Bush e a FSN. Exilado em Londres desde 2000, revela não ter participado nos encontros por serem “restritos aos membros da FSN residentes nos EUA”. Mas confessa que não declinaria um convite para conversar com George W. Bush: “Estou disponível para um diálogo directo com quem quer que seja, no sentido de tentar compreender os seus pontos de vista”, afirma.
Considerado um moderado, Al-Bayanouni diz que a Irmandade não tem ambições políticas na Síria — onde, desde 1980, a militância na organização é punida com pena de morte. “Tudo o que exigimos é uma mudança democrática com a participação de todas as cores da sociedade”, diz. Porém, não se furta a descrever o regime de Damasco se a Irmandade ditasse leis. “Defendemos o estabelecimento de um Estado civil, com instituições resultantes de eleições livres e democráticas. Logo, temos de aceitar os resultados, quer o vencedor seja homem ou mulher, muçulmano ou não”. A teocracia é, pois, um mito.
Unidos contra Bashar
São dos homens mais procurados na Síria. Ali Sadreddine al-Bayanouni (de óculos), 68 anos, lidera o braço sírio da Irmandade Muçulmana. Fugiu do país em 1979 durante uma campanha de repressão contra a organização islâmica. Abdul Halim Khaddam, 74 anos, foi vice-presidente da Síria entre 1971 e 2005, altura em que se rebelou contra o regime de Bashar al-Assad e se refugiou em Paris. Hoje, são parceiros numa estratégia que visa a mudança de regime na Síria — expressa na Declaração de Damasco de Outubro de 2005. Em Março de 2006, formaram a Frente de Salvação Nacional, uma coligação de forças de oposição, no exílio, que já está em diálogo com a Casa Branca.
IRMANDADE MUÇULMANA
Origem Fundada em 1928 por Hassan al-Banna, um professor egípcio de 22 anos, a “Sociedade dos Irmãos Muçulmanos” assume-se como um movimento sunita revivalista posterior à queda do Império Otomano. Opõe-se à disseminação dos ideais seculares e ocidentais pelo Médio Oriente.
Slogan “Alá é o nosso objectivo, o Profeta é o nosso líder, o Alcorão é a nossa lei, a Jihad (guerra santa) é a nossa via e a morte em nome de Alá é a maior das nossas aspirações”.
Objectivos Formar o indivíduo muçulmano; formar a família muçulmana; formar a sociedade muçulmana; formar o Estado muçulmano; formar a ‘Khilafah’ (a unidade entre Estados islâmicos); dominar o mundo através do Islão.
Implantação A Irmandade Muçulmana tem ramos em cerca de 70 países, da Somália aos Estados Unidos. Reivindicam a participação em conflitos como as guerras israelo-árabes, na Argélia, no Afeganistão ou na Caxemira.
Sítio oficial (em inglês) www.ikhwanweb.com À hora de fecho desta edição, num inquérito aos internautas sobre se a Irmandade devia encetar o diálogo directo com os EUA, 51,8% diziam sim.
Artigo publicado no “Expresso”, a 4 de agosto de 2007
É o líder do braço sírio da Irmandade Muçulmana, a organização islâmica mais influente no mundo. Exilado no Reino Unido, Ali Sadreddine al-Bayanouni, um advogado de 68 anos considerado um moderado, luta pela mudança de regime no seu país. Entrevista
Ali Sadreddine al-Bayanouni, líder do braço sírio da Irmandade Muçulmana ALCHETRON
Confirma a existência de reuniões entre elementos da Administração norte-americana e da Frente de Salvação Nacional (FSN, o maior grupo de opositores ao regime sírio, no exílio)? Sim, houve encontros em Washington. Foram do conhecimento de todos. Aconteceram três ou quatro vezes, desde o início deste ano.
Participou nalgum? Não. Foram restritos a membros da FSN que vivem nos Estados Unidos.
Esteve presente algum membro da Irmandade Muçulmana? Ninguém da Irmandade esteve presente porque o escritório da FSN em Washington não tem membros da Irmandade.
De quem foi a iniciativa dos encontros? Inicialmente, houve um pedido da FSN. Mas depois foram os americanos a solicitar as reuniões.
O que foi discutido? A situação na Síria e o pedido da FSN para que os americanos deixem de apoiar o regime sírio.
Os Estados Unidos apoiam o regime de Damasco? De que forma? O regime sírio beneficia de cobertura por parte dos Estados Unidos, da comunidade internacional e também dos governos árabes. Há alguma pressão exercida pela diplomacia americana no sentido do regime demonstrar uma boa conduta. Mas isso é feito não no sentido de contribuir para uma melhoria da democracia, da liberdade de expressão ou de outros valores democráticos na Síria, mas antes em nome do interesse americano na região.
“Aceitaria falar directamente com George W. Bush”
As sanções económicas podem ser uma forma de pressionar o regime sírio? A Irmandade Muçulmana rejeita qualquer tipo de sanções, que puniriam o povo e não o regime. Tudo o que pedimos à comunidade internacional é que diminua o seu apoio ao regime despótico sírio e que imponha sanções contra pessoas do regime.
Pode dar um exemplo da cobertura internacional a Damasco? A comunidade internacional continua a lidar com o regime sírio de uma forma natural. O regime não foi boicotado politica ou diplomaticamente. De tempos a tempos, realizam-se visitas. Os ministros dos Negócios Estrangeiros espanhol e francês foram à Síria, congressistas norte-americanos também.
Essas visitas são um erro? São um grande erro, porque fortalecem a moral do regime numa altura em que ele deveria ser cercado e enfraquecido.
Aceitaria falar directamente com George W. Bush sobre estas questões? Já declarei em muitas ocasiões que estou disponível para um diálogo directo com qualquer pessoa, quem quer que ela seja.
Não teme que o diálogo entre a Irmandade Muçulmana e os Estados Unidos possa desacreditar a organização junto de alguns sectores no mundo árabe? Somos muito claros e abertos nos diálogos que promovemos. Preocupamo-nos com o direito do nosso povo à democracia, sem qualquer tipo de intervenção estrangeira, sem ocupação e sem debilitar os direitos dos sírios.
Sabe se há contactos entre os Estados Unidos e a Irmandade Muçulmana egípcia e jordana? Só sei o que veio nos jornais, nomeadamente um encontro entre deputados egípcios que são membros da Irmandade Muçulmana e um político norte-americano que visitou o Egipto.
Os vários braços da Irmandade Muçulmana não se contactam? De tempos a tempos, há reuniões consultivas, mas não se fala desse tipo de assuntos.
“A Al-Qaeda é um perigo maior para os muçulmanos do que para os não-muçulmanos”
A Irmandade Muçulmana quer conquistar o poder na Síria? Absolutamente. Tudo o que exigimos é uma mudança democrática no país, com a participação de todas as cores da sociedade síria.
Bashar al-Assad desiludiu-o enquanto Presidente? Não me desiludiu porque eu não esperava que ele promovesse qualquer mudança democrática. Ele é filho do “Grande Assad” e faz parte desse regime. Não tem qualquer projecto democrático para a Síria, é a continuidade do pai.
Movimentos como o Hamas e a Al-Qaeda dizem-se inspirados pela Irmandade Muçulmana. A organização tem laços com esses movimentos? Em relação à Al-Qaeda, não há qualquer tipo de ligação ou contacto. Há mesmo grandes diferenças entre as duas organizações. A Al-Qaeda vê os membros da Irmandade como renegados e infiéis. Em relação ao Hamas, que está alinhado com a Irmandade em termos ideológicos e políticos, há circunstâncias especiais que se prendem com a ocupação da Palestina.
Sente a Al-Qaeda como uma ameaça, como quase todo o mundo? A Al-Qaeda é um perigo maior para os muçulmanos do que para os não-muçulmanos, maior nos países islâmicos do que nos ocidentais. A pressão exercida sobre os partidos e líderes islâmicos moderados só aumenta esse perigo cada vez mais.
Como se pode combater a Al-Qaeda? Temos de nos concentrar no seu pensamento ideológico. São muito extremistas, não aceitam o outro. Por outro lado, não devemos anular os moderados. Quando a ideologia moderada é aberta, o pensamento extremista adapta-se.
O senhor é considerado um moderado, mas no Ocidente vinga a ideia que a Irmandade é, por natureza, radical. Se a Irmandade subisse ao poder na Síria, uma mulher poderia tornar-se Presidente, por exemplo? O Ocidente tem uma informação muito limitada em relação ao Islão e à Irmandade. O nosso projecto político pode ser consultado no nosso sítio na Internet, em inglês, e lá está expressa a posição do Islão e da Irmandade em relação às mulheres. Nós apelamos ao estabelecimento de um Estado civil, com instituições resultantes de uma escolha livre e democrática. Ora, se nós apelamos à realização de eleições livres, devemos aceitar os resultados, quer o vencedor seja homem ou mulher, muçulmano ou não-muçulmano.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de agosto de 2007. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.